Mônica Heloisa Braga Vasques*Fabíola Cristina M. Caovilla Palipério**
Educação e Formação dos Professores
Diante das crises evidentes que o mundo moderno vem demonstrando neste início de século, em todos os âmbitos do saber e do fazer humanos, notadamente no da Educação atingindo conceitos de autonomia, emancipação e liberdade, cumpre-nos, mais uma vez, repensarmos e refletirmos sobre as novas competências para ensinar, novos entendimentos sobre ensinar e aprender,aprender a aprender e como apreender as novas formas de relação entre a ética e o agir pedagógico.
Isto deve ocorrer para que possamos compreender e ensinar a pensar sobre os problemas existentes, diante da pluralidade dos diferentes contextos culturais de uma sociedade que altera profundamente seus processos de socialização e de formação de identidade.
Assim, para Hermann (2001:90), “embora a sociedade imprima a Educação um caráter de constante mutação, como incontrolável, nós não devemos entender este processo como de desorientação”. E é neste contexto que se torna impossível se sustentar um modelo ideal de Educação e, muito menos, de se continuar com a aplicação das tradicionais práticas pedagógicas.
Para tanto, a pluralidade dos contextos sociais impelem à multiplicidade e ao reconhecimento de um mundo plural que exige do ato de “Educar” novos moldes e técnicas, que se renovam, e constantemente, renovam os objetivos da Educação.
E é, portanto, dentro desta conotação da realidade que se insere este nosso estudo, despretensioso e em nada inovador, frente aos já publicados neste campo, mas que pode servir de base, auxílio e ponto de partida para momentos de reflexão, quando se pensa nos novos papéis da Escola e de seus Educadores, principalmente sobre a ótica profissional e profissionalizante, na busca de aperfeiçoamento, aprimoramento ou desenvolvimento de novas potencialidades, para uma escola competente, dentro das novas exigências impostas pela cultura plural, heterogênea, ética e facilitadora da cidadania.
Assim, como pudemos constatar, os professores foram desenvolvendo, pelo seu papel em diferentes ocasiões, várias conotações: a do crente, do mágico, do palhaço, do vendedor de ilusões, do salvador da pátria, do mito, do pesquisador, do cientista, do padre, do pastor, do mestre, do artista e do artesão, quer pelo seu saber acumulado, no passado, pelo preparo científico, quer pela improvisação na resolução de problemas, como no manuseio das práticas pedagógicas, hoje em evidente crise de desprestígio.
Desta forma, fomos em busca de uma educação e de educadores que trabalham realmente para a construção de uma sociedade mais digna, mais feliz, mais respeitável, contribuindo, para que os educandos consigam ter uma vida melhor, que leve ao sucesso, com qualidade, criando sensibilidades que se impõem como novas temáticas para a educação. Daí a educação inter e multicultural, de gênero, para a paz, a ambiental, entre outras, que chegaram para ampliar nossos horizontes de compreensão.
Assim, neste novo contexto de Educação entendemos a formação continuada dos professores como uma necessidade imperiosa que se impõe, a cada dia, seja pelos mecanismos públicos e gratuitos, seja pela busca incansável de recursos diferenciados, individuais e autônomos, ou promovidos por instituições, agremiações, sindicatos, mas de qualquer forma, sempre consciente, critica, reflexiva, interativa e plural, através da pedagogia das competências, sejam pela autonomia ou pela adaptação da interação entre os três sujeitos: o eu individual, o eu pessoal e o eu social. Segundo Nogueira (2002), é o que vem acontecendo no Chile, Argentina, Brasil e em quase toda a América Latina, como também na França, Espanha, Portugal e Austrália.
Modelos tradicionais de ensino
A necessidade da efetiva reformulação dos modelos tradicionais de formação docente, de forma continuada, tem servido como meio para se chegar a uma educação e aos seus profissionais competentes, e esta idéia cresce dia-a-dia, não só no Brasil, como em todo mundo, não apenas entre pesquisadores e acadêmicos, como também está presente na definição de políticas que afetam os sistemas de profissionalização.
Segundo Imbérnon (2004:9), diante das mudanças adotadas pela comunidade social, no conhecimento científico; nas formas de pensar, sentir e agir das novas gerações; nos meios de comunicação e da tecnologia; nas transformações da vida institucional em relação à transmissão do conhecimento; na análise da Educação que deixa de ser patrimônio exclusivo dos docentes e na presença de modelos relacionais e participativos na prática educacional, surge “uma nova forma de ver a instituição escolar, as novas funções do professor, uma nova cultura profissional e mudança no posicionamento de todos os que trabalham na educação”.
Assim, só podemos pensar em mudança da prática docente se reformularmos a atuação junto aos professores e, para tal, a preparação profissional inicial ou continuada, constituem grande estratégia de profissionalização do professor, desenvolvendo-lhe competências necessárias para atuar no novo cenário, posto que a maior parte das reformas educacionais que vêm sendo adotadas, contemplam a formação inicial dos professores, as medidas de aperfeiçoamento, os debates, a capacitação em serviço, embora somente estas medidas não sejam suficientes para atender e abranger amplamente a questão.
Com base em estudos recentes, buscamos com este artigo contribuir e enriquecer sobre esta premência emergencial no que diz respeito a políticas educacionais que rompam com a forma tradicional de ensino, ensejando melhores caminhos para o campo educacional e que seus profissionais atinjam, na crescente busca, a satisfação pessoal, social e profissional, através de propostas pedagógicas alternativas que efetivem a sociedade democrática e solidária, tão almejada “por um sistema aberto, no qual intervenham variáveis organizacionais quanto de personalidade e interpessoais”.
Como afirma Ramos: “posto que a essência humana é aquela desenvolvida pelo homem na sua história social e não transcendentes, organizando uma escola não apenas ativa, como também criadora”. Ramos (2002; 298).
Conhecimento Profissional do Professor
Segundo Imbérnom, (2004) os professores possuem um amplo corpo de conhecimentos e habilidades especializadas que adquirem durante um prolongado período de formação.
O conhecimento pedagógico é construído e ampliado ao longo do tempo pelos profissionais da educação, durante sua vida profissional, como resultado das relações entre teoria e prática, ao passo que o conhecimento da disciplina requer mais técnica, focado nos procedimentos de transmissão. Já a competência profissional é fruto de todo processo educativo, mais a interação entre os professores e o exercício da profissão, com seus próprios alunos.
Para as próximas décadas, a tendência deverá continuar a ser a formuladora de uma sociedade em mudança, com sensível desenvolvimento tecnológico e sensível elevação do conhecimento.
Conseqüentemente, a reformulação dos modelos de formação docente não deve mais ser vista e sentida como necessidade, mas como urgência ou emergência, para o professor, posto que o professor acadêmico e tecnicista, transmissor de conhecimentos, faz parte de um arquivo do passado.
Atualmente, a expectativa que se tem do papel do professor, é a de que ele intervenha, de forma ativa e reformule sua prática através de avaliações e estratégias diferenciadas, para, com métodos alternativos, atingir a urgente alteridade, com autonomia e participação, consciente e responsável.
Daí resulta a reformulação de sua capacitação profissional para criar um profissional facilitador da aprendizagem, prático reflexivo,envolvendo nesse processo educativo, não só o seu conhecimento como as novas necessidades dos alunos e as ansiedades dos familiares, atingindo metas pessoais, profissionais, institucionais e sociais. Ele se organiza e auxilia na organização educativa.
Este é, pois, o momento de se refletir sobre a necessidade de se continuar a investir em educação, na formação inicial, ao longo de sua vida profissional, de forma contínua, efetiva e eficiente, para que a sociedade colha os frutos através da ação social de seus professores e alunos, como um produto final reerguendo valores de pátria, nação, tornando-a mais humana e humanizadora, com modelos de vida mais digna, mais feliz e mais respeitável, entre seus cidadãos.
De fato, este deveria ser o verdadeiro papel da escola e dos educadores: contribuir para uma vida melhor, mais saudável e respeitável, em todos os segmentos da sociedade, diante da radical pluralidade existente na vida de hoje: político, sociais, artísticos, religiosos ou científicos, pela ação continuada da epistemologia instrumentalizada da pedagogia, inter-relacionada com as demais ciências da educação, indissociáveis e contínuas, considerando o saber em toda sua extensão.
A educação assim repensada e compreendida desencadeia um processo refletido das relações entre a ética e agir pedagógico, através de uma prática educativa que interfira em nosso conhecimento, em nossas possibilidades, como aprendizes e investigadores, num misto de ação e aprendizagem.
Competência e Qualidade para Ensinar
Com o caráter reflexivo, do professor, deve-se estender a sua competência as ações de revisão sobre sua pratica, envolvendo não só trabalho criativo, autônomo, calcado, não apenas no conhecimento (métodos, conceitos e princípios), mas também nas capacidades de saber, saber fazer, saber como. Como isto, haverá um desenvolvimento da capacidade de aprender com sucesso e com os erros, no aprender com o outro, na troca de experiências, no aceitar responsabilidades, entre outras.
Perrenoud (2001:17) defende que “a abordagem por competências não pretende mais do que permitir a cada um, aprender a usar seus saberes para atuar”, criando, para o ensino de melhor qualidade, condições de formação que saiba, alem das palavras, decodificar sinais e símbolos do mundo e da cultura de sua época.
Em Alarcão (2001:23), “compreender o mundo, os outros e a si mesmo, bem como as interações entre estes vários componentes, sendo capaz ele de intervir, estabelecendo o alicerce para vivência e a cidadania”, posto que é através desta compreensão que nos tornamos preparados para o incerto, para o novo, para o difícil, para outras circunstâncias através de permanente “interação, contextualização e colaboração”, além da capacidade de aprender autonomamente, o que se tornou fundamental, em Educação; aliando-se a tudo isto, as competências de Perrenoud, como por exemplo: organizar e dirigir situações de aprendizagem, bem como administrar a própria formação contínua sabendo o como fazer: o que procurar, onde procurar, o que fazer com as múltiplas informações colhidas, para não se tornar num mero receptor ou reprodutor do saber acumulado ao mesmo tempo, recriando-as, distribuindo-as pelos múltiplos saberes, através de estratégias, também apropriadas, como: trabalhar a partir dos erros, a partir dos alunos, do seu próprio saber, desejando vencer obstáculos, estabelecendo relações entre o saber, a experiência e o trabalho, numa visão longitudinal dos objetivos, observando e avaliando as situações, valorizando as tecnologias e os dispositivos didáticos atualizados, disponíveis, interativos e flexibilizados, criando, intensificando e diversificando, o desejo de aprender e reforçando a decisão de aprender.
Para ensinar, então, é preciso, se ter esta conotação, reunir todas estas competências além de saber ouvir, observar, auxiliar, criar, inovar, de forma dinâmica, reflexiva, analítica e critica, consciente e responsável, cidadã e democrática.
O papel da Escola e dos professores na construção da democracia
Segundo Mello e Rego (2202; 4), a preparação e desempenho dos professores ligam-se a dois fatores básicos; “o novo perfil que a escola e os professores devem assumir para entender as demandas do mundo contemporâneo”, a questão tecnológica, os modelos de ensino, o desempenho docente e binômio eficiência e eficácia da instituição de ensino; outro fator preponderante é a expansão do numero de matrículas no ensino fundamental, “os avanços, no sentido de universalizar o acesso ao ensino obrigatório, transformam significativamente as expectativas educacionais”, fazendo professores elementos essenciais na realização da construção e atualização das escolas, no atendimento das necessidades de alunos com origens e interesses diversos, para quem a escola até então, não havia feito muito sentido, e para seus familiares, que até então eram excluídos ou não considerados.
Estes dois fatores têm gerado forte questionamento em torno da escola como pólo de ansiedades sociais e dos professores, na construção da democracia e, por isto mesmo, levado a todos os envolvidos em educação a debates, seminários, simpósios, fóruns, onde se valoriza a troca de experiências entre os profissionais e o conhecimento interativo e interdisciplinar.
A nova ótica escolar
Há, ainda, em relação a escola, uma exigência de que esta se pense por si própria, assuma-se como “escola reflexiva” e ofereça um trabalho muito mais profissional que o atual disponível. Isto desperta uma revisão da prática docente e a necessária e conseqüente reformulação da profissão docente que rompe com antigos conceitos do professor tradicional, acadêmico, enciclopedista, especialista, técnico com transmissão de conhecimentos prontos, acabados, com postura de ser “o dono da verdade”, com receitas e procedimentos de intervenções planejadas, numa forma mecanicista do ato de ensinar.
No novo contexto escola-sociedade todos crescem juntos: professor, escola, comunidade, com novos sistemas de trabalho, associando-se às escolas as idéias de núcleos, onde um conjunto de pessoas trabalham, não só desenvolvendo o professor, como novas aprendizagens do exercício da profissão docente.
Nesta era de mudanças criam-se muitas expectativas sobre o professor, e entre elas, contam-se: acolhedor da diversidade, aberto a inovações, comprometido com a aprendizagem, solicito aos alunos. Com sólida formação cientifica e cultural, com domínio da língua, com conhecimentos tecnológicos, articulador de conteúdos educacionais, interdiciplinar, com profundos conhecimentos de sua área de atuação, que estabeleça relações de integração da sua com outras áreas do conhecimento, implantador de projetos, alguém que valorize quem apreende, visando à melhoria da aprendizagem, do conhecimento, das habilidades e competências dos educandos.
Segundo Schön (1987), “a formação de professores tem recebido várias críticas mundiais por não produzir profissionais competentes que revertam a situação de desempenho medíocre “, conquistado pelas escolas, a altos custos e ainda, não reverter o quadro do desempenho dos alunos.
Para Rios (2001; 63), “o ensino competente é o ensino de qualidade”, o que apresenta a possibilidade de conexão entre as dimensões: técnicas, política, ética e estética da formação docente.
Finalizamos este artigo definindo um “professor competente” através de duas vertentes de qualidade: o caráter reflexivo da atividade docente e o caráter reflexivo do professor, como profissional e pesquisador.
Referências bibliográficas
ALARCÃO, Isabel. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva. 2ª ed. São Paulo; Cortez, 2003.
DUTRA, Luiz Henrique de A. Epistemologia da Aprendizagem (O que você precisa saber sobre). Rio de Janeiro; DPZA Editora, 2000.
HERNANN, Nadja. Pluralidade e Ética em Educação. Rio de Janeiro; DPZA Editora, 2001.
IMBÉRNON, Francisco. Formação docente profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.
MELLO, Guiomar Namo de & REGO, Teresa Cristina. Formação de Professores na América Latina e Caribe: A Busca por Inovação e Eficiência. Conferência Internacional: Desempenho de Professores na América Latina, Tempo de Novas Prioridades. Brasília; 2002.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre; Artes Médicas Sul, 2000.
RAMOS, Marise nogueira. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
SCHÖN, D. Educating the reflexive Practitioner. São Francisco; Jassey Bass, 1987.
* Mestra em educação e mestra em administração, professora da UNINOVE e UNICID.
** Mestra em ciências da saúde.
Fonte: Hottopos
Disponivel em: http://www.hottopos.com/index.html
27.9.08
25.9.08
Conheça a história do voto no Brasil
Poliani Castello Branco
A história do voto no Brasil começou 32 anos após Cabral ter desembarcado no País. Foi no dia 23 de janeiro de 1532 que os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa - São Vicente, em São Paulo - foram às urnas para eleger o Conselho Municipal.
A votação foi indireta: o povo elegeu seis representantes, que, em seguida, escolheram os oficiais do Conselho. Já naquela época, era proibida a presença de autoridades do Reino nos locais de votação, para evitar que os eleitores fossem intimidados. As eleições eram orientadas por uma legislação de Portugal - o Livro das Ordenações, elaborado em 1603.
Somente em 1821 as pessoas deixaram de votar apenas em âmbito municipal. Na falta de uma lei eleitoral nacional, foram observados os dispositivos da Constituição Espanhola para eleger 72 representantes junto à corte portuguesa. Os eleitores eram os homens livres e, diferentemente de outras épocas da história do Brasil, os analfabetos também podiam votar. Os partidos políticos não existiam e o voto não era secreto.
Fraudes eleitorais
Com a independência do Brasil de Portugal, foi elaborada a primeira legislação eleitoral brasileira, por ordem de Dom Pedro I. Essa lei seria utilizada na eleição da Assembléia Geral Constituinte de 1824.
Os períodos colonial e imperial foram marcados pelo chamado voto censitário e por episódios freqüentes de fraudes eleitorais. Havia, por exemplo, o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.
Também não existia título de eleitor e as pessoas eram identificadas pelos integrantes da Mesa Apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios. Somente em 1842 foi proibido o voto por procuração.
Em 1855, o voto distrital também foi vetado, mas essa lei acabou revogada diante da reação negativa da classe política. Outra lei estabeleceu que as autoridades deveriam deixar seus cargos seis meses antes do pleito e que deveriam ser eleitos três deputados por distrito eleitoral.
Título sem foto
Em mais uma medida moralizadora, o título de eleitor foi instituído em 1881, por meio da chamada Lei Saraiva. Mas o novo documento não adiantou muito: os casos de fraude continuaram a acontecer porque o título não possuía a foto do eleitor.
A juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, afirma que, mesmo com esses problemas, é interessante perceber que já naquela época havia consciência da importância do voto. "As leis já refletiam a preocupação de que realmente se apurasse a vontade daqueles poucos que integravam o universo dos eleitores. Mas, sem dúvida alguma, era um processo eleitoral direcionado, que não revelava um nível sequer razoável de exercício de democracia", afirma.
Depois da Proclamação da República, em 1889, o voto ainda não era direito de todos. Menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero estavam impedidos de votar.
Dois governadores eleitos
O voto direto para presidente e vice-presidente apareceu pela primeira vez na Constituição Republicana de 1891. Prudente de Morais foi o primeiro a ser eleito dessa forma. Foi após esse período que se instalou a chamada política do café-com-leite, em que o Governo era ocupado alternadamente por representantes de São Paulo e Minas Gerais.
O período da República Velha, que vai do final do Império até a Revolução de 1930, foi marcado por eleições ilegítimas. As fraudes e o voto de cabresto eram muito comuns, com os detentores do poder econômico e político manipulando os resultados das urnas. Em uma eleição desse período, ocorrida no Rio de Janeiro, tantos eleitores votaram duas vezes que foi preciso empossar dois governadores e duas Assembléias Legislativas.
Para o cientista político Jairo Nicolau, autor de um livro sobre a história do voto, a República representou um retrocesso em relação ao Império, em razão da prática do voto de cabresto. "As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam", narra.
Década de 30: surgem os votos secreto e feminino
A década de 30 iniciou-se com o País em clima revolucionário. A queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, contaminou o mundo, provocando a suspensão dos créditos internacionais no Brasil. O principal produto de exportação, o café, perdeu seu maior mercado consumidor, o norte-americano, levando o setor a uma crise sem precedentes.
Em meio à insatisfação que tomou conta da população, Getúlio Vargas protagonizou o golpe que tirou o presidente Washington Luís do governo. Apesar da crise, havia esperanças de que a cidadania seria ampliada e de que haveria eleições livres e diretas. A presença feminina, cada vez mais marcante, chegou às urnas. Em 1932, foi instituída uma nova legislação eleitoral e as mulheres conquistaram o direito ao voto. A professora Ana Maria Amarante, juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, analisa essa difícil conquista: "A mulher conquistou o direito ao voto, mas pouco pode exercê-lo durante um período bastante longo. Só com a redemocratização de 1945 é que se abririam os horizontes para o pleno exercício do sufrágio feminino", afirma.
Foto no título
Foi também no início da década de 30 que o voto passou a ser secreto, após a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais. Mas esses avanços duraram pouco. No final de 1937, após o golpe militar, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, uma ditadura que se prolongou até 1945. Durante oito anos, o brasileiro não foi às urnas uma única vez. O Congresso foi fechado, e o período, marcado pelo centralismo político.
Depois da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos aliados, era grande a pressão pela volta à democracia, o que levou Vargas a permitir a reorganização partidária e a convocar eleições. Em dezembro de 1945, o general Dutra foi eleito com 54,2% dos votos. Foram utilizadas cédulas eleitorais impressas com o nome de apenas um candidato, que eram distribuídas pelos próprios partidos.
Somente em 1955, a Justiça Eleitoral encarregou-se de produzir as cédulas. E para diminuir as fraudes, começou a ser exigida a foto no título eleitoral.
Anos 60 e 70: ditadura e bipartidarismo
O golpe militar de 1964 impediu a manifestação mais legítima de cidadania, ao proibir o voto direto para presidente da República e representantes de outros cargos majoritários, como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais, estaduais e vereadores eram escolhidos pelas urnas. O regime que destituiu o presidente João Goulart fechou emissoras de rádio e televisão, e a censura tornou-se prática comum
Bipartidarismo
Em 1968, o presidente Costa e Silva decretou o Ato Institucional número 5, o AI- 5, que deu plenos poderes ao governo. O Congresso foi fechado e diversos parlamentares tiveram seus direitos cassados. Partidos políticos foram extintos e o bipartidarismo foi adotado no País: foram criados a Arena, que reunia partidos do governo, e o MDB, que aglutinava as "oposições". Em 1972, foram restauradas as eleições diretas para senador e prefeito, exceto para as capitais.
No entanto, como lembra com o cientista político Jairo Nicolau, os militares continuavam interferindo no processo eleitoral. Uma das artimanhas utilizadas pelo regime era a sublegenda. O partido que recorria à sublegenda podia apresentar até três nomes para disputar o cargo. Os votos dos três candidatos eram somados e, se a sublegenda vencesse nas urnas, o mais votado assumia o posto, mesmo que tivesse obtido menos votos do que seu adversário. O casuísmo é lembrado pelo professor: "esse sistema foi muito engenhoso, funcionou durante praticamente todo o Regime Militar. Deu estruturação aos interesses políticos da Arena e foi utilizado até no Regime Democrático, em 1986
Pacote de abril
Década de 70. Os chamados anos de chumbo desgastaram a imagem dos governos militares, que em 1974 assistiram ao crescimento do MDB nas urnas. Na tentativa de calar a oposição, o governo baixou em 1976 o decreto apelidado de Lei Falcão, em referência ao ministro da Justiça Armando Falcão. Na propaganda eleitoral, foram permitidas apenas fotos dos candidatos e a voz de um locutor anunciando seu currículo.
Para evitar novo fracasso nas eleições de 1978 para o Senado, o governo editou o que ficou conhecido como Pacote de Abril, como explica Jairo Nicolau. "O Pacote de Abril foi outra artimanha, uma intervenção mais forte. Cada estado tem três senadores, e, na eleição de 78, eram apenas dois senadores, um eleito diretamente e outro, indiretamente. De que maneira? Eleito pela Assembléia Legislativa de cada estado. Como a Arena era o partido majoritário, seus senadores foram eleitos em praticamente todos os estados, com exceção da Guanabara, onde o MDB era o partido majoritário".
A população reagiu com ironia à medida do governo, apelidando os eleitos pelas Assembléias Legislativas de senadores biônicos.
Mesmo com todas essas manipulações, o MDB, liderado pelo deputado Ulysses Guimarães, saiu vitorioso nas eleições de 1978, obtendo 57% dos votos. Um ano depois, o governo extinguiu o bipartidarismo e o pleito de 1982 sinalizava o fim do autoritarismo.
Década de 80: as Diretas-Já
Em 1984, milhares de pessoas foram às ruas exigir a volta das eleições diretas para presidente. Ulysses Guimarães foi uma das principais lideranças da campanha e tornou-se um dos maiores opositores ao regime militar, passando a ser chamado de Senhor Diretas. Apesar da pressão popular, a proposta de emenda à Constituição que restituía o voto direto, do deputado Dante de Oliveira, foi rejeitada.
A juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, explica que, apesar dos apelos, a emenda das Diretas não foi aprovada naquele período porque "não era conveniente para importantes lideranças, não apenas militares. As lideranças civis temiam, talvez, uma mudança muito drástica: a ascensão do populismo sempre esteve nas preocupações da elite brasileiras", afirma.
Fim do regime militar
Em 1985, o primeiro presidente civil após o Golpe de 64 foi eleito: Tancredo Neves. Apesar de indireta, sua escolha entusiasmou a maioria dos brasileiros, marcando o fim do Regime Militar e o início da redemocratização do País.
Com a morte de Tancredo, logo após sua eleição a presidência foi ocupada pelo vice, José Sarney, que, ironicamente, era um dos principais líderes da Arena, partido que apoiava o Regime Militar.
Apesar disso, o período conhecido como Nova República trouxe avanços importantes: ainda em 1985, uma emenda constitucional restabeleceu eleições diretas para a presidência e para as prefeituras das cidades consideradas como área de segurança nacional pelo Regime Militar. A emenda também concedeu direito de voto aos maiores de 16 anos e, pela primeira vez na história republicana, os analfabetos também passaram a votar, um dos grandes avanços das eleições.
Década de 90: avanços no sistema eleitoral
O ano de 1993 ainda foi marcado pelo plebiscito que levou mais de 67 milhões de eleitores às urnas para decidir a forma e o sistema de governo. A monarquia e o parlamentarismo foram descartados pela maioria da população, que votou pela manutenção da República e do presidencialismo.
O debate sobre amplas reformas econômicas e sociais era constante nas campanhas eleitorais de 1994, ano em que foi aprovada a emenda que reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos. O senador e ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, participou da disputa eleitoral como idealizador do Plano Real e ainda como defensor de reformas constitucionais. Ele acabou vencendo em primeiro turno e derrotando inúmeros candidatos, inclusive o petista Luiz Inácio Lula da Silva
Urnas eletrônicas
A década de 90 trouxe uma grande novidade na história do voto no Brasil: as urnas eletrônicas. Em 1996, elas foram utilizadas pela primeira vez nas eleições municipais e, em 2000, foram introduzidas em todo o País.
O procurador regional eleitoral do Distrito Federal, Franklin da Costa, acredita que essa nova experiência trouxe mais confiabilidade ao processo eleitoral, agilizou a apuração, e o que é melhor: reduziu significativamente ou praticamente eliminou as fraudes. "Não houve, apesar de alguns dizerem que é possível, evidência de fraude. Nosso sistema é um dos mais avançados do mundo".
O procurador eleitoral Antônio Carneiro Sobrinho lembra que, em 1997, foi introduzida outra novidade na história do voto: uma emenda constitucional que possibilitou a reeleição, o que levou o presidente Fernando Henrique Cardoso novamente ao poder. "Dentro do contexto histórico, isso foi muito importante. É verdade que ainda estamos experimentando esse sistema. Alguns criticam, dizendo que a partir do momento que se possibilita ao presidente, ao governador e ao prefeito disputarem o mandato à frente da máquina administrativa, eles têm certa vantagem com relação aos que não são detentores de cargo. Mas a legislação vem sendo melhorada no sentido de conter abuso por parte do dirigente que esteja à frente de uma administração".
Verticalização das coligações
Em 2002, uma inovação foi o voto impresso, adotado de forma experimental no Distrito Federal e em Sergipe. Outra novidade estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições daquele ano foi a verticalização das coligações partidárias, que obriga os partidos a repetirem nos estados as alianças firmadas em nível federal.
Para o procurador eleitoral Franklin da Costa, com a verticalização, o eleitor pode identificar as ideologias de cada partido e escolher melhor. "Essa é uma nova descoberta em nosso país, de que há partidos e que cada um tem ideologias, um programa de governo", lembra.
Sistema avançado
Hoje, há um consenso entre os historiadores e as autoridades ligadas à questão eleitoral de que o sistema brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Um exemplo disso é que observadores dos Estados Unidos vieram ao País para aprender sobre o voto eletrônico. Ainda assim, o Legislativo brasileiro estuda uma série de mudanças para aprimorar o sistema, entre elas, a fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas.
Neste ano, o Brasil volta às urnas, tornando o País uma das maiores democracias do mundo. São 19 anos ininterruptos em que o eleitor escolhe seus representantes por meio do voto. Nessas eleições, mais de 119 milhões de eleitores estarão exercendo esse legítimo direito.
A votação foi indireta: o povo elegeu seis representantes, que, em seguida, escolheram os oficiais do Conselho. Já naquela época, era proibida a presença de autoridades do Reino nos locais de votação, para evitar que os eleitores fossem intimidados. As eleições eram orientadas por uma legislação de Portugal - o Livro das Ordenações, elaborado em 1603.
Somente em 1821 as pessoas deixaram de votar apenas em âmbito municipal. Na falta de uma lei eleitoral nacional, foram observados os dispositivos da Constituição Espanhola para eleger 72 representantes junto à corte portuguesa. Os eleitores eram os homens livres e, diferentemente de outras épocas da história do Brasil, os analfabetos também podiam votar. Os partidos políticos não existiam e o voto não era secreto.
Fraudes eleitorais
Com a independência do Brasil de Portugal, foi elaborada a primeira legislação eleitoral brasileira, por ordem de Dom Pedro I. Essa lei seria utilizada na eleição da Assembléia Geral Constituinte de 1824.
Os períodos colonial e imperial foram marcados pelo chamado voto censitário e por episódios freqüentes de fraudes eleitorais. Havia, por exemplo, o voto por procuração, no qual o eleitor transferia seu direito de voto para outra pessoa.
Também não existia título de eleitor e as pessoas eram identificadas pelos integrantes da Mesa Apuradora e por testemunhas. Assim, as votações contabilizavam nomes de pessoas mortas, crianças e moradores de outros municípios. Somente em 1842 foi proibido o voto por procuração.
Em 1855, o voto distrital também foi vetado, mas essa lei acabou revogada diante da reação negativa da classe política. Outra lei estabeleceu que as autoridades deveriam deixar seus cargos seis meses antes do pleito e que deveriam ser eleitos três deputados por distrito eleitoral.
Título sem foto
Em mais uma medida moralizadora, o título de eleitor foi instituído em 1881, por meio da chamada Lei Saraiva. Mas o novo documento não adiantou muito: os casos de fraude continuaram a acontecer porque o título não possuía a foto do eleitor.
A juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, afirma que, mesmo com esses problemas, é interessante perceber que já naquela época havia consciência da importância do voto. "As leis já refletiam a preocupação de que realmente se apurasse a vontade daqueles poucos que integravam o universo dos eleitores. Mas, sem dúvida alguma, era um processo eleitoral direcionado, que não revelava um nível sequer razoável de exercício de democracia", afirma.
Depois da Proclamação da República, em 1889, o voto ainda não era direito de todos. Menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero estavam impedidos de votar.
Dois governadores eleitos
O voto direto para presidente e vice-presidente apareceu pela primeira vez na Constituição Republicana de 1891. Prudente de Morais foi o primeiro a ser eleito dessa forma. Foi após esse período que se instalou a chamada política do café-com-leite, em que o Governo era ocupado alternadamente por representantes de São Paulo e Minas Gerais.
O período da República Velha, que vai do final do Império até a Revolução de 1930, foi marcado por eleições ilegítimas. As fraudes e o voto de cabresto eram muito comuns, com os detentores do poder econômico e político manipulando os resultados das urnas. Em uma eleição desse período, ocorrida no Rio de Janeiro, tantos eleitores votaram duas vezes que foi preciso empossar dois governadores e duas Assembléias Legislativas.
Para o cientista político Jairo Nicolau, autor de um livro sobre a história do voto, a República representou um retrocesso em relação ao Império, em razão da prática do voto de cabresto. "As eleições deixaram de ter relevância para a população, eram simplesmente uma forma de legitimar as elites políticas estaduais. Elas passaram a ser fraudadas descaradamente, de uma maneira muito mais intensa do que no Império. Dessa época vêm as famosas eleições a bico de pena: um dia antes da eleição, o presidente da Mesa preenchia a ata dizendo quantas pessoas a tinham assinado, fraudando a assinatura das pessoas que compareciam", narra.
Década de 30: surgem os votos secreto e feminino
A década de 30 iniciou-se com o País em clima revolucionário. A queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, contaminou o mundo, provocando a suspensão dos créditos internacionais no Brasil. O principal produto de exportação, o café, perdeu seu maior mercado consumidor, o norte-americano, levando o setor a uma crise sem precedentes.
Em meio à insatisfação que tomou conta da população, Getúlio Vargas protagonizou o golpe que tirou o presidente Washington Luís do governo. Apesar da crise, havia esperanças de que a cidadania seria ampliada e de que haveria eleições livres e diretas. A presença feminina, cada vez mais marcante, chegou às urnas. Em 1932, foi instituída uma nova legislação eleitoral e as mulheres conquistaram o direito ao voto. A professora Ana Maria Amarante, juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, analisa essa difícil conquista: "A mulher conquistou o direito ao voto, mas pouco pode exercê-lo durante um período bastante longo. Só com a redemocratização de 1945 é que se abririam os horizontes para o pleno exercício do sufrágio feminino", afirma.
Foto no título
Foi também no início da década de 30 que o voto passou a ser secreto, após a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais. Mas esses avanços duraram pouco. No final de 1937, após o golpe militar, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, uma ditadura que se prolongou até 1945. Durante oito anos, o brasileiro não foi às urnas uma única vez. O Congresso foi fechado, e o período, marcado pelo centralismo político.
Depois da Segunda Guerra Mundial, com a vitória dos aliados, era grande a pressão pela volta à democracia, o que levou Vargas a permitir a reorganização partidária e a convocar eleições. Em dezembro de 1945, o general Dutra foi eleito com 54,2% dos votos. Foram utilizadas cédulas eleitorais impressas com o nome de apenas um candidato, que eram distribuídas pelos próprios partidos.
Somente em 1955, a Justiça Eleitoral encarregou-se de produzir as cédulas. E para diminuir as fraudes, começou a ser exigida a foto no título eleitoral.
Anos 60 e 70: ditadura e bipartidarismo
O golpe militar de 1964 impediu a manifestação mais legítima de cidadania, ao proibir o voto direto para presidente da República e representantes de outros cargos majoritários, como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais, estaduais e vereadores eram escolhidos pelas urnas. O regime que destituiu o presidente João Goulart fechou emissoras de rádio e televisão, e a censura tornou-se prática comum
Bipartidarismo
Em 1968, o presidente Costa e Silva decretou o Ato Institucional número 5, o AI- 5, que deu plenos poderes ao governo. O Congresso foi fechado e diversos parlamentares tiveram seus direitos cassados. Partidos políticos foram extintos e o bipartidarismo foi adotado no País: foram criados a Arena, que reunia partidos do governo, e o MDB, que aglutinava as "oposições". Em 1972, foram restauradas as eleições diretas para senador e prefeito, exceto para as capitais.
No entanto, como lembra com o cientista político Jairo Nicolau, os militares continuavam interferindo no processo eleitoral. Uma das artimanhas utilizadas pelo regime era a sublegenda. O partido que recorria à sublegenda podia apresentar até três nomes para disputar o cargo. Os votos dos três candidatos eram somados e, se a sublegenda vencesse nas urnas, o mais votado assumia o posto, mesmo que tivesse obtido menos votos do que seu adversário. O casuísmo é lembrado pelo professor: "esse sistema foi muito engenhoso, funcionou durante praticamente todo o Regime Militar. Deu estruturação aos interesses políticos da Arena e foi utilizado até no Regime Democrático, em 1986
Pacote de abril
Década de 70. Os chamados anos de chumbo desgastaram a imagem dos governos militares, que em 1974 assistiram ao crescimento do MDB nas urnas. Na tentativa de calar a oposição, o governo baixou em 1976 o decreto apelidado de Lei Falcão, em referência ao ministro da Justiça Armando Falcão. Na propaganda eleitoral, foram permitidas apenas fotos dos candidatos e a voz de um locutor anunciando seu currículo.
Para evitar novo fracasso nas eleições de 1978 para o Senado, o governo editou o que ficou conhecido como Pacote de Abril, como explica Jairo Nicolau. "O Pacote de Abril foi outra artimanha, uma intervenção mais forte. Cada estado tem três senadores, e, na eleição de 78, eram apenas dois senadores, um eleito diretamente e outro, indiretamente. De que maneira? Eleito pela Assembléia Legislativa de cada estado. Como a Arena era o partido majoritário, seus senadores foram eleitos em praticamente todos os estados, com exceção da Guanabara, onde o MDB era o partido majoritário".
A população reagiu com ironia à medida do governo, apelidando os eleitos pelas Assembléias Legislativas de senadores biônicos.
Mesmo com todas essas manipulações, o MDB, liderado pelo deputado Ulysses Guimarães, saiu vitorioso nas eleições de 1978, obtendo 57% dos votos. Um ano depois, o governo extinguiu o bipartidarismo e o pleito de 1982 sinalizava o fim do autoritarismo.
Década de 80: as Diretas-Já
Em 1984, milhares de pessoas foram às ruas exigir a volta das eleições diretas para presidente. Ulysses Guimarães foi uma das principais lideranças da campanha e tornou-se um dos maiores opositores ao regime militar, passando a ser chamado de Senhor Diretas. Apesar da pressão popular, a proposta de emenda à Constituição que restituía o voto direto, do deputado Dante de Oliveira, foi rejeitada.
A juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ana Maria Amarante, explica que, apesar dos apelos, a emenda das Diretas não foi aprovada naquele período porque "não era conveniente para importantes lideranças, não apenas militares. As lideranças civis temiam, talvez, uma mudança muito drástica: a ascensão do populismo sempre esteve nas preocupações da elite brasileiras", afirma.
Fim do regime militar
Em 1985, o primeiro presidente civil após o Golpe de 64 foi eleito: Tancredo Neves. Apesar de indireta, sua escolha entusiasmou a maioria dos brasileiros, marcando o fim do Regime Militar e o início da redemocratização do País.
Com a morte de Tancredo, logo após sua eleição a presidência foi ocupada pelo vice, José Sarney, que, ironicamente, era um dos principais líderes da Arena, partido que apoiava o Regime Militar.
Apesar disso, o período conhecido como Nova República trouxe avanços importantes: ainda em 1985, uma emenda constitucional restabeleceu eleições diretas para a presidência e para as prefeituras das cidades consideradas como área de segurança nacional pelo Regime Militar. A emenda também concedeu direito de voto aos maiores de 16 anos e, pela primeira vez na história republicana, os analfabetos também passaram a votar, um dos grandes avanços das eleições.
Década de 90: avanços no sistema eleitoral
O ano de 1993 ainda foi marcado pelo plebiscito que levou mais de 67 milhões de eleitores às urnas para decidir a forma e o sistema de governo. A monarquia e o parlamentarismo foram descartados pela maioria da população, que votou pela manutenção da República e do presidencialismo.
O debate sobre amplas reformas econômicas e sociais era constante nas campanhas eleitorais de 1994, ano em que foi aprovada a emenda que reduziu o mandato presidencial de cinco para quatro anos. O senador e ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, participou da disputa eleitoral como idealizador do Plano Real e ainda como defensor de reformas constitucionais. Ele acabou vencendo em primeiro turno e derrotando inúmeros candidatos, inclusive o petista Luiz Inácio Lula da Silva
Urnas eletrônicas
A década de 90 trouxe uma grande novidade na história do voto no Brasil: as urnas eletrônicas. Em 1996, elas foram utilizadas pela primeira vez nas eleições municipais e, em 2000, foram introduzidas em todo o País.
O procurador regional eleitoral do Distrito Federal, Franklin da Costa, acredita que essa nova experiência trouxe mais confiabilidade ao processo eleitoral, agilizou a apuração, e o que é melhor: reduziu significativamente ou praticamente eliminou as fraudes. "Não houve, apesar de alguns dizerem que é possível, evidência de fraude. Nosso sistema é um dos mais avançados do mundo".
O procurador eleitoral Antônio Carneiro Sobrinho lembra que, em 1997, foi introduzida outra novidade na história do voto: uma emenda constitucional que possibilitou a reeleição, o que levou o presidente Fernando Henrique Cardoso novamente ao poder. "Dentro do contexto histórico, isso foi muito importante. É verdade que ainda estamos experimentando esse sistema. Alguns criticam, dizendo que a partir do momento que se possibilita ao presidente, ao governador e ao prefeito disputarem o mandato à frente da máquina administrativa, eles têm certa vantagem com relação aos que não são detentores de cargo. Mas a legislação vem sendo melhorada no sentido de conter abuso por parte do dirigente que esteja à frente de uma administração".
Verticalização das coligações
Em 2002, uma inovação foi o voto impresso, adotado de forma experimental no Distrito Federal e em Sergipe. Outra novidade estabelecida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições daquele ano foi a verticalização das coligações partidárias, que obriga os partidos a repetirem nos estados as alianças firmadas em nível federal.
Para o procurador eleitoral Franklin da Costa, com a verticalização, o eleitor pode identificar as ideologias de cada partido e escolher melhor. "Essa é uma nova descoberta em nosso país, de que há partidos e que cada um tem ideologias, um programa de governo", lembra.
Sistema avançado
Hoje, há um consenso entre os historiadores e as autoridades ligadas à questão eleitoral de que o sistema brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Um exemplo disso é que observadores dos Estados Unidos vieram ao País para aprender sobre o voto eletrônico. Ainda assim, o Legislativo brasileiro estuda uma série de mudanças para aprimorar o sistema, entre elas, a fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas.
Neste ano, o Brasil volta às urnas, tornando o País uma das maiores democracias do mundo. São 19 anos ininterruptos em que o eleitor escolhe seus representantes por meio do voto. Nessas eleições, mais de 119 milhões de eleitores estarão exercendo esse legítimo direito.
Fonte: ADITAL
Disponivel em: http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=13981
24.9.08
Manoel Bergström Lourenço Filho,
Lourenço Filho é um educador brasileiro conhecido sobretudo por sua participação no movimento dos pioneiros da Escola Nova. Foi duramente criticado por ter colaborado com o Estado Novo de Getúlio. todavia, sua contribuição para a educação brasileira mereceria ser melhor estudada. Sua obra nos revela diversas facetas do intelectual educador, extremamente ativo e preocupado com a escola em seu contexto social e nas atividades de sala de aula.Vida e obra
Manoel Bergström Lourenço Filho, nascido em Porto Ferreira, interior paulista, a 10 de março de 1897, é uma das figuras eminentes da Escola Nova brasileira. Sua formação foi marcada pela influência do pai, o português Manoel Lourenço Filho, comerciante criativo e empreendedor ávido,1 casado com a sueca Ida Christina Bergström Lourenço.
Desde menino, em contato com vasta literatura, tornou-se um leitor compulsivo. Nas suas próprias palavras: lia com "bulimia e indiscriminação" .2
Iniciou a vida escolar na vizinha Santa Rita do Passa Quatro. Prosseguiu em Campinas, depois em Pirassununga e, finalmente, na capital, onde diplomou-se na Escola Normal Secundária, em 1917. Matriculou-se na Faculdade de Medicina para estudar psiquiatria mas abandona após dois anos. Em 1919, ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo, vindo a bacharelar-se em 1929, depois de longa trajetória interrompida por várias atividades paralelas que desenvolve, com destaque, no campo educacional.
Sua carreira profissional foi precoce. Pode-se lembrar a premonitória experiência de elaborar um jornal próprio, O Pião, cujo chefe, redator e tipógrafo era ele mesmo, menino de 8 anos ainda. Sua vida evidenciará que esse jornal foi mais do que mero capricho de criança: o "brinquedo" o preparou para exercícios profissionais posteriores. Mais tarde trabalhará no Jornal do Comércio, n’O Estado de S. Paulo e na Revista do Brasil, nesta, ao lado de Monteiro Lobato.
O talento desse educador revelou-se tanto no desempenho discente quanto na atuação docente. Desde o exame de admissão para a Escola Normal Primária de Pirassununga exercitava habilidades docentes ministrando aulas particulares de preparação para os testes admissionais. Também a primeira experiência no ensino público dá-se em sua terra natal, em 1915.
Novo contato com a sala de aula se fará na Escola Normal Primária de São Paulo, na qual leciona diversas disciplinas pedagógicas, em 1920. No ano seguinte é nomeado para a cátedra de Psicologia e Pedagogia da Escola Normalde Piracicaba. Ali funda a Revista de Educação, que recebe seus primeiros artigos. No final desse mesmo ano, casa-se com Aida de Carvalho, que conhecera em Pirassununga, quando ambos eram normalistas.
É possível detectar nesse momento da vida de Lourenço a fusão harmônica entre o leitor, o professor, o escritor, o pesquisador e o administrador, potenciais que começavam a demandar espaço.
Em 1922, a convite do governo cearense, assume o cargo de Diretor da Instrução Pública e leciona na Escola Normal de Fortaleza. As reformas por ele empreendidas no Ceará repercutem no país e podem ser entendidas como germe dos conhecidos movimentos nacionais de renovação pedagógica das primeiras décadas do século.
De volta ao Estado natal, leciona na Escola Normal de Piracicaba durante o ano de 1924. Em seguida, assume a vaga de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de São Paulo, função que ocupa por seis anos, fervilhantes de pródiga produção, de muitas publicações, inclusive traduções. A influência da Psicologia Experimental é evidente em sua obra, sobretudo nesse momento.
Sua participação política também merece destaque: presente nas Conferências Nacionais de Educação de 1927 e 1928, respectivamente em Curitiba e Belo Horizonte, apresenta suas idéias quanto ao ensino primário e à liberdade dos programas de ensino. Se não autor, é certamente um dos atores mais importantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.
A vasta obra de Lourenço Filho, entretanto, não pode ser vinculada, de modo simplista, apenas à temática do manifesto escolanovista. Mais do que signatário do Manifesto, foi um educador sedento do novo, que bebia nas fontes do novíssimo, das últimas novidades pedagógicas do cenário internacional. Sua preocupação, de fato, voltava-se também para o fazer pedagógico.
A realidade educacional brasileira é terreno carente mas fértil para contribuições. A preocupação com a educação movia Lourenço Filho. Suas experiências, as viagens pelo Brasil e ao exterior, sua ampla cultura lhe possibilitaram escrever em áreas como Geografia e História do Brasil, Psicologia (testes e medidas na educação, maturação humana), Estatística e Sociologia.
No campo da Educação, sua contribuição abrange temas como educação pré-primária, alfabetização infantil e de adultos, ensino secundário, ensino técnico rural, universidade, didática, metodologia de ensino, administração escolar, avaliação educacional, orientação educacional, formação de professores, educação física e literatura infanto-juvenil – textos espalhados por numerosos livros, revistas, jornais, cartilhas, conferências, apresentações e prefácios. Há publicação de alguns de seus escritos em inglês, francês e espanhol.
A formação profissional e os profundos vínculos dessa com sua produção e atuação, conferem a Lourenço Filho o perfil de intelectual educador. Apesar de ter exercido cargos na administração pública federal – como diretor de gabinete de Francisco Campos (1931), como diretor geral do Departamento Nacional de Educação (nomeado por Gustavo Capanema, em 1937) e como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938-46) –, foi sobretudo um professor e um estudioso de assuntos didático-pedagógicos.
Viveu os últimos anos no Rio e, vítima de colapso cardíaco, faleceu em 3 de agosto de 1970, aos 73 anos.
Pensamento do autor e sua importância
A impressão que se tem, à medida que se adentra o universo da produção desse educador é de que ele não se esconde à sombra de nomes como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, contemporâneos seus já objeto de inúmeros estudos. Poderíamos até mesmo conjecturar se seu envolvimento com o governo Vargas não constituiu e constitui, de certa forma, pretexto para obscurecimento da sua figura, num patrulhamento ideológico-político despercebido, como se aceitar cargos num governo ditatorial como foi o de Vargas implicasse necessariamente deixar de ter um posicionamento político crítico.
Perguntamo-nos aqui se os serviços que prestou naquele período não constituíram meio para realização, no campo educacional, das reformas que idealizara. Lourenço acreditava que a era getulista fosse realmente de modernização. Ou seja, o governo brasileiro daquele momento lhe pareceu oportuno para reformar a educação.
Também é criticado pelo caráter tecnicista de suas propostas educacionais. Talvez uma investigação aprofundada sobre esse educador pudesse guindá-lo da posição secundária, em que costumeiramente parece ser confinado, para um plano de maior destaque.
De fato, a obra de Lourenço Filho sobre a Escola Nova é emblemática. Em 1926, por exemplo, em resposta ao inquérito acerca do ensino paulista promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, apresenta com extraordinária clareza e precisão as características do movimento renovador: "A escola tradicional não serve o povo, e não o serve porque está montada para uma concepção social já vencida, senão morta de todo... A cultura, bem ou mal, vinha servindo os indivíduos que se destinavam às carreiras liberais, mas nunca às profissões normais de produção econômica".3
Esta citação vem confirmar o entendimento do autor, naquele momento, da profunda articulação existente entre a escola e a vida social. Assim, uma escola Moderna só seria a "escola do trabalho". Lourenço Filho tinha claro que a elitização e o intelectualismo da educação brasileira não atendiam às necessidades das classes populares, antes as privavam de inserção no esquema produtivo.
Há outros pressupostos escolanovistas no mesmo texto, sobre o papel da escola primária: "O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades vindouras, desde que estas possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. (...) A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida".4
Arrolamos este opúsculo para demonstrar que, antes mesmo da publicação de seu texto mais famoso, Introdução ao estudo da Escola Nova, o pensador já apregoava os ideais "modernos". Esse amor ao novo, como já dissemos, é uma marca do pensamento de Lourenço Filho. Utilizava com competência a produção intelectual estrangeira de seu tempo: E. Durkeim, H. Pièron, E. Claparède, H. Wallon, L. Walther, A. Binet, T. Simon, P. Wil, J. Dewey, W.H. Kilpatrick, D. Pierson, B. Russel, O. Decroly, J. Kershensteiner, M. Montessori.
No cenário intelectual nacional, relacionava-se com Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato, Alceu Amoroso Lima, Almeida Jr., Sampaio Dória, Celso Kelly. Não pretendemos, referindo esses interlocutores, rotular Lourenço Filho como erudito, enfatizamos apenas sua preocupação em bem fundamentar suas idéias. Dizia: "...sobre educação e futebol não há ninguém que não se julgue capaz de uma opinião pessoal, pelo que é perigoso opinar sobre o assunto sem ampla justificação do ponto de vista tomado".5
Sobre o valor do livro Introdução ao estudo da Escola Nova: Bases, sistemas e diretrizes da Pedagogia contemporânea, destacamos um comentário de Fernando de Azevedo: "não há obra que o substitua na literatura pedagógica. Lê-de-o, se quiserdes ter uma visão, larga e profunda, da escola nova".6 Lembramos que, na época, as discussões sobre a escola nova se davam em vários países. Lourenço Filho procurou dar caracterização nacional à temática, embora na Introdução ao Estudo da Escola Nova muito pouco fale do Brasil, informando, majoritariamente, sobre o movimento no exterior.
Poderíamos perguntar, a esta altura, qual a concepção de educação que Lourenço defendia. A polêmica distinção entre educação e ensino e o papel que cabe à escola são focos do artigo "Modalidades de Educação Geral".7 Para ele, "ensinar" é a arte de transmitir conhecimentos e técnicas, ou seja, o ensino é o processo de inculcação de noções e idéias. Esse papel coube historicamente à escola. "Educar" é levar em conta um conjunto de modalidades, "...todas aquelas em que uma educação integral, nessa compreensão, possa fazer supor".8 Entender essa sua concepção de educação requer, portanto, elencar inúmeros elementos. Para Lourenço, a educação é eminentemente social, é vida!
Tal definição de educação vincula o papel da escola à história. Ou seja, se novas condições de vida, se novos problemas e conflitos surgem, reflexos ocorrerão no espaço escolar: "O que a educação agora exige é que se compreenda essa mudança das condições da existência. Nem todos os valores se subverteram, mas a técnica de viver que se apresenta às novas gerações é diversa da nossa, em razão dos progressos da ciência, da economia industrial, dos novos poderes que o homem conquistou sobre a natureza, sobre a vida e a morte, sobre o pensamento".9
Não parece ao leitor que essa citação, tomada por si só, poderia ser incorporada a hodiernos discursos? A complexidade das relações entre a escola e a sociedade, se agora é lugar comum, já era apontada pelo autor, o que exemplifica sua aguda visão.
Para que a escola desempenhe uma educação integral, deve oferecer mais do que instrução, a ela cabe integrar os indivíduos. Ainda em suas próprias palavras: "A fim de que a escola, primária ou secundária, possa ter caráter educativo pleno, deverá oferecer condições e oportunidades para que os alunos organizem a sua conduta para a saúde, a família, o trabalho, a pátria, a recreação e a religião. Nestes termos se condensam, realmente, todas as modalidades de possível ação educativa".10
Buscar contato com a obra de Lourenço Filho através de um levantamento bibliográfico, localizar e analisar seus escritos, conhecer as idéias de seus comentaristas e mesmo ir à busca de detalhes de sua vida pessoal foram tarefas da investigação inicial que executamos.
A produção literária de Lourenço, que apresentamos em parte na bibliografia, ao final do verbete, abrange grande número de publicações do autor e sobre ele, constituindo fração do que conseguimos localizar.11 Entre os que escreveram sobre a vida e obra desse importante educador, em estudos, críticas, comentários, homenagens e biografias, há renomados analistas.
Uma viagem de estudo e pesquisa a Porto Ferreira, sua cidade natal, revelou-se bom caminho para obtermos maiores informações sobre a história de vida de Lourenço. Tal visita nos proporcionou acesso a variado material. Assim, constatamos que a figura do educador está presente na memória de muitos membros da comunidade, embora o Museu Histórico e Pedagógico e a Biblioteca Municipal, que originalmente chamavam-se, ambos, Professor Lourenço Filho, tenham, atualmente, outra denominação.12 O museu guarda fotografias, cópias de documentos e exemplares de antigas edições de livros do famoso professor.
Talvez o fato de Lourenço Filho ter deixado a cidade natal ainda muito jovem e ter vivido e conseguido projeção longe dela gere um misto de orgulho e ressentimento no imaginário popular dessa pequena cidade do interior paulista. Isso é percebido nos depoimentos de moradores que cultivam, com certo saudosismo, a história da cidade.
As conclusões que tiramos dessa investigação preliminar são, essencialmente, duas. A primeira é que a vasta produção de Lourenço Filho ainda foi pouco estudada, sobretudo sua contribuição para a educação brasileira. A segunda, vinculada à anterior, é que, melhor conhecendo sua vida e obra, poder-se-ia elevar esse educador a um posto de maior destaque entre os educadores brasileiros. Os autores, pessoalmente, arriscam prever que novos estudos sobre o ilustre filho de Porto Ferreira renovarão o brilho do "Mestre das Américas".13
Fragmento de A Escola Nova,14
"Sobre o papel da escola em geral"
"O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades sociais presentes e, tanto quanto seja possível, às necessidades vindouras, desde que possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. Por isso mesmo, o tirocínio escolar não pode ser mais a simples aquisição de fórmulas verbais e pequenas habilidades para serem demonstradas por ocasião dos exames. A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida. A mera repetição convencional de palavras tende a desaparecer, como se viu na nova concepção da ‘escola do trabalho’. Tudo quanto for aceito no programa escolar precisa ser realmente prático, capaz de influir sobre a existência social no sentido do aperfeiçoamento do homem. Ler, escrever e contar são simples meios; as bases da formação do caráter, a sua finalidade permanente e inflexível. Do ponto de vista formal, isso significa a criação, no indivíduo, de hábitos e conhecimentos que influam diretamente no controle de tendências prejudiciais, que não podem ou não devem ser sufocadas de todo pelo automatismo psíquico possível na infância. E como conseqüência, nos grandes meios urbanos, à escola cabe, hoje, iniludivelmente, facilitar a orientação e seleção profissional, pelo estudo das aptidões individuais da criança, conhecimento e esclarecimento do desejo dos pais, tradição e possibilidades da família. Esse aspecto é inteiramente desconhecido em nossas escolas."
Bibliografia
Do autor
Aventuras de Pedrinho. Livro III. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1955.
Brasil, paisagens e costumes. São Paulo: Melhoramentos, 1962, 87 p. Cartilha do povo. São Paulo: Melhoramentos, 1928, 48 p.
Curso de psicologia educacional. Faculdade Nac. de Filosofia, mimeo, 1955.
Educação comparada. São Paulo: Melhoramentos, 1961, 294 p.
A Escola Nova (resposta ao inquérito de O Estado de S. Paulo, em 1926). São Paulo: Melhoramentos, 1927, 24 p.
Estatística e educação. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1940, 23 p.
Introdução ao estudo da Escola Nova. São Paulo: Melhoramentos, 1978, 271 p.
Histórias do tio Damião (Totó, Baianinha, Papagaio real, Tão pequenino, Saci Pererê, O indiozinho, A irmã do indiozinho, A gauchita, A formiguinha, No circo, Maria do Céu, E eu, também). São Paulo, Melhoramentos, primeira publicada em 1942, última em 1951.
Juazeiro do Padre Cícero. S. Paulo: Melhoramentos, 1959, 217 p., 1ª ed. em 1926.
A criança na Literatura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1948.
Leituras de Pedrinho e Maria Clara. Livro IV. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1956.
Organização e administração escolar: Um curso básico. São Paulo: Melhoramentos, 1963, 288 p.
A pedagogia de Rui Barbosa/1849-1923. São Paulo: Melhoramentos, 1956, 130 p., 1ª edição em 1954.
Pedrinho. Livro I. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1953.
Pedrinho e seus amigos. Livro II. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
Pedrinho e o mundo. Livro V. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
Psicologia da aprendizagem e instrução militar. Rio de Janeiro: Biblioteca da Defesa Nacional, 1940, 28 p.
Psicologia educacional. São Paulo: Melhoramentos.
Psicologia de ontem e de hoje. São Paulo: Melhoramentos.
A psicologia a serviço da organização. Conferência de Lourenço Filho de 3/8/1942. Rio: Depto. Adm. do Serviço Público, Imprensa Nacional, 1942, 26 p.
Tendências da educação brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1940, 164 p.
Testes ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita. São Paulo: Melhoramentos, 1969, 200 p. (inclui material para aplicação dos testes).
Testes e medidas na educação. Rio: FGV, 1970, 115 p.
Upa, cavalinho. Cartilha. Série Leitura graduada. S. Paulo: Melhoramentos, 1957.
Viagem através do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
Traduções
BINET, Alfred. Testes para a medida do desenvolvimento da inteligência. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
CLAPARÈDE, Ed. A escola e a psicologia experimental. São Paulo: Melhoramentos, 1926.
DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
HIGHET, Gilbert. A arte de ensinar. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
PIERÓN, E. Psicologia experimental. São Paulo: Melhoramentos (Biblioteca da Educação), 1926, 158 p.
WALTHER, Léon. Tecno-psicologia do trabalho industrial. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
Prefácios
Testes e medidas na educação, coletânea com apresentação de Lourenço Filho. Rio: FGV, 1970, 115 p.
WEIL, Pirre (relator). Pesquisa nacional sobre o nível mental da população brasileira. Rio: SENAC, 1959, 147 p. (Lourenço Filho fez parte do corpo de pesquisadores, entre outros.)
Em periódicos
"Alguns aspectos da educação primária." Revista Brasileira de Estatística, I, 4, Rio, 1940, 18 p.
"Educação e educação física." RBEP, 5 (15): 313-28, set. 1945.
"A educação e os estudos pedagógicos no Brasil." RBEP, 35 (82): 52-66, abr./jun. 1961.
"A educação, problema nacional." RBEP, 1 (1): 7-28, jul. 1944.
"Ensino como ação política." O Cruzeiro, Rio, RBEP, 40 (91): 217-21, jul./set. 1963.
Obs.: Os artigos citados constituem pequena amostra do publicado pelo autor. Maiores informações: Serviço de documentação em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar.
Sobre o autor
MERAY, Abu- e FORTES, Nair. Centenário de Lourenço Filho. Rio: Publicações ABE, n. 3, 1997, 32 p.
AUGRAS, Monique. "O Homem e o Mestre (Lourenço Filho)." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, Rio, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 9-12.
BONOW, Iva Waisberg. "Atualidade de Lourenço Filho na psicologia." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, Rio, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 13-20.
"Homenagem a Lourenço Filho." RBEP, 54(119): 98-123, jul./set. 1970.
Um educador brasileiro: Lourenço Filho. Rio: Associação Brasileira de Educação/Melhoramentos, 1957, 250 p.
LOURENÇO FILHO, Ruy. Cronologia e biobliografia do professor Manoel Bergström Lourenço Filho. Rio: Academia Brasileira de Educação/Fundação Cesgranrio, 1996, 26 p.
MADEIRA, Marcos A. "As motivações sociais do psicólogo Lourenço Filho." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, Rio, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 161-170.
NOGUEIRA, Raimundo F. de Sá. "Prática pedagógica de Lourenço Filho no Estado do Ceará." Cadernos de Educação nº 6, Fortaleza, FE/UFC, 1991, 42 p.
SEMONÉRIO, Franco Lo Presti. "In me-moriam (Lourenço Filho)." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1970, p. 5-8.
SILVA, Athayde Ribeiro. "Homenagem da Associação Brasileira de Psicologia Aplicada." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, Rio, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 159-160.
SAMPAIO, Silvia S. Lourenço Filho e a Reforma da Instrução Pública no Ceará: 1922-23. Dissertação de Mestrado. PUC, São Paulo, 1983, 230 p.
Consultada para o verbete
D’ÁVILA, A. O Mestre das Américas: Lourenço Filho (1897-1970). S. Paulo: C. Estudos Roberto Mange, mimeo, 1970, 17 p.
LOURENÇO FILHO, M.B. "O Porto de meu tempo." Revista comemorativa do cinqüentenário de Porto Ferreira, Porto Ferreira, 1946, p. 21-23.
LOURENÇO FILHO, M.B. RBEP, vol. I, ago. 1944, n. 2, p. 219-225. "Modalidades da educação geral."
LOURENÇO FILHO, M.B. RBEP, vol. I, set. 1944, n. 3, p. 393-402. "Programa Mínimo."
Revista do centenário de Porto Ferreira – 1896-1996. Prefeitura Municipal.
Revista Porto Ferreira: Desenvolvimento, luz e amor – 1977-1979. Pref. Municipal.
Consulta a cópias de documentos de Lourenço Filho no museu Prof. Flávio da Silva Oliveira, em Porto Ferreira.
Fonte:
Encarte, Outubro-Novembro/1999 - Publicação do Programa de Pós-Graduação em Educação – CECH – UFSCar
Ademir Valdir dos Santos, professor, doutorando em Fundamentos da Educação no PPGE/UFSCar
Leila Leane Lopes Leal, professora, doutoranda em Metodologia de Ensino no PPGE/UFSCarOrientação e revisão: Prof. Dr. Paolo Nosella
Manoel Bergström Lourenço Filho, nascido em Porto Ferreira, interior paulista, a 10 de março de 1897, é uma das figuras eminentes da Escola Nova brasileira. Sua formação foi marcada pela influência do pai, o português Manoel Lourenço Filho, comerciante criativo e empreendedor ávido,1 casado com a sueca Ida Christina Bergström Lourenço.
Desde menino, em contato com vasta literatura, tornou-se um leitor compulsivo. Nas suas próprias palavras: lia com "bulimia e indiscriminação" .2
Iniciou a vida escolar na vizinha Santa Rita do Passa Quatro. Prosseguiu em Campinas, depois em Pirassununga e, finalmente, na capital, onde diplomou-se na Escola Normal Secundária, em 1917. Matriculou-se na Faculdade de Medicina para estudar psiquiatria mas abandona após dois anos. Em 1919, ingressa na Faculdade de Direito de São Paulo, vindo a bacharelar-se em 1929, depois de longa trajetória interrompida por várias atividades paralelas que desenvolve, com destaque, no campo educacional.
Sua carreira profissional foi precoce. Pode-se lembrar a premonitória experiência de elaborar um jornal próprio, O Pião, cujo chefe, redator e tipógrafo era ele mesmo, menino de 8 anos ainda. Sua vida evidenciará que esse jornal foi mais do que mero capricho de criança: o "brinquedo" o preparou para exercícios profissionais posteriores. Mais tarde trabalhará no Jornal do Comércio, n’O Estado de S. Paulo e na Revista do Brasil, nesta, ao lado de Monteiro Lobato.
O talento desse educador revelou-se tanto no desempenho discente quanto na atuação docente. Desde o exame de admissão para a Escola Normal Primária de Pirassununga exercitava habilidades docentes ministrando aulas particulares de preparação para os testes admissionais. Também a primeira experiência no ensino público dá-se em sua terra natal, em 1915.
Novo contato com a sala de aula se fará na Escola Normal Primária de São Paulo, na qual leciona diversas disciplinas pedagógicas, em 1920. No ano seguinte é nomeado para a cátedra de Psicologia e Pedagogia da Escola Normalde Piracicaba. Ali funda a Revista de Educação, que recebe seus primeiros artigos. No final desse mesmo ano, casa-se com Aida de Carvalho, que conhecera em Pirassununga, quando ambos eram normalistas.
É possível detectar nesse momento da vida de Lourenço a fusão harmônica entre o leitor, o professor, o escritor, o pesquisador e o administrador, potenciais que começavam a demandar espaço.
Em 1922, a convite do governo cearense, assume o cargo de Diretor da Instrução Pública e leciona na Escola Normal de Fortaleza. As reformas por ele empreendidas no Ceará repercutem no país e podem ser entendidas como germe dos conhecidos movimentos nacionais de renovação pedagógica das primeiras décadas do século.
De volta ao Estado natal, leciona na Escola Normal de Piracicaba durante o ano de 1924. Em seguida, assume a vaga de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de São Paulo, função que ocupa por seis anos, fervilhantes de pródiga produção, de muitas publicações, inclusive traduções. A influência da Psicologia Experimental é evidente em sua obra, sobretudo nesse momento.
Sua participação política também merece destaque: presente nas Conferências Nacionais de Educação de 1927 e 1928, respectivamente em Curitiba e Belo Horizonte, apresenta suas idéias quanto ao ensino primário e à liberdade dos programas de ensino. Se não autor, é certamente um dos atores mais importantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932.
A vasta obra de Lourenço Filho, entretanto, não pode ser vinculada, de modo simplista, apenas à temática do manifesto escolanovista. Mais do que signatário do Manifesto, foi um educador sedento do novo, que bebia nas fontes do novíssimo, das últimas novidades pedagógicas do cenário internacional. Sua preocupação, de fato, voltava-se também para o fazer pedagógico.
A realidade educacional brasileira é terreno carente mas fértil para contribuições. A preocupação com a educação movia Lourenço Filho. Suas experiências, as viagens pelo Brasil e ao exterior, sua ampla cultura lhe possibilitaram escrever em áreas como Geografia e História do Brasil, Psicologia (testes e medidas na educação, maturação humana), Estatística e Sociologia.
No campo da Educação, sua contribuição abrange temas como educação pré-primária, alfabetização infantil e de adultos, ensino secundário, ensino técnico rural, universidade, didática, metodologia de ensino, administração escolar, avaliação educacional, orientação educacional, formação de professores, educação física e literatura infanto-juvenil – textos espalhados por numerosos livros, revistas, jornais, cartilhas, conferências, apresentações e prefácios. Há publicação de alguns de seus escritos em inglês, francês e espanhol.
A formação profissional e os profundos vínculos dessa com sua produção e atuação, conferem a Lourenço Filho o perfil de intelectual educador. Apesar de ter exercido cargos na administração pública federal – como diretor de gabinete de Francisco Campos (1931), como diretor geral do Departamento Nacional de Educação (nomeado por Gustavo Capanema, em 1937) e como diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (1938-46) –, foi sobretudo um professor e um estudioso de assuntos didático-pedagógicos.
Viveu os últimos anos no Rio e, vítima de colapso cardíaco, faleceu em 3 de agosto de 1970, aos 73 anos.
Pensamento do autor e sua importância
A impressão que se tem, à medida que se adentra o universo da produção desse educador é de que ele não se esconde à sombra de nomes como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, contemporâneos seus já objeto de inúmeros estudos. Poderíamos até mesmo conjecturar se seu envolvimento com o governo Vargas não constituiu e constitui, de certa forma, pretexto para obscurecimento da sua figura, num patrulhamento ideológico-político despercebido, como se aceitar cargos num governo ditatorial como foi o de Vargas implicasse necessariamente deixar de ter um posicionamento político crítico.
Perguntamo-nos aqui se os serviços que prestou naquele período não constituíram meio para realização, no campo educacional, das reformas que idealizara. Lourenço acreditava que a era getulista fosse realmente de modernização. Ou seja, o governo brasileiro daquele momento lhe pareceu oportuno para reformar a educação.
Também é criticado pelo caráter tecnicista de suas propostas educacionais. Talvez uma investigação aprofundada sobre esse educador pudesse guindá-lo da posição secundária, em que costumeiramente parece ser confinado, para um plano de maior destaque.
De fato, a obra de Lourenço Filho sobre a Escola Nova é emblemática. Em 1926, por exemplo, em resposta ao inquérito acerca do ensino paulista promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo, apresenta com extraordinária clareza e precisão as características do movimento renovador: "A escola tradicional não serve o povo, e não o serve porque está montada para uma concepção social já vencida, senão morta de todo... A cultura, bem ou mal, vinha servindo os indivíduos que se destinavam às carreiras liberais, mas nunca às profissões normais de produção econômica".3
Esta citação vem confirmar o entendimento do autor, naquele momento, da profunda articulação existente entre a escola e a vida social. Assim, uma escola Moderna só seria a "escola do trabalho". Lourenço Filho tinha claro que a elitização e o intelectualismo da educação brasileira não atendiam às necessidades das classes populares, antes as privavam de inserção no esquema produtivo.
Há outros pressupostos escolanovistas no mesmo texto, sobre o papel da escola primária: "O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades vindouras, desde que estas possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. (...) A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida".4
Arrolamos este opúsculo para demonstrar que, antes mesmo da publicação de seu texto mais famoso, Introdução ao estudo da Escola Nova, o pensador já apregoava os ideais "modernos". Esse amor ao novo, como já dissemos, é uma marca do pensamento de Lourenço Filho. Utilizava com competência a produção intelectual estrangeira de seu tempo: E. Durkeim, H. Pièron, E. Claparède, H. Wallon, L. Walther, A. Binet, T. Simon, P. Wil, J. Dewey, W.H. Kilpatrick, D. Pierson, B. Russel, O. Decroly, J. Kershensteiner, M. Montessori.
No cenário intelectual nacional, relacionava-se com Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Monteiro Lobato, Alceu Amoroso Lima, Almeida Jr., Sampaio Dória, Celso Kelly. Não pretendemos, referindo esses interlocutores, rotular Lourenço Filho como erudito, enfatizamos apenas sua preocupação em bem fundamentar suas idéias. Dizia: "...sobre educação e futebol não há ninguém que não se julgue capaz de uma opinião pessoal, pelo que é perigoso opinar sobre o assunto sem ampla justificação do ponto de vista tomado".5
Sobre o valor do livro Introdução ao estudo da Escola Nova: Bases, sistemas e diretrizes da Pedagogia contemporânea, destacamos um comentário de Fernando de Azevedo: "não há obra que o substitua na literatura pedagógica. Lê-de-o, se quiserdes ter uma visão, larga e profunda, da escola nova".6 Lembramos que, na época, as discussões sobre a escola nova se davam em vários países. Lourenço Filho procurou dar caracterização nacional à temática, embora na Introdução ao Estudo da Escola Nova muito pouco fale do Brasil, informando, majoritariamente, sobre o movimento no exterior.
Poderíamos perguntar, a esta altura, qual a concepção de educação que Lourenço defendia. A polêmica distinção entre educação e ensino e o papel que cabe à escola são focos do artigo "Modalidades de Educação Geral".7 Para ele, "ensinar" é a arte de transmitir conhecimentos e técnicas, ou seja, o ensino é o processo de inculcação de noções e idéias. Esse papel coube historicamente à escola. "Educar" é levar em conta um conjunto de modalidades, "...todas aquelas em que uma educação integral, nessa compreensão, possa fazer supor".8 Entender essa sua concepção de educação requer, portanto, elencar inúmeros elementos. Para Lourenço, a educação é eminentemente social, é vida!
Tal definição de educação vincula o papel da escola à história. Ou seja, se novas condições de vida, se novos problemas e conflitos surgem, reflexos ocorrerão no espaço escolar: "O que a educação agora exige é que se compreenda essa mudança das condições da existência. Nem todos os valores se subverteram, mas a técnica de viver que se apresenta às novas gerações é diversa da nossa, em razão dos progressos da ciência, da economia industrial, dos novos poderes que o homem conquistou sobre a natureza, sobre a vida e a morte, sobre o pensamento".9
Não parece ao leitor que essa citação, tomada por si só, poderia ser incorporada a hodiernos discursos? A complexidade das relações entre a escola e a sociedade, se agora é lugar comum, já era apontada pelo autor, o que exemplifica sua aguda visão.
Para que a escola desempenhe uma educação integral, deve oferecer mais do que instrução, a ela cabe integrar os indivíduos. Ainda em suas próprias palavras: "A fim de que a escola, primária ou secundária, possa ter caráter educativo pleno, deverá oferecer condições e oportunidades para que os alunos organizem a sua conduta para a saúde, a família, o trabalho, a pátria, a recreação e a religião. Nestes termos se condensam, realmente, todas as modalidades de possível ação educativa".10
Buscar contato com a obra de Lourenço Filho através de um levantamento bibliográfico, localizar e analisar seus escritos, conhecer as idéias de seus comentaristas e mesmo ir à busca de detalhes de sua vida pessoal foram tarefas da investigação inicial que executamos.
A produção literária de Lourenço, que apresentamos em parte na bibliografia, ao final do verbete, abrange grande número de publicações do autor e sobre ele, constituindo fração do que conseguimos localizar.11 Entre os que escreveram sobre a vida e obra desse importante educador, em estudos, críticas, comentários, homenagens e biografias, há renomados analistas.
Uma viagem de estudo e pesquisa a Porto Ferreira, sua cidade natal, revelou-se bom caminho para obtermos maiores informações sobre a história de vida de Lourenço. Tal visita nos proporcionou acesso a variado material. Assim, constatamos que a figura do educador está presente na memória de muitos membros da comunidade, embora o Museu Histórico e Pedagógico e a Biblioteca Municipal, que originalmente chamavam-se, ambos, Professor Lourenço Filho, tenham, atualmente, outra denominação.12 O museu guarda fotografias, cópias de documentos e exemplares de antigas edições de livros do famoso professor.
Talvez o fato de Lourenço Filho ter deixado a cidade natal ainda muito jovem e ter vivido e conseguido projeção longe dela gere um misto de orgulho e ressentimento no imaginário popular dessa pequena cidade do interior paulista. Isso é percebido nos depoimentos de moradores que cultivam, com certo saudosismo, a história da cidade.
As conclusões que tiramos dessa investigação preliminar são, essencialmente, duas. A primeira é que a vasta produção de Lourenço Filho ainda foi pouco estudada, sobretudo sua contribuição para a educação brasileira. A segunda, vinculada à anterior, é que, melhor conhecendo sua vida e obra, poder-se-ia elevar esse educador a um posto de maior destaque entre os educadores brasileiros. Os autores, pessoalmente, arriscam prever que novos estudos sobre o ilustre filho de Porto Ferreira renovarão o brilho do "Mestre das Américas".13
Fragmento de A Escola Nova,14
"Sobre o papel da escola em geral"
"O verdadeiro papel da escola primária é o de adaptar os futuros cidadãos, material e moralmente, às necessidades sociais presentes e, tanto quanto seja possível, às necessidades vindouras, desde que possam ser previstas com segurança. Essa integração da criança na sociedade resume toda a função da escola gratuita e obrigatória, e explica, por si só, a necessidade da educação como função pública. Por isso mesmo, o tirocínio escolar não pode ser mais a simples aquisição de fórmulas verbais e pequenas habilidades para serem demonstradas por ocasião dos exames. A escola deve preparar para a vida real, pela própria vida. A mera repetição convencional de palavras tende a desaparecer, como se viu na nova concepção da ‘escola do trabalho’. Tudo quanto for aceito no programa escolar precisa ser realmente prático, capaz de influir sobre a existência social no sentido do aperfeiçoamento do homem. Ler, escrever e contar são simples meios; as bases da formação do caráter, a sua finalidade permanente e inflexível. Do ponto de vista formal, isso significa a criação, no indivíduo, de hábitos e conhecimentos que influam diretamente no controle de tendências prejudiciais, que não podem ou não devem ser sufocadas de todo pelo automatismo psíquico possível na infância. E como conseqüência, nos grandes meios urbanos, à escola cabe, hoje, iniludivelmente, facilitar a orientação e seleção profissional, pelo estudo das aptidões individuais da criança, conhecimento e esclarecimento do desejo dos pais, tradição e possibilidades da família. Esse aspecto é inteiramente desconhecido em nossas escolas."
Bibliografia
Do autor
Aventuras de Pedrinho. Livro III. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1955.
Brasil, paisagens e costumes. São Paulo: Melhoramentos, 1962, 87 p. Cartilha do povo. São Paulo: Melhoramentos, 1928, 48 p.
Curso de psicologia educacional. Faculdade Nac. de Filosofia, mimeo, 1955.
Educação comparada. São Paulo: Melhoramentos, 1961, 294 p.
A Escola Nova (resposta ao inquérito de O Estado de S. Paulo, em 1926). São Paulo: Melhoramentos, 1927, 24 p.
Estatística e educação. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1940, 23 p.
Introdução ao estudo da Escola Nova. São Paulo: Melhoramentos, 1978, 271 p.
Histórias do tio Damião (Totó, Baianinha, Papagaio real, Tão pequenino, Saci Pererê, O indiozinho, A irmã do indiozinho, A gauchita, A formiguinha, No circo, Maria do Céu, E eu, também). São Paulo, Melhoramentos, primeira publicada em 1942, última em 1951.
Juazeiro do Padre Cícero. S. Paulo: Melhoramentos, 1959, 217 p., 1ª ed. em 1926.
A criança na Literatura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1948.
Leituras de Pedrinho e Maria Clara. Livro IV. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1956.
Organização e administração escolar: Um curso básico. São Paulo: Melhoramentos, 1963, 288 p.
A pedagogia de Rui Barbosa/1849-1923. São Paulo: Melhoramentos, 1956, 130 p., 1ª edição em 1954.
Pedrinho. Livro I. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1953.
Pedrinho e seus amigos. Livro II. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
Pedrinho e o mundo. Livro V. Série Leitura graduada. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
Psicologia da aprendizagem e instrução militar. Rio de Janeiro: Biblioteca da Defesa Nacional, 1940, 28 p.
Psicologia educacional. São Paulo: Melhoramentos.
Psicologia de ontem e de hoje. São Paulo: Melhoramentos.
A psicologia a serviço da organização. Conferência de Lourenço Filho de 3/8/1942. Rio: Depto. Adm. do Serviço Público, Imprensa Nacional, 1942, 26 p.
Tendências da educação brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1940, 164 p.
Testes ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita. São Paulo: Melhoramentos, 1969, 200 p. (inclui material para aplicação dos testes).
Testes e medidas na educação. Rio: FGV, 1970, 115 p.
Upa, cavalinho. Cartilha. Série Leitura graduada. S. Paulo: Melhoramentos, 1957.
Viagem através do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
Traduções
BINET, Alfred. Testes para a medida do desenvolvimento da inteligência. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
CLAPARÈDE, Ed. A escola e a psicologia experimental. São Paulo: Melhoramentos, 1926.
DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
HIGHET, Gilbert. A arte de ensinar. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
PIERÓN, E. Psicologia experimental. São Paulo: Melhoramentos (Biblioteca da Educação), 1926, 158 p.
WALTHER, Léon. Tecno-psicologia do trabalho industrial. São Paulo: Melhoramentos, 1929.
Prefácios
Testes e medidas na educação, coletânea com apresentação de Lourenço Filho. Rio: FGV, 1970, 115 p.
WEIL, Pirre (relator). Pesquisa nacional sobre o nível mental da população brasileira. Rio: SENAC, 1959, 147 p. (Lourenço Filho fez parte do corpo de pesquisadores, entre outros.)
Em periódicos
"Alguns aspectos da educação primária." Revista Brasileira de Estatística, I, 4, Rio, 1940, 18 p.
"Educação e educação física." RBEP, 5 (15): 313-28, set. 1945.
"A educação e os estudos pedagógicos no Brasil." RBEP, 35 (82): 52-66, abr./jun. 1961.
"A educação, problema nacional." RBEP, 1 (1): 7-28, jul. 1944.
"Ensino como ação política." O Cruzeiro, Rio, RBEP, 40 (91): 217-21, jul./set. 1963.
Obs.: Os artigos citados constituem pequena amostra do publicado pelo autor. Maiores informações: Serviço de documentação em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar.
Sobre o autor
MERAY, Abu- e FORTES, Nair. Centenário de Lourenço Filho. Rio: Publicações ABE, n. 3, 1997, 32 p.
AUGRAS, Monique. "O Homem e o Mestre (Lourenço Filho)." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, Rio, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 9-12.
BONOW, Iva Waisberg. "Atualidade de Lourenço Filho na psicologia." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, Rio, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 13-20.
"Homenagem a Lourenço Filho." RBEP, 54(119): 98-123, jul./set. 1970.
Um educador brasileiro: Lourenço Filho. Rio: Associação Brasileira de Educação/Melhoramentos, 1957, 250 p.
LOURENÇO FILHO, Ruy. Cronologia e biobliografia do professor Manoel Bergström Lourenço Filho. Rio: Academia Brasileira de Educação/Fundação Cesgranrio, 1996, 26 p.
MADEIRA, Marcos A. "As motivações sociais do psicólogo Lourenço Filho." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, Rio, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 161-170.
NOGUEIRA, Raimundo F. de Sá. "Prática pedagógica de Lourenço Filho no Estado do Ceará." Cadernos de Educação nº 6, Fortaleza, FE/UFC, 1991, 42 p.
SEMONÉRIO, Franco Lo Presti. "In me-moriam (Lourenço Filho)." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1970, p. 5-8.
SILVA, Athayde Ribeiro. "Homenagem da Associação Brasileira de Psicologia Aplicada." Revista arquivos brasileiros de psicologia aplicada, Rio, FGV, vol. 23, n. 3, set. 1971, p. 159-160.
SAMPAIO, Silvia S. Lourenço Filho e a Reforma da Instrução Pública no Ceará: 1922-23. Dissertação de Mestrado. PUC, São Paulo, 1983, 230 p.
Consultada para o verbete
D’ÁVILA, A. O Mestre das Américas: Lourenço Filho (1897-1970). S. Paulo: C. Estudos Roberto Mange, mimeo, 1970, 17 p.
LOURENÇO FILHO, M.B. "O Porto de meu tempo." Revista comemorativa do cinqüentenário de Porto Ferreira, Porto Ferreira, 1946, p. 21-23.
LOURENÇO FILHO, M.B. RBEP, vol. I, ago. 1944, n. 2, p. 219-225. "Modalidades da educação geral."
LOURENÇO FILHO, M.B. RBEP, vol. I, set. 1944, n. 3, p. 393-402. "Programa Mínimo."
Revista do centenário de Porto Ferreira – 1896-1996. Prefeitura Municipal.
Revista Porto Ferreira: Desenvolvimento, luz e amor – 1977-1979. Pref. Municipal.
Consulta a cópias de documentos de Lourenço Filho no museu Prof. Flávio da Silva Oliveira, em Porto Ferreira.
Fonte:
Encarte, Outubro-Novembro/1999 - Publicação do Programa de Pós-Graduação em Educação – CECH – UFSCar
Ademir Valdir dos Santos, professor, doutorando em Fundamentos da Educação no PPGE/UFSCar
Leila Leane Lopes Leal, professora, doutoranda em Metodologia de Ensino no PPGE/UFSCarOrientação e revisão: Prof. Dr. Paolo Nosella
Anísio Spínola Teixeira
Uma vida inteira dedicada à escola
Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité (BA), em 12 de julho de 1900, numa família de fazendeiros. Estudou em colégios jesuítas em Caetité e em Salvador. Em 1922, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro.Com apenas 24 anos, foi nomeado inspetor geral de Ensino do Estado da Bahia. Em 1928, estudou na Universidade de Columbia, em Nova York, onde conheceu o pedagogo John Dewey. Em 1931, foi nomeado secretário de Educação do Rio. Em sua gestão, criou uma rede municipal de ensino completa, que ia da escola primária à universidade. Em abril de 1935, completou a montagem da rede de ensino do Rio com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF). Ao lado da Universidade de São Paulo (USP), inaugurada no ano seguinte, a UDF mudou o ensino superior brasileiro, mas ela foi extinta em 1939, durante o Estado Novo. Em 1935, perseguido pelo governo de Getúlio Vargas, Anísio refugiou-se em sua cidade natal, onde viveu até 1945. Nesse período, não atuou na área educacional e se tornou empresário. Em 1946, ele assumiu o cargo de conselheiro da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No ano seguinte, com o fim do Estado Novo, voltou ao Brasil e novamente tomou posse da Secretaria de Educação de seu Estado. Nessa gestão, criou, em 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Escola Parque. Em 1951, assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, no ano seguinte, o de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Anísio foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961. Ele entregou a Darcy Ribeiro, que considerava como seu sucessor, a condução do projeto da universidade. Em 1963, tornou-se reitor da UnB. Com o golpe de 1964, acabou afastado do cargo. Foi para os Estados Unidos, lecionar nas universidades de Columbia e da Califórnia. Voltou ao Brasil em 1965. Em 1966, tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Morreu em 11 de março de 1971, de modo misterioso. Seu corpo foi encontrado no poço do elevador de um edifício no começo da Avenida Rui Barbosa, no Rio. A polícia considerou a morte acidental, mas a família do educador suspeita de que ele possa ter sido vítima da repressão do governo do general Emílio Garrastazu Medici.
Fonte: Matéria de Adriana Vera e Silva
Anísio Spínola Teixeira nasceu em Caetité (BA), em 12 de julho de 1900, numa família de fazendeiros. Estudou em colégios jesuítas em Caetité e em Salvador. Em 1922, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro.Com apenas 24 anos, foi nomeado inspetor geral de Ensino do Estado da Bahia. Em 1928, estudou na Universidade de Columbia, em Nova York, onde conheceu o pedagogo John Dewey. Em 1931, foi nomeado secretário de Educação do Rio. Em sua gestão, criou uma rede municipal de ensino completa, que ia da escola primária à universidade. Em abril de 1935, completou a montagem da rede de ensino do Rio com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF). Ao lado da Universidade de São Paulo (USP), inaugurada no ano seguinte, a UDF mudou o ensino superior brasileiro, mas ela foi extinta em 1939, durante o Estado Novo. Em 1935, perseguido pelo governo de Getúlio Vargas, Anísio refugiou-se em sua cidade natal, onde viveu até 1945. Nesse período, não atuou na área educacional e se tornou empresário. Em 1946, ele assumiu o cargo de conselheiro da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). No ano seguinte, com o fim do Estado Novo, voltou ao Brasil e novamente tomou posse da Secretaria de Educação de seu Estado. Nessa gestão, criou, em 1950, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, a Escola Parque. Em 1951, assumiu o cargo de secretário-geral da Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes) e, no ano seguinte, o de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), onde ficou até 1964. Anísio foi um dos idealizadores da Universidade de Brasília (UnB), fundada em 1961. Ele entregou a Darcy Ribeiro, que considerava como seu sucessor, a condução do projeto da universidade. Em 1963, tornou-se reitor da UnB. Com o golpe de 1964, acabou afastado do cargo. Foi para os Estados Unidos, lecionar nas universidades de Columbia e da Califórnia. Voltou ao Brasil em 1965. Em 1966, tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Morreu em 11 de março de 1971, de modo misterioso. Seu corpo foi encontrado no poço do elevador de um edifício no começo da Avenida Rui Barbosa, no Rio. A polícia considerou a morte acidental, mas a família do educador suspeita de que ele possa ter sido vítima da repressão do governo do general Emílio Garrastazu Medici.
Fonte: Matéria de Adriana Vera e Silva
Revista Nova Escola - Edição Agosto- 1998
Redação
NOVA ESCOLAAv. das Nações Unidas, 7221, 6° andar, Pinheiros, São Paulo, SPCEP 05425-902Fax: (0--11) 3037-4322E-mail: novaescola.abril@atleitor.com.brSite: www.uol.com.br/novaescola
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Roger Cousinet
Roger Cousinet nasceu na França em 1881 e morreu em 1973. Cousinet formou-se na Escola Normal Superior, licenciando-se em Letras pela Sorbonne. Pertencente ao grupo dos fundadores da Escola Nova, Cousinet compartilhava as idéias de Claparède, Ferrière e outros.
Em 1922, Cousinet criou a Revista Nouvelle Éducation que seria um instrumento privilegiado de difusão das idéias da Escola Nova. Em 1945 ele publica seu mais conhecido trabalho: "Une méthode libre de travail en groupes".
Cousinet sempre procurou articular teoria e prática pedagógica seja como professor, inspetor formador ou pesquisador e era um adepto da psicologia experimental, como muitos de sua época.
O jogo é a base do Método Pedagógico Cousinet de trabalho em grupo. Para ele o jogo, a brincadeira, eram atividades naturais da criança e portanto, a atividade educativa deveria ser fundamentada nessas atividades. Cousinet considera a criança como ela é e não como o adulto que deverá vir a ser.
Cousinet valorizava a auto-confiança dos alunos. Não havia resultados pré-determinados para avaliar o desempenho dos alunos, nem se media seu trabalho por notas. Os resultados dos trabalhos das crianças eram aceitos, do jeito que pudessem ser realizados. Se a realização não era a desejável, não se culpava a criança. Havia uma crença nas possibilidades de cada um em relação ao seu próprio crescimento intelectual e moral. As tarefas para os alunos não seguiam hierarquias ou ritos. Cousinet acreditava que os aspectos desconcertantes desapareceriam por si próprios ao termo de uma evolução natural.
Na realidade Cousinet substituiu a pedagogia do ensino pela pedagogia da aprendizagem. Criticava os métodos escolares de ensino vigentes e os saberes factuais, informativos que condenava. Para ela o que importava eram os saberes operacionais. Aprende-se a ler para conhecer o pensamento escrito, aprende-se a escrever para expressar o pensamento. Com o que se aprende pode-se fazer muita coisa. Com o que se decora, muito pouco. O professor, desta forma, não deveria expor o saber aos alunos. Trabalhava-se em grupo para realizar descobertas coletivamente.
Construir o saber é construir métodos de trabalho utilizando os instrumentos adequados (observação, experimentação, análise de documentos ...) Só se aprende, portanto, o que se pesquisa e não o que nos informaram. A lógica da aprendizagem, dentro desta perspectiva se transforma. A ordem pré-estabelecida pelos professores cede lugar à ordem das preocupações que determinados temas suscitam nos alunos.
Cousinet não trabalhava com os centros de interesse da mesma forma que Dècroly. Não havia um esquema de temas organizados que o professor devia seguir. A liberdade de construção do saber é fundamental em sua teoria. Não há horários fixos para disciplinas, separação entre elas, nem notas, nem classes, somente a liberdade de aprender. O trabalho em grupo ocupa lugar de destaque na Pedagogia de Cousinet. As crianças se organizam livremente, escolhem seu grupo, trabalham com seus pares e adquirem a capacidade de corrigir seus trabalhos.
Uma concepção de educação centrada no aluno, sujeito do seu próprio conhecimento, decidindo o que aprender e quando aprender, assimilando seu erro e corrigindo seus próprios trabalhos.
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/
Em 1922, Cousinet criou a Revista Nouvelle Éducation que seria um instrumento privilegiado de difusão das idéias da Escola Nova. Em 1945 ele publica seu mais conhecido trabalho: "Une méthode libre de travail en groupes".
Cousinet sempre procurou articular teoria e prática pedagógica seja como professor, inspetor formador ou pesquisador e era um adepto da psicologia experimental, como muitos de sua época.
O jogo é a base do Método Pedagógico Cousinet de trabalho em grupo. Para ele o jogo, a brincadeira, eram atividades naturais da criança e portanto, a atividade educativa deveria ser fundamentada nessas atividades. Cousinet considera a criança como ela é e não como o adulto que deverá vir a ser.
Cousinet valorizava a auto-confiança dos alunos. Não havia resultados pré-determinados para avaliar o desempenho dos alunos, nem se media seu trabalho por notas. Os resultados dos trabalhos das crianças eram aceitos, do jeito que pudessem ser realizados. Se a realização não era a desejável, não se culpava a criança. Havia uma crença nas possibilidades de cada um em relação ao seu próprio crescimento intelectual e moral. As tarefas para os alunos não seguiam hierarquias ou ritos. Cousinet acreditava que os aspectos desconcertantes desapareceriam por si próprios ao termo de uma evolução natural.
Na realidade Cousinet substituiu a pedagogia do ensino pela pedagogia da aprendizagem. Criticava os métodos escolares de ensino vigentes e os saberes factuais, informativos que condenava. Para ela o que importava eram os saberes operacionais. Aprende-se a ler para conhecer o pensamento escrito, aprende-se a escrever para expressar o pensamento. Com o que se aprende pode-se fazer muita coisa. Com o que se decora, muito pouco. O professor, desta forma, não deveria expor o saber aos alunos. Trabalhava-se em grupo para realizar descobertas coletivamente.
Construir o saber é construir métodos de trabalho utilizando os instrumentos adequados (observação, experimentação, análise de documentos ...) Só se aprende, portanto, o que se pesquisa e não o que nos informaram. A lógica da aprendizagem, dentro desta perspectiva se transforma. A ordem pré-estabelecida pelos professores cede lugar à ordem das preocupações que determinados temas suscitam nos alunos.
Cousinet não trabalhava com os centros de interesse da mesma forma que Dècroly. Não havia um esquema de temas organizados que o professor devia seguir. A liberdade de construção do saber é fundamental em sua teoria. Não há horários fixos para disciplinas, separação entre elas, nem notas, nem classes, somente a liberdade de aprender. O trabalho em grupo ocupa lugar de destaque na Pedagogia de Cousinet. As crianças se organizam livremente, escolhem seu grupo, trabalham com seus pares e adquirem a capacidade de corrigir seus trabalhos.
Uma concepção de educação centrada no aluno, sujeito do seu próprio conhecimento, decidindo o que aprender e quando aprender, assimilando seu erro e corrigindo seus próprios trabalhos.
Fonte: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/
Comenius
Comenius foi o criador da Didática Moderna e um dos maiores educadores do século XVII; já no século 17, ele concebeu uma teoria humanista e espiritualista da formação do homem que resultou em propostas pedagógicas hoje consagradas ou tidas como muito avançadas. Entre essas idéias estavam : o respeito ao estágio de desenvolvimento da criança no processo de aprendizagem, a construção do conhecimento através da experiência, da observação e da ação e uma educação sem punição mas com diálogo, exemplo e ambiente adequado. Comenius pregava ainda a necessidade da interdisciplinaridade, da afetividade do educador e de um ambiente escolar arejado, bonito, com espaço livre e ecológico. Estão ainda entre as ações propostas pelo educador checo: coerência de propósitos educacionais entre família e escola, desenvolvimento do raciocínio lógico e do espírito científico e a formação do homem religioso, social, político, racional, afetivo e moral.
Jan Amos Komenský, nome original de Comenius, nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa central pertencente ao antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca). Com a morte dos pais, vence muitas adversidades e estudou Teologia na Faculdade Calvinista de Herbon (Nassau) onde foi aluno de Alsted e se familiarizou com a obra de Ratke sobre o ensino das Línguas. Começou nessa época a elaboração de um Glossário Latino-Checo no qual trabalhou cerca de 40 anos e que perdeu quando Leszno, cidade em que então vivia (1656) foi invadida por um exército católico e incendiada.
Com 26 anos de idade, regressa à Morávia. Foi professor na sua antiga escola e tornou-se pastor religioso em Fulnek. Assume então o encargo de dirigir as escolas do Norte da Morávia. Mas a insurreição da Boemia, que praticamente dá início à guerra dos 30 anos, vai marcar em definitivo a sua vida.
A guerra político-religiosa e que foi também uma guerra civil com brutal perseguição aos não católicos, obrigou Comenius a deixar a sua igreja e a entrar em clandestinidade. As perseguições religiosas acentuam-se e Comenius trabalha para ajudar os seus irmãos na fé.
Expulso da Boemia em 1628, refugiou-se em Leszno, na Polonia. A partir daí, e durante 42 anos, percorre a Europa (não católica) trabalhando sem descanso pelo seu país e pelos projetos científicos e educacionais que o movem. Alimenta e divulga o seu sonho reformista de, por meio da Pansophia, promover a harmonia entre os indivíduos e as nações. Desenvolve então suas principais idéias sobre educação e aprofunda um dos grandes problemas epistemológicos do seu tempo – que era o do método. Escreveu a Janua Linguarum Reserata e a Didactica Magna (1633-38), sempre buscando seus objetivos fundamentais "de uma reforma radical do conhecimento humano e da educação" – unidos e sistematizados numa ciência universal.
Alguns amigos tentaram fazê-lo sair de Leszno e fizeram chegar o seu trabalho ao conhecimento de Luis de Geer, filantropo sueco de origem alemã. Foram esses mesmos amigos que publicaram uma obra sua, com o título Prodomus Pansophiae, livro esse que mereceu a atenção do próprio Descartes. Em 1641, vai para Londres com a missão de estabelecer algum entendimento entre o Rei e o Parlamento, e fundar um círculo de colaboração pansófica. Aí permaneceu durante um ano.
Em 1642 recebe um convite de Luís de Geer e do governo de Estocolmo para promover a reforma do sistema escolar da Suécia, onde permaneceu por seis anos, porém, sua missão na Suécia não teve o êxito esperado, pois suas idéias, particularmente as religiosas, não foram bem aceites pelos luteranos suecos. Em 1648 estabelece-se em Elbing, na Prússia oriental, (então território sueco) e escreve o Novissima Linguarum Methodus, publicado em Leszno. Começou nova obra com vistas à reforma universal da sociedade, trabalho este que o autor não chegou a concluir e que era o De rerum humanorum emendatione Consultatio catholica ; sendo que segundo muitos autores esta obra inacabada é a que mostra de modo mais claro a grande consistência entre o seu pensamento filosófico, educacional e social.
Todos os pesquisadores são unânimes em apontar a Didacta Magna ou A Grande Didacta, como sendo sua obra-prima e sua maior contribuição para o pensamento educacional. Comenius escreveu ainda O Labirinto do Mundo (1623), Didactica checa (1627), Guia da Escola Materna (1630), Porta Aberta das Línguas (1631), Didacta Magna (versão latina da Didactica checa) (1631), Novíssimo Método das Línguas (1647), O Mundo Ilustrado (1651), Opera didactica omnia ab anno 1627 ad 1657 (1657), Consulta Universal Sobre o Melhoramento dos Négocios Humanos (1657), O Anjo da Paz (1667) e A Única Coisa Necessária (1668) entre outros.
Continuou a ter uma vida bastante atribulada e movimentada, produzindo cerca de 200 títulos, vindo a morrer no dia 15 de novembro de 1670, em Amesterdam.
Comenius: o Pai da Didática Moderna
Comenius, uma voz quase solitária em seu tempo, defendia a escola como o "locus" fundamental da educação do homem, sintetizando seus ideais educativos na máxima: "Ensinar tudo a todos", e que para ele (1997, p.95), significava os fundamentos, os princípios que permitiriam ao homem se colocar no mundo não apenas como espectador, mas, acima de tudo, como ator.
O objetivo central da educação comeniana era formar o bom cristão, o que deveria ser sábio nos pensamentos, dotado de verdadeira fé em Deus e capaz de praticar ações virtuosas, estendendo-se à todos: os pobres, os portadores de deficiências, os ricos, às mulheres.
Suas concepções teóricas apresentavam consistência na articulação entre suas diversas facetas: do filosófico ao religioso, passando pela organização e divulgação do saber, pelo processo educativo de todos, e pela reforma da sociedade; mas, nem por isso pode garantir que fossem postas em prática de uma maneira mais ampla ou que obtivessem à sua época um maior reconhecimento de seus pressupostos inovadores; logicamente no contexto histórico da época e também da trajetória de vida do autor. Não podemos desvincular o que uma pessoa faz, da sua filosofia de vida, seus ideais, sonhos, frustrações e experiências. Sua obra deve ser analisada no contexto em que surgiu: o Renascimento e a Reforma religiosa.
No que diz respeito à Educação o ideal pansófico evidencia-se no desejo e possibilidades de ensinar tudo e todos. Esta necessidade se forjava e se sustentava na crença de que Deus, em sua infinita bondade, colocara a redenção ao alcance da maioria dos seres humanos, mas para tanto era necessário educá-los convenientemente. Dizendo em outras palavras, para o autor, negar oportunidades educacionais era antes ofender a Deus do que aos homens. A Pansophia constitui uma forma de organização do saber, um projeto educativo e um ideal de vida. Para que se obtenha esse ideal o processo a ser desenvolvido é a Pampaedia , ou educação universal através da qual se conseguirá a reforma global das "coisas humanas" e um mundo perfeito ou Panorthosia.
Comenius aponta como necessária a constante busca do desenvolvimento do indivíduo e do grupo, pois um melhor conhecimento de si mesmo e uma melhor capacidade de autocrítica levam a uma melhor vida social, assim como deve haver a solidez moral que pode ser conseguida por meio da educação. Para ele, didática é ao mesmo tempo processo e tratado. É tanto o ato de ensinar como a arte de ensinar.
A arte de ensinar é sublime pois destina-se a formar o homem, é uma ação do professor no aluno, tornando-o diferente do que era antes. Ensinar pressupõe conteúdo a ser transmitido, e eles são postos pela própria natureza: são a instrução, a moral e a religião. O conhecimento que temos da natureza serve de modelo para a exploração e conhecimento de nós próprios. Mas não é a natureza "natural" o exemplo a ser imitado, mas a natureza "social". Sua proposta pedagógica dirige-se sobretudo à razão humana, convocando-a a assumir uma atitude de pesquisa diante do universo e de visão integrada das coisas. Pretendia que o homem deve ser educado com vistas à eternidade, pois, sendo Espírito imortal, sua educação deveria transcender a mera realização terrena.
Salientava a importância da educação formal de crianças pequenas e preconizou a criação de escolas maternais por toda parte, pois deste modo as crianças teriam oportunidades de adquirir desde cedo as noções elementares das ciências que estudariam mais tarde.
Comenius defendia a idéia de que a aprendizagem se iniciava pelos sentidos pois as impressões sensoriais obtidas através da experiência com objetos seriam internalizadas e, mais tarde, interpretadas pela razão. Seu método didático constituiu-se basicamente de três elementos: compreensão, retenção e práticas. Através delas se pode chegar a três qualidades fundamentais: erudição, virtude e religião, a quais correspondem três faculdades que é preciso adquirir: intelecto, vontade e memória.
O método deve seguir os seguintes momentos:
tudo o que se deve saber deve ser ensinado;
qualquer coisa que se ensine deverá ser ensinada em sua aplicação prática, no seu uso definido;
deve ensinar-se de maneira direta e clara;
ensinar a verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas;
explicar primeiro os princípios gerais;
ensinar as coisas em seu devido tempo;
não abandonar nenhum assunto até sua perfeita compreensão;
dar a devida importância às diferenças que existem entre as coisas.
A obra de Comenius constitui-se num paradigma do saber sobre a educação da infância e da juventude, através de uma "nova tecnologia social": a escola. A Didática Magna apresenta as características fundamentais da instituição escolar moderna. Entre elas podemos apontar: a construção da infância moderna já como forma da uma pedagogização dessa infância por meio da escolaridade formal; uma aliança entre a família e a escola por meio da qual a criança vai se soltando a influência da órbita familiar para a órbita escolar; uma forma de organização da transmissão dos saberes baseada no método de instrução simultânea, agrupando-se os alunos e, não menos importante, a construção de um lugar de educador, de mestre, reservado para o adulto portador de um saber legítimo. Tal plano se desenvolve tendo em vista a evolução do homem ___ da infância à juventude já ____ antecipando ROUSSEAU.
O método único e seus fundamentos naturais
"não se consegue de uma só semente produzir a mesma árvore? De um só método farei alunos capazes!"
Eis as razões pelas quais para o autor, o uso de um só método se justifica:
o fim é o mesmo: sabedoria, moral e perfeição;
todos são dotados da mesma natureza humana, apesar de terem inteligências diversas;
a diversidade das inteligências é tão somente um excesso ou deficiência da harmonia natural;
o melhor momento para remediar excessos e deficiências acontece quando as inteligências são novas.
Fonte: Didática Magna, Iohannis Amos Comenius, versão para eBook: eBooksBrasil.com
Jan Amos Komenský, nome original de Comenius, nasceu em 28 de março de 1592, na cidade de Uherský Brod (ou Nivnitz), na Moravia, região da Europa central pertencente ao antigo Reino da Boêmia (atual República Tcheca). Com a morte dos pais, vence muitas adversidades e estudou Teologia na Faculdade Calvinista de Herbon (Nassau) onde foi aluno de Alsted e se familiarizou com a obra de Ratke sobre o ensino das Línguas. Começou nessa época a elaboração de um Glossário Latino-Checo no qual trabalhou cerca de 40 anos e que perdeu quando Leszno, cidade em que então vivia (1656) foi invadida por um exército católico e incendiada.
Com 26 anos de idade, regressa à Morávia. Foi professor na sua antiga escola e tornou-se pastor religioso em Fulnek. Assume então o encargo de dirigir as escolas do Norte da Morávia. Mas a insurreição da Boemia, que praticamente dá início à guerra dos 30 anos, vai marcar em definitivo a sua vida.
A guerra político-religiosa e que foi também uma guerra civil com brutal perseguição aos não católicos, obrigou Comenius a deixar a sua igreja e a entrar em clandestinidade. As perseguições religiosas acentuam-se e Comenius trabalha para ajudar os seus irmãos na fé.
Expulso da Boemia em 1628, refugiou-se em Leszno, na Polonia. A partir daí, e durante 42 anos, percorre a Europa (não católica) trabalhando sem descanso pelo seu país e pelos projetos científicos e educacionais que o movem. Alimenta e divulga o seu sonho reformista de, por meio da Pansophia, promover a harmonia entre os indivíduos e as nações. Desenvolve então suas principais idéias sobre educação e aprofunda um dos grandes problemas epistemológicos do seu tempo – que era o do método. Escreveu a Janua Linguarum Reserata e a Didactica Magna (1633-38), sempre buscando seus objetivos fundamentais "de uma reforma radical do conhecimento humano e da educação" – unidos e sistematizados numa ciência universal.
Alguns amigos tentaram fazê-lo sair de Leszno e fizeram chegar o seu trabalho ao conhecimento de Luis de Geer, filantropo sueco de origem alemã. Foram esses mesmos amigos que publicaram uma obra sua, com o título Prodomus Pansophiae, livro esse que mereceu a atenção do próprio Descartes. Em 1641, vai para Londres com a missão de estabelecer algum entendimento entre o Rei e o Parlamento, e fundar um círculo de colaboração pansófica. Aí permaneceu durante um ano.
Em 1642 recebe um convite de Luís de Geer e do governo de Estocolmo para promover a reforma do sistema escolar da Suécia, onde permaneceu por seis anos, porém, sua missão na Suécia não teve o êxito esperado, pois suas idéias, particularmente as religiosas, não foram bem aceites pelos luteranos suecos. Em 1648 estabelece-se em Elbing, na Prússia oriental, (então território sueco) e escreve o Novissima Linguarum Methodus, publicado em Leszno. Começou nova obra com vistas à reforma universal da sociedade, trabalho este que o autor não chegou a concluir e que era o De rerum humanorum emendatione Consultatio catholica ; sendo que segundo muitos autores esta obra inacabada é a que mostra de modo mais claro a grande consistência entre o seu pensamento filosófico, educacional e social.
Todos os pesquisadores são unânimes em apontar a Didacta Magna ou A Grande Didacta, como sendo sua obra-prima e sua maior contribuição para o pensamento educacional. Comenius escreveu ainda O Labirinto do Mundo (1623), Didactica checa (1627), Guia da Escola Materna (1630), Porta Aberta das Línguas (1631), Didacta Magna (versão latina da Didactica checa) (1631), Novíssimo Método das Línguas (1647), O Mundo Ilustrado (1651), Opera didactica omnia ab anno 1627 ad 1657 (1657), Consulta Universal Sobre o Melhoramento dos Négocios Humanos (1657), O Anjo da Paz (1667) e A Única Coisa Necessária (1668) entre outros.
Continuou a ter uma vida bastante atribulada e movimentada, produzindo cerca de 200 títulos, vindo a morrer no dia 15 de novembro de 1670, em Amesterdam.
Comenius: o Pai da Didática Moderna
Comenius, uma voz quase solitária em seu tempo, defendia a escola como o "locus" fundamental da educação do homem, sintetizando seus ideais educativos na máxima: "Ensinar tudo a todos", e que para ele (1997, p.95), significava os fundamentos, os princípios que permitiriam ao homem se colocar no mundo não apenas como espectador, mas, acima de tudo, como ator.
O objetivo central da educação comeniana era formar o bom cristão, o que deveria ser sábio nos pensamentos, dotado de verdadeira fé em Deus e capaz de praticar ações virtuosas, estendendo-se à todos: os pobres, os portadores de deficiências, os ricos, às mulheres.
Suas concepções teóricas apresentavam consistência na articulação entre suas diversas facetas: do filosófico ao religioso, passando pela organização e divulgação do saber, pelo processo educativo de todos, e pela reforma da sociedade; mas, nem por isso pode garantir que fossem postas em prática de uma maneira mais ampla ou que obtivessem à sua época um maior reconhecimento de seus pressupostos inovadores; logicamente no contexto histórico da época e também da trajetória de vida do autor. Não podemos desvincular o que uma pessoa faz, da sua filosofia de vida, seus ideais, sonhos, frustrações e experiências. Sua obra deve ser analisada no contexto em que surgiu: o Renascimento e a Reforma religiosa.
No que diz respeito à Educação o ideal pansófico evidencia-se no desejo e possibilidades de ensinar tudo e todos. Esta necessidade se forjava e se sustentava na crença de que Deus, em sua infinita bondade, colocara a redenção ao alcance da maioria dos seres humanos, mas para tanto era necessário educá-los convenientemente. Dizendo em outras palavras, para o autor, negar oportunidades educacionais era antes ofender a Deus do que aos homens. A Pansophia constitui uma forma de organização do saber, um projeto educativo e um ideal de vida. Para que se obtenha esse ideal o processo a ser desenvolvido é a Pampaedia , ou educação universal através da qual se conseguirá a reforma global das "coisas humanas" e um mundo perfeito ou Panorthosia.
Comenius aponta como necessária a constante busca do desenvolvimento do indivíduo e do grupo, pois um melhor conhecimento de si mesmo e uma melhor capacidade de autocrítica levam a uma melhor vida social, assim como deve haver a solidez moral que pode ser conseguida por meio da educação. Para ele, didática é ao mesmo tempo processo e tratado. É tanto o ato de ensinar como a arte de ensinar.
A arte de ensinar é sublime pois destina-se a formar o homem, é uma ação do professor no aluno, tornando-o diferente do que era antes. Ensinar pressupõe conteúdo a ser transmitido, e eles são postos pela própria natureza: são a instrução, a moral e a religião. O conhecimento que temos da natureza serve de modelo para a exploração e conhecimento de nós próprios. Mas não é a natureza "natural" o exemplo a ser imitado, mas a natureza "social". Sua proposta pedagógica dirige-se sobretudo à razão humana, convocando-a a assumir uma atitude de pesquisa diante do universo e de visão integrada das coisas. Pretendia que o homem deve ser educado com vistas à eternidade, pois, sendo Espírito imortal, sua educação deveria transcender a mera realização terrena.
Salientava a importância da educação formal de crianças pequenas e preconizou a criação de escolas maternais por toda parte, pois deste modo as crianças teriam oportunidades de adquirir desde cedo as noções elementares das ciências que estudariam mais tarde.
Comenius defendia a idéia de que a aprendizagem se iniciava pelos sentidos pois as impressões sensoriais obtidas através da experiência com objetos seriam internalizadas e, mais tarde, interpretadas pela razão. Seu método didático constituiu-se basicamente de três elementos: compreensão, retenção e práticas. Através delas se pode chegar a três qualidades fundamentais: erudição, virtude e religião, a quais correspondem três faculdades que é preciso adquirir: intelecto, vontade e memória.
O método deve seguir os seguintes momentos:
tudo o que se deve saber deve ser ensinado;
qualquer coisa que se ensine deverá ser ensinada em sua aplicação prática, no seu uso definido;
deve ensinar-se de maneira direta e clara;
ensinar a verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas;
explicar primeiro os princípios gerais;
ensinar as coisas em seu devido tempo;
não abandonar nenhum assunto até sua perfeita compreensão;
dar a devida importância às diferenças que existem entre as coisas.
A obra de Comenius constitui-se num paradigma do saber sobre a educação da infância e da juventude, através de uma "nova tecnologia social": a escola. A Didática Magna apresenta as características fundamentais da instituição escolar moderna. Entre elas podemos apontar: a construção da infância moderna já como forma da uma pedagogização dessa infância por meio da escolaridade formal; uma aliança entre a família e a escola por meio da qual a criança vai se soltando a influência da órbita familiar para a órbita escolar; uma forma de organização da transmissão dos saberes baseada no método de instrução simultânea, agrupando-se os alunos e, não menos importante, a construção de um lugar de educador, de mestre, reservado para o adulto portador de um saber legítimo. Tal plano se desenvolve tendo em vista a evolução do homem ___ da infância à juventude já ____ antecipando ROUSSEAU.
O método único e seus fundamentos naturais
"não se consegue de uma só semente produzir a mesma árvore? De um só método farei alunos capazes!"
Eis as razões pelas quais para o autor, o uso de um só método se justifica:
o fim é o mesmo: sabedoria, moral e perfeição;
todos são dotados da mesma natureza humana, apesar de terem inteligências diversas;
a diversidade das inteligências é tão somente um excesso ou deficiência da harmonia natural;
o melhor momento para remediar excessos e deficiências acontece quando as inteligências são novas.
Fonte: Didática Magna, Iohannis Amos Comenius, versão para eBook: eBooksBrasil.com
Fonte: Centro de Referencia Educacional
Disponivel em:http://www.centrorefeducacional.pro.br/comenius.htm
HENRI WALLON
Biografia
Nasceu na França em 1879.Antes de chegar à psicologia passou pela filosofia e medicina e ao longo de sua carreira foi cada vez mais explícita a aproximação com a educação.Em 1902, com 23 anos, formou-se em filosofia pela Escola Normal Superior, cursou também medicina, formando-se em 1908.Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. As duas guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o avanço do fascismo no período entre guerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na África atingiram boa parte da Europa e, em especial, a França.Em 1914 atuou como médico do exército francês, permanecendo vários meses no front de combate. O contato com lesões cerebrais de ex-combatentes fez com que revisse posições neurológicas que havia desenvolvido no trabalho com crianças deficientes.Até 1931 atuou como médico de instituições psiquiátricas.Paralelamente à atuação de médico e psiquiatra consolida-se seu interesse pela psicologia da criança.Na 2a guerra atuou na Resistência Francesa contra os alemães, foi perseguido pela Gestapo, teve que viver na clandestinidade.De 1920 a 1937, é o encarregado de conferências sobre a psicologia da criança na Sorbonne e outras instituições de ensino superior.Em 1925 funda um laboratório destinado à pesquisa e ao atendimento de crianças ditas deficientes.Ainda em 1925 publica sua tese de doutorado “A Criança Turbulenta”. Inicia um período de intensa produção com todos os livros voltados para a psicologia da criança. O último livro “Origens do pensamento na criança’, em 1945.Em 1931 viaja para Moscou e é convidado para integrar o Círculo da Rússia Nova, grupo formado por intelectuais que se reuniam com o objetivo de aprofundar o estudo do materialismo dialético e de examinar as possibilidades oferecidas por este referencial aos vários campos da ciência.Neste grupo o marxismo que se discutia não era o sistema de governo, mas a corrente filosófica.Em 1942, filiou-se ao Partido Comunista, do qual já era simpatizante. Manteve ligação com o partido até o final da vida.Em 1948 cria a revista ‘Enfance”. Neste periódico, que ainda hoje tenta seguir a linha editorial inicial, as publicações servem como instrumento de pesquisa para os pesquisadores em psicologia e fonte de informação para os educadores.Faleceu em 1962.
A ABORDAGEM DE HENRI WALLON
A gênese da inteligência para Wallon é genética e organicamente social, ou seja, "o ser humano é organicamente social e sua estrutura orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar" (Dantas, 1992). Nesse sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa.Henri Wallon reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no desenvolvimento humano, estudando-o a partir do desenvolvimento psíquico da criança. Assim, o desenvolvimento da criança aparece descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em geral.Wallon realiza um estudo que é centrado na criança contextualizada, onde o ritmo no qual se sucedem as etapas do desenvolvimento é descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando em cada etapa profundas mudanças nas anteriores.Nesse sentido, a passagem dos estágios de desenvolvimento não se dá linearmente, por ampliação, mas por reformulação, instalando-se no momento da passagem de uma etapa a outra, crises que afetam a conduta da criança.Conflitos se instalam nesse processo e são de origem exógena quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura e endógenos e quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa (Galvão, 1995). Esses conflitos são propulsores do desenvolvimento.Os cinco estágios de desenvolvimento do ser humano apresentados por Galvão (1995) sucedem-se em fases com predominância afetiva e cognitiva:
Impulsivo-emocional, que ocorre no primeiro ano de vida. A predominância da afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas, às quais intermediam sua relação com o mundo físico;
Sensório-motor e projetivo, que vai até os três anos. A aquisição da marcha e da prensão, dão à criança maior autonomia na manipulação de objetos e na exploração dos espaços. Também, nesse estágio, ocorre o desenvolvimento da função simbólica e da linguagem. O termo projetivo refere-se ao fato da ação do pensamento precisar dos gestos para se exteriorizar. O ato mental "projeta-se" em atos motores. Como diz Dantas (1992), para Wallon, o ato mental se desenvolve a partir do ato motor;
Personalismo, ocorre dos três aos seis anos. Nesse estágio desenvolve-se a construção da consciência de si mediante as interações sociais, reorientando o interesse das crianças pelas pessoas;
Categorial. Os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para as coisas, para o conhecimento e conquista do mundo exterior;
Predominância funcional. Ocorre nova definição dos contornos da personalidade, desestruturados devido às modificações corporais resultantes da ação hormonal. Questões pessoais, morais e existenciais são trazidas à tona.
Na sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividades e de interesses da criança, denominada de "alternância funcional", onde cada fase predominante (de dominância, afetividade, cognição), incorpora as conquistas realizadas pela outra fase, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação.
Wallon enfatiza o papel da emoção no desenvolvimento humano, pois, todo o contato que a criança estabelece com as pessoas que cuidam dela desde o nascimento, são feito de emoções e não apenas cognições.
Baseou suas idéias em quatro elementos básicos que estão todo o tempo em comunicação: afetividade, emoções, movimento e formação do eu.
AFETIVIDADE- possui papel fundamental no desenvolvimento da pessoa pois é por meio delas que o ser humano demonstra seus desejos e vontades. As transformações fisiológicas de uma criança (nas palavras de Wallon, em seu sistema neurovegetativo) revelam importantes traços de caráter e personalidade. EMOÇÕES- é altamente orgânica, ajuda o ser humano a se conhecer. A raiva, o medo, a tristeza, a alegria e os sentimentos mais profundos possuem uma função de grande relevância no relacionamento da criança com o meio.
MOVIMENTO- as emoções da organização dos espaços para se movimentarem. Deste modo, a motricidade tem um caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto e do movimento, quanto pela maneira com que ele é representado. A escola ao insistir em manter a criança imobilizada acaba por limitar o fluir de fatores necessários e importantes para o desenvolvimento completo da pessoa.
FORMAÇÃO DO EU- a construção do eu depende essencialmente do outro. Com maior ênfase a partir de quando a criança começa a vivenciar a "crise de oposição", na qual a negação do outro funciona como uma espécie de instrumento de descoberta de si própria. Isso acontece mais ou menos em torno dos 3 anos, quando é a hora de saber que "eu" sou. Imitação, manipulação e sedução em relação ao outro são características comuns nesta fase.
Wallon, deixou-nos uma nova concepção da motricidade, da emotividade, da inteligência humana e, sobretudo, uma maneira original de pensar a Psicologia infantil e reformular os seus problemas.
Psicogênese da Pessoa Completa
Wallon procura explicar os fundamentos da psicologia como ciência, seus aspectos epistemológicos, objetivos e metodológicos.Admite o organismo como condição primeira do pensamento, pois toda a função psíquica supõe um componente orgânico. No entanto, considera que não é condição suficiente, pois o objeto de ação mental vem do ambiente no qual o sujeito está inserido, ou seja, de fora. Considera que o homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito às disposições internas e às situações exteriores.Psicologia Genética
A psicologia genética estuda os processos psíquicos em sua origem, parte da análise dos processos primeiros e mais simples, pelos quais cronologicamente passa o sujeito. Para Wallon essa é a única forma de não dissolver em elementos separados e abstratos a totalidade da vida psíquica.Wallon propõe a psicogênese da pessoa completa, ou seja, o estudo integrado do desenvolvimento. Considera que não é possível selecionar um único aspecto do ser humano e vê o desenvolvimento nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil (afetivo, motor e cognitivo). Para ele o estudo do desenvolvimento humano deve considerar o sujeito como “geneticamente social” e estudar a criança contextualizada, nas relações com o meio. Wallon recorreu a outros campos de conhecimento para aprofundar a explicação do fatores de desenvolvimento (neurologia, psicopatologia, antropologia, psicologia animal).Para ele a atividade do homem é inconcebível sem o meio social; porém as sociedades não poderiam existir sem indivíduos que possuam aptidões como a da linguagem que pressupõe uma conformação determinada do cérebro, haja vista que certas perturbações de sua integridade, privam o indivíduo da palavra. Vemos então que para ele não é possível dissociar o biológico do social no homem. Esta é uma das características básicas da sua Teoria do Desenvolvimento.De acordo com Dantas (1992) Wallon concebe o homem como sendo genética e organicamente social e a sua existência se realiza entre as exigências da sociedade e as do organismo.
Pedagogicamente a reflexão a partir de tais concepções exige uma prática que atenda as necessidades das crianças nos planos afetivo, cognitivo e motor, além de promover o seu desenvolvimento em todos os níveis.
O maior objetivo da educação no contexto de sua psicologia genética estaria posto no desenvolvimento da pessoa e não em seu desenvolvimento intelectual. A inteligência é uma parte do todo em que a pessoa se constitui.
Manteve interlocução com as teorias de Piaget e Freud.
Destacava na teoria de Piaget as contradições e dessemelhanças entre as suas teorias, pois considerava esse o melhor procedimento quando se busca o conhecimento. Por parte de Piaget existia uma constante disposição em buscar a continuidade e complementariedade de suas obras. Os dois se propunham a análise genética dos processos psíquicos, no entanto, Wallon pretendia a gênese da pessoa e Piaget a gênese da inteligência.Com a psicanálise de Freud mantém uma atitude de interesse e ao mesmo tempo de reserva. Embora com formação similar (neurologia e medicina) a prática de atuação os levou a caminhos distintos. Freud abandonando a neurologia para dedicar-se a terapia das neuroses e Wallon mantém-se ligado a esta devido ao seu trabalho com crianças com distúrbios de comportamento.O método adotado por Wallon é o da observação pura. Considera que esta metodologia permite conhecer a criança em seu contexto, “só podemos entender as atitudes da criança se entendermos a trama do ambiente no qual está inserida”.
Fonte: Centro de Referencia Educacional
Disponivel em:http://www.centrorefeducacional.pro.br/wallon.htm
Rudolf Steiner
A Pedagogia Waldorf
Rudolf Steiner nasceu em 27 de fevereiro de 1861 em Kraljevec (Áustria). Apesar de seu interesse humanístico, despertado ainda na infância por uma sensibilidade para assuntos espirituais, cumpriu em Viena, a conselho do pai, estudos superiores de ciências exatas. Por seu desempenho acadêmico, a partir de 1883 tornou-se responsável pela edição dos escritos científicos de Goethe na coleção Deutsche Nationalliteratur. Convidado a trabalhar no Arquivo Goethe-Schiller em Weimar (Alemanha), Steiner tranferiu-se para essa cidade em 1890, onde residiu até 1897. Ali desenvolveu um grande interesse cognitivo e uma consequente atividade literário-filosófica, sendo dessa época sua obra fundamental A filosofia da liberdade (1894). Após alguns anos em Berlim como redator literário, passou a dedicar-se a uma intensa atividade de conferencista e escritor, no intuito de expor e divulgar os resultados de suas pesquisa científico-espirituais, de início no âmbito da Sociedade Teosófica e mais tarde da Sociedade Antroposófica, por ele fundada. Em Dornach (Suíça), Steiner construiu em madeira o Goetheanum, sede da Sociedade (e mais tarde também da Escola Superior Livre de Ciência Espiritual), destruído em dezembro de 1922 por um incêndio e posteriormente substituído pelo atual edifício em concreto. Foi em Dornach que ele morreu em 1925, deixando extraordinárias contribuições nos campos das artes, da organização social, da pedagogia (Waldorf), da medicina, da farmacologia, da agricultura, da pedagogia curativa, etc. Por oferecerem uma alternativa às cosmovisões e soluções meramente materialistas, tiveram elas grande repercussão e inspiraram o surgimento de instituições e atividades antroposóficas em todos os continentes.
A origem da Educação Waldorf
Em 1919, em Stuttgart, na Alemanha, Rudolf Steiner - filósofo, cientista e artista austríaco - foi convidado por Emil Molt, o proprietário da Fábrica de cigarros Waldorf-Astoria, para uma série de palestras para os trabalhadores de sua fábrica.
Como resultado, os trabalhadores pediram a Steiner que fundasse e dirigisse uma Escola para seus filhos. Emil Molt, apoiava e financiava a na concretização da idéia.
Steiner concordou, mas - para tanto - colocou 4 condições: a primeira era a de que a Escola seria aberta, indistintamente, para todas as crianças; a segunda de que a Escola fosse co-educacional; deveria também ser uma escola com um currículo unificado de 12 anos e, por último, de que os professores da Escola fossem também os dirigentes e administradores da mesma. Queria que a Escola Waldorf tivesse o mínimo de interferência governamental e não tivesse a preocupação com objetivos lucrativos.
Emil Molt concordou e em 7 de setembro de 1919, foi aberta a Die Freie Waldorfschule (A Escola Waldorf Livre).
Texto retirado de: http://www.micael.com.br/fr_antroposofia.htm (visite).
Como resultado, os trabalhadores pediram a Steiner que fundasse e dirigisse uma Escola para seus filhos. Emil Molt, apoiava e financiava a na concretização da idéia.
Steiner concordou, mas - para tanto - colocou 4 condições: a primeira era a de que a Escola seria aberta, indistintamente, para todas as crianças; a segunda de que a Escola fosse co-educacional; deveria também ser uma escola com um currículo unificado de 12 anos e, por último, de que os professores da Escola fossem também os dirigentes e administradores da mesma. Queria que a Escola Waldorf tivesse o mínimo de interferência governamental e não tivesse a preocupação com objetivos lucrativos.
Emil Molt concordou e em 7 de setembro de 1919, foi aberta a Die Freie Waldorfschule (A Escola Waldorf Livre).
Texto retirado de: http://www.micael.com.br/fr_antroposofia.htm (visite).
A Pedagogia Waldorf
A Pedagogia Waldorf, criada em 1919 na Alemanha, está presente no mundo inteiro. Uma das principais características da Pedagogia Waldorf é o seu embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano introduzida pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, partindo de uma concepção holística do homem, orientadada a partir de pontos de vista antropológico, pedagógico, curricular e administrativo fundamentados na Antroposofia, uma ciência espiritual elaborada por Steiner. Nela o ser humano é apreendido em seu aspecto físico, anímico (psico-emocional) e espiritual, de acordo com as características de cada um e da sua faixa etária, buscando-se uma perfeita integração do corpo, da alma e do espírito, ou seja, entre o pensar, o sentir e o querer. Parte da hipótese de que o ser humano não está determinado exclusivamente pela herança e pelo ambiente, mas também pela resposta que do seu interior é capaz de realizar, em forma única e pessoal, a respeito das impressões que recebe do mundo. O homem é concebido como tendo uma existência material e transitória, já que, nessa existência, encontra possibilidades de desenvolver uma identidade espiritual própria e autônoma, pois que o ser humano não nasce com todas as suas aptidões desenvolvidas,sendo portador de um potencial de predisposições e capacidades que, ao longo de sua vida, lutam por desenvolver-se. O processo pedagógico, através do ensino, atuando durante o desenvolvimento desse ser humano, procura dar as condições para quem o vivencia de poder vir a definir sua própria vida. É claro, que esse objetivo para o processo pedagógico pressupõe um currículo concebido de forma diferente do currículo tradicional. Não se trata de adaptar os alunos para viver em sociedade, às circunstâncias colocadas por ela, e sim, um currículo que esteja voltado para as necessidades evolutivas do ser humano como tal, preparando-o para ser ele mesmo, por isso o pano de fundo desse currículo são as fases de desenvolvimento da criança. Para tanto, as crianças e jovens, devem familiarizarem-se com a natureza e com a história cultural, pois o presente não está acontecendo agora por fatores pré determinados. Os elementos constitutivos do presente podem ser encontrados no passado, ajudando a entender o hoje, e portanto, propiciando condições, para que cada um possa estabelecer seu próprio rumo, pois encoraja-se a criatividade, que alimenta a imaginação, procurando conduzir as crianças a um pensamento livre, independente das forças econômicas ou imposições de governos. O ensino teórico é sempre acompanhado pelo prático, com grande enfoque nas atividades corpóreas (ação), artísticas e artesanais, de acordo com a idade dos estudantes; o cultivo das atividades do pensar, inicia-se com o exercício da imaginação, do conhecimento dos contos, lendas e mitos, até gradativamente atingir-se o desenvolvimento do pensamento mais abstrato, teórico e rigorosamente formal, mais ou menos na época de ensino médio. Essa não exigência de atividades que necessitam de um pensar abstrato muito cedo é também um dos grandes diferenciais em relação à outros métodos de ensino. Nessa concepção predomina o exercício e desenvolvimento de habilidades e não do mero acúmulo de informações, cultivando a ciência, a arte e os valores morais e espirituais, organizando os conteúdos curriculares no tempo e no ritmo adequados à situação evolutiva específica. O Saber, desta forma, não é a finalidade básica da educação, não é o fim último a ser atingido, mas o meio para que o aluno alcance harmonia e estabilidade no seu processo de autoconhecimento e também do conhecimento da realidade que o cerca.
E o professor?Rudolf Steiner, numa palestra em Oxford no ano de 1922, definiu as "3 regras de ouro" para um professor Waldorf: "Receber a criança em agradecimento ao mundo de onde ela vem; educar a criança com amor; conduzir a criança através da verdadeira liberdade que pertence ao Homem".
“A Natureza faz do homem um ser natural; a sociedade faz dele um ser social somente o homem é capaz de fazer de si um ser livre.” Rudolf Steiner
"Não se deve perguntar quais são os conhecimentos e as faculdades de que o Homem precisa no contexto social vigente, mas antes quais são as capacidades latentes que podem ser acordadas no ser humano. Torna-se assim possível insuflar essa ordem social de novas forças, provenientes das gerações jovens. O dever tornar-se-á aquilo que esses jovens plenamente realizados serão capazes de criar. Assim nunca as novas gerações submeter-se-ão àquilo que a ordem social vigente quiser fazer delas." Rudolf Steiner
Para informações mais detalhadas sobre a Pedagogia Waldorf, consulte a Homepage da Sociedade Antroposófica no Brasil.
E o professor?Rudolf Steiner, numa palestra em Oxford no ano de 1922, definiu as "3 regras de ouro" para um professor Waldorf: "Receber a criança em agradecimento ao mundo de onde ela vem; educar a criança com amor; conduzir a criança através da verdadeira liberdade que pertence ao Homem".
“A Natureza faz do homem um ser natural; a sociedade faz dele um ser social somente o homem é capaz de fazer de si um ser livre.” Rudolf Steiner
"Não se deve perguntar quais são os conhecimentos e as faculdades de que o Homem precisa no contexto social vigente, mas antes quais são as capacidades latentes que podem ser acordadas no ser humano. Torna-se assim possível insuflar essa ordem social de novas forças, provenientes das gerações jovens. O dever tornar-se-á aquilo que esses jovens plenamente realizados serão capazes de criar. Assim nunca as novas gerações submeter-se-ão àquilo que a ordem social vigente quiser fazer delas." Rudolf Steiner
Para informações mais detalhadas sobre a Pedagogia Waldorf, consulte a Homepage da Sociedade Antroposófica no Brasil.
Fonte: Centro de Referencia Educacional
Disponivel em:http://www.centrorefeducacional.pro.br/waldorf.htm
Emilia Ferreiro
Emilia Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget e, ao contrário de outros grandes pensadores influentes como Piaget, Vygotsky, Montessori, Freire, todos já falecidos, Ferreiro está viva e continua seu trabalho. Nasceu na Argentina em 1937, reside no México, onde trabalha no Departamento de Investigações Educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados do Instituto Politécnico Nacional do México.
Fez seu doutorado sob a orientação de Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971, à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Lílian Tolchinsk.
Em 1977, após o golpe de estado na Argentina foi abrigada a se exilar, e leva na bagagem os dados das entrevistas que ela e sua equipe haviam realizado cuja análise está na origem da psicogênese da língua escrita. Passa a viver na Suíça em condição de exilada e a lecionar na universidade de Genebra, onde inicia uma pesquisa com a ajuda de Margarida Gómez Palacio sobre as dificuldades de aprendizagem das crianças de Monterrey (México).
Em 1979, muda-se para o México com o marido – o físico e epistemólogo Rolando García, com quem teve dois filhos. Publica o livro Los sistemas de escritura em el desarrollo del ninõ em co-autoria com Ana Teberosky quem ajudou na análise exaustiva dos dados obtidos em Buenos Aires numa ponte entre Genebra onde se encontrava Ferreirro e Barcelona onde se encontrava Teberosky, pois o duro exílio se estendeu por alguns anos, até mesmo para a maioria das pesquisadoras desse grupo que foram obrigadas a espalhar-se pelo mundo.
Em 1982 publica com Margarida Gómez Palácio o livro Nuevas perspectivas sobre los proceesos de lectura y escritura, fruto de pesquisa com mais de mil crianças em que distingue oito níveis de conceitualização da escrita. Nos anos de 1985, 1986 e 1989 publica obras que reúnem idéias e experiências inovadoras na área de alfabetização realizadas na Argentina, no Brasil, no México e na Venezuela: la alfabetización em proceso; Psicogênese da língua escrita, Los hijos del analfabetismo (propuestas para la alfabetizacíon escolar em América Latina.
Em 1992 recebe o título de doutor Honoris causa da Universidade de Buenos Aires,em 1999, pela Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), em 2000 pela Universidade nacional de Rosário (Argentina) em 2003 é novamente homenageada com o título pela universidade de Comahue (Argentina) e Atenas (Grécia).
No Brasil, em 1994, recebe da Assembléia Legislativa da Bahia a medalha "libertador da Humanidade" que anteriormente fora atribuída ao líder sul-africano Nelson Mandela e ao educador brasileiro Paulo Freire. Em 1995 foi novamente homenageada com o título de doutor Honoris causa atribuído pela Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj). E em 2001 recebe do governo brasileiro a Ordem Nacional do Mérito educativo. Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança.Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de Emilia Ferreiro, é praticamente impossível.Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção da linguagem escrita na criança. Os resultados de suas pesquisas permitem, isso sim, que conhecendo a maneira com que a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes daqueles que alfabetizam possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.
Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam com certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito fraca da cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os próprios educadores, os métodos ou o material didático. Com seus estudos, Ferreiro desloca a questão para outro campo: " Qual a natureza da relação entre o real e sua representação? " As respostas encontradas a esse questionamento levam, pode-se dizer, a uma revolução conceitual da alfabetização.A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as crianças reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender seu processo de construção e suas normas de produção.
" Ler não é decifrar, escrever não é copiar".
Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento.Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky (pedagoga de Barcelona), pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se pode ler as letras quanto os desenhos. É bastante significativo que estas crianças pertençam às classes sociais mais pobres que por isso acabam tendo um menor contato com material escrito.
O processo de construção da escrita
Na fase 1, início dessa construção, as tentativas das crianças dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um "lê" em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo.
Na fase 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas, (não podem ser repetidas).
Na fase 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida.A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos três caracteres. Este conflito a faz caminhar para outra fase.
Na fase 4 ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu - entre uma exigência interna da própria criança ( o número mínimo de grafias ) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções.Ela, então, começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente.
Na fase 5, finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que a cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples, formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado.
A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separada por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas.
A Hipótese da Criança e as Cartilhas
Segundo as pesquisas a que vimos nos referindo, para que alguma coisa sirva para ler é preciso que contenha um certo número de letras, variável entre dois e quatro. Letra sozinha não representa nada escrito. De nada servem, também, conjuntos com letras repetidas, pois elas entendem que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Uma explicação para tal, seria que no em seu dia a dia, observam que o comum é encontrar palavras formadas por uma variedade de letras.
Bem, chegamos agora às Cartilhas.
Como ficam os alfabetizadores em relação a esse problema, se a grande maioria das Cartilhas apresentam às crianças logo de início, palavras como: bebe, baba, boi, aí, ai, eu, oi, vovô?
Em que medida as Cartilhas contribuem para a aquisição do processo de escrita compreendido de acordo com os resultados das pesquisas efetuadas por Ferreiro e outros autores desta linha, principalmente para crianças oriundas das classes mais desfavorecidas, que acabam tendo um menor contado com a produção escrita em seu meio social?
A meu ver as cartilhas mostraram-se e mostram que não são eficientes para a tarefa de ensinar a ler e a escrever a crianças pré-silábicas. Pesquisem, e verifiquem que toda cartilha parte do pressuposto de que a criança já compreende o nosso sistema de escrita. Ou seja, que ela já entende que aquilo que as letras representam é a pauta sonora dos nomes dos objetos , e não o próprio objeto a que se referem. E, os estudos atuais já demonstraram suficientemente que as dificuldades mais importantes do processo de alfabetização situam-se ao nível de compreensão da estrutura do sistema alfabético, enquanto a representação da linguagem.
Elas acabam sendo usadas quando:
As ações educativas, tiverem subjacentes, mesmo que de forma não muito clara, a concepção de que a escrita é um mero código de transcrição da fala.Desse modo, é bastante lógico, que o processo de alfabetização desenvolvido, também se restrinja à aquisição de uma técnica, a qual para seu desenvolvimento dará atenção principalmente:
aos aspectos gráficos da escrita
ao desenvolvimento de habilidades que visem garantir a correção da transcrição
à qualidade do grafismo: controle do traço, distribuição espacial, orientação dos caracteres
desenvolvimento de tarefas de "prontidão": preenchimento de tracinhos, preenchimento do traçado de letras, cópia do traçado de letra, exercícios de discriminação auditiva e visual.
Neste caso, essa concepção nos leva a uma metodologia voltada para a aquisição da escrita, sem levar em consideração aquilo que a criança já sabe sobre esse objeto, sobre o domínio que tem da língua, utilizando-a com eficiência em situações de comunicação. Portanto a utilização direta das cartilhas nesse contexto estaria de acordo com as concepções que estão dando suporte às ações pedagógicas.
As cartilhas nunca podem ou devem ser usadas ?
Se essa utilização estiver sendo realizada com crianças que já tenham construído a base alfabética do sistema de escrita, não vemos nenhum problema maior para elas, pois, o que irão encontrar não estará em desacordo com suas hipóteses sobre a escrita.
Fez seu doutorado sob a orientação de Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971, à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual faziam parte Ana Teberosky, Alicia Lenzi, Suzana Fernandez, Ana Maria Kaufman e Lílian Tolchinsk.
Em 1977, após o golpe de estado na Argentina foi abrigada a se exilar, e leva na bagagem os dados das entrevistas que ela e sua equipe haviam realizado cuja análise está na origem da psicogênese da língua escrita. Passa a viver na Suíça em condição de exilada e a lecionar na universidade de Genebra, onde inicia uma pesquisa com a ajuda de Margarida Gómez Palacio sobre as dificuldades de aprendizagem das crianças de Monterrey (México).
Em 1979, muda-se para o México com o marido – o físico e epistemólogo Rolando García, com quem teve dois filhos. Publica o livro Los sistemas de escritura em el desarrollo del ninõ em co-autoria com Ana Teberosky quem ajudou na análise exaustiva dos dados obtidos em Buenos Aires numa ponte entre Genebra onde se encontrava Ferreirro e Barcelona onde se encontrava Teberosky, pois o duro exílio se estendeu por alguns anos, até mesmo para a maioria das pesquisadoras desse grupo que foram obrigadas a espalhar-se pelo mundo.
Em 1982 publica com Margarida Gómez Palácio o livro Nuevas perspectivas sobre los proceesos de lectura y escritura, fruto de pesquisa com mais de mil crianças em que distingue oito níveis de conceitualização da escrita. Nos anos de 1985, 1986 e 1989 publica obras que reúnem idéias e experiências inovadoras na área de alfabetização realizadas na Argentina, no Brasil, no México e na Venezuela: la alfabetización em proceso; Psicogênese da língua escrita, Los hijos del analfabetismo (propuestas para la alfabetizacíon escolar em América Latina.
Em 1992 recebe o título de doutor Honoris causa da Universidade de Buenos Aires,em 1999, pela Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), em 2000 pela Universidade nacional de Rosário (Argentina) em 2003 é novamente homenageada com o título pela universidade de Comahue (Argentina) e Atenas (Grécia).
No Brasil, em 1994, recebe da Assembléia Legislativa da Bahia a medalha "libertador da Humanidade" que anteriormente fora atribuída ao líder sul-africano Nelson Mandela e ao educador brasileiro Paulo Freire. Em 1995 foi novamente homenageada com o título de doutor Honoris causa atribuído pela Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj). E em 2001 recebe do governo brasileiro a Ordem Nacional do Mérito educativo. Na Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança.Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de Emilia Ferreiro, é praticamente impossível.Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção da linguagem escrita na criança. Os resultados de suas pesquisas permitem, isso sim, que conhecendo a maneira com que a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes daqueles que alfabetizam possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas.
Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam com certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito fraca da cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os próprios educadores, os métodos ou o material didático. Com seus estudos, Ferreiro desloca a questão para outro campo: " Qual a natureza da relação entre o real e sua representação? " As respostas encontradas a esse questionamento levam, pode-se dizer, a uma revolução conceitual da alfabetização.A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as crianças reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender seu processo de construção e suas normas de produção.
" Ler não é decifrar, escrever não é copiar".
Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento.Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky (pedagoga de Barcelona), pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se pode ler as letras quanto os desenhos. É bastante significativo que estas crianças pertençam às classes sociais mais pobres que por isso acabam tendo um menor contato com material escrito.
O processo de construção da escrita
Na fase 1, início dessa construção, as tentativas das crianças dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um "lê" em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo.
Na fase 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas, (não podem ser repetidas).
Na fase 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida.A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias iniciais de que são necessários, pelo menos três caracteres. Este conflito a faz caminhar para outra fase.
Na fase 4 ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu - entre uma exigência interna da própria criança ( o número mínimo de grafias ) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções.Ela, então, começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente.
Na fase 5, finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão de que a cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples, formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado.
A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separada por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas.
A Hipótese da Criança e as Cartilhas
Segundo as pesquisas a que vimos nos referindo, para que alguma coisa sirva para ler é preciso que contenha um certo número de letras, variável entre dois e quatro. Letra sozinha não representa nada escrito. De nada servem, também, conjuntos com letras repetidas, pois elas entendem que só podem ser lidas palavras que contenham letras diferentes. Uma explicação para tal, seria que no em seu dia a dia, observam que o comum é encontrar palavras formadas por uma variedade de letras.
Bem, chegamos agora às Cartilhas.
Como ficam os alfabetizadores em relação a esse problema, se a grande maioria das Cartilhas apresentam às crianças logo de início, palavras como: bebe, baba, boi, aí, ai, eu, oi, vovô?
Em que medida as Cartilhas contribuem para a aquisição do processo de escrita compreendido de acordo com os resultados das pesquisas efetuadas por Ferreiro e outros autores desta linha, principalmente para crianças oriundas das classes mais desfavorecidas, que acabam tendo um menor contado com a produção escrita em seu meio social?
A meu ver as cartilhas mostraram-se e mostram que não são eficientes para a tarefa de ensinar a ler e a escrever a crianças pré-silábicas. Pesquisem, e verifiquem que toda cartilha parte do pressuposto de que a criança já compreende o nosso sistema de escrita. Ou seja, que ela já entende que aquilo que as letras representam é a pauta sonora dos nomes dos objetos , e não o próprio objeto a que se referem. E, os estudos atuais já demonstraram suficientemente que as dificuldades mais importantes do processo de alfabetização situam-se ao nível de compreensão da estrutura do sistema alfabético, enquanto a representação da linguagem.
Elas acabam sendo usadas quando:
As ações educativas, tiverem subjacentes, mesmo que de forma não muito clara, a concepção de que a escrita é um mero código de transcrição da fala.Desse modo, é bastante lógico, que o processo de alfabetização desenvolvido, também se restrinja à aquisição de uma técnica, a qual para seu desenvolvimento dará atenção principalmente:
aos aspectos gráficos da escrita
ao desenvolvimento de habilidades que visem garantir a correção da transcrição
à qualidade do grafismo: controle do traço, distribuição espacial, orientação dos caracteres
desenvolvimento de tarefas de "prontidão": preenchimento de tracinhos, preenchimento do traçado de letras, cópia do traçado de letra, exercícios de discriminação auditiva e visual.
Neste caso, essa concepção nos leva a uma metodologia voltada para a aquisição da escrita, sem levar em consideração aquilo que a criança já sabe sobre esse objeto, sobre o domínio que tem da língua, utilizando-a com eficiência em situações de comunicação. Portanto a utilização direta das cartilhas nesse contexto estaria de acordo com as concepções que estão dando suporte às ações pedagógicas.
As cartilhas nunca podem ou devem ser usadas ?
Se essa utilização estiver sendo realizada com crianças que já tenham construído a base alfabética do sistema de escrita, não vemos nenhum problema maior para elas, pois, o que irão encontrar não estará em desacordo com suas hipóteses sobre a escrita.
Fonte: Centro de Referencia Educacional
Disponivel em:http://www.centrorefeducacional.pro.br/contribu.html