Rodrigo Alves Ribeiro 1
Não seria possível uma história da vida cotidiana sem as evidências da cultura material, assim como a história da cultura material seria ininteligível se esta não fosse colocada no contexto da vida social cotidiana. Peter Burke 2
Podem passados corresponder à designação de passados não só ilustres – como que platonicamente ilustres – como úteis. Valiosos, por sua presença em tempos posteriores ao do seu aparecimento. Valiosos para gerações que não participaram diretamente deles. Mas que são alcançadas por conseqüências desses passados prolongados noutros tempos. Podem eles ser úteis a vivências de vindouros. Gilberto Freyre 3
É sabido e fato, que a história social nasce em meio aos arroubos e vicissitudes da vida do homem da cidade. Pois é dentro do complexo citadino que o museu e a sua derivação conceitual, a casa-museu, fazem-se presentes.
O museu, ou o “lugar de memória” conforme denomina Pierre Nora 4 , é pensado como o espaço de difusão da história áurea de um país e seu povo. Mas, indaguemos: que história, que país, que povo? Sendo um centro de memória, o museu, o denominado de histórico ou patrimonial, fora montado ideológica e museologicamente considerando os grandes personagens, os seus feitos e suas datas marcantes. Realidade que o leva a não ser um espaço de problematização e sim um pólo de contemplação indutiva. Indutiva porque o museu desse tipo está regido de intenções que têm por intento a não reflexão do que se expõe em suas dependências.
Afinal, que história, que país e que povo compõem o museu histórico ou patrimonial? A história é, indubitavelmente, a de teor oficial que se rege por leis e padrões compatíveis ao grupo sócio-intelectual legitimado no poder institucional de seu país. Um país fomentado por símbolos de distinção nacional que passam a externar um ar de identidade comum a todos; já o povo, ganha uma costura firme de padrões com linhas estéticas agradáveis aos olhos institucionais, ou seja, o povo expresso no museu histórico, é aquele que sofre uma homogeneização no seu formato cultural típico de ser, agir e interagir com o mundo.
A história social por sua vez entra em cena para favorecer uma maior reflexão acerca do papel do museu e da casa-museu, nas práticas e usos promovidos por uma sociedade. Isto porque a história social faz emergir um “campo de possibilidades” 5 por alavancar um diálogo com outras disciplinas acadêmicas com o objetivo de atingir um melhor entendimento de determinadas questões sociais. Muito embora, de um modo geral, a aproximação da história de outras disciplinas não ser pautada numa reflexão epistemológica ao lidar com posições “científicas” não comuns à sua forma de interpretação acadêmica.
Apesar dessa constatação, alguns dos campos de estudo da antropologia, como o da leitura descritiva de objetos, inspirou no historiador uma relevante dimensão de pesquisa por promover questionamentos acerca do aspecto social da cultura material. Entretanto, cumpre ressaltar que o fazer histórico tem de tratar a cultura material de forma que tal dimensão do processo cultural seja problematizada e historicizada, e não apenas interpretada pela dimensão sincrônica 6 de análise “científica”.
O recurso sincrônico, unicamente visto enquanto perspectiva de análise, para o historiador social, acaba por congelar o complexo social numa estrutura ideológica que padroniza a diversidade e as contradições do homem demasiado provido de estratégias e táticas. E é tendo em foco a diversidade e as contradições do homem em sociedade, que a história social visa a perceber as intenções, possibilidades e potencialidades do complexo cultural. Sendo assim, o museu é, sem o entorpecimento de qualquer dúvida, o resultado de intenções e práticas ideológicas quando da fundação/criação de tal categoria institucional de memória.
Cumpre observar que o objeto/acervo museal, exerce a função de documento por deter implicitamente em seu formato e em seu objetivo de função prática, informações cruciais (tipo de técnica, de material, a época, o estilo, o contexto histórico, o valor material, ...) ao historiador que o interpreta.
O objeto é um documento por tratar-se de um aspecto cultural marcado cronologicamente pela época em que fora dotado de valores de uso. Contudo, o museu tem a função de temporalizar o objeto em virtude da possibilidade de ser o próprio museu, o espaço no qual torna-se viável ver, sentir e pensar o que não se apreende no agir da vida cotidiana. Desde que a política instituída no museu se caracterize pela criticidade em torno de seu acervo. Sem que para isso, seja promovida uma classificação temática do acervo de maneira arbitrária ao enquadrar as peças em categorias que vão das chamadas artísticas, passando pelas folclóricas e chegando às históricas. O que acaba por criar uma gradação evolutiva no modo de organização museológica 7 , fazendo obscurecer as problemáticas históricas inerentes ao conjunto de peças que compõem um museu. Uma vez que os objetos não se classificam por si, mas a sociedade com suas aspirações os nomeiam de acordo com suas estruturas físicas, seus aspectos funcionais e sua referência sóciocultural diante do poder aquisitivo de quem os possui, os possuiu ou os possuirá.
Como instituição de memória, o museu figura como reflexo de quem o cria e organiza, a exemplo da casa-museu de Gilberto Freyre no Recife. Um espaço que denota autobiografia e memória de uma época dos tempos patriarcais. A dos meninos prematuramente transformados em homens, a do cultivo da cana-de-açúcar, a do escravo de casa. Que no tocante ao ambiente interno da casa-museu de Gilberto Freyre, tal tripé passa a apresentar-se empiricamente por intermédio de fotografias em preto e branco de meninos taciturnos à mostra por sobre determinados móveis de jacarandá; assim como pela mesa de jantar figurando como a peça-símbolo na qual eram degustadas receitas de doces à base do açúcar de cana; e por fim, pela imagem em óleo sobre tela do negro da casa, Manuel Santana, exposta na sala de visitas dos Freyres.
Em sua dissertação 8 de mestrado defendida em 1922, na Universidade de Colúmbia, Gilberto Freyre descreve aspectos peculiares da vida social patriarcal, onde aborda da alfabetização e iniciação sexual do menino de engenho ou do patriarcado urbano, ao senso de reserva e de austeridade que impõem um “trajo” longo feminino, ou uma bengala de marfim masculina à inglesa. Instrumentos de distinção social e de gênero que Gilberto Freyre faz tornar presentes em sua casa-museu.
Quanto a esse fator, o da análise social dos objetos, a história social pode e deve tê-la como prática por um fator óbvio: o que revela que o sujeito não só faz o objeto como o objeto também faz o sujeito. Traduzindo-se no valor de uso e de relação sentimental do indivíduo com a sua criação física. O que possibilita-nos refletir sobre a defesa da história social ante o sujeito e sua ação cotidiana, esquecendo às vezes do trato com a cultura material. Sendo ela, no dizer do historiador inglês Peter Burke, uma expressão das idéias e ideologias marcantes numa “Era” 9 da relevância da modernidade, da qual emergem as criações físicas como a cadeira e a xícara, com o intuito de significar distinção e individualidade.
O museu, por conseguinte, é repleto de símbolos geradores de imagens que por extensão permite-nos captar algumas das sensações perdidas num dado passado. Portanto, o museu, aquele que denominamos de histórico ou patrimonial, por intermédio de seus fragmentos de memória, - a exemplo de um conjunto mobiliar ou de utensílios de prata burilada – pode atribuir ao espectador que o visita, noções e informações sobre o seu aparato museal. Isto porque, a peça de museu, ou de casa-museu, concordo com o professor Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes, não está no ambiente em que está, para “reproduzir o mundo e a vida”. [E ainda, acrescente-se:] “[...] não é uma forma de transportar para um [...] [lugar, e vê-lo como o ponto máximo para a concentração da] vida ao vivo, [da] pulsação da vida de todo dia no seu fluxo [...] [atroz], mas é uma maneira de representar [...] o mundo, os homens, as coisas, as relações [sociais do cotidiano]” 10 .
O museu não tem a função de reconstituir o passado tal qual fora numa época. Até porque o que de fato era o passado para os seus contemporâneos, não conseguiremos hoje, no presente, apreendê-lo em sua totalidade; ou até mesmo entendê-lo ou reconstituí-lo conforme foi um dia, tudo por uma questão fundamental: o museu lida com o que está presente (o acervo) e não com aquilo que está ausente, (o potencial valor de significação individual ou coletiva que um lavabo proporcionava, ou o simples ressoar dos calçados de um indivíduo por sobre o assoalho de jacarandá de seu sobrado do século XIX, por não mais ser audível, graças à distância temporal).
É no âmbito de um sobrado recifense dos fins do século oitocentista que o escritor Gilberto Freyre “fundará” a sua casa-museu. Lugar no qual o autor de Casa-Grande... tenta apresentar o passado patriarcal pernambucano a partir de painéis em azulejo barroco português do século XVIII, à mobília em jacarandá ou vinhático, talhada com temas da fauna e da flora tropicais da primeira metade do século de 1800. Móveis que se enquadram no pensamento romântico brasileiro que sagra e consagra signos e significados em meio ao naturalismo científico dos cronistas europeus e do indianismo nacionalista.
Gilberto Freyre, por conseguinte, tinha consciência da relevância mental e social da casa, quando em 1988 “faz” transformar a sua residência oficial em casa-museu. O espaço físico que figura entre o dinamismo cotidianesco familiar (a casa) e a apresentação simbólica e memorial de uma sociedade (o museu).
Sob a égide do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a residência de Freyre passou a responder como patrimônio de todos os brasileiros, e assim aparada pela justificativa que diz que além de tal conjunto arquitetônico ser a casa de um escritor de renome internacional, ela é um elemento sólido de nossa identidade cultural. Todavia, diante desta colocação, faz-se necessário refletirmos em torno da consideração de “patrimônio nacional”, tendo em vista o seguinte questionamento: será que um mocambo também do século XIX – desde que ainda encontre-se entre nós – não deveria receber o devido título de patrimônio nacional em decorrência de seu aspecto sóciocultural? Esta é uma questão fundamental para se refletir sobre o papel de intelectuais como Gilberto Freyre na construção do conjunto de expressões-sentido que convencionamos chamar de identidade, cultura, patrimônio e memória do Brasil.
A cultura e o poder nascem da dinâmica das inter-relações sociais que passam a expressar-se pela via das várias linguagens do processo cultural. Processo cultural este, que não deve ser tratado como um fenômeno nascido da espontaneidade humana exclusivamente. Portanto, o estudo da cultura material torna-se legítimo por transparecer a experiência do fazer e do agir humanos. Demonstrando assim, não apenas o imediato da ação individual ou coletiva do homem, mas o mediato e o subjetivo de nossos anseios. Basta ilustrarmos esta afirmativa através da constatação de que a sala de estar de um sobrado do século XIX era provida de um grande sofá em cujas extremidades, em virtude da hierarquia social, perfilhavam-se cadeiras com braços para promover a distinção entre os indivíduos e as suas relações. Dado que se revela inteligível ao depararmo-nos com a sala de visitas da casa-museu da Fundação Gilberto Freyre em Recife.
A esfera museal, especificamente a da casa-museu do então sociólogo pernambucano, “é por excelência o espaço da representação do mundo, dos seres, das coisas [...]. [Logo,] o museu, portanto, não reproduz a vida, ele é ‘parte' da vida, atendendo às nossas necessidades de representação. [Pois,] precisamos representar porque somos seres não só produtores de sentidos, significados, mas vivemos deles, não passamos sem eles” 11 . O que demonstra que o homem não é única e exclusivamente razão, apesar de objetivar sempre sitiar os seus atos pela linearidade racional.
Quando da idéia de criar-se as Ciências Humanas em fins do século de 1800, o Evolucionismo Darwinista era o tronco principal das nascentes disciplinas das ciências do homem. Sendo este aporte teórico o principal caminho trafegado pelas reflexões do “materialismo histórico”, a cultura material (vista como produção serial com fim apenas consumista), passa a ser um recurso metodológico em voga. Basta considerarmos que a arqueologia será alimentada pelo norteador princípio que reza que o bloco de caracteres materiais das civilizações é o seu principal combustível. Sendo assim, a arqueologia, por exemplo, do século oitocentista, conforme o argumento de Jacques Le Goff em sua História Nova , traduzia-se na idéia de que o desenvolvimento material de um povo definiria o seu grau cultural. Fator que não atentava para os aspectos muitas vezes simbólicos e subjetivos que moviam o processo de elaboração da cultura material.
Por outro lado, a antropologia, ou melhor, a etnologia dos “Sistemas Classificatórios” dos objetos de Marcel Mauss, promoveu o “estudo dos fenômenos superestruturais [ por ele privilegiado ao perscrutar] os simbolismos e as representações mentais, a magia, [...] os mitos e o parentesco” 12 . Abordagem que não é em sua totalidade considerada válida pelo historiador social, porque tal premissa entende a criação material muitas vezes distante das relações sociais. Concebendo-a, portanto, como uma expressão emanada das forças estruturais da mente.
A história social, com o advento dos Annales de Marc Bloch e da Nova História de Jacques Le Goff , passou a lidar com a cultura material de maneira mais ampla buscando problematizá-la para melhor detectar as nuances da experiência prática e relacional do agente ou dos agentes sociais que a elaboram. Este tipo de documento trata de denunciar particularidades patentes ou não, como a construção hierárquico-social e dos pensamentos estéticos e ideológicos de uma determinada época. A exemplo do Naturalismo Cientifico oitocentista que é uma constante em móveis pernambucanos, em geral, e nos da casa-museu de Gilberto Freyre, em particular, os quais ganham evidência sob as ferramentas dos marceneiros Beranger 13 e Spieller 14 predominantemente.
Para finalizar estas linhas de raciocínio, tenho por finalidade sublinhar uma coisa relevante: o ambiente museal é constituído em sua totalidade espacial física/empírica e subjetiva/ideacional de elementos concretos que tanto aqui tratei de cultura material. Elementos os quais estimulam, no visitante de museu, a manifestação daquilo que o ex-funcionário do Victoria and Albert Museum e especialista em cerâmica, Herbert Read, conceitua de elemento permanente típico na humanidade, que é a sensibilidade estética do homem. Uma vez que, segundo Read, a sensibilidade é estética porque ela é uma manifestação do sensorial humano que dialoga com o visível (a obra física de arte/museal) e o invisível e o mágico que a obra arte/museal revela-nos. Partindo desse referencial podemos entender que o variável, no apreciador diante de uma peça concordando-se com o autor de O sentido da Arte , é a interpretação que se atinge ao deparar-se com as formas que correspondem ao seu estado de sentidos imediatos. Muito embora os freqüentadores de museus, e o historiador social que dialoga com a cultura material, não consigam penetrar no íntimo hermenêutico daquilo que analisam conforme penetrava o autor de uma expressão artística ao elaborar a sua obra de arte. Contudo, mais uma vez destacando o já dito sem desejar exaltar a redundância neste texto, “as [...] formas podem possuir valor expressivo diferente, não apenas para [...]” [agentes sociais distintos no modo de relacionarem-se com o outro e de interpretarem as suas correspondentes realidades,] “mas também para os períodos [...] diferentes de civilização” 15 que se constroem.
O museu histórico ou patrimonial é, decerto, a esfera de fruição estética por estimular o sensorial por via da percepção de quem o aprecia. A casa-museu, categoria que se sustenta pela fusão daquilo que é publico (o museu) com o que é privado (a casa), assume essa característica por expressar-se pelas memórias físicas de sua arquitetura e de seu acervo correspondente em exposição, nutridos de aspectos imateriais/sentimentais dos seus ex-moradores que numa época mental e cronológica trocaram suores, desejos, alegrias, tristezas, frustrações, sentimentos e imposições morais ao habitar uma casa que antes era somente casa. Considerando este painel discursivo, o historiador social da cultura material, no processo de elaboração do conhecimento histórico, deve entendê-la como uma categoria documental. É uma fonte relevante como as de natureza textual e oral o são, que se caracteriza também pelo presente e o ausente simultâneos. Portanto, o museu e a casa-museu são esferas que têm de ser interpretadas e não explicadas pela simples razão: tanto o primeiro quanto a segunda, são a concretização de idéias e da subjetividade humanas. Logo, têm de ser estudados a partir de questionamentos, de problemáticas. Ao menos é o que estou tentando pôr em pauta ao lidar com a casa-museu do autor de Casa-grande e Senzala .
1 Licenciado em História pela Universidade de Pernambuco – UPE. Mestrando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará – UFC. O presente ensaio surgira das discussões promovidas nas atividades da disciplina História Social: Abordagens e Perspectivas ministrada pelo Profº Drº Frederico de Castro Neves e nas observações levantadas pelo Profº Drº Francisco Régis Lopes Ramos nos encontros semanais da linha de pesquisa Cultura e Poder . Com bolsa-sanduíche PROCAD/CAPES/UFC, desenvolveu parte de sua pesquisa nos arquivos da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Além de cumprir créditos obrigatórios no Museu de Arte de São Paulo – MASP, sob a orientação do Profº Drº Jorge Sidney Coli Jr.
2 FALCÃO, Joaquim; ARAÚJO, Rosa Maria Barbosa de (Org.). O Imperador das Idéias: Gilberto Freyre em questão . Rio de Janeiro: TOPBOOKS/UNIVERCIDADE, 2001, p. 68.
3 FONTE – FREYRE, Gilberto. Cultura e Museus . Recife: Governo do Estado de Pernambuco/Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes/Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE, 1985. Conferência Proferida no Museu de Arte Sacra de Pernambuco – MASPE, em 16.10.84 , p. 16.
4 NORA, Pierre. ´Entre memória e história: a problemática dos lugares´. Trad.: Yara Aun Khoury. In.: Projeto História,São Paulo, n. 10, dez. 1993. Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
5 FENELON, Déa. Ribeiro. ´Cultura e história social: historiografia e pesquisa´. In.: Projeto História . São Paulo, n. 10, dez. 1993. Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
6 No tocante ao recurso sincrônico sustenta o historiador Evaldo Cabral de Mello: o historiador necessita recorrer à dimensão sincrônica com espírito informadamente crítico, o que significa subordina-la à diacronia que é, por excelência, sua reserva de mercado. Se não o fizer, apenas empobrecerá sua capacidade de explicação e de compreensão do passado. Citação extraída do artigo ´O “Ovo de Colombo” Gilbertiano´. Op. Cit., 2001, p. 31.
7 A partir dos anos 80, e sobretudo nos anos 90, não é apenas uma ´reaproximação´ [..] dos pesquisadores de outros campos de conhecimento em relação ao mundo dos museus o que ocorre. Ocorre também uma inflexão no olhar, uma redefinição dos objetos de pesquisa, uma flexibilização temática, uma alteração nos procedimentos metodológicos e uma nova compreensão, no campo mesmo da museologia, do que seja pesquisa museulógica. Do ponto de vista museológico,a idéia de pesquisa estava, antes dos anos 90, atrelada à idéia de levantamento de dados sobre o objeto: nome, autoria, origem de fabricação, procedência, dimensões, identificação de marcas e inscrições, matéria-prima utilizada, técnica de confecção, descrição formal, história do objeto e, eventualmente, algum outro item. CHAGAS, Mário. ´Pesquisa & comunicação: mútuo desafio. In.: Anais do IV Seminário sobre Museus-Casas: Pesquisa e Documentação. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa/Ministério da Cultura, 2002, p. 74. Considerando criticamente esta posição, busco em breve com a defesa de meu texto dissertativo em 2006, contribuir para o desenvolvimento da pesquisa histórico-social e da prática didática do acervo da Casa-Museu Magdalena e Gilberto Freyre, uma vez que é crucial o seu estudo em virtude da relevância do patrimônio em destaque. A proposta que tenho em andamento visa a trabalhar o acervo da Casa-Museu da Fundação Gilberto Freyre, pautado na prática da pesquisa histórica que tem por intento entender a noção de patrimônio, memória e cultura para o autor de Casa-Grande & Senzala, tomando como referência a relação entre a casa na qual ele residira, com algumas das suas produções literárias.
8 FREYRE, Gilberto. Vida Social no Brasil nos meados do século XIX. Trad.: Waldemar Valente. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 1985. O texto dissertativo por Freyre elaborado em Columbia, sem alterações, fora publicado no mesmo ano de sua defesa sob o título de Social Life in Brazil in Middle of the Nineteenth Century naThe Hispanic American Historical Review , contendo 34 (trinta e quatro páginas).
9 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. Possuímos centenas de mitos contando como o sujeito (ou o coletivo, ou a subjetividade, ou as epistemes) construiu o objeto. [...] Não temos, entretanto, nada para nos contar o outro aspecto da história: como o objeto faz o sujeito. (Latour, 1994, p. 81).
10 MENEZES, Ulpiano Toledo Bezerra de. ´O museu e o problema do conhecimento´. In.: Anais do IV Seminário sobre Casas-Museus: Pesquisa e Documentação. Op. Cit., 2002, p.23.
11 Ibdem, 2002, pp.23-32.
12 LE GOFF, Jacques. História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.179.
13 Francisco Manuel Béranger, foi entalhador de móveis e altares de igrejas da cidade do Recife na segunda metade do século XIX. Seu pai chamava-se Julião Antônio Fortunato Béranger, conforme pude apurar quando da leitura do anuncio de sua morte no Diário de Pernambuco de 01/11/1853. O Diário... é fonte ao desenvolvimento de minha pesquisa quando se trata de informações sobre a mobília pernambucana do século de 1800.
14 Guilherme Spieler tinha por profissão a marcenaria. Chegou ao Recife em 1860.
15 READ, Herbert Edward. O Sentido da Arte. 6ª ed. São Paulo: IBRASA, 1987, p. 24. A sensibilidade estética está associada e é resultado de um conjunto de valores e padrões institucionais absorvidos na vivência da sociedade dita civilizada, obediente às convenções homogeneizantes.
Fonte: TEMPO HISTÓRICO
Dispnível em: http://www.ufpe.br/historia/revista.html