Sob o impacto de um ataque
Gregório de Matos (1633-1696)
O estalo deu-se na sua viagem de exílio a bordo do Belle Isle um vapor francês às vistas de Dacar, no Senegal. A Revolução de 1930 expulsara do Brasil o ‘carcomido’ Estácio Coimbra, político símbolo da oligarquia do açúcar que a gente do ‘tenente’ Juarez Távora, rebelada, botara a correr. E com ele ia o jovem Gilberto Freyre, seu chefe de gabinete, que não se negou a acompanhar o Presidente de Pernambuco naquele momento difícil.
Foi lá longe, do outro lado do Atlântico, que recebeu a noticia de que o casarão da sua família no Recife havia sido invadido por uma turba e até parte da biblioteca fora saqueada e incendiada. Decidiu-se. O livro que fazia anos que o acompanhava na imaginação definitivamente tinha que tomar corpo. De algum modo ele percebera que as labaredas que lhe consumiram o lar ancestral eram um sinal definitivo dos tempos. O mundo patriarcal, a casa grande e a senzala da qual sua avó, a matriarca Francisca Teixeira de Melo tanto falara, dava seu adeus ao Brasil.
A maior parte dele foi escrita na Universidade de Stanford, na Califórnia, quando aceitara o convite para ser professor visitante. O restante ao retornar à terra natal anistiado. A publicação, revisada pelo seu primo Manuel Bandeira, ocorrida finalmente em 1933, foi um assombro. O Brasil se encantou e um tanto que se espantou com o que leu no ‘Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal’.
O papel do engenho
O engenho, matriz da sociedade escravocrata |
Isolado das autoridades imperiais ou eclesiásticas, no engenho quem reinava era o seu dono. Mandava no canavial e nos escravos e também em todo o pobrerio que habitava nas choupanas nos arredores da grande lavoura. A unidade nacional, tão exaltada pelos conservadores, não vinha nem do Estado luso-brasileiro nem da Igreja Católica, mas sim da família patriarcal. Ela era a célula-mãe de tudo o mais que se seguiu. No comando, o portuguesão, o sinhô, louco para por as mãos nas impudências, faminto por nagôs e por iracemas a quem perseguia em seus banhos de rio diários, espalhando pela região levas de moleques e de curumins bastardos – a massa brasileira de hoje.
O resultado final disso tudo, deste donjuanismo alimentado pelo embalo das redes sob o sol equatorial, ao som dos cânticos da escravaria no eito, era a formação de uma civilização nos trópicos, grande feito que o autor atribuía aos portugueses. Gilberto Freyre, mais do que todos, fez com que o país não se envergonhasse da sua origem lusitana e, muito menos, para escândalo dos arianistas, do fato de ter um povo mestiço.
A diversidade das fontes de Freyre
Todo o livro é uma volúpia apresentado numa prosa original, ‘brasileira’ e não portuguesa, na qual a explicação sociológica ou antropológica dá lugar aqui e ali à observação inteligente, saborosa, casual, esclarecedora e bem humorada. Nenhum intelectual dominou o século XX no Brasil como Gilberto Freyre o fez. Pró ou contra ele, não importa, ele foi o imperador informal do imaginário brasileiro.
Fonte:Voltaire e Schilling
Disponível em:http://educaterra.terra.com.br/voltaire/