Introdução
As nuances da temática do presente artigo, "fronteiras étnicas", não apresentam peculiaridade ao Rio Grande do Sul ou mesmo ao Brasil. Elas permeiam, sob diferentes aspectos, todas as relações de contato entre dois ou mais grupos étnicos nos diversos contextos mundiais. Pretendemos trazer à discussão duas questões de fronteiras ainda pouco abordadas na história do contato interétnico no Rio Grande do Sul: as fronteiras de exclusão e de inclusão (espontâneas ou forçadas) das relações entre os índios Kaingang e as frentes de expansão da sociedade nacional, em meados do século XIX. Tais frentes são representadas principalmente pelas levas de imigrantes alemães que aportaram no Brasil a partir de 1824.
Ao nos referirmos à fronteira de exclusão falamos de uma fronteira étnico-geográfica na qual estão acentuadas as diferenças étnicas, culturais e econômicas, com pouca ou nenhuma permeabilidade entre os lados, e onde geralmente ocorre a segregação do grupo menos organizado. A fronteira de inclusão, por outro lado, acentua a absorção étnica, cultural e econômica da sociedade envolvida pelos valores da sociedade intrusiva, a qual dissemina seus preceitos religiosos, culturais e econômicos, marcadamente por meio do ecletismo religioso e pela miscigenação[*1] . No objeto aqui analisado esta relação se deu principalmente por meio das negociações comerciais e pelo colaboracionismo de lideranças indígenas.
Historicamente a manifestação das fronteiras étnicas ou geográficas representa uma ruptura sob determinados aspectos e, ao mesmo tempo, uma construção social de novos valores e interesses para ambos os grupos em situação de contato. No caso estudado por nós, veremos como essa relação atingiu o seio da sociedade Kaingang em um momento crucial de sua história, onde os novos elementos trazidos pelos europeus agiram na ressignificação dos hábitos e costumes tradicionais destes indígenas.
Como analisamos a relação entre dois grupos étnicos distintos, torna-se importante refletir sobre o termo "grupo étnico". Para isso utilizamos como referencial Frederick Barth, que designa "grupos étnicos" como populações que se perpetuam biologicamente de modo amplo, compartilham valores culturais fundamentais, constituem um campo de comunicação e interação e possuem um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros [*2]. Dessa forma, "a manutenção das fronteiras da etnicidade não resulta do isolamento, mas da própria inter-relação: quanto maior a interação, mais potente ou marcado será o limite étnico"[*3].
O projeto de colonização
Em princípios do século XIX foram assinados acordos entre o governo brasileiro e os estados alemães, os quais, teoricamente, garantiam a instalação dos imigrantes em lotes já demarcados na região nordeste da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, mais precisamente na Encosta Superior da Serra do Nordeste, entre as bacias dos rios Taquari, Sinos e Caí. Esta região compreende atualmente os municípios de São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Montenegro, Taquara e São Francisco de Paula, pólos iniciais da colonização alemã no estado.
O projeto de colonização objetivava fundamentalmente a ocupação das terras "virgens" ou "devolutas" e o desenvolvimento da agricultura, do comércio e da indústria, criando classes sociais intermediárias entre o latifundiário e o escravo, além da substituição da mão de obra escrava pela mão de obra livre assalariada. Havia ainda, com a clara intenção de "branquear a raça", uma política assumida pela elite intelectual brasileira e pelos legisladores do Império garantindo que os imigrantes que viessem colonizar o Brasil fossem brancos[*4].
Por meio destes elementos é possível perceber que as fronteiras de exclusão já estão sendo esboçadas, pois a legislação etnocêntrica exclui do patamar "imigrante/colono" os negros, os orientais e os próprios indígenas. A formação de um "novo Brasil" está em jogo. Um aspecto desta condição é perceptível no Relatório do Presidente Manoel Antônio Galvão, datado do ano de 1847:
Na opinião geral é considerada a colonisação a necessidade mais palpitante do Império: a vastidão das terras desertas, que não quereis sem dúvida povoar com negros, e que não é possível igualmente povoar pelo lento e gradual crescimento da população existente em menos de um século (suppondo mesmo a entrada no grêmio da sociedade a indígena) é circunstancia de tanto momento, que desafia e provoca por si mesmo as mais serias considerações.[*5]
Para instigar nos estados alemães a vinda de imigrantes para o Brasil os agentes se utilizaram de diversas estratégias para o sucesso da empreitada. Entre as táticas principais estava a garantia de fácil acesso às terras férteis das colônias. Logicamente não se incluía na propaganda das empresas colonizadoras o fato de que as áreas que serão ocupadas pelos colonos não eram completamente "devolutas" como disseminavam as propagandas.
Em suma, estas áreas constituíam o "território tradicional" do grupoKaingang[*6]. Nestes locais a problemática da fronteira étnica já existia desde tempos anteriores ao contato com os europeus, marcada fundamentalmente pelas disputas territoriais com os grupos Guarani eXokleng, aos quais os Kaingang mantinham guerras frequentes pela defesa de suas áreas de caça e coleta.
Em certos aspectos tais conflitos produzem, alteram, sustentam, reforçam ou mantêm as fronteiras, cujos limites frequentemente estão representados por um determinado ambiente natural. Para compreender tais ações torna-se necessário compreender a importância e o significado do território para os grupos indígenas nos momentos anteriores ao contato com os europeus. De acordo com Seeger & Castro:
Em termos econômico-jurídicos, a terra, para as sociedades indígenas que conhecemos, não se definia nunca como coisa, objeto alienável de transações individuais. A propriedade - se esta noção faz algum sentido no caso - era investida no grupo local e os direitos individuais ou familiares se exerciam sobre o trabalho na terra, sobre os frutos deste trabalho. Neste sentido, a terra não podia ser definida como espaço homogêneo e neutro, mas como mosaico de recursos (tipos de solo, de matérias e seres ali encontrados, etc.) desigualmente distribuídos por uma superfície sem existência conceitual nítida. O território, enquanto tal, podia ou não ser pensado como espaço fechado - isto dependia sobretudo das relações entre os diferentes grupos tribais de uma mesma região, e também das formas econômicas prevalecentes.[*7]
A partir do contato com os europeus a relação dos indígenas com seu território tende a modificar-se drasticamente, principalmente devido aos novos arquétipos sócioculturais impostos pelos invasores. Neste caso, o contexto histórico da fronteira, entendida no sentido de transmutação de valores e ideais, está intimamente articulada com outros processos históricos de descoberta e colonização europeias, seja nas Américas ou em outros continentes que sofreram as consequências do fenômeno.
Um destes processos ficou conhecido na bibliografia etnológica como "fricção inter-étnica", que representa um ponto de "atrito" entre diferentes etnias e culturas, levando à apropriação de práticas, a conflitos, conexões negativas ou positivas e até mesmo à ocorrência de conflitos identitários. Dessa forma compreendemos a fricção inter-étnica como uma fronteira permeável, na acepção de que há uma interdependência entre os sujeitos dos diferentes grupos em contato.
Assim sendo, temos a dependência do índio aos recursos materiais postos ao seu alcance pelo colonizador, membro da sociedade nacional envolvente e, consequentemente, o interesse do último pelos recursos postos ao seu alcance por meio do nativo. O índio oferecendo matéria prima, onde se inclui a terra ou a mão de obra, e o "civilizado" oferecendo bens manufaturados[*8].Contudo, apesar da característica de interdependência entre os grupos étnicos, reconhecemos a extrema desigualdade desta relação e a particularidade do processo para os diferentes povos indígenas do Brasil.
A fronteira da exclusão: o índio como obstáculo
O ano de 1829 merece destaque porque nele foi registrado o primeiro assalto com vítimas fatais nas denominadas "correrias" praticadas pelos Kaingang às áreas de colonização. Trata-se do ataque à picada Dois Irmãos, na colônia de São Leopoldo, no qual foram mortas três pessoas pelos indígenas[*9]. Os assaltos passaram a ser freqüentes desde então, levando pânico aos colonos, que viam suas roças, suas casas e suas vidas ameaçadas pelos índios.
Para exemplificar a dimensão do conflito entre os Kaingang e os colonos destacamos um trecho da correspondência pessoal de um imigrante alemão, datada do ano de 1832, onde o mesmo expõe a apreensão de seus conterrâneos frente às investidas dos indígenas:
Estaríamos muito contentes e felizes se não fosse um grande mal, isto é, se homens selvagens que já desde muito tornaram os matos inseguros e roubaram a vida de 21 irmãos alemães. Esses selvagens eram os povoadores iniciais desta terra livre, antes de os portugueses tomarem conta dela, após o que foram expulsos para a mata virgem, na qual se poderiam alimentar muito bem com a muita caça, frutas e plantas em geral, se não tivessem que satisfazer seu desejo de roubo e morte. [...] Agora os alemães se mudaram das colônias mais afastadas e se reuniram no meio dessa picada e também na localidade avançada onde moro e assim não há grande perigo e Deus, nosso único auxílio, nos queira proteger dos selvagens, contudo é nossa obrigação estar sempre tão atentos como soldados, que montam guarda diante do inimigo.[*10]
A fronteira, neste caso, não é somente étnica. Ela é principalmente geográfica, pois na concepção do autor da carta a área em que os lotes foram instalados não corresponde mais ao habitat dos indígenas, pois os mesmos já haviam sido expulsos daquele espaço, tendo portanto, perdido o "direito" sobre ele.
Com o tempo as incursões dos índios passaram a ser motivadas também pelo desejo de obter os novos materiais, desconhecidos antes do contato. Logo tecidos, ferramentas, mantimentos, etc., acabaram tornando-se objetos de desejo necessários à sua vida quotidiana. Destarte, a cada nova investida dos Kaingang aos lotes coloniais, o pânico se tornava maior entre os colonos.
A literatura específica divide os assaltos aos lotes coloniais em dois períodos distintos: anterior e posterior aos aldeamentos. De acordo com as fontes bibliográficas e documentais, a maioria dos ataques acontece no primeiro período, entre os anos de 1829 e 1832, quando os colonos passam a adentrar as áreas mais isoladas do Planalto, longe dos núcleos principais, próximos de São Leopoldo.
A partir de 1847, quando novas estradas são abertas para facilitar o desenvolvimento das colônias e dos aldeamentos recém instalados, os ataques diminuíram, porém não cessaram. Grupos de índios eram frequentemente vistos nos arredores das propriedades preparando suas "correrias", alarmando os colonos e motivando a ação dos bugreiros[*11].
O aldeamento surge como principal alternativa para solucionar o problema, porém nem sempre os objetivos foram alcançados conforme as expectativas, como é possível observar no Relatório Provincial de 1851, do Presidente da Província, o Conde de Caxias:
De ordinário indolentes, não cuidão de trabalhar, nem reconhecem o benefício que recebem por se os conservar abrigados das intempéries do tempo e das estações, de alimental-os melhor de que o são nas matas, e tirando-os da vida nômade e selvagem em que vivem para fazel-os compenetrarem-se dos úteis effeitos da sociablidade e das vantagens da civilisação.[*12]
Mais uma vez a fronteira étnica está exposta nos termos da herança cultural, no sentido da depreciação dos valores morais e organizacionais dos indígenas. A relação dos Kaingang com o trabalho, sua forma de agir, de comer, de relacionar-se socialmente são vistas de um ponto de vista etnocêntrico, no qual a diferença é julgada e condenada, cabendo padronizar o comportamento dos nativos de acordo com o sistema cultural dos "civilizados".
A aceitação ou rejeição aos novos padrões impostos também influenciou significativamente a conjuntura posterior ao contato. Os grupos que rejeitaram a sujeição retiraram-se para locais isolados, rompendo inclusive relações com os grupos que aceitaram a aliança. Dessa forma tornaram-se inimigos e acabaram sofrendo as consequências da dissidência.
Fronteiras da Inclusão: os aldeamentos e o colaboracionismo
No século XIX os grupos indígenas do Brasil passaram a ser categorizados sob duas subdivisões: os "bravos" e os "domésticos" ou "mansos", como esclarece Manuela Carneiro da Cunha:
A "domesticação" dos índios supunha, como em séculos anteriores, sua sedentarização em aldeamentos, sob "o suave jugo das leis". Essa era uma idéia geral, aplicável tanto aos grupos agricultores e, portanto sedentários, quanto aos grupos caçadores e coletores. Na categoria de índios bravos, passam a ser incorporados os grupos que vão sendo progressivamente encontrados e guerreados nas fronteiras do Império: grupos dos afluentes do Rio Amazonas, do Araguaia que se quer agora abrir a navegação, do Madeira, do Purus, do Jauaperi, e de outros tantos rios; grupos também, sobretudo pelo fim do século, do oeste paulista ou da zona de colonização alemã nas províncias do Sul.[*13]
Tal categorização permitiu a utilização de tratamentos ambíguos aos diferentes povos indígenas. Aos ditos "bravos" a rigidez das ações foi preponderante, chegando em muitos casos a haver extermínio de grupos inteiros em prol do avanço da civilização. Aos "domésticos ou mansos" o tratamento mais frequente foi o convencimento por meio de procedimentos brandos, negociações e intercâmbios comerciais, visando convencê-los a aceitar a civilização e a inclusão na sociedade política.
A documentação do século XIX referente ao contato revela também outras formas de relação entre os grupos. Trata-se do colaboracionismo de algumas lideranças indígenas para com o aldeamento, aprisionamento ou até mesmo o extermínio dos grupos resistentes.
A colaboração de índios aldeados ou mansos conhecedores do modo de agir e reagir peculiares à tribo devia tornar menos perigosas e mais eficientes as expedições punitivas que se pretendiam organizar contra os índios que entrassem em conflito com os moradores civilizados.[*14]
A política de aldeamento dos Kaingang teve início em 1846, com a criação de dois núcleos principais: Nonoai e Guarita, ambos no norte da província. Com sua criação se pretendia a transformação dos antigos costumes dos indígenas, que de um modo de vida primitivo, baseado na caça, coleta e agricultura incipiente, passariam a participar dos modos de produção modernos, onde o lucro obtido com a venda do excedente das plantações pagaria as dispendiosas somas gastas com a sua criação.
A concentração dos indígenas nos aldeamentos acarretou diversos problemas. A destribalização consistiu na gradual descaracterização dos índios enquanto grupos homogêneos, acentuando as tensões internas nos aldeamentos. Outra consequência foi a penúria que atingiu praticamente todos os conglomerados, em decorrência da inadaptabilidade aos trabalhos agrícolas e da imposição de rações controladas. Como resultado da concentração forçada ocorreram muitos casos de evasão indígena, cujos dissidentes passaram a unir-se aos grupos hostis às políticas do governo. Em que pese suas especificidades, as relações pacíficas e conflitantes foram frequentes nos aldeamentos, fruto das alianças e dissidências, comuns na relação ambígua destas fronteiras étnico-culturais.
Uma personagem paradigmática desta relação foi o cacique Yotoahê, ou como ficou conhecido entre os não indígenas, cacique Doble. Este cacique, sem renunciar ao seu tradicional modo de vida, conseguiu vantagens para si e seus comandados nas relações com as autoridades provinciais. Compreendendo e adotando a lógica das negociações, procurou ludibriar os brancos, tecendo alianças e obtendo deles as reivindicações estipuladas em troca de seu aldeamento e de seus subordinados. Participou ainda das perseguições aos índios resistentes que insistiam em saquear as colônias[*15]. Não é forçoso afirmar que o cacique Doble manipulou as fronteiras étnicas, tornando-as flutuantes, no sentido do paralelismo de suas ações, agindo ora em prol dos interesses das autoridades, ora liderando saques nas áreas coloniais.
As atitudes de Doble, combinadas com as denúncias dos abusos cometidos pelo mesmo, culminaram na medida friamente perpetrada pelas autoridades. A comitiva de Doble em visita ao presidente da província foi "presenteada" com roupas contaminadas com varíola. O resultado foi uma epidemia generalizada que vitimou a maior parte dos seguidores do cacique, inclusive o próprio[*16].
Como se percebe, a tentativa de inclusão dos indígenas no seio da sociedade nacional não foi tarefa das mais fáceis, sendo em muitos casos impossível de ser concretizada. Prova disso é o grande número de correspondências enviadas aos presidentes provinciais nos primeiros tempos dos aldeamentos. As reclamações partiam dos diretores, e giravam em torno da inadaptabilidade dos índios ao trabalho e do modo de se portarem em sociedade. Nem mesmo os padres jesuítas, que atuaram entre 1848 e 1851 no aldeamento de Nonoai, tiveram sucesso em sua empreitada.
O fracasso da tentativa de catequização ressentiu as autoridades provinciais. Prova do desânimo está contida no relatório do vice-presidente da província, Patricio Corrêa da Camara, do ano de 1851. O documento é categórico, pois demonstra uma visível decepção do vice-presidente com a situação em que se encontram os aldeamentos e a insatisfação com o trabalho dos Jesuítas:
Apezar de todos os esforços ainda se não pode conseguir que os Índios fixassem a sua moradia. Nos chamados aldeamentos de Nonohay e Guarita há um pequeno numero, a maior parte índios já aldeados em Garapuava. Os das vizinhanças concorrem alli quando há que distribuir ferramentas, roupas, e outros objetos, com que os costuma mimosear, mas feita a distribuição, dispersão-se, e voltão à vida errante dos matos. Pensou-se que os Jesuítas poderião sujeitar os índios pelo influxo benéfico da religião, porém estes mesmos parecem desanimados. Em sua correspondência com a Presidência não cessão de clamar pela presença de forças para conter os Indios em respeito, e expelir os Brasileiros, que se tem estabelecido em meio delles, e os tem atrahido em redor de si. Isto prova a falta de ascendência dos Jesuítas sobre os seus neophitos, e a inefficacia do emprego dos meios moraes, de que se tem servido.[*17]
Frente ao fracasso eclesiástico, restou à alternativa laica atrair, amparar e aquilatar os indígenas. Os aldeamentos foram entendidos, a partir deste momento, como uma missão social, cujo objetivo principal era trazer os indígenas para as luzes da civilização e transformá-los em cidadãos produtivos e não meramente indivíduos dependentes do assistencialismo do governo. Para isso era necessário transformar o índio, sua mentalidade e seus costumes. Nesse sentido o governo vai incentivar a introdução de ferramentas, roupas e novas habitações, visando a estabilização das fronteiras entre a sociedade nacional e a indígena.
A função básica destas ações, portanto, era atingir um estágio de inclusão do indígena que possibilitasse à província lucrar, ao invés de onerar os cofres públicos. Os padrões ecológico-produtivos tradicionais dos indígenas foram substituídos ou ressignificados, sendo arraigados novos valores aos mesmos.
Considerações finais
A situação de contato, produzida pela expansão da sociedade nacional para o interior, causa, na concepção de Darcy Ribeiro, três tipos de reações nos nativos: (1) a fuga para territórios ermos, adiando o enfrentamento; (2) a reação hostil aos invasores, que os leva a um estado permanente de guerra e (3) a aceitação do convívio, que para o etnólogo é a fatalidade inevitável[*18].
Em nossa pesquisa percebemos a presença destas três reações invariavelmente entre os Kaingang. Cada uma delas representou um problema particular aos indígenas, levando-os a encontrar soluções ou remediações contínuas para os problemas gerados.
A ação civilizadora definiu novas fronteiras ao modus vivendi dos Kaingang. É complexo efetuar uma avaliação quantitativa sobre os efeitos da transfiguração étnica ocasionada pelo processo, mesmo assim percebemos que as compulsões e coerções exógenas determinaram a fragmentação de muitos dos valores indígenas anteriores ao contato. Este fenômeno é perceptível principalmente no meio socioeconômico, mas também é visível na relação dos indígenas com o seu meio, nas suas estratégias de sobrevivência, nos seus hábitos e costumes alimentares, entre outros elementos nos quais tiveram enfraquecida sua autoimagem étnica, trazendo heranças culturais para os dias atuais.
A fronteira de inclusão, vista no sentido da assimilação de novos objetos e novos valores da cultura ocidental, agiu de maneira sutil no círculo dos diferentes grupos indígenas. Com os Kaingang não foi diferente, pois enquanto eram adquiridos bens de consumo anteriormente desconhecidos, descartavam-se os antigos, culminando no esquecimento por parte das gerações posteriores de uma série de valores culturais tradicionais do grupo. Ao mesmo tempo, a fronteira da exclusão agiu de forma aberta, intrusiva, e destruidora, no sentido da transfiguração étnica decorrente da espoliação do seu território, resultando aos indígenas a perseguição, a reclusão e o extermínio em prol da civilização.
Referências Bibliográficas
Referências consultadas na internet