Sonhos e desilusões
Por Marcus Vinicius Vieira, Mariana Bruce, Monique Ribeiro e Nathália Peixoto de Queiroz
Segundo a historiadora Marisa Marega, Augusto César Sandino é o general-guerrilheiro mais famoso da América Latina. Sua origem é humilde: filho de lavrador, não chegou a terminar o curso primário.
Sandino guerrilheiro em 1927
Em 1923, Sandino foi ao México. O país se encontrava em efervescência social na luta contra o imperialismo estadunidense e greves de cunho nacionalista aconteciam. Tudo aquilo, entre outros fatores, contribuiu para ensiná-lo sobre o que é defender uma Nação. Além disso, os mexicanos o lembravam que o governo da Nicarágua colaborava com os EUA. A estratégica posição geográfica de seu país fê-lo tornar-se alvo de conflitos políticos, sobretudo envolvendo os EUA, por propiciar a construção de um canal que permitia a passagem de embarcações comerciais do Atlântico para o Pacífico, mesmo depois de aberto o canal do Panamá em 1914.
Ele voltou em 1926 para seu país e foi trabalhar na mina de ouro San Albino – propriedade de uma família estadunidense. Foi lá que ele começou a reunir companheiros para planejar uma revolta.
“(...) meu coração de patriota (...) minha espada defenderá a honra nacional e que será redenção para os oprimidos (...) Poderá morrer o último dos meus soldados, mas, antes, mais de um batalhão de vossos, invasor loiro, terá mordido o pó das minhas agrestes montanhas (..) Pátria e Liberdade”
As duas bandeiras levantadas por Sandino foram a defesa da soberania da Nicarágua (com a expulsão dos marines estadunidenses) e a divisão das terras e riquezas entre todos os nicaragüenses.
Enveredou numa guerrilha de movimento com base nas montanhas, resistindo ao ataque das forças estadunidenses, que, finalmente, concordaram em sair do país mediante rearranjos no poder político. Sua luta teve reconhecimento em várias partes do mundo (inclusive, com a construção de comitês pró-sandinistas) e vai ser resgatada ao longo da história nicaragüense até os dias atuais.
Em 1933, com a saída dos marines estadunidenses, foi montada a Guarda Nacional treinada pelos mesmos. Sob o pretexto de “manter a ordem”, esta Guarda sempre perseguiria os homens de Sandino e os movimentos que se seguiram. O chefe da Guarda, Anastácio Somoza, acabou por mandar assassinar Sandino em 1934, numa emboscada.
Em 1936, Anastácio Somoza deu um golpe de Estado e assumiu um governo pró-EUA que duraria 46 anos - contando com a sucessão de seu filho, após seu assassinato em 1956.
A Frente Sandinista de Libertação Nacional/FSLN foi fundada em 1960, segundo Marega, tentando reacender a chama da guerrilha camponesa de Sandino, mobilizando e organizando todos os que lutavam contra o imperialismo e seus aliados nicaragüenses (os Somoza), agregando diversas tendências ao longo do tempo. Surge claramente influenciada pela Revolução Cubana de 1959, defendendo a luta armada, apoiada pelas massas populares. Seria preciso deter a “força capitalista de oposição” (Partido Conservador), também apoiado no imperialismo estadunidense e que, no caso de uma forte luta guerrilheira, poderia tentar chegar ao poder. Neste sentido, a FSLN afirma-se como uma instituição de caráter político, militar e ideológico, querendo representar as verdadeiras intenções do povo nicaragüense, cansado da exploração perpetrada pelo “Império do dólar”.
Abaixo, o juramento dos sandinistas, segundo Carlos Fonseca Amador (um dos fundadores da FSLN):
“Ante a imagem de Augusto César Sandino e Ernesto Che Guevara, ante a recordação dos heróis e mártires da Nicarágua, da América Latina e de toda a humanidade, ante a história, coloco minha mão sobre a bandeira vermelha e preta que significa Pátria Livre ou Morrer e juro defender com as armas na mão o decoro nacional e combater pela redenção dos oprimidos e explorados da Nicarágua e do mundo. Se cumpro este juramento, a libertação da Nicarágua e de todos os povos será um prêmio. Se o traio, a morte vergonhosa e a ignomínia serão meu castigo”
Frente Sandinista de Libertação
Devemos entender que essa etapa de ascensão revolucionária se iniciou a partir da década de 1950, com a decomposição política da ditadura, além da constante repressão e corrupção na administração pública. Movimentos de contestação tomaram as cidades e os campos, numa “formação de certa consciência classista contra o sistema de exploração vigente”, segundo Humberto Ortega Saavedra, um dos dirigentes da Frente. O assassinato de Somoza Garcia, em 1956, pelo poeta Rigoberto Lopez Peres, seria o marco do reinício da luta, interrompida com a morte de Sandino em 1934. A partir deste justiçamento e de numerosas ações armadas na década de 50, houve uma rearticulação do movimento sandinista revolucionário. A conjuntura foi marcada pelo crescimento dos sindicatos, da organização dos estudantes, que se reuniam na Juventude Patriótica Nicaragüense (JPN), e pela movimentação de revolucionários e intelectuais exilados que se articulavam no exterior do país.
Entre a criação da Frente e 1967, o trabalho interno das vanguardas esteve voltado para a criação de estruturas clandestinas político-militares, obtendo um contato direto com setores populares, promovendo-se a criação de Comitês Cívicos Populares e a Frente Estudantil Revolucionária. Formularam-se ainda um programa reivindicativo, os estatutos da organização de vanguarda, e um conjunto de documentos políticos e estratégicos, além de estudos sobre a realidade nicaragüense. Grupos de estudo, folhas soltas, volantes e a propaganda armada, tanto no campo quanto nas cidades, divulgavam os principais pontos defendidos pela FSLN que consideraria ainda “o político e militar como uma unidade, no qual o militar se subordina ao político” . Em 1967, a Frente se tornou o principal canal do povo na luta armada contra o somozismo.
Em 1975, houve uma divisão da FSLN em três tendências: Tendência Proletária, que considerava primordial concentrar o trabalho na classe operária, considerada a força social hegemônica na luta revolucionária; Guerra Popular Prolongada (GPP), adaptando a teoria política e militar maoísta às propostas de Sandino; Tendência Insurrecional ou Terceirista, comandada pelos irmãos Ortega Saavedra e majoritária na Frente, que via como ameaçador o projeto reformista proposto pela ditadura e procurava manter constante diálogo com o povo, recrutando-o para a alternativa da luta armada contra as forças da ditadura. Em 1978, estas tendências se unificaram, ao mesmo tempo em que o movimento popular se intensificava. Vale dizer que a Revolução contou com amplo apoio de setores da Igreja Progressista participando, inclusive, da luta armada. Foi então criada uma plataforma comum destas tendências: o Movimento Povo Unido. Ações como a invasão do Palácio Nacional, sob a liderança do Comandante Zero, são exemplos desta unidade de luta.
O governo Somoza enfraquecia-se progressivamente. Com o tempo, seu principal apoio era mesmo a força da potência estadunidense. Quando, em 1978, o jornalista liberal Pedro Chamorro, que comandava o maior jornal de oposição ao regime, La Prensa, foi assassinado, gerou-se grande polêmica nacional e internacional, obrigando os EUA a retirarem seu apoio. Neste ínterim, deu-se início a uma insurreição popular que levou uma JuntaProvisória ao poder, contando com a participação, além dos sandinistas, de Violeta Chamorro, viúva do jornalista assassinado, e que, em 1990, venceria a FSLN nas eleições, e Alfonso Robelo, representante do Conselho Superior de Empresa Privada (Cosep), isto é, a burguesia antisomozista.
Em 1984 foram feitas as primeiras eleições livres depois da vitória da revolução, vencendo Daniel Ortega, líder da FSLN.
Entretanto, os diferentes grupos ideológicos e sociais que até então estavam unidos contra um inimigo comum, quando, finalmente, conseguiram derrubar o regime, tenderam a evidenciar diferenças que, anteriormente, eram deixadas num segundo plano, e agora, passaram a incomodar.
Vitória da FSLN
A Nicarágua no fim da guerra revolucionária estava completamente devastada. Recuperá-la seria tarefa difícil, sobretudo quando se considera o bloqueio econômico dos EUA e uma administração Reagan que motivou, a partir de 1983, a guerra contra-revolucionária (os Contras) “que com suas seqüelas de 17 bilhões de dólares em perdas – o custo de 50 anos de exportações na Nicarágua naquele momento – e mais de 50 mil vítimas, desgastou o sandinismo e o conduziu à derrota eleitoral 11 anos depois do triunfo”, em 1990.
CRONOLOGIA:
1926: Sandino retorna à Nicarágua para iniciar a luta anti-imperialista
1933: Saída dos marines estadunidenses e criação da Guarda Nacional
1934: Sandino assassinado pela Guarda Nacional chefiada por Somoza
1936: Anastácio Somoza dá um golpe de Estado e constitui um governo pró-EUA
1956: Assassinato de Anastácio Somoza e ascensão de seu filho, Luis Somoza Debayle
1960: Fundação da Frente Sandinista de Libertação Nacional/FSLN
1978: Assassinato do jornalista Joaquim Chamorro, do La Prensa. União da oposição em Frente Ampla
1979: Vitória da revolução, queda de Somoza e instalação da Junta Provisória
1984: Primeiras eleições livres na Nicarágua. Vitória sandinista.
1990: Vitória de Violeta Chamorro nas eleições, derrotando Daniel Ortega, líder sandinista.
BIBLIOGRAFIA:
1. Avellar, Sérgio – 20 anos de digestão – pequena crônica de um país que se perdeu, extraído da Internet (sem editora).
2. Barcellos, Caco – Nicarágua: a revolução das crianças. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1982
3. Ferrari, Sergio: “Nicarágua há 25 anos da insurreição sandinista”. Adital, 2004
4. Hobsbawn, Eric – A Era dos Extremos. Companhia das Letras, São Paulo, 2002.
5. Lowy, Michael. O marxismo na América Latina. Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 1999
6. Marega, Marisa – A Nicarágua Sandinista.Brasiliense, São Paulo, 1982.
7. Saavedra, Humberto Ortega – 50 anos de luta Sandinista. Quilombo, São Paulo, 1980.
SITES:
FILMES:
- Latino, de Haskell Wexler. Denúncia clara da intervenção estadunidense na Nicarágua Sandinista.
- Nicarágua - entre a guerra e o sonho (1990), da TV dos Trabalhadores. Documentário sobre as eleições de 1990 e a vitória de Violeta Chamorro sobre o governo sandinista.
- Sob fogo cerrado (1983), de Roger Spottiswoode. Sobre a queda de Anastácio Somoza da Nicarágua.
Fonte:História - UFF