Governança democrática: impasses e alternativas |
Clarissa Franzoi Dri |
Acadêmica do 5º Semestre do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria; Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) |
1. Introdução
O novo milênio traz consigo o imperativo e a urgência de se repensar a democracia. Grande parte dos países hoje ditos democráticos ainda mantém práticas nada coerentes com um autêntico “poder do povo”. Assim, não só há espaço para “mais democracia”[2] nesses Estados como também daí pode advir a solução para algumas das mazelas do próprio regime. Note-se que há uma relação direta entre as causas e as conseqüências desse processo e a ciência jurídica, vez que todos os ramos do direito público derivam dos princípios democráticos. Desta forma, além dos direitos fundamentais, os demais conteúdos do direito constitucional encontram-se ancorados na democracia, bem como os direitos tributário, penal, administrativo, entre outros. Isto é, a “democratização da democracia” é essencial à sua própria existência, e, portanto, ao direito. Mas como proceder a essa reforma? Que instituições ou políticas poderiam ser adotadas neste processo? Antes disso, o que exatamente precisa ser revisto nos atuais procedimentos democráticos? Essas são algumas das indagações que se busca responder no presente artigo. No entanto, mais do que responder, se pretende questionar, debater, estimular a reflexão, já que em ciências sociais e humanas repostas definitivas são, no mínimo, perigosas. Além disso, na maioria dos casos, a clara exposição do problema revela-se muito mais eficaz do que a enunciação de sua solução.
Nesse contexto, outra pergunta vem à tona: qual a razão para que se deseje repensar a democracia? Sim, ela apresenta problemas, mas por que seria interessante que se procurasse resolvê-los? Seria este o regime mais adequado para o governo de uma nação? A automática resposta positiva é discutível. Através de um sobrevôo pela história, nota-se que grandes pensadores já se mostraram desfavoráveis à democracia. Platão defendia a tutela, regime pelo qual o povo seria governado por especialistas, ou seja, uma elite política deteria o poder decisório com o compromisso de garantir a igualdade entre os cidadãos[3]. Aristóteles, apesar de dizer que deve-se dar à multidão uma parcela nas deliberações públicas, divide a sociedade em senhores e servos, homens e mulheres, jovens e velhos, de forma que a “multidão” a que se refere exclui a maior parte da população[4]. A sociedade perfeita de Tomás Morus constituir-se-ia em algo semelhante a uma república oligárquica, mesmo que algumas decisões políticas fossem eventualmente tomadas com base na opinião das famílias[5]. Modernamente, Montesquieu afirma que a república seria impossível, pois as pessoas já não possuíam a “virtude” necessária para renunciar a suas vantagens pessoais em nome da coletividade. Posto que hoje é imprescindível que a democracia seja republicana, eis que o povo, no poder, deve visar ao bem comum[6], indiretamente para Montesquieu a democracia seria impossível. Por óbvio, esses pensamentos não bastam para que se afirme, categoricamente, que o regime em tela não deve ser adotado, até mesmo porque os autores citados traziam em suas idéias contribuições à democracia, e muitos outros a defendiam assiduamente. O importante é notar que, ao mesmo tempo em que as sociedades democráticas possuem uma série de imperfeições pelas quais são inúmeras vezes rejeitadas, elas constituem a opção mais vantajosa. Robert Dahl chega a elencar dez vantagens da democracia em relação a qualquer alternativa viável, entre elas: a democracia evita a tirania (mesmo decisões populares não unânimes prejudicam menos do que governos não democráticos), garante direitos fundamentais (ao menos em tese), assegura a autodeterminação dos povos, gera desenvolvimento humano e, em geral, paz e prosperidade, e pressupõe igualdade política[7].
Parafraseando Churchill, a democracia não é o melhor regime, mas é melhor do que todos os outros já experimentados. Logo, plenamente justificado e necessário seu estudo e aperfeiçoamento.
Passar-se-á, primeiramente, a uma breve retrospectiva histórica dos procedimentos democráticos. Em seguida, serão comentadas algumas de suas contradições e mazelas para, então, se chegar nas bases teóricas dos possíveis caminhos para o efetivo poder popular, quais sejam, as noções de boa governança e governança global.
2. A democracia como um processo permanente
Os primeiros registros históricos da democracia datam da Idade Antiga. Com efeito, ela vem sendo discutida há 2500 anos, mas é possível que práticas democráticas tenham existido em povos primitivos tribais, anteriores à Grécia e Roma clássicas.
O termo demokratia – demos, povo e kratos, poder – foi cunhado pelos gregos, provavelmente os atenienses. Das cidades-estado gregas, Atenas não era a única democrática, mas certamente a mais importante devido à grande densidade populacional e a suas instituições políticas inovadoras. Os cidadãos participavam ativamente da política e tomavam as decisões através do sistema de maioria simples entre os presentes. As pessoas incumbidas de executar as decisões eram indicadas por sorteio – todos os cidadãos (homens livres nascidos em Atenas) eram politicamente iguais. A democracia ateniense foi estabelecida por um aristocrata, Clístenes, em 507 a.C. e durou até 322 a.C., quando o império ateniense foi derrotado pelos macedônios, que instauraram a monarquia. Nesses duzentos anos, a democracia nunca foi estável, sendo constantemente abalada, sobretudo pela oligarquia de Esparta. Note-se que o regime democrático ateniense teve fim com a sucumbência militar da polis, e não com o perecimento de suas instituições ou descontentamento popular.
No mesmo período histórico, apareceu a república (res, do latim, coisa ou negócios, e publicus, público ou povo) em Roma. Ela começou em 500 a.C. como uma aristocracia, sendo que, mais tarde, com a extensão do direito de participar do governo à plebe, tornou-se uma democracia. No entanto, o poder parece ter sempre se concentrado mais nos magistrados e no Senado do que nas Assembléias Populares. Políbio, escrevendo no século II a.C., resume esse hibridismo romano comentando sua Constituição:
Havia três partes efetivas na Constituição, todas estas tinham sido tão bem e propriamente reunidas de diversos modos e administradas pelos romanos, que nenhum dos que viveram sob ela poderia dizer com segurança se o sistema como um todo era aristocrático, democrático ou monárquico. E era esta uma impressão muito natural de se ter: pois quando fixamos nossa atenção nos poderes dos cônsules, ele parece ter sido inteiramente monárquico e real; quando o fazemos nos do senado, aristocrático; e quando consideramos os poderes da multidão, certamente democrático[8].
A democracia romana enfraqueceu-se na medida em que o aumento da população e dos limites geográficos da cidade tornou excessivamente difícil a participação dos cidadãos nas assembléias. Com efeito, a democracia direta não mais atendia aos seus propósitos quando da queda da república, em 44 a.C., momento em que Roma passou a ser governada por um império.
Durante a Idade Média, as idéias democráticas permaneceram adormecidas. Somente por volta do ano 1100 algumas cidades italianas voltaram a desenvolver governos populares, alheios ao poder dos senhores feudais. Foi, no entanto, com o início da Idade Moderna que o pensamento democrático voltou à cena. Grande parte dos Estados Nacionais europeus centralizava-se em monarquias despóticas, em contraposição a algumas nações norte-européias, que já formavam assembléias locais e parlamentos. O Renascimento, no século XVI, exaltando as tradições e os valores greco-romanos abriu as portas para o Iluminismo do século XVIII, movimento que voltou a discutir seriamente assuntos como formas e regimes de governo, legitimidade, legalidade, religião e sociedade civil. Sob a influência das Luzes, alguns soberanos começam a apresentar-se como “servidores do Estado”[9] que trabalham pelo bem de seus povos, o que ofereceu as bases para o despotismo esclarecido. Não cabe aqui analisar se o fenômeno mostrou-se mais despótico ou mais esclarecido, tampouco se o Iluminismo consistiu em um movimento democrático ou não. O fato é que ele lançou as bases da democracia contemporânea, tendo sido condição necessária à sua criação. As revoluções Americana (1776) e a Francesa (1789) são provas dos ideais libertários, universalistas e humanitários que marcaram a época, essenciais às práticas republicana e democrática[10].
Ante o exposto, percebe-se facilmente que a trajetória da democracia não se compara a uma linha contínua, e sim a traços soltos no espaço, desconexos e no mais das vezes conflitantes. Sua evolução compreende altos e baixos, vazio e completude, daí que a única certeza que se extrai da história é o futuro incerto dos governos democráticos. Acresça-se o fato de que muitos deles possuem uma democracia bastante recente e, o que é ainda mais grave, não a exercem de forma plena (o que é justamente o tema do presente artigo). As democracias existentes são realizações insatisfatórias dos objetivos que remontam ao século das Luzes[11]. Na verdade, segundo Dahl, não há registro de uma só nação onde o poder tenha sido realmente do povo, na acepção mais ampla do termo[12]. Esse governo ideal, onde estão presentes todos os critérios democráticos, o cientista político norte-americano chama poliarquia. Como poderiam as sociedade atingir esse nível de democratização? Refletindo essa inquietação, serão examinadas algumas contradições e mazelas da democracia real.
3. Paradoxos de um governo democrático
Inicialmente, tratar-se-á do sistema representativo e da relação deste com os partidos políticos e a democracia direta. A seguir, serão examinados os dilemas da república, da pluralidade popular e dos valores igualdade e liberdade.
3.1. Representação
A representação é o instituto que tornou viável a democracia na Idade Contemporânea. A população cresceu tanto que hoje seria impossível, em um país como o Brasil, reunir todos os habitantes em assembléia. Além disso, a democracia direta dos antigos era exercida nas cidades, não em um Estado repleto delas e muito maior geograficamente.
Mas o sistema representativo, hoje indispensável aos governos democráticos, levanta alguns questionamentos. A representação traduz realmente a vontade do povo? Os representantes são eleitos pela maioria, que, obviamente, não é sinônimo de totalidade. Será democrática a regra da maioria? Sob a ótica do conteúdo, a resposta parece ser negativa. Como exemplo, não se pode dizer que foi escolhido pelo povo um presidente que obteve pouco mais da metade dos votos. E a outra metade da população, que era contra? Será agora obrigada a mudar de opinião e se submeter a um governo que não desejou? De fato, nada há de “democrático” nisso. Analise-se agora a forma: que processo diverso da regra da maioria poderia ser adotado? A diversidade de um povo provavelmente só seria satisfeita em um sistema anárquico, mas este é tema para outro debate. Logo, a regra da maioria é democrática, porque assim foi convencionado. Ainda mais distantes do ideal de democracia estariam as outras alternativas de governo, que privariam definitivamente o povo do poder decisório.
Voltando à primeira questão, tem-se que a representação traduz, formalmente, a vontade popular. Contudo, se o povo cumprir sua função de controlador dos eleitos, participando ativamente da vida política, seus desejos terão mais chances de estar efetivamente representados. Ostogorski afirma:
Em uma democracia, a função política das massas não é governá-la, já que provavelmente nunca seriam capazes de o fazer... É sempre uma pequena minoria que há de governar, tanto na democracia como na autocracia. A propriedade natural de todo poder é se concentrar, como se fosse a lei da gravitação da ordem social. No entanto, é preciso que a minoria dirigente seja contestada. Na democracia, a função das massas não é governar, mas intimidar os governos[13].
Realmente, democracia não significa governo do povo, e sim poder do povo, que existe na medida em que os cidadãos fiscalizam seus governantes como forma de garantir sua vontade. Portanto, em um país onde haja consciência democrática (que depende em muito das políticas educacional e cultural), a vontade do povo é também materialmente representada.
Nesse contexto, outra contradição vem à baila: como pode então o Poder Judiciário brecar ações dos poderes Executivo e Legislativo, legitimamente eleitos? Através de medidas cancelatórias de decisões executivas ou legislativas não estariam os juízes a desafiar os anseios populares e, logo, a própria democracia? Sim e não. Por vezes, contrariar a maioria pode significar preservar as instituições democráticas, protegidas através das Constituições. Os representantes do Poder Judiciário, não sendo popularmente eleitos, devem sua legitimidade às normas constitucionais, forma de “autodefesa” das democracias que, com o perdão da redundância, existem para ser aplicadas[14]. Tome-se, por exemplo, a questão dos direitos humanos. Não é democrático que minorias sejam privadas de liberdade e igualdade, mesmo que assim deseje a maioria. Desse modo, a soberania popular é limitada pela lei, evitando a tão temida “tirania da maioria” como deformação do regime democrático – de certa forma, Montesquieu também referiu-se a essa questão em sua teoria da existência e interdependência dos três poderes. Enfim, o constitucionalismo é o instrumento que sustenta a democracia representativa contemporânea e não pode ser dela dissociado.
3.2. Representação e partidos políticos
Pode-se dizer que a democracia representativa profissionaliza os governantes, na medida em que os afasta dos governados através do fenômeno dos partidos políticos[15]. Produz-se, assim, a elite dos candidatos, algo frontalmente contrário ao princípio da igualdade[16]. Além disso, certos partidos tendem a dominar a cena política por possuírem maiores recursos financeiros que os demais, o que desestrutura o princípio da liberdade. Logo, é possível que os partidos constituam-se em uma ameaça à democracia.
Antes de mais nada, impõe-se a distinção entre facções e partidos. As primeiras, também chamadas de partidos pessoais, vivem em função do líder fundador e só buscam vantagens e privilégios[17]. Os partidos, ao contrário, são associações de pessoas com certos ideais comuns aplicáveis à nação. Enquanto as facções oferecem perigo concreto e constante à democracia, os partidos só o fazem em certas situações – sob o domínio da demagogia ou do dinheiro, por exemplo. Políticos demagogos praticamente só falam o que as multidões querem ouvir, por isso possuem grande influência sobre elas[18]. O poder financeiro consegue, efetivamente, comprar a opinião ou a omissão das pessoas. O dinheiro tem se mostrado uma arma eficaz no combate às reais práticas democráticas. Na expressão de Bobbio, pode não haver “tramóia explícita”, mas há “persuasão oculta”[19].
Assim, os partidos assemelham-se cada vez mais às facções, mas o que fazer sem eles? A estrutura partidária edifica e canaliza o voto para que a vontade pública não seja caótica e traduz a preferência do povo em políticas governamentais[20]. Que outro instituto poderia agregar melhor o processo democrático? Como sempre, não existem soluções mágicas, embora a remodelação dos partidos possa oferecer um caminho. Em outras palavras, até que os partidos sejam substituíveis, o mais adequado seria educar a população quanto aos perigos apresentados e incentivar a possível transformação e renovação partidária.
3.3. Democracia representativa versus democracia direta
Na concepção de Jean-Jacques Rousseau, não há verdadeira democracia que seja representativa: ou os cidadãos participam diretamente ou não há que se falar em governo democrático[21]. Por isso o autor diz ser este o regime indicado para países pequenos. Ocorre que hoje há inúmeros países, grandes tanto em população quanto em território, que se constituem em democracias representativas. Serão eles realmente democráticos?
Considerando todos os problemas que o instituto da representação traz consigo, é difícil aceitar que o povo seja, de fato, soberano. Grande parte dos representantes divide-se entre negociações com as elites políticas e burocráticas ao invés de pensar na opinião de seus eleitores. Desta maneira, parece lógico pensar na participação popular direta como solução. Contudo, não existem alternativas concretas que tornem possível o instituto da democracia direta, a não ser como um complemento à representação. Daí surge uma “adaptação contemporânea” do termo: ela seria hoje algo como um aperfeiçoamento, um plus à democracia representativa. Nesse sentido, ela já existe em alguns países europeus através da chamada democracia semi-direta, dos quais a Suíça é um modelo a ser seguido. No Brasil, o “Orçamento Participativo”, promovido por alguns governos de esquerda, através do qual a população participa da gestão orçamentária de um Município ou Estado, tenta esboçar algo nessa direção, mas permanece muito atrelado a seus criadores e encontra resistência política, sobretudo pelo desconhecimento do assunto[22]. Em resumo, não se trata de pôr fim à representação, mas de modernizá-la, tornando-a mais compatível com a evolução da democracia.
3.4. Democracia ou república?
Como se sabe, o Brasil, ao menos teoricamente, é uma democracia e uma república. Seria essa afirmação um pleonasmo? Apesar de largamente utilizados, ainda pairam dúvidas quanto ao correto sentido desses termos.
Demokratia e rebublicus foram duas expressões cunhadas aproximadamente na mesma época, a primeira pelos gregos e a segunda pelos romanos. Dada a grande semelhança entre os regimes políticos das sociedades ateniense e romana, é possível que elas sejam sinônimos em grego e latim[23]. Não obstante, a história encarregou-se de apresentar fatos que levaram à divergência terminológica atual. Logo, se democracia e república não possuem o mesmo significado, qual seria a diferença? A resposta parece residir na própria reformulação do problema. Mais do que distinguir, trata-se de encontrar as reais funções. Os termos colocam-se como duas faces de uma mesma moeda, então a pergunta é: para que serve cada uma delas?
Não raros estudiosos políticos ocuparam-se do tema, entretanto as soluções são inúmeras vezes insatisfatórias ou pouco esclarecedoras. James Madison sugeriu que a democracia existe em comunidades pequenas onde a participação popular ocorre diretamente, enquanto o ponto central da república estaria em um governo representativo[24]. Todos os indícios levam a crer que o objetivo de Madison foi somente qualificar de democrática sua proposta de Constituição americana. Mais recentemente, Maurizio Viroli expôs sua tese sobre o republicanismo, no qual a liberdade consiste na não dependência da vontade arbitrária de um homem. Em sede democrática, um povo livre obedeceria somente a normas estabelecidas por ele mesmo[25]. Resta evidente a confusão entre os dois conceitos: na medida em que uma pessoa só obedece a regras que ajudou a construir, ela não se submete ao arbítrio de um governante. Embora o inverso não seja necessariamente verdadeiro, Viroli estabelece, no máximo, que a democracia é sempre republicana, deixando a desejar quanto à acepção dos termos.
Este dilema talvez tenha fim com a constatação de que o governo democrático é aquele cuja população é cidadã, e, portanto, participa das decisões, ao mesmo tempo em que o governo republicano é aquele que visa ao bem comum. Nesse sentido é que a República Federativa do Brasil se declara Estado Democrático de Direito no caput do artigo primeiro da Constituição Federal. De fato, da mesma forma que são improváveis a monarquia ou a aristocracia republicanas, é impensável um governo democrático que não busque o bem coletivo. Assim é que democracia e república complementam-se e unem-se com um mesmo objetivo: proporcionar justiça social[26].
A todas as dificuldades da democracia já referidas, agrega-se uma republicana: como conseguir que as pessoas, cada vez mais individualistas, tenham o interesse comum em mente nos momentos em que devem tomar decisão. A virtude dos cidadãos, elemento tão proclamado como necessário ao sucesso da república, parece ter desaparecido (supondo que algum dia chegou a existir). Nenhum Estado se sustenta sobre a virtude dos cidadãos: as ordens jurídicas permitem o uso da força exatamente porque as pessoas, em geral, não são virtuosas[27]. Logo, parece não haver outra saída a não ser canalizar os interesses pessoais para fins mais nobres[28]. Com a reciclagem do egoísmo reinante, a energia dos objetivos auto-centrados pode ser aproveitada para suprir necessidades gerais. Boas leis e bons costumes podem acelerar o processo e, assim, desempenhar contemporaneamente o papel da virtude moderna.
3.5. Consenso da diversidade
A questão da busca de interesses pessoais também pode ser observada sob outro prisma: existe possibilidade de consenso em comunidades cada vez mais plurais? A progressiva miscigenação de culturas e crenças no seio das nações não terminará por acentuar anseios de grupos em detrimento dos coletivos? Qual será a real vontade popular? Em primeiro lugar, cabe lembrar que o povo é a própria diversidade. Deve ser descartada a noção dogmática do povo como um todo único e uniforme, que pensa e age da mesma maneira. Uma vez que a mescla cultural é uma realidade, resta analisar seus efeitos sobre as práticas democráticas.
Na verdade, o jogo de interesses é fato bem mais antigo, o qual provavelmente se intensificou na política com o advento do sistema representativo, visto que a diferença entre os indivíduos é traço característico da espécie humana, bem como o é a constante procura pela satisfação dos desejos. A partir daí, vislumbram-se três hipóteses: (1) a democracia é incompatível com a diversidade; (2) a democracia também é possível na diversidade e (3) a democracia só é possível na diversidade. Se todos fossem iguais, quais as razões e os objetivos da existência da democracia? Quaisquer que fossem os governantes ou os governados, o pensamento seria o mesmo. A participação popular nas decisões não teria propósito; tampouco, portanto, motivos para ocorrer. Parece que a democracia se configuraria inútil, já que desvirtuada em sua própria essência. Assim, vale dizer que a diversidade é pressuposto para o regime democrático tal como hoje é concebido.
Aceita como válida a terceira hipótese, desfaz-se o aparente (nesse caso) paradoxo. O consenso político tão exaltado é referente às próprias instituições democráticas. É ele o responsável pelo fato de que indivíduos e grupos tão variados, com diferentes línguas, filosofias e religiões, aceitem o representante eleito pela maioria. Não há, no âmago democrático, a menor necessidade de convergência de opiniões, a não ser quanto à existência da própria democracia. Pelo contrário, sem pluralidade ele não teria meios constitutivos. Note-se que as duas primeiras hipóteses acabaram sendo rejeitadas por seu conteúdo, porque nem mesmo a poliarquia exige consenso.
3.6. Igualdade com liberdade?
Segundo visto acima, a democracia não só permite como requer que todos possuam convicções variadas. Isso implica a permanente existência de pessoas descontentes com a política, já que o voto nem sempre corresponde ao representante eleito. Logo, a questão é: há como alcançar um grau mínimo de descontentamento? Ou melhor, é possível conjugar igualdade com liberdade para atingir um perfeito equilíbrio político?
À primeira vista, igualdade e liberdade mostram-se como valores antinômicos, sendo inimaginável a coexistência de ambos em uma mesma sociedade. Não é o que ocorre, entretanto. Eles possuem, por certo, características variadas, mas não contrárias, tanto que o ideal democrático reside em sua mútua complementação. Considerando-se o igualitarismo e o liberalismo como doutrinas que põem, respectivamente, os valores da igualdade e da liberdade acima de todos os outros, Bobbio afirma:
Enquanto igualitarismo e não-igualitarismo são totalmente antitéticos, igualitarismo e liberalismo são apenas parcialmente antitéticos (...). O não igualitarismo nega a máxima do igualitarismo, segundo a qual todos os homens devem ser (no limite) iguais em tudo, com relação à totalidade dos sujeitos, afirmando, ao contrário, que somente alguns homens são iguais ou, no limite, nenhum homem é igual a outro; já o liberalismo nega a mesma máxima não com relação à totalidade dos sujeitos, mas à totalidade (ou quase totalidade) dos bens e dos males (...), ou seja, admite a igualdade de todos não em tudo[29].
Com efeito, se um cidadão é livre, os outros igualmente o devem ser, pois a liberdade reside no exercício da igualdade[30]. Entretanto, o problema torna-se mais complexo com a especificação dos direitos. Igualdade e liberdade possuem inúmeras conotações que algumas vezes contrapõem o pensamento até aqui exposto. À guisa de exemplo, como conjugá-las no campo econômico? O liberalismo econômico resulta em abissais diferenças no poder aquisitivo dos cidadãos. O que priorizar, então? É interessante lembrar que a democracia é muito mais favorecida pela economia de mercado do que pela centralização estatal das instituições econômicas[31]. Essa afirmação, longe de significar uma relação óbvia entre capitalismo e democracia, é apenas resultado da realidade histórica. Isto é, até hoje o socialismo foi autoritário e o capitalismo de mercado, democrático. Daí se dizer que a democracia gera desenvolvimento econômico, conseqüência das práticas capitalistas.
Aparentemente, tudo se resolve com a igualdade em sua acepção política. Liberdade econômica e igualdade política: dois instrumentos essenciais e harmônicos na orquestra da democracia. Infelizmente, deve-se deixar de lado o romantismo e encarar o fato de que o capitalismo não é assim tão benéfico ao regime democrático. Embora nas democracias incipientes ele exalte a soberania popular e nacional, a separação dos poderes e os direitos humanos, o modo de produção capitalista torna-se nefasto na democracia poliárquica justamente por gerar desigualdades na distribuição dos recursos políticos. Prova disso é que no alvorecer deste século os discursos voltam-se para a importância da intervenção do Estado na economia, no papel de regulador e sancionador de práticas antidemocráticas. Uma vez mais a contradição persiste por falta de alternativas – capitalismo e democracia toleram-se mutuamente, mas sem gerar efetivo desenvolvimento social, e igualdade e liberdade lato sensu.
Além dos contra-sensos supra examinados, peculiares à democracia, existem outros fatores a ameaçá-la. O constante desrespeito aos direitos essenciais do homem, a globalização econômica e a corrupção crescente, entre outros, prometem continuar desafiando as instituições democráticas no século XXI. Passa-se agora à análise das formas de reversão deste quadro sob a ótica das recentes orientações políticas mundiais.
4. Governança, boa governança e governabilidade
Em primeiro lugar, cabe efetuar a distinção entre os termos governança, boa governança e governabilidade, muitas vezes confundidos e utilizados intercaladamente. Governança é definida pelo Banco Mundial como a maneira pela qual o poder é exercido no gerenciamento dos recursos sociais e econômicos de um país[32]. Correlativamente, boa governança diz respeito à efetividade desse gerenciamento. Uma vez que a governança engloba técnicas de governo, boa governança requer boas técnicas. De outra banda, governabilidade descreve as condições sistêmicas de exercício do poder em um sistema político[33]. Ou seja, uma nação é governável quando oferece aos representantes as circunstâncias necessárias para o tranqüilo desempenho de suas funções.
Assim colocadas, as expressões transmitem a idéia de que uma boa governança depende exclusivamente de atitudes governamentais, enquanto cabe ao povo decidir se haverá ou não governabilidade. No entanto, essa noção não é de todo correta. Embora exista uma maior correspondência entre poder e governança, seus princípios não serão integralmente eficazes se desconhecidos ou rejeitados pelos cidadãos. Paralelamente, a população não se torna ingovernável – essa situação decorre de uma série de medidas governativas que, desrespeitando os governados, acarreta descontentamento geral e intolerância face às políticas adotadas. Desse modo, a governabilidade democrática requer maior participação cidadã nas decisões, através de mecanismos decisórios de baixo para cima que sejam realmente aplicados. Lembrando que um bom governo deve também alicerçar-se sobre a eficiência administrativa das políticas públicas, chega-se à estreita ligação entre boa governança, governo, governabilidade e governados.
Relativamente à boa governança, são indicados princípios que poderiam guiar ações e gerir assuntos de forma sustentável e prática: abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência[34]. A abertura refere-se a um trabalho transparente, bem como ao uso de linguagem mais acessível por parte das instituições públicas. A participação deve comportar uma abordagem aberta e abrangente dos problemas através da contínua troca de idéias com os cidadãos. Isso certamente levará à confiança popular nos resultados das políticas adotadas. A responsabilizaçãopassa pela definição de atribuições a cada instituição, enquanto objetivos claros e programas oportunos refletem eficácia na forma de governar. Na tomada de medidas compreensíveis verifica-se a coerência das políticas públicas, gerando comprometimento dos organismos com relação às mudanças.
Os referidos princípios desempenham um papel vital na criação de um ambiente que conduz ao desenvolvimento econômico e social e na divisão eqüitativa das riquezas. Na medida em que permitem um gerenciamento transparente e responsável de todos os recursos do país, eles reduzem a corrupção e, conseqüentemente, fortalecem a democracia. Com efeito, as práticas da boa governança são exigidas tanto pelo Banco Mundial como pelo Fundo Monetário Internacional no que tange à liberação de recursos financeiros[35]. Além da conotação estritamente econômica, na qual as exigências passam pelo fim da “excessiva” intervenção estatal na economia, mercado estável e revisão valorativa dos salários e pensões, essas instituições visam a um abrandamento da corrupção, definida como o abuso de autoridade ou confiança para alcançar benefícios particulares. Uma vez comum o desvio de verbas públicas, não há razão para que a ajuda internacional seja concedida. Logo, Banco Mundial e FMI prescrevem o combate à má governança aos países solicitantes de auxílio porque ela incentiva atos de corrupção, os quais pioram as distorções na alocação de recursos e na distribuição de renda, além de afetar negativamente o crescimento e o padrão de vida[36].
A governança ainda pode ser vista sob o prisma global. Seguindo as diretrizes da boa governança, os países devem trocar experiências e discutir a respeito da melhor forma de administrar os assuntos internos. A governança global, longe de ser sinônimo de governo ou federalismo mundial, busca unir sociedade e poder e promover diálogos inter-estatais como forma de difundir o ideal democrático. Conforme a Comissão sobre Governança Global, a tomada de decisão em nível global deve fundamentar e influenciar as decisões tomadas em nível local, nacional e regional, contando com a capacidade e os recursos de um grande número de pessoas e instituições em vários níveis. Devem ser formadas parcerias – redes de instituições e processos – que possibilitem aos atores globais somar informações, conhecimento e aptidões e desenvolver políticas e práticas conjuntas sobre questões de interesse comum[37].
Partindo dessas premissas, a governança global mostra-se como uma alternativa à globalização, mero artifício usado pelos grandes grupos econômicos e financeiros no final do século XX para simular uma nova tendência e tentar escancarar as fronteiras para os seus negócios[38]. Logo, a correta utilização dos meios governativos mundiais terminaria por amenizar, ou mesmo sanar, os inegáveis déficits sociais trazidos pela globalização a alguns países. Da mesma forma, o respeito aos direitos humanos poderia ser impulsionado até mesmo em países não democráticos, através da elevação do indivíduo à condição de sujeito de direitos na cena internacional e da consciência coletiva, cada vez mais intolerante às violações.
A governabilidade, como já citado, implica a capacidade de atendimento aos cidadãos por meio de políticas viáveis formuladas participativamente. Portanto, no caso brasileiro, a tão comentada “ingovernabilidade”, ao contrário do que se pensa, não resulta das características da população em si, mas do governo, que deve responder por sua postura antidemocrática diante de certas situações. Assim, certos autores percebem a ingovernabilidade do Brasil no arbítrio de quem só sabe governar mediante instrumentos de exceção, na arrogância da burocracia palaciana, isolada das ruas e dos foros de opinião, na recessão, no desemprego, na especulação do mercado financeiro e na alta taxa de juros que desestabiliza todos os setores da economia[39].
Todos os indícios apontam para a boa governança como caminho para fortalecer a democracia, enfrentado suas mazelas e possibilitando, enfim, a governabilidade das nações. Por óbvio, esta proposta requer aperfeiçoamento e praticidade, o que passa, necessariamente, pela educação e cultura democrática do povo. Com efeito, resta à sociedade civil lutar e provar que, uma vez ex parte populi, as mudanças realizam-se com sucesso.
5. Conclusões
Percebe-se nitidamente o grave perigo que ronda a democracia. Além de mostrar-se imperfeita e clamar por reformas, seus institutos já estão ameaçados. O importante é notar que esse dois fatores estão coligados: o desenvolvimento da democracia trará como conseqüência natural a eliminação dos riscos.
Partindo-se do pressuposto de que os paradoxos devem ser administrados e de que os problemas são passíveis de solução, chega-se a algumas observações:
- para que a representação atenda os anseios democráticos, os cidadãos devem se manter politicamente ativos e organizados de forma a fiscalizar e contestar, se for o caso, as atitudes dos representantes;
- a estrutura orgânica e funcional dos partidos políticos deve ser repensada, a fim de que a sociedade conheça a real linha de pensamento do grupo e prevaleça a ética eleitoral. Outro ponto crucial é o severo controle e limitação dos recursos financeiros e ideológicos à disposição dos partidos;
- alguns institutos da democracia semi-direta e o aperfeiçoamento de práticas participativas atuais podem contribuir para uma maior legitimidade dos representantes e no processo de conscientização democrática;
- a república deve ser fortalecida através da apresentação de vantagens pessoais para a busca do bem coletivo. A reciprocidade entre público e particular, o senso de responsabilidade sobre o patrimônio estatal e a noção de que o bem comum gera o bem individual são elementos indispensáveis ao regime democrático;
- as opiniões pessoais e regionais devem ser estimuladas como fruto da coexistência pacífica, aberta e esclarecida de diferentes culturas no mesmo meio democrático;
- mesmo sendo logicamente correta a manutenção da liberdade econômica, ela não é sinônimo de sucesso, sobretudo nos campos político e social. Sendo esse um dos impasses mais complexos por envolver uma infinita gama de fatores, o mínimo que se pode fazer é reconhecer que a igualdade possui a mesma importância na sustentação da democracia;
- a apropriação indevida do dinheiro público, as violações dos direitos fundamentais e o lado negativo da globalização econômica devem ser arduamente combatidos, sob pena de desestabilização total da democracia.
Pode-se objetar tais indicações argumentando-se que são elas óbvias e que, de fato, necessário é saber como aplicá-las. Efetivamente, a grande novidade são as idéias de boa governança e governança global como formas de implementação das ações “pró-democracia” há tanto esperadas. Dessa maneira, a governança democrática coloca-se como um mar agitado para se atingir o porto seguro da poliarquia. Utopia? Com relação a um governo poliárquico, tudo indica que sim. Primeiro porque desafiar quem está no poder parece inútil, e a maior parcela da população não deseja ou não tem sequer noção de que a possibilidade existe. Portanto, uma grande dificuldade reside na própria educação dos cidadãos. Em segundo lugar, o objetivo é utópico visto que nada na vida é pleno – por que a democracia teria esse privilégio? De fato, cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza; eles vêm da nossa condição humana, que é contra qualquer ‘infinito’[40].
Mas o que seria do homem sem utopias? Qual o sentido de encarar os fatos de forma séria senão a esperança de que se tornarão melhores? Por que organização política se não houvesse a busca de seu desenvolvimento com sustentabilidade? Não se deve descartar um velho sonho utópico se não for para substituí-lo por outro melhor. Ainda que seja muito difícil imaginar a realização de uma utopia, não se justifica a renúncia à tentativa de criá-la[41].
Relativamente às práticas da boa governança, não há que se falar em utopia. Elas constituem instrumentos concretos para uma melhor organização do gerenciamento das nações, e cabe ao direito orientar seu uso. Uma vez que já se conhecem os meios, resta definir a aplicação. À guisa de exemplo tem-se a União Européia, que, uma vez face a dificuldades, estuda a situação e lança diretrizes, como uma antecipação das normas que regularão o assunto em um futuro próximo.
Levando-se em consideração a estreita ligação entre democracia débil e direito não efetivo, é importante que este comece a cumprir sua função. Já é tempo para discussões a respeito de normas jurídicas que submetam o poder à boa governança, por óbvio acompanhadas de perto pelos cidadãos. Longe de ser um ideal, esses princípios são uma realidade que não se pode nem se deve evitar. Espaço e condições são todo o necessário para o início de uma era promissora através da governança democrática.
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[2] DAHL, Robert. Sobre a Democracia. Brasília: UnB, 2001. p. 133.
[3] Ibid., p. 83.
[4] ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 96.
[5] MORUS, Tomás. A Utopia. Porto Alegre: L&PM, 2000. p. 77.
[6] RIBEIRO, Renato Janine. A Democracia. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 75.
[7] DAHL, Robert, op. cit. (nota 2), p. 73.
[8] CARDOSO, Ciro Flamarion. A Cidade-Estado Antiga. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 68.
[9] BACZO, Bronislaw. Luzes e democracia. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.). Democracia. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 33.
[10] Tanto é assim que a idéia constitucional desenvolveu-se a partir dessas revoluções e dos procedimentos governativos inovadores adotados pela Inglaterra. Os modelos constitucionalistas teóricos historicista, individualista e estadualista surgiram, respectivamente, com os novos instrumentos do direito inglês (século XVII), com a nova ordem social francesa centrada no indivíduo e com a noção americana de soberania popular. CANOTILHO, J.J. GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 51-56.
[11] LÖWY, Michael. Fraternidade, Racismo. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.), op. cit. (nota 9), p. 300.
[12] DAHL, Rovert, op. cit (nota 2), p. 53.
[13] TOURAINE, Alain. O que é Democracia? Petrópolis: Vozes, 1996. p. 133.
[14] Norberto BOBBIO lembra que normas podem ser jurídicas mesmo quando desprovidas de sanção, vez que esta, como instituto, reside no ordenamento como um todo, não em normas individuais. “(...) quando se fala de uma sanção organizada como elemento constitutivo do Direito nos referimos não às normas em particular, mas ao ordenamento jurídico tomado em seu conjunto, razão pela qual dizer que a sanção organizada distingue o ordenaento jurídico de qualquer outro tipo de ordenamento não implica que todas as normas daquele sistema sejam sancioandas, mas somente que o sejam em sua maioria.” Teoria do ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: UnB, 1999. p. 29. O mesmo se diga do problema da eficácia: mesmo normas jamais aplicadas são jurídicas, pois “ser eficaz” é o fundamento de validade do ordenamento como um todo.
[15] PISIER, Évelyne. Montesquieu e Rousseau: dois batedores da democracia. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.), op. cit. (nota 9), p. 114.
[16] Emmanuel Joseph SIEYÈS diz que os representantes do povo não podem ter vontade diferente da nação. Uma Assembléia representativa deve refletir os anseios dos cidadãos, não visando, assim, a outras vantagens que não as comuns. A Constituinte Burguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 69.
[17] BOBBIO, Norberto e VIROLI, Maurizio. Diálogo em torno da República – os grandes temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 85.
[18] Octavio IANNI coloca algumas características do populismo: sociedade massificada, líder carismático geralmente vindo das classes média ou alta, base popular mormente urbana, “antiideologia” (ausência de doutrina econômica precisa), nacionalismo e patrimonialismo. A Formação do Estado Populista na América Latina. 2. ed. São paulo: Ática, 1989. p. 19-39.
[19] BOBBIO, Norberto e VIROLI, Maurizio, op. cit. (nota 17), p. 102.
[20] SARTORI, Giovanni. Os partidos. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.), op. cit. (nota 9), p. 177.
[21] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2001. p. 91.
[22] Sobre o tema, ver DIAS, Márcia Ribeiro. Entre a representação e a participação política: o debate acerca da institucionalização do orçamento participativo de Porto Alegre. In MILANI, Carlos e outros (orgs.). Democracia e Governança Mundial – Que regulações para o século XXI? Porto Alegre: UFRGS/UNESCO, 2002.
[23] DAHL, Robert, op. cit. (nota 2), p. 27.
[24] Ibid., p. 26.
[25] BOBBIO, Norberto e VIROLI, Maurizio, op. cit. (nota 17), p. 9.
[26] Certamente é discutível a noção de justiça social, mas aqui ela é empregada como sinônimo de eficiente distribuição de renda e exercício dos direitos fundamentais, o que engloba participação política eqüitativa e qualidade de vida para a totalidade da população.
[27] BOBBIO, Norberto e VIROLI, Maurizio, op. cit. (nota 17), p. 15.
[28] RIBEIRO, Renato Janine. A República. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 66.
[29] BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. p. 40.
[30] POCOCK, J. G. A. Virtude e republicanismo da Antigüidade ao Renascimento – Cidadania e liberdade: os valores políticos dos antigos e a democracia moderna. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.), op. cit. (nota 9), p. 98.
[31] DAHL, Robert, op. cit. (nota 2), p. 183.
[32] MELO, Marcus André B. C. de. Ingovernabilidade: desagregando o argumento. In VALLADARES, Licia e COELHO, Magda Prates (orgs.). Governabilidade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p. 30. Mais informações disponíveis em
[33] Ibid., p. 30.
[34] UNIÃO EUROPÉIA. Comissão das Comunidades Européias. Governança Européia: Um Livro Branco. Bruxelas, 25.07.2001. p. 8. Disponível em http://europe.eu.int/comm/governance/white_paper/index_en.htm>. Acesso em 05 set. 2001.
[35] SEITENFUS, Ricardo e VENTURA, Deisy. Globalização: significado e conseqüências. In VENTURA, Deisy de Freitas Lima e ILHA, Adayr da Silva. O Mercosul em Movimento II. Porto Alegre, 1999. p. 174.
[36] Há países onde o FMI não fiscalizou ou não condicionou a ajuda financeira a atos de boa governança. Veja-se o exemplo argentino: durante o governo Menen as exigências do Fundo parecem ter sido limitadas ao campo econômico, as quais ensejaram abertura excessiva e desregulamentação do mercado, privatizações, incentivo ao investimento privado direto e conversibilidade da moeda. A atual situação da Argentina deve-se, portanto, à corrupção de alguns setores e à má qualidade de suas respostas à globalização. O país sofre hoje as conseqüências da obediência imponderada ao capital internacional. Sobre o assunto, ver FERRER, Aldo. Argentina e a globalização. Revista estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 44, p. 37-55, jan/abr. 2002.
[37] COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa comunidade global. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p. 3. A Comissão, criada em 1992 por 28 personalidades públicas internacionais, é um grupo independente que busca alertar para a necessidade da formação de canais de comunicação entre os países como instrumentos à paz e prosperidade mundiais. Maiores informações disponíveis em
[38] DALLARI, Dalmo de Abreu. O Futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001. p. IX.
[39] BONAVIDES, Paulo. A globalização e a soberania: aspectos constitucionais. In FIOCCA, Demian e GRAU, Eros Roberto (orgs.). Debate sobre a Constituição de 1988. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 151.
[40] LEVI, Primo. É isso um homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. p. 15.
[41] RORTY, Richard. Repensar a Democracia. In DARNTON, Robert e DUHAMEL, Olivier (orgs.), op. cit. (nota 9), p. 136.
Informações Bibliográficas
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: |
DRI, Clarissa Franzoi. Governança democrática: impasses e alternativas. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: |
Acesso em: 30.SET.109 |