Resta tudo por fazer
General Maurice Gamelin (tela de Herbert A Olivier, 1915) |
Capitão Alphonse F de La Horie, 1917.
Mal desembarcando no Rio de Janeiro, em março de 1919, o general Maurice Gamelin, então com apenas 46 anos, se pôs a campo para inspecionar as guarnições do exército brasileiro. No Rio Grande do Sul impressionou-se com as condições estratégicas oferecidas pelo vasto território que abarca Santa Maria e Cachoeira, vendo-o como uma excepcional área para a utilização dos mais variados recursos militares. Comoveu-o o esforço dos oficiais locais em manter os fortes com os pálidos recursos que tinham a sua disposição. De fato era preciso refazer tudo.
A idéia de convidar para o Brasil uma missão militar francesa a fim de modernizar a instrução das tropas partira da articulação feita entre o Ministro da Guerra general Cardoso de Aguiar em acerto com representantes brasileiros que estavam em Paris por ocasião das negociações do Tratado de Versalhes de 1919, entre eles o historiador Pandiá Calógeras ( que depois veio a ser o primeiro civil a assumir o ministério militar, entre 1919 e 1922). Papel-chave nas negociações que precederam a vinda de Gamelin desempenhou o do major Malan d´Angrogne, adido militar junto à embaixada brasileira, um descendente de franceses que, após entrevistar-se com o marechal Joffre, pessoalmente acertou a vinda de vinte instrutores qualificados. A assinatura final do decreto, em 28 de maio de 1919, deu-se durante a presidência interina de Delfim Moreira, visto que o presidente Rodrigues Alves sucumbira à devastadora gripe.
A influenza e o bolchevismo eram os fantasmas que assombraram o mundo ocidental ao fim da Primeira Guerra Mundial. Naquela ocasião, a peste e a revolução pareciam competir para ver quem mais ceifava vidas depois da grande catástrofe de 1914-18.
O paliativo, cogitava-se no Brasil, era um exército forte, profissionalizado dirigido por uma elite militar competente, treinada e orientada por moderna doutrina militar, capaz de manter um pais tão diverso e díspar unido frente aos tumultos internacionais que se avizinhavam. Até as vésperas da Grande Guerra de 1914-18 dois partidos se rivalizavam na escolha da futura missão militar que deveria vir ao Brasil responsabilizar-se pela reforma geral das armas: o ‘partido germânico’ liderado pelo general Bertoldo Klinger e demais altos oficiais fundadores da Liga de Defesa Nacional, entusiastas da disciplina tedesca e admiradores da eficácia deles, e o ‘partido gaulês’ devido às afinidades culturais que os ligavam à Paris (favoreceu por igual aos franceses o fato de já haver uma missão anterior em ação junto à força pública de São Paulo e o acerto de uma outra especificamente para dar implantação à aviação de guerra, desde o final de 1918).
A França com sua assombrosa resistência feita no rio Marne e em Verdun ( batalha travada em 1916 na qual quase meio milhão de soldados morreram ou foram feridos para não deixar os alemães passarem) adquirira uma aura de fortaleza indomada e, como conseqüência disto, seus generais, como Foch, Joffre e Petain, foram vistos como grandes estrategistas e naturais consultores das demandas brasileiras.
Críticas à doutrina francesa
General Alberto Cardoso de Aguiar |
Mas o exército brasileiro vinha de duas experiências dolorosas: a Guerra de Canudos (1896-7) e a Guerra do Contestado (1912-1916), nas quais o espírito de valentia não bastou para vencer os jagunços e caboclos em rápidas operações. Se nossas armas não conseguiam dobrar facilmente os sertanejos o que fariam frente a um vizinho bem armado? (*)
(*) Ainda assim, mesmo com a adesão aos manuais franceses, o Exército dos anos vinte não conseguiu deter a marcha da Coluna Prestes (1924-27) que cavalgou praticamente incólume pelo interior do Brasil, nem foi forte suficiente para deter a marcha dos revolucionários de 1930, liderados por Getulio Vargas e por Juarez Távora, que vieram depor o presidente Washington Luis no Rio de Janeiro.
Reforma de cima para baixo
Passado quase um século da chegada da Missão Francesa, o Ministério da Defesa anunciou em setembro de 2009 um amplo acordo militar de compra de equipamento sofisticado ( submarinos nucleares, aviões de caça Rafaele e helicópteros de transporte), no valor de US$ 12,317 bilhões que abrange por igual o projeto Soldado do Futuro, com objetivo de adestrar a tropa para operações ultra-modernas. Por outro lado, na esteira do rompimento do acordo militar Brasil-EUA feito pelo general Ernesto Geisel em 1977, o acerto Brasil-França é mais um passo que faz afastar o Brasil dos Estados Unidos no terreno estratégico.
Bibliografia
Malan – General Alfredo Souto - Missão Militar Francesa de Instrução junto ao Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1988.
McCann, Frank D. – Soldados da Pátria: História do Exército Brasileiro 1889-1937. São Paulo; Cia das Letras, 2007.