“Só a Fé Salva” – Martinho Lutero
“Deus criou vasos para a salvação e vasos para a danação eterna. Se a Mão de Deus estiver sobre a tua cabeça tu será beneficiado aqui na terra com muita saúde e prosperidade. Por este indício compreenderás que estás predestinado à salvação” – João Calvino
O desenvolvimento do comércio e a conseqüente ampliação do poder político e econômico da burguesia tornavam anacrônico o discurso da Igreja Católica Romana, que pregava “ser mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” por um lado e, por outro, vender indulgências e ficar com parte do lucro auferido “pecaminosamente” daquele ponto de vista.
A Igreja Católica Romana tinha uma pregação – a cobiça, fundamentalmente, era condenada pela Igreja! – e uma prática diferente de seu discurso (mais ou menos como nossos governantes hoje fazem, dizem uma coisa e fazem outra...). Por outro lado ao burguês que enriquecera comprando barato (ou saqueando) e vendendo com largo lucro, além de cobrar juros, não era interessante:
a) Partilhar a sua riqueza com um clero cuja prática era incongruente com seu discurso.
b) Ouvir sermões ameaçando-o com as penas do Inferno se não abandonasse a prática da usura, da “venda do tempo”, etc.
Com isto, no Renascimento está formado o caldo de cultura necessário ao surgimento do protestantismo.
Dentro do Individualismo, um dos principais valores renascentistas, o protestante conversa diretamente com Deus; não encomenda a um padre uma missa pedindo a um santo que interceda a Deus por ele numa hierarquia que já não lhe diz respeito. O burguês conversa direta e individualmente com Deus.
O Início da Reforma – Lutero
Tradicionalmente diz-se que a Reforma Protestante foi iniciada por Martinho Lutero, monge agostiniano alemão 91483 – 1546), cujo pensamento sofreu profunda influência de São Paulo de Tarso.
Numa Epístola de Paulo aos Romanos encontrou a “chave” para consolidar uma idéia nova de salvação: “O justo viverá pela fé.” E “não são as obras, mas é a fé que conduz à salvação”. Não importa como você aja no mundo. Se a sua fé for “do tamanho de uma raiz de mostarda” você está no caminho da salvação, não importa o que faça. Desprezando olimpicamente os vários trechos bíblicos que rezam: “o que é a fé sem as obras?”; “A fé sem as obras é morta!” e “Mostra-me a tua fé sem as obras que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé!” Lutero criou um novo sistema religioso abrindo um cisma com a Igreja Católica Romana.
Em 1517 afixou na Abadia de Wittenberg suas famosas "95 Teses Contra a Venda de Indulgências", sendo excomungado e correndo o risco de, a exemplo de Jan Hus e Thomas Münzer, ser martirizado pela Igreja. A diferença é que estes dois, com profunda sinceridade de coração, desejavam voltar ao princípio da fé cristã, em grande medida desvirtuada pela Igreja, mas para tanto aliaram-se aos pobres, aos desvalidos e deserdados da sociedade. Já Lutero, espertamente, aliou-se aos príncipes interessados, como se disse, em apoderar-se das terras da Igreja...
Lutero encontrou terreno fértil à sua pregação nas regiões em que era interessante aos nobres se apoderarem das terras da Igreja Católica. Aliando-se aos príncipes, conseguiu principalmente o apoio do Imperador do Sacro Império Romano-Germânico Carlos V, que convocou a “Dieta de Worms” em 1521. As doutrinas luteranas causaram grande agitação, principalmente sua idéia subversiva de confiscar os bens da Igreja.
Sua aliança aos príncipes fica mais clara à medida em que analisamos sua reação aos camponeses da região da renânia que, uma vez convertidos, passaram a apoderar-se dos bens da Igreja Católica Romana. Lutero apoiou uma violenta repressão aos camponeses em 1525 dizendo: “A espada deve se abater sobre estes patifes! Não punir ou castigar, não exercer esta sagrada missão é pecar contra Deus!”
Na Dieta de Augsburgo, convocada pelo Imperador Carlos V em 1530, estabeleceram-se as bases fundamentais da nova religião luterana. Ficava abolido o celibato ao clero protestante; proibido o culto a “imagens de escultura e a Virgem Maria”; proclamava a Bíblia e sua interpretação subjetiva do leitor como autoridade, renegando os dogmas de Roma, entre outras medidas.
Aprofundando a reforma – Calvino - Igreja Presbiteriana
Uma das principais conseqüências do cisma provocado por Lutero no seio da cristandade foi a difusão de suas idéias como um rastilho de pólvora por toda a Europa Central, onde se concentravam os burgueses enriquecidos e os príncipes interessados no confisco dos bens da Igreja.
A Reforma foi aprofundada por alguns de seus seguidores, com particular ênfase a João Calvino (1509 – 1564) que dinamizou o movimento protestante através de novos princípios, como o da predestinação absoluta, que enfatizava o quanto uma pessoa estava “sendo abençoada por Deus” uma vez enriquecesse e o quanto estava predestinada à danação eterna uma vez pobre, doente e miserável... Quem nisso acredita trabalha como louco para “provar” a seus vizinhos, pelos aspectos exteriores de suas posses e bem-estar físico e material que é um “vaso reservado para a salvação”.
Pense: se você fosse um burguês enriquecido preferiria a pregação de um sacerdote católico a acusá-lo de desonestidade, heresia por haver enriquecido através da prática condenável do lucro e da usura ou a pregação de um sacerdote protestante a informar que a sua riqueza é um sinal de que está predestinado para a salvação eterna? Não é de admirar que os países mais prósperos do mundo capitalista professem a fé protestante em seus mais diversos matizes...
Um caso singular – Henrique VIII e a Reforma Anglicana
Vários pregadores e potentados ingleses estavam ansiosos para aderir também à Reforma e, com isso, confiscar terras da Igreja a exemplo do que havia ocorrido em boa parte da Europa continental. O rei inglês Henrique VIII (1509 – 1547), contudo, era muito devoto e recebeu uma comenda do papa Clemente VII: “Defensor Perpétuo da Fé Católica”.
De repente, um coup de foudre (paixão avassaladora) muda os rumos da situação: casado por interesse com Catarina de Aragão, Henrique VIII apaixona-se cegamente por Ana Bolena e solicitou ao papa a anulação de seu casamento para que pudesse contrair novas núpcias. Diante da resposta do papa “o que Deus uniu o homem não separará” e da pressão dos príncipes e pregadores ingleses, pelo Ato de Supremacia proclamado pelo rei e votado pelo Parlamento inglês, a Igreja, na Inglaterra, ficava sob total autoridade do monarca.
Inicialmente o anglicanismo manteve todas as características da Igreja Católica Romana, excetuando-se o direito ao divórcio (de interesse do rei!) e a obediência à infalibilidade do papa. Com o passar dos anos a Igreja Anglicana agrega muitos dos valores do Calvinismo, afastando imagens de escultura, fazendo uma leitura singular da Bíblia, etc.
Reação da Igreja Católica Romana – a Contra Reforma
Convocando o Concílio de Trento (1545 – 1563), a Igreja Católica estabeleceu um conjunto de medidas defensivas e ofensivas. A fim de impedir a contaminação pelo protestantismo dos países ainda não atingidos, criou um Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos), dentre os quais encabeçavam as obras de Lutero, Calvino, etc. Reativou o Tribunal da Santa Inquisição, com a finalidade de reprimir heresias. Criou o catecismo, catequese e os seminários com vistas a discutir e persuadir os fiéis reconquistando o terreno perdido. Além disso, receberam incentivo as novas Ordens de pregadores apostólicos romanos com vistas a “levar a fé católica ao “Novo Mundo”. Neste contexto surge a Companhia de Jesus, de Inácio de Loyola, subordinada diretamente ao papa e que levava sua pregação ao continente americano e até à Ásia. Também os dominicanos (domini = do Senhor; cani = cães), portanto caninamente obedientes e devotados a propagar a fé católica.
Jamais houve uma discussão ou um debate sério entre um papa e qualquer autoridade protestante acerca de temáticas doutrinárias. Todos ficam presos às suas metáforas e interpretações diferentes dos mesmos textos bíblicos e muito sangue foi derramado por causa disso.
A relembrar ainda a coincidência entre o protestantismo e o capitalismo e, de outro lado, entre o catolicismo e o tradicionalismo. Os países mais prósperos, do ponto de vista burguês, capitalista (ou (“capetalista”, como preferem os puristas) seguem todos majoritariamente a fé protestante em seus diversos matizes: EUA, Inglaterra, Suíça, Holanda, Alemanha, Suécia... Por outro lado, aqueles ligados ao catolicismo e à ética do amor ao próximo, que não foram profundamente tocados pelo protestantismo, seguem subdesenvolvidos do ponto de vista capetalista – casos dos países Ibéricos e da América Latina, por exemplo.
Lázaro Curvêlo Chaves
Bibliografia:
História das Sociedades – Rubem Aquino
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo – Max Webe