Prof. Leonardo Castro
O período histórico que compreende a Primeira e a Segunda Guerra Mundial pode ser entendido como um momento crítico do início do século XX; foi um momento de determinação das influências do poder ocidental, na esfera política e econômica principalmente. As contradições econômicas, sociais e ideológicas entre os principais países capitalistas conduziram à corrida armamentista e às guerras localizadas, que precederam os dois grandes conflitos globais. Assim, nesse momento histórico a sociedade ocidental, e mesmo mundial, atravessou por uma transformação surpreendente. As tenções internacionais tornaram-se extremamente tensas ao longo da primeira metade do século XX. As barreiras protecionistas, levantadas diante da necessidade de preservação de mercados, e a necessidade de expansão das potências européias, levaram a política internacional a um ponto crítico. Nos meados da segunda década do século XX eclode a Primeira Guerra Mundial. Nos anos finais da guerra, observamos uma reorientação no campo político, social e ideológico na Europa Oriental: era a época de eclosão da Revolução Russa. No final da década de 1920, ocorreu uma das maiores crises vividas pelo capitalismo: a Grande Depressão. Este fenômeno foi determinado por uma crise de superprodução que atingiu todos os países capitalistas. Após esse período de conflitos bélicos, Revolução e Grande Depressão econômica é iniciado uma nova época de crise na sociedade ocidental, que atingira todo o globo. Era a era da Guerra Total. Logo foi autorizado o emprego da violência que ultrapassa nitidamente as regras da tradição diplomática. A primeira metade do século XX foi de fato uma época de Guerra, Revolução e Grande Depressão. Foi o período histórico que veio a determinar os acontecimentos seguintes na história da civilização ocidental, e, conseqüentemente, na mundial.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial é inaugurado um momento de grande instabilidade na sociedade ocidental. Na Alemanha, Guilherme II tinha abdicado. O dirigente do Partido Social-Democrata Friedrich Ebert proclamou a República de Weimar. A Alemanha teve que enfrentar os duros termos do Tratado de Versalhes em 1919: perdeu a Alsácia-Lorena a favor da França e a Prússia Ocidental passou para a Polônia. Também perdeu suas colônias e teve que ceder suas instalações siderúrgicas, linhas ferroviárias e navios mercantes, assim como sua força naval. Além disso, tiveram que aceitar a plena responsabilidade como causadores da guerra e pagar indenizações aos países vencedores.
Nos EUA, as questões mais importantes durante a presidência democrática de Thomas Woodrow Wilson (1913-1921) foram a Primeira Guerra Mundial e a assinatura da paz em 1919, com o Tratado de Versalhes. Com as eleições celebradas em 1920, inicia-se um período de domínio republicano, caracterizado pelo estabelecimento do isolacionismo e do liberalismo econômico.
O mandato do presidente Herbert Clark Hoover (1874-1964), presidente dos Estados Unidos entre 1929 e 1933, viu-se marcado pelo desmantelamento do mercado de valores, ocorrido em 1929. A derrocada da Bolsa de Nova Iorque (o Grande Crash) precedeu uma depressão econômica que adquiriu dimensões mundiais.
A Revolução Russa
A expressão Revolução Russa é relativa às duas revoluções vitoriosas de 1917: a primeira, denominada Revolução de Fevereiro (março, pelo calendário juliano, então usado na Rússia), levou à queda da autocrática monarquia imperial. A segunda, denominada Revolução Bolchevique ou Revolução de Outubro, foi organizada pelo partido bolchevique contra o governo provisório instalado na primeira fase. De fato, a Revolução Russa não foi unicamente “a filha” da Primeira Guerra Mundial, outros fatores específicos na Rússia czarista foram fundamentais para a eclosão da Revolução. Esta surge em um contexto de colapso da própria sociedade Russa imperial que remonta ao final do século XIX até o início do XX. As reformas empreendidas, pelo czar Alexandre II, criaram uma corrente a favor de uma mudança constitucional. Em 1898, foi fundado o Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), que em seu segundo Congresso (1903) já contava com duas facções divergentes: os mencheviques e bolcheviques.
A dinastia dos Romanov, no poder desde 1613, governava a Rússia de forma absolutista.
Em 1905, após a Guerra Russo-Japonesa, conflito imperialista pela disputa da Coréia e da Manchuria e perdida pela pelos russos, o czar lançou o Manifesto de Outubro, para instaurar uma monarquia constitucional e parlamentar. Formou-se os sovietes – conselhos de trabalhadores – na Rússia, e a formação do parlamento – a Duma –, em 1906.
Entre os opositores do czarismo destacaram-se duas facções: os mencheviques (minoritários) – marxistas ortodoxos, que defendiam uma revolução burguesa contra o czarismo, liderada pela Duma; os bolcheviques (majoritários) – defendiam a revolução socialista, a instalação da ditadura do proletariado, com a aliança de operários e camponeses, tendo como líder Lênin e apoiados nos sovietes.
Em março de 1917, Nicolau II foi derrubado, instalando-se a República da Duma, sob a liderança de Alexandre Kerensky, líder menchevique. Representando uma revolução burguesa, o governo padeceu com a permanência na 1ª Guerra Mundial, fortalecendo a oposição dos trabalhadores russos.
Liderados por Lênin e Trótski, os bolcheviques ganharam popularidade com as Teses de abril, com a plataforma “paz, terra e pão”, que propunha a saída da Rússia da guerra, a divisão das grandes propriedades entre os camponeses e a regularização do abastecimento interno.
Stalin, Lenin e Mikhail Kalinin (foto do VIII Congresso do Partido Communista Soviético, Março 1919).
Texto e Contexto
“5. (...) É necessário, para o sucesso do socialismo na Rússia deixar passar um certo lapso de tempo (pelo menos alguns meses), durante o qual o governo socialista deve ter as mãos completamente livres para triunfar da burguesia, primeiramente no seu próprio país, e para indicar um trabalho de organização de massa em amplidão e profundidade.
20. (...) Ao concluir uma paz separada, nós nos livramos, da maneira que isto é possível de ser feito, na hora atual, de dois grupos imperialistas inimigos, aproveitando de sua hostilidade e da guerra que os impede entender-se contra nós.
Disto nós nos aproveitamos, pois assim temos, durante um certo período, as mãos livres para levar avante e consolidar a revolução socialista. A reorganização da Rússia sobre a base da ditadura do proletariado, sobre a base da nacionalização dos bancos e da grande industria, da troca de gêneros e de produtos entre as cidades e as cooperativas de consumo dos pequenos camponeses, é perfeitamente possível do ponto de vista econômico, na condição de que alguns meses de trabalho pacífico nos sejam concedidos. Esta reorganização tornará o socialismo invencível na Rússia e no mundo inteiro, criando também a base econômica sólida de um poderoso Exército Vermelho operário e camponês (...)”.
(Sobre a Conclusão de uma paz separada, de Lenin (1918). In: MATTOSO, Kátia. Textos e documentos para o estudo de história contemporânea, 1789-1965. São Paulo: Hucitec; Edusp, 1997. pp. 161-163.)
Em 7 de setembro, os bolcheviques tomaram de assalto os departamentos públicos, criando o Conselho de Comissários do Povo, o novo governo russo. No comando estava Lênin como presidente. A publicação do Apelo aos trabalhadores, soldados e camponeses, primeiro documento oficial da Revolução, transferindo todo o poder para os sovietes.
Lenin limpa a Rússia czarista. charge, 1919.
De início, o novo governo nacionalizou as indústrias e os bancos estrangeiros, redistribuiu as terras no campo e firmou um armistício com a Alemanha, em Brest-Litovski.
Essas mudanças, ativaram a oposição dos russos brancos (mencheviques e czaristas) que, apoiados pelas potências aliadas, mergulharam o país numa sangrenta guerra civil, terminando em 1921, com a vitória dos bolcheviques (russos vermelhos).
Em 1921, surgiram crises de abastecimento e revoltas camponesas. Lênin instituiu então a Nova Política Econômica (NEP), um planejamento estatal sobre a economia que combinava princípios socialistas com elementos capitalistas. A NEP estimulava a pequena manufatura privada, o pequeno comércio e a livre venda dos produtos pelos camponeses.
Em 1923, foi elaborada uma constituição que criava a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), união das diferentes regiões do antigo império russo, transformadas em repúblicas federativas e socialistas.
Bandeira da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Com a morte de Lênin, em 1924, o poder soviético foi disputado por Leon Trótski e Josef Stalin. Com a vitória, Stalin estabelece uma política econômica baseada nos planos qüinqüenais, objetivando transformar a URSS numa nação moderna e industrializada.
Centralizando todo o poder, Stalin eliminou a oposição de Trótski, exilando-o em 1929. Stálin consolidou seu poder assumindo o controle do Partido Comunista, transformando-o no poder máximo que supervisionava todos os sovietes.
Texto Complementar
A Revolução
Parecia óbvio que o velho mundo estava condenado. A velha sociedade, a velha economia, os velhos sistemas políticos tinham, como diz o provérbio chinês “perdido o mandato do céu”. (...) A Revolução Russa, ou mais precisamente, a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, pretendeu dar ao mundo esse sinal. Tornou-se portanto, tão fundamental para a história deste século quanto a Revolução Francesa de 1789 para o século XIX.
(...)
A Rússia, madura para a revolução social, cansada de guerra e à beira da derrota, foi o primeiro dos regimes da Europa Central e Oriental a ruir sob as pressões e tensões da Primeira Guerra Mundial. (...) Na verdade, o governo do czar desmoronou quando uma manifestação de operários (no habitual “Dia da Mulher” do movimento socialista – 8 de março) se combinou com um lock-out industrial na notoriamente militante metalúrgica Putilov e produziu uma greve geral e a invasão do centro da capital, do outro lado do rio gelado, basicamente para exigir pão.
(...)
A reivindicação básica dos pobres da cidade era pão, e a dos operários entre eles, melhores salários e menos horas de trabalho. A reivindicação básica dos 80% de russos que viviam da agricultura era, como sempre, terra. Todos concordavam que queriam o fim da guerra... O slogan “Pão, Paz, Terra” conquistou logo crescente apoio para os que o propagavam, em especial os bolcheviques de Lenin que passaram de um pequeno grupo de uns poucos milhares em março de 1917 para um quarto de milhão de membros no início do verão daquele ano.
(HOBSBAWM, Eric J. A Revolução Mundial. In: Era dos extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. 2ª ed. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das letras, 1995. pp. 62-68.)
Fonte: novahistorianet.blogspot.com