Sobre o autor[1]
Introdução
A Grécia é formada por um conjunto de ilhas, conhecida comoCíclades (Kiklades), circulares, em torno de uma, Delos, sagrada para os antigos habitantes da região. Na realidade são mais de 1000 ilhas, das quais menos de 300 são habitadas. Provavelmente seus primeiros habitantes ali chegaram entre o final do Período Neolítico e a Idade do Bronze, apresentando uma forte semelhança com os povos orientais, egípcios e mesopotâmicos (BERNAL: 1987,112), principalmente na arquitetura. Muitos especialistas estabeleceram uma estreita relação entre civilizações Cíclades com a Minóica, localizada mais ao Sul, na Ilha de Creta. Um desses pontos de ligação seria o culto a grande mãe, representado pelas estátuas femininas encontradas na região.
O Período Minóico (aproximadamente 2700 – 1450 a.C.), conta com a supremacia da Ilha de Creta sobre as demais localidades. O arqueólogo inglês, Sir Arthur Evans (1851 – 1941)[2], desenterrou o Palácio de Cnossos (estava embaixo de uma plantação de uvas), reforçou a ideia de um culto matriarcal da Deusa-Mãe, estátuas de sacerdotisas com serpentes e seios a mostra, santuários nos palácios, touro (lenda do Minotauro), associado à fertilidade e a dominação.
Evans fez a primeira divisão da História Minóica: Minóico remoto, médio e superior, influenciado pela Arte (afrescos, cerâmica, animais marinhos, desenhos florais entre outros), associado aos palácios de Cnossos e Festos[3], ao sul de Creta. Encontrou as primeiras placas com as inscrições em Linear A e as formas de Fundição. A Linear A, ainda não foi decifrada, pois não apresenta semelhanças com outras línguas conhecidas.
Representação da deusa Cibele, anfiteatro romano de Tarragona, Espanha. Os gladiadores faziam oferendas à deusa antes do início das lutas. Notamos também a presença do barrete frígio, símbolo da liberdade. Foto: Cláudio Umpierre Carlan, maio de 2007.
Porém, o arqueólogo grego Nicolas Platon, idealizou outro sistema cronológico, identificados com os palácios de Cnossos (Norte), Festus (Sul), Malia (Centro-Oeste) e Kato Zakros (Leste): Pré-Palaciano, Protopalaciano, Neo Palaciano e Pós Palaciano. Segundo Paton, esses grandes palácios que lhe davam uma unidade política, controlada por uma Talassocracia, no qual o rei teria o papel de sacerdote[4].
Seu apogeu ocorreu entre os séculos XVII, XVI e XV (Neo Palaciano), foram encontradas cerâmicas cretenses no Egito, principalmente durante a XVIII Dinastia, identificando uma rota comercial entre os dois povos. A Ilíada descreve a influência de Creta sobre mais de 90 cidades. Seu fim também é um mistério. Provavelmente tsunamis e erupções vulcânicas ajudaram a debilitar moralmente os cretenses, como a destruição da armada, tornando-se presa fácil para os invasores aqueus.
O próximo período, conhecido como Micênico (aproximadamente 1600 – 1200), teve como característica principal o domínio de uma aristocracia de guerreiros, aqueus, sobre todo o mediterrâneo oriental. Fundaram as cidades de Micenas, Tirinto e Argos, derrotando os pelasgos, agricultores que não conheciam o metal, estabeleceram a Idade do Bronze na região, importando o metal para outras ilhas, como Chipre. No ano de 1450 a.C, conquistam Creta, ampliando sua área de influência.
Falavam o grego arcaico, utilizavam a Linear B, provavelmente derivada da Linear A, descoberta por Evans, durante suas escavações em Cnossos. Porém, diferente da Linear A, em 1950, Michael Ventris e John Chadwich, conseguiram decifrar a Linear B, relacionando a escrita com o grego arcaico. Reforçando ainda mais as teorias de Bernal, pois a Linear B foi talhada em pequenas tábuas de argila, encontradas nas cidades fortalezas aqueias ou nas conquistadas por eles. Fora do contexto palaciano, até o presente momento, não foram encontrados artefatos com essas inscrições. Podemos encontrar várias características micênicas tanto na Ilíada e Odisséia, quanto nas tradições religiosas gregas antigas.
A cidade fortaleza de Micenas, com a famosa porta dos leões(semelhante ao portão dos leões de Hattusa, antiga capital Hitita), foi encontrada pelo arqueólogo alemão Heinrich Schliemann (1822 – 1890), o mesmo que descobriu as Ruínas de Tróia, na década de 1870. Além da arquitetura militar, destaque para Acrópole (outra característica dos aqueus), os micênicos realizaram uma verdadeira revolução nas artes, através da Máscara Mortuária de Atreu,encontrada por Schliemann em 1876, durante as escavações de vários túmulos circulares (tholoi), construídos nas encostas das montanhas.
Os dórios e a “Idade das Trevas Grega” (1200 – 800).
Tradicionalmente, os dórios são considerados invasores de origem indo europeia, conhecidos no mundo grego a partir do final do segundo milênio a.C. primeiramente se estabeleceram no nordeste e norte da Grécia. Sua instalação provocou uma dispersão para sul do demais povos gregos ou pré-gregos. Os aqueus foram obrigados a deixar o Peloponeso e Micenas, fixando-se na Ásia Menor.
Durante o século XIII a.C., uma série de levas de invasões atingiram diversas regiões do mundo antigo. Aliadas a queda populacional, a diminuição do fluxo comercial, destruição do Império Hitita, palácios são incendiados de Tróia a Gaza (GARELI: 1982, 154), ajudaram no colapso da civilização do mediterrâneo oriental. Com a ausência dos textos escritos, apenas a arqueologia consegue mostrar a luz no final do túnel.
A partir do século XI a.C., surge um novo mundo na região do Egeu. O ferro substitui o bronze, novas formas artísticas substituem os kouros, jovens masculinos, nus, com cabelo frisado e kore, jovens femininas, em pé e vestidas[5], a cremação como prática funerária, o rei aqueu é substituído por uma assembleia, uma aristocracia dentro da própria aristocracia. A cavalaria, arma exclusiva da nobreza é substituída pela infantaria, abrindo caminho para os hoplitas do século VII a.C. A tradição oral é fortalecida e a linear B deixada de lado. A escrita retornará a Grécia, durante o Período Arcaico, influenciada pelo alfabeto fenício.
Os dórios estabeleceram seus domínios em uma espécie de confederação de cidades, chamada de Hexapóle Dórica, da qual faziam parte Halicarnaso (cidade natal de Heródoto) e Cós (terra natal de Hipócrates).
A Grécia Arcaica: “colonização” do Mediterrâneo.
O Período Arcaico sempre foi considerado pela comunidade científica como a “luz, depois das trevas”. Com a revitalização da escrita, associada ao desenvolvimento cultural, fortalecimento da polis, ascensão da democracia ateniense, cimentou de uma só fez a Idade das Trevas, pelo menos para alguns especialistas. Porém, a organização das cidades na Antiga Grécia, remonta a organização dos aqueus (SNODGRASS: 2000, 79), e os genos, comunidades familiares, que adoravam seus deuses nos locais elevados (acrópole).
Outra influência dos períodos anteriores que podemos identificar, são kouros e kore, inspirados em Micenas (CONTI: 1987, 34).
O espírito marítimo e aventureiro dos gregos, uma herança fenícia segundo Bernal, aliado a falta de alimentos (provocado por uma grande seca na região), excesso populacional e a vários interesses comerciais, levaram a algumas cidades gregas fundar uma série de colônias no mar mediterrâneo.
O planejamento era realizado pelo oikisters, espécie de responsável pela escolha do local e conquista do território, como comandante da embarcação. Antes da partida, consultavam o deus responsável pela colonização, Apolo (através do Oráculo)[6]. Diferente do sistema colonial exploratório português e espanhol, as colônias eram identificadas com a metrópole através de laços comuns e comerciais, como calendário, língua, cultura e o fogo sagrado. Mantinham laços cordiais com a cidade mãe, não eram dependentes, porém, em caso de guerra, lutavam lado a lado. Os cidadãos que migravam para o novo local, perdiam sua cidadania anterior.
O Exemplo de Ampúrias.
A cidade grega de Ampúrias (Emporion para os romanos)[7], situada no município catalão de L´Escala (em espanhol La Escala), próximo ao golfo de Roses (cidade natal de Salvador Dali)[8], província de Girona, foi fundada pelos fóceos, procedentes de Massália, entre 580 e 575 a.C. Dedicada a Asclépio, deus grego da medicina, com o objetivo principal de estabelecer um posto comercial no Mediterrâneo Ocidental. Teve um papel importante durante a dominação romana, que fundaram uma outra cidade fortaleza, acima da cidade grega. Em 218 a.C., as tropas de Cneo Cornerio Cipião Calvo, desembarcaram durante a Segunda Guerra Púnica. Séculos mais tarde, no período carolíngio foi criado o condado de Ampúrias no século VIII. Destruída pelos normandos e árabes no século IX, foi praticamente abandonada durante a Alta Idade Média, com a transferência do condado para Castelló. Tornou-se um núcleo de pescadores que fundaram a vila de L´Escala no século XVI. Voltou ao panorama mundial quando, em 1908, teve início uma série de escavações.
Ruínas da cidade greco-romana de Ampúrias. À esquerda,Asklepieion, centro religioso em honra a Asclepio (estátua do deus ao fundo). Direita, visão do Asklepieion, em direção ao mar, na bela praia de La Escala, Costa Brava, Espanha. Foto: Cláudio Umpierre Carlan, julho de 2007.
Reconstituição da escavação em Ampúrias, tendo a estátua de Asclepio como exemplo, realizada em 1908 pela Junta de Museus de Barcelona, dirigida por Emili Gandia e tendo o arquiteto Josep Puig i Cadafalch, chefe do projeto. Puig i Cadafalch realizou várias obras em Barcelona, entre elas o prédio do atual consulado brasileiro, no Passeio de Gracia.
Considerações Finais
Apesar de orgulhar-se de suas origens, os gregos sempre fizeram distinção entre dórios e jônios. O caráter militar dos primeiros, as diferenças linguísticas, organização social, dominação implacável sobre os vencidos, transformaram, para prosperidade, Esparta em um modelo de cidade dórica.
A palavra pólis, muitas vezes erroneamente, foi traduzida como cidade ou, graças à denominação clássica, cidade-estado. Finley nos esclarece um pouco essa definição:
...A pólis não era um local, embora ocupasse um território definido; eram as pessoas actuando concertadamente e que, portanto, tinham de reunir-se e tratar de problemas face a face. Era uma condição necessária, embora não a única, de autogoverno... (FINLEY: 1977:48-49).
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Agradecimentos:
A Universidade Estadual de Campinas e ao Núcleo de Estudos Estratégico, em especial os colegas e amigos Pedro Paulo Abreu Funari e André Leonardo Chevitarese, pela oportunidade de trocarmos ideais, a Fábio Vergara Cerqueira, Maria Regina Cândido, Maria Beatriz Florenzano; ao apoio institucional da Universidade Federal de Alfenas e a FAPEMIG.
A responsabilidade pelas idéias restringe-se ao autor.
Referências
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BERNAL, Martin. Clack Athena: the afroasiatic roots of classical civilization. Vol. 2.The Archaeological and Documentary Evidence. London & New Brunswick: Free Association books & Rutgers University Press, 1987.
BERNAL, Martin. A Imagem da Grécia Antiga como uma Ferramenta para o Colonialismo e para Hegemonia Européia. IN: Repensando o Mundo Antigo – Martin Bernal, Luciano Cânfora, Pedro Paulo A. Funari, Laurent Olivier. Organização e Revisão Técnica Pedro Paulo A. Funari. Tradutores Fabio Adriano Hering e Glaydson José da Silva. Coleção Textos Didáticos n. 49. Campinas: IFCH / UNICAMP, 2005.
CALAME, Claude. Masques D`Autorite: fiction et progmatique dans la poetique grecque antique. Paris: Les Belles Letres, 2005.
CÂNDIDO, Maria Regina, LESSA, Fábio Souza. Medeia, Mito e Magia: a imagem através do tempo. 1ª. Ed. Rio de Janeiro: NEA – UERJ, 2007.
CERQUEIRA, F. V. (Org.) ; SILVATICI, M. (Org.) . Religião e Poder, do Mundo Antigo ao Moderno. Ensaios Acadêmicos. 1. ed. Pelotas: LEPAARQ-UFPEL, 2009.
CHEVITARESE, André Leonardo e CORNELLI, Gabriele. Judaísmo, Cristianismo, Helenismo. Ensaios sobre interações culturais no Mediterrâneo Antigo. Itu: Ottoni Editora, 2003.
CONTI, Flavio. Como Reconocer a Arte Grega. Tradução de Mario Torres. Lisboa: Edições 70, 1987.
FLACELIÈRE, Robert. A Vida Quotidiana dos Gregos no Século de Péricles. Tradução de Vírginia Motta. Lisboa: Edição “Livros do Brasil”, 1983.
FINLEY, Moses. Os Gregos Antigos. Traduçao de Artur Morao. Lisboa: Ediçoes 70, 1977.
FLORENZANO, Maria. Beatriz. Borba. Nascer Viver e Morrer na Grécia Antiga. 3. ed. São Paulo: Atual, 1996.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. e BENOIT, Hector. Ética e Política no Mundo Antigo.Coleção Idéias. Campinas: UNICAMP, 2001.
GARELI, Paulo. O Oriente Próximo Asiático: das origens às invasões dos povos do mar. Tradução de Emanuel O. Araújo. São Paulo: Pioneira / EDUSP, 1982.
HOMERO. A Ilíada. Tradução e Adaptação de Fernando C. de Araújo Gomes. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1975.
POMEROY, Sarah. Ancient Greec: a political, social and cultural history. London: Oxford University Press, 1999.
SARIAN, Haiganuch. Da Filologia à Iconografia. A permanência do arcaico nas imagens tríplices de Hécate. Volumes 13 / 14. Sao Paulo: Clássica, 2001, p.p. 101 – 107.
SNODGRASS, Anthony. The Dark Age of Greece: an archaeological survey of the eleventh to the eighth centuries BC, New York: Routledge, 2000.
THEML, Neide. O Público e o Privado na Grécia do Século VIII ao VI a.C.: o Modelo Ateniense. Rio de Janeiro: Sete Letras, 1988.
VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução de Ísis Borges da Fonseca. 14ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2004.
[1] Professor Adjunto de História Antiga da Universidade Federal de Alfenas / MG Doutor em História Cultural pela Unicamp. Pesquisador Associado ao Grupo de Pesquisa Arqueologia Histórica da Unicamp.
[2] O termo Minóico também foi idealizado por Evans, tendo como base Minos, que provavelmente, seria o título do soberano. Os antigos egípcios chamavam de kefitu e em semítico kaftor.
[3] Desde o Período Arcaico, em Festos, existia o Templo em homenagem a Reia, filha de Urano e Gaia. Reia também é identificada com Cibele, pelos romanos, uma das manifestações da Magna Mater.
[4] Outra influencia Oriental, segundo Bernal.
[5] Essas estátuas, de origen micênica , serviram de modelo para os templos no Período Arcaico (700 – 500).
[6] A cidade de Cirene, Líbia, foi fundada em sua homenagem. Era comum a colônia ou nova cidade ser dedicada a um deus.
[7] Empúries em catalão, significa comércio ou entreposto comercial. Foi o primeiro local de cunhagens de moedas na Catalunha, durante o século V a.C., dracmas de Ampúrias, tendo no reverso monetário um pégasus, símbolo da cidade.
[8] Apesar de catalão, Dalí não é muito referenciado na Catalunha Espanhola por causa de suas ligações com Franquismo.