As idéias nacionalistas começaram a ganhar maior força, repercussão e mais adeptos no Brasil somente durante as primeiras décadas do século XX. Eram professores, militares, jornalistas e escritores os primeiros elementos que se mobilizarem sobre estas questões. Os movimentos nacionalistas que surgiram comungavam das mesmas preocupações: a urgência em resgatar os “valores morais da população”.
As novas demandas e atores sociais que surgem no país na década de 1920, como afirma NAGLE (2000), têm como objetivo central combater o analfabetismo, os vícios da elite política e diminuir a influência estrangeira, principalmente, no sul do país. A forma utilizada para realizar essa tarefa foi a criação de grupos nacionalistas.
Grupos como a Liga de Defesa Nacional e a Liga Nacionalista de São Paulo são exemplos de como as idéias nacionalistas penetraram na sociedade brasileira da época. As Ligas tinham como objetivos traçados em seus programas e manifestos: a defesa da língua nacional, inclusive promover seu ensino nas escolas estrangeiras; incentivar o estudo da História e da Geografia do Brasil nas escolas; difundir valores patrióticos e de civismo nas instituições escolares; e combater o analfabetismo.
A própria eclosão da chamada “Revolução de 1930”, pode ser caracterizada como a grande tentativa de ruptura e crítica ao modelo adotado a partir de 1889 e conseqüentemente de se lançarem as bases de um projeto que agregava algumas das propostas do movimento nacionalista. Esse acontecimento é conceituado como um processo que determinou o fim da hegemonia de uma parcela da burguesia cafeeira que dominou ao longo da Velha República o cenário político brasileiro, ou seja, a parcela paulista. Esse movimento teve como foco central, críticas ao processo eleitoral de 1930, somando-se à crise vivida pela economia mundial, principalmente, pelos efeitos dessa crise na economia do país baseada na exportação do seu produto de maior valor do mercado internacional: o café (FAUSTO; 1986).
Na análise de LAMOUNIER (1985), o modelo de Estado adotado no Brasil, após 1930, teve como matriz política a obra de uma série de intelectuais que elaboraram um conjunto de críticas ao papel desempenhado pelo Estado, durante a chamada Primeira República. Entre esses intelectuais, o autor cita: Alberto Torres, Oliveira Viana, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Plínio Salgado, entre outros. A questão que aproximava o discurso desse grupo residia no fato de todos se enquadrarem no que o autor denomina de pensamento autoritário. Esses autores teriam sua importância em conseqüência do papel que tiveram na construção de uma reflexão histórica-política sobre os motivos do fracasso da Primeira República. As conclusões dos estudos desse grupo apontavam para a necessidade do fortalecimento do poder público central.
No cenário internacional a Crise de 29 fez surgir um forte sentimento contrario às idéias e propostas Liberais. Em vários países, especialmente na Europa, surge a noção de que apenas regimes que privilegiassem um sistema baseado no fortalecimento e centralização do Estado e que fossem liderados por um líder carismático seriam a única alternativa para solucionar os problemas econômicos e barrar a ascensão da propaganda comunista. Países como Alemanha, Itália, Portugal e Espanha acabaram aderindo a essas propostas que ficaram conhecidas como Nazi-fascistas ou autoritárias. (CAPELATO, 2003).
É nesse ambiente que surge a Ação Integralista Brasileira (AIB) que, fundada em outubro de 1932, foi, dentre as organizações que defendiam valores nacionalistas segundo MAIO e CYTRYNOWICZ (2003), a que alcançou maior projeção e nível de organização. A AIB foi criada a partir da aglutinação dos seguintes pequenos grupos e partidos de extrema direita: Ação Social Brasileira, Partido Nacional Fascista, Legião Cearense do Trabalho, Partido Nacional Sindicalista, Legião 03 de Outubro e o grupo monarquista Ação Imperial Pátrio-novista.
No Brasil a AIB começou a expandir sua influência a partir das chamadas Bandeiras Integralistas, quando partiu em caravana para várias cidades e regiões do Brasil. Essas Bandeiras tinham o objetivo de divulgar as idéias do movimento e, ao mesmo tempo, fundar núcleos, como assinala CARONE (1976),
“...em agosto de 1933, Plínio Salgado, Gustavo Barroso e outros, embarcam para o Norte do país, tendo feito conferências em Campos, Vitória, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife, Paraíba, Fortaleza, São Luís, Belém e Manaus, sendo fundados núcleos em algumas cidades”. (CARONE, p. 207, 1976).
Entre os trabalhos que analisaram a trajetória dessa organização a interdisciplinaridade é a marca mais forte, as próprias áreas de formação dos pesquisadores variam entre a ciência política, a sociologia, a antropologia social e a história. Pode parecer estranho, tendo em vista a força e a importância da AIB na cena política do país, mais existem, aproximadamente, menos de duas dezenas de teses, dissertações e artigos que tratam de questões ligadas ao movimento integralista.
Essas obras em sua maioria, conforme já se assinalou, tentam analisar a matriz ideológica da organização e por isso têm como fontes principais a pesquisa bibliográfica das obras escritas pelos três principais líderes da AIB, Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso e também das revistas e jornais do movimento. Outros materiais históricos utilizadas são as fontes fotográficas e a análise dos documentos oficias da organização. Essa pequena produção pode ter uma série de explicações, entre elas a tendência de “abandono” das questões políticas, por parte da comunidade dos historiadores. Outra explicação poderia ser a de TRINDADE (1974).
“Dessa forma, pois, o integralismo – que acreditava responder às aspirações de um jovem país e aberto às influências – foi rejeitado pela história brasileira, como um pesadelo dos anos 30”. (TRINDADE, p. 289, 1974).
Os trabalhos de Hélgio Trindade, escritos na década de 1970, ainda são consideradas referências obrigatórias sobre o tema, pois, esse autor foi o primeiro a publicar pesquisas acadêmicas a respeito do integralismo. As obras de TRINDADE (1974; 1997), consideram que pelo seu conteúdo ideológico, organização hierárquica e rituais e tento em vista a conjuntura externa e interna das décadas de 1920 e 1930, da AIB pode ser tipificada como uma organização que sofreu forte influência dos modelos fascistas europeus.
A discussão sobre a existência de um discurso anti-semita entre os integralistas é o tema principal do trabalho de CHOR (1988). Para o autor entre os três principais lideres da AIB coube a Gustavo Barroso, nem sempre com o apoio oficial da organização, o papel de divulgador de obras e idéias de caráter anti-semitas no Brasil. Inclusive, seria atribuída a Gustavo Barroso a publicação em português do panfleto Protocolos dos Sábios de Sião, obra que apontaria a existência de uma conspiração mundial judaica.
A visão negativa em relação aos judeus, sobretudo, críticas a sua intensa participação no mercado financeiro internacional é o que impulsionou os discursos e textos de Gustavo Barroso. Ainda segundo CHOR (1988), de maneira pública a AIB nunca assumiu uma postura anti-semita, inclusive, Plínio Salgado chegou a desautorizar, pelos jornais integralistas, as opiniões de Gustavo Barroso sobre o tema.
O trabalho de CAVALARI (1999), tem como objetivo central analisar o que a própria autora chama de palavra impressa do movimento. Sua pesquisa privilegiou os documentos encontrados no arquivo pessoal de Plínio Salgado, que contém livros, correspondências, jornais, revistas da AIB e também se concentrou em interpretar as paradas, ritos, manifestações, atos e todo o conjunto de gestos criados pelos integralistas. Assim, aponta como característica marcante nos integralistas a forma como se apresentavam em público: sempre vestidos de camisas verdes com gravatas pretas, daí o motivo de serem chamados de camisas-verdes. Tinham como símbolo o sigma, que na matemática é utilizado para realizar o cálculo integral, numa alusão à necessidade de integrar todos os brasileiros. A palavra de origem tupi-guarani, Anauê era usada como sua forma de saudação.
Qualquer semelhança entre essas demonstrações públicas da AIB com os desfiles e celebrações Nazistas e Fascistas não seria mera coincidência. Esse conjunto de práticas de apresentação seria na verdade, para CAVALARI (1999), o mais importante sinal de proximidade entre o movimento integralista e dos regimes fascistas da Europa. A pesquisa tem como um outro ponto de grande relevância a analise das políticas sociais praticadas pelos integralistas. Uma outra atividade executada com pioneirismo pelo movimento foi uma política de assistencialismo, principalmente, as populações das regiões interioranas, como a abertura de escolas de alfabetização e as caravanas de assistência médica. A autora conclui afirmando que a AIB foi o primeiro partido de massa do Brasil.
Um outro destacado estudo que pretende interpretar o conteúdo ideológico do integralismo é o trabalho de ARAÚJO (1988). Este autor faz um profundo mergulho na produção literária de Plínio Salgado, incluindo o período anterior à fundação da AIB, quando Salgado participou dos movimentos literários modernistas da década de 1920. Para ARAÚJO (1988), a obra pliniana representaria a mais bem acabada e elaborada fundamentação teórica do integralismo. Sendo assim, o autor afirma ainda que, se implementadas, as propostas de Salgado colocariam o Brasil no mesmo grupo dos países que adotaram regimes totalitários.
O livro de ARAÚJO (1988), deixa nítido que para Plínio Salgado o integralismo era uma verdadeira concepção de vida, que demandaria a transformação completa da mentalidade da população brasileira. As formas alternativas de organização social do país como o “jeitinho” ou a histórica apatia e desinteresse pelas questões coletivas teriam que ser substituídas por um sistema de mobilização e participação ativa de todos os cidadãos, ou seja, esta seria a única e verdadeira revolução, a revolução espiritual que permitiria a criação do Estado Integral e, logo em seguida ocorreria a maior de todas as transformações que abriria caminho para fundação da Quarta Humanidade.
Outro autor que realizou pesquisas sobre os integralistas foi BERTONHA (2001; 2002). Suas pesquisas têm como fontes principais documentos oficiais e correspondências trocadas entre membros da AIB e do governo italiano, que apontam a existência de um intercambio teórico e, principalmente, de ajuda financeira dos fascistas italianos ao movimento brasileiro. As propostas da organização conseguiram garimpar um apoio considerável entre os descendentes de italianos, sobretudo, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. O autor afirma que a idéia de criar a AIB teria ocorrido após uma viagem, de Plínio salgado à Itália, onde manteve contatos com o regime Fascista Italiano, inclusive sendo recebido pessoalmente por Mussolini.
De todos os trabalhos que foi possível ter acesso para a elaboração desse projeto de pesquisa, o único que apresenta uma maior abordagem das práticas cotidianas da AIB foi o de CALDEIRA (1999). Em sua pesquisa o autor pretendeu investigar a implantação, atuação e desenvolvimento dos integralistas no estado do Maranhão, buscando pesquisar como foi a receptividade às idéias e propostas dos camisas-verdes em um estado pobre e de características agrárias.
Outro trabalho que tem como foco central a análise das atividades dos integralistas é o de CHAVES (1999), que pesquisou os caminhos percorridos pela AIB no Paraná, região onde a organização chegou a jogar um importante papel na cena política, principalmente na cidade de Ponto Grossa, onde nas eleições municipais de 1935 os integralistas elegeram quatro das oito cadeiras da Câmara Municipal. Esses dois últimos trabalhos possibilitaram compreender qual a real dimensão da força e da capacidade de organização do movimento integralista no país. A leitura dessas obras também nos permitiu verificar que AIB se estruturou em todas as regiões do Brasil, se caracterizando, de fato, como o primeiro partido de massa brasileiro.
Bibliografia
ARAÚJO, Ricardo Benzaquem de. Totalitarismo e Revolução – o integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1988.
BERTONHA, João Fabio. Fascismo, Nazismo, Integralismo. 1ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2002.
BERTONHA, João Fábio. Entre Mussolini e Plínio Salgado: o Fascismo italiano, o integralismo e o problema dos descendentes de italianos no Brasil. IN: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, nº 40, p. 85-105, 2001.
CALDEIRA, João Ricardo. Integralismo e Política Regional: a Ação Integralista no Maranhão (1933-1937). São Paulo: Annablume, 1999;
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? IN: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (ORG). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (Coleção- O Brasil Republicano; v.2)
CARONE, Edgard. A República Nova (1930-1937). 2ª edição. São Paulo: Difel, 1976.
CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: Ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: EDUSC, 1999.
CHAVES, Niltonci Batista. “A saia verde está na ponta da escada”. As representações discursivas do Diário de Campos a respeito do integralismo em Ponta Grossa”. IN:Revista de História Regional, vol. 4 (1): 57-80, Ponta Grossa-PR, 1999.
CHOR, Marcos. O Anti-semitismo na Era Vargas. O anti-semitismo na era Vargas: fantasmas de uma geração (1930-1945), de Maria Luiza Tucci Carneiro. IN: Revista de Estudos Históricos. Vol. 1, nº 2, p. 304-310. Rio de Janeiro, 1988.
D’ARAUJO, Maria Celina. “Estado, classe trabalhadora e políticas sociais” IN: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (ORG). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (Coleção- O Brasil Republicano; v.2)
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. Historiografia e História. 10ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
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TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro da década de 1930. São Paulo: co-edições: UFRGS e Difel, 1974.
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