1 COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE PÓS-MODERNA
A comunicação permeia toda a vida de um indivíduo. Independente do momento ou do local onde esteja, as pessoas sempre estarão imersas em um processo de comunicação. Etimologicamente, o termo vem do latim e significa[3] communicare: tornar comum, partilhar, trocar opiniões. Trata-se de uma construção de sentido e de coerência que somente os homens podem estabelecer, segundo as idéias de Diaz Bordenave (2002). Esse processo existe desde os primitivos agrupamentos humanos, que só se constituíram sobre a base das trocas simbólicas, da expressividade dos homens.
Trata-se se de um objeto que está à nossa frente, disponível aos nossos sentidos, materializado em objetos e práticas que podemos ver, ouvir e tocar. A comunicação tem uma existência sensível; é do domínio do real, trata-se de um fato concreto de nosso cotidiano, dotado de uma presença quase exaustiva na sociedade contemporânea. (FRANÇA, 2001, p. 39)
O homem se comunica pela emissão de sons articulados, a que são atribuídos certos significados conhecidos como linguagem verbal. Mas a comunicação existe também por uma infinidade de outros sinais ou códigos: o movimento dos olhos, os gestos das mãos, as inflexões da voz e também pela indumentária. Tudo tem algum significado, tudo comunica algo a alguém.
Quando um homem e uma mulher se casam, colocam anéis, se possível de ouro, em certos dedos das mãos. O nome dos anéis é “aliança”, pois eles comunicam aos demais que estas pessoas já não estão mais livres e sem compromisso. Na mesa onde a família faz suas refeições, o pai sempre ocupa a cabeceira. Seu lugar na mesa comunica sua posição de autoridade. (DIAZ BORDENAVE, 2002, p. 54)
Isso mostra que, além da difusão verbal de uma mensagem, a comunicação inclui também os processos por meio das quais as pessoas transmitem informações, idéias e emoções a outras, independente da forma. Ao se analisar as roupas de um indivíduo, por exemplo, possivelmente pode-se obter informações sobre sua profissão, religião ou a que grupo ou categoria social ele pertence. Isso é claramente visível na vestimenta branca de um médico ou nos trajes alaranjados de um monge budista. Pelas roupas, pode-se saber a personalidade, o estilo de vida e até mesmo o humor de uma pessoa.
Essa troca de informação que permite aos seres humanos se comunicarem pela indumentária ocorre há milhares de anos. É uma linguagem antiga e universal que, desde os primórdios, é usada como caracterizadora de status e de posição social, apoiando-se na idéia de que a interação com o mundo é possibilitada por símbolos culturais criados e legitimados por gerações sucessivas, como a linguagem verbal, gestual, o vestuário e a arte.
É um processo que ocorre entre as pessoas dotadas de liberdade e razão, e pertencentes a um mesmo espaço cultural que, para o autor Adriano Rodrigues (1999), é guiado por princípios de natureza simbólica. São “valores que põem em jogo as preferências, as opções, os desejos, os amores e os ódios” (id., 1999, p.22), o que se pode designar como um processo de “troca simbólica generalizada”. Estes símbolos culturais podem ser entendidos como “um signo[4] que representa uma lei, uma regularidade, um hábito, uma convenção, uma previsão”, de acordo com as teorias de Pinto (1995, p.54). Ele entende a cultura simbólica como “responsável por certos padrões comportamentais, sociais, intelectuais e ideológicos de uma determinada comunidade” (PINTO, 1995, p.55).
Já que não existe uma sociedade, por mais arcaica que seja, sem um sistema de circulação de informação baseado em um código comum, toda cultura é uma estrutura de comunicação. A partir desse fundamento, pode-se compreender o vestuário como uma ferramenta que diz ou fala tanto ou mais que outros ‘sistemas de sinais’ (DORFLES, 1979).
Quando se cumprimenta alguém e se diz “hoje está um lindo dia”, a vontade de comunicar algo sobre a situação meteorológica é mínima; o que se quer é estabelecer um contato; é o caso também daquele tipo especial de chapéu masculino denominado mitra, que não serve para proteger da chuva ou do sol, mas sim para dizer, categoricamente, ‘sou um bispo’; portanto, não causa admiração a afirmação que o vestuário é comunicação. (GOULARTI FILHO, 1997, p.183)
E, como qualquer língua escrita e falada, o idioma das roupas está sempre mudando. Se a moda é uma linguagem, Lurie (1997, p.19) afirma que ela deve ter um vocabulário e uma gramática, como qualquer outro idioma”. O vocabulário da moda, ao qual o autor faz referência, amplia-se das roupas para o cabelo, acessórios, jóias, maquiagem. De forma geral, a decoração do corpo. Dessa maneira, ao considerar a moda como uma linguagem, atribui-se a ela, como em qualquer discurso, palavras modernas e antigas, nativas e estrangeiras, coloquialismos, gírias e vulgaridades.
Exatamente como num discurso letrado, tais “palavras” são geralmente empregadas parcamente, na maioria das vezes uma de cada vez. (...) Um traje completo composto de itens arcaicos, de um único período, ao invés de projetar elegância e sofisticação, sugerirá que aquela pessoa está a caminho de um baile de máscaras, representado uma peça ou filme, ou se exibindo para propósitos publicitários. (LURIE, 1997, p.22)
A moda tem uma sustentabilidade fundamentalmente cultural. A sociedade tem sua existência condicionada à comunicação e vice-versa. Assim, torna-se necessário compreender como a sociedade contemporânea tem lidado com uma nova dimensão espacial e temporal, que tem afetado as relações sociais e transformado às concepções de vida. Vive-se a era pós-moderna, ou uma nova fase da modernidade.
A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, "tudo o que é sólido se desmancha no ar”. (BERMAN, 1986, p.13)
A sociedade moderna dinâmica deposita sua esperança no futuro, na ciência e na técnica. Segundo Lipovetsky (1983, p. XIX) “institui-se uma ruptura com (...) as tradições e os particularismos em nome do universo, da razão, da revolução”. Pósmodernidade remete ao interesse de “viver já, aqui e agora, ser-se jovem em vez de forjar o homem novo”. A cultura pós-moderna é identificável por diversas características: busca pela qualidade de vida, paixão, personalidade, sensibilidade extrema, desafeição pelos grandes sistemas, culto da participação e da expressão, moda retrô, valorização do que é regional, de certas crenças e práticas tradicionais (LIPOVETSKY, 1983).
A globalização, a mundialização da cultura, as novas formas de conexão e reconexão entre as ações individuais e de grupo, a separação do tempo e do espaço e o crescente papel dos meios de comunicação marcam o apetite pelo novo. A frivolidade e superficialidade fazem o cotidiano do ser humano ser alterado de uma forma muito mais acelerada, caracterizando os pensamentos da sociedade atual.
Os indivíduos da pós-modernidade são indissociáveis da necessidade de representação social. À medida que se expande, o público moderno se multiplica em fragmentos que falam línguas particulares. Daí, surgem os grandes dilemas da modernidade: as imensas possibilidades, as ameaças, o progresso, os avanços e riscos da tecnologia. Com isso, aparece também a presença do estranho, das multidões desconhecidas e do isolamento social. A partir daí, instaura-se os novos estilos de vida, as novas relações sociais e as mudanças constantes de valores (BERMAN, 1986).
Lipovetsky (2004) formulou uma hipótese sobre o avanço do hiperindividualismo, característico das sociedades liberais. Para o autor, sob muitos aspectos, quando se fala de tribos, clãs, novas comunidades, não há, de forma alguma, esgotamento do individualismo, mas disseminação em espiral da sua dinâmica. O individuo pós-moderno é excessivamente fechado sobre si. Mas, de fato, para o autor, “a necessidade de amor permanece a mesma, microgrupos reconstituem-se”. E o tribalismo está, cada vez mais, impregnado nos modos de vida, já que assistimos ao desenvolvimento de aldeias nas cidades através dos bandos, clãs e gangues que reafirmam a importância do afeto na vida social.
Em O tempo das tribos, Maffesoli (1996) faz uma análise da mudança de enfoque da sociedade pós-moderna, onde o individualismo é substituído pela necessidade de identificação com um grupo. Para o autor, a modernidade, ao mesmo tempo em que multiplicou a possibilidade das relações sociais, esvaziou-as de grande parte de seu conteúdo. “A pós-modernidade tende a favorecer, ao mesmo tempo, o recolhimento no próprio grupo e um aprofundamento das relações no interior desses grupos” (MAFFESOLI, 1996, p.180).
2 MODA: UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
O vestuário, na pós-modernidade, pode ser entendido como um sistema de regulação e representação social. A moda, em uma era acionada pela informação e pela sedução do novo, invadiu todas as esferas e envolve todas as camadas sociais. Lipovetsky (2001) afirma que a moda chegou ao topo de seu poder e conseguiu remodelar a sociedade inteira à sua imagem, tornou-se hegemônica: “a sedução e o efêmero tornaram-se organizadores da vida coletiva moderna” (id., 2001, p.12). A sociedade, e sua valorização da estética, transforma a roupa em uma linguagem que traduz idéias e sentimentos. A moda impregna-se de uma sustentação cultural e torna-se uma forma de representação.
E esse fenômeno comunicacional estabelece a identidade social do indivíduo, atuando como uma forma de expressão que o identifica como integrante de uma determinada época, de certo grupo social ou de uma determinada categoria profissional. Essas características acentuam-se em função do papel legitimador dos discursos da mídia, que representa e valida os estilos de vida, fazendo com que a construção da identidade seja tanto simbólica quanto social.
Trata-se de um aparelho gerador de juízo estético e social, segundo as idéias de Lipovetsky (2001), em que uma das origens da função social exercida pela moda está relacionada à distinção e a existência das rivalidades de classes e das diferentes camadas sociais. Através do vestuário, o indivíduo pode ser “classificado” como pertencente a uma determinada categoria, através da associação entre sua identidade e as coisas que ela usa. Pela moda, acentua-se a divisão em classes e reconcilia-se o “conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós (necessidade de afirmação como pessoa) e o socializador (necessidade de afirmação como membro do grupo)” (MELLO E SOUZA, 1987, p.29).
A vestimenta está apoiada em três pilares: o pudor, ligado à religiosidade; a proteção de agressões externas; e a diferenciação social. “A moda é um paradoxo: todo mundo se veste igual na tentativa de se destacar dos ‘outros’ e ser igual aos ‘seus’” (ANDRADE, 2004, p.9). A moda é essencialmente uma formação de relação entre os seres humanos, um laço social caracterizado pelo desejo dos indivíduos de assemelhar-se àqueles que são considerados superiores. É o que Lipovetsky (2001), chama de “imitatividade”, que permitem a assimilação social das pessoas, de forma que, quando a influência dos ancestrais cede o passo para a submissão às sugestões dos inovadores, as eras de costume dão lugar às eras de moda.
Como está estritamente relacionada ao comportamento dos indivíduos, a moda varia em função das categorias profissionais e sociais à qual a pessoa tem de se adaptar, fazendo com que o modo de vestir adotado pelas pessoas as faça entra em uma determinada categoria comportamental. É o que Gillo Dorfles (1979) apresenta como “modas comportamentais”, referindo-se ao “conjunto de comportamentos, de hábitos mentais, de usos generalizados, que caracteriza cada uma das numerosas categorias sociais de que hoje se compõe a nossa sociedade” (GILLO DORFLES, 1979, p.93).
Como os indivíduos estão imersos em um grande número de diferentes instituições ou “campos sociais”, como família, grupos de colegas, as instituições educacionais, grupos de trabalho ou partidos políticos, os integrantes vivem simultânea ou alternadamente muitas realidades e papéis, assumindo sua tribo apenas em determinados períodos ou lugares. É o caso, por exemplo, “do rapper que, oito horas por dia, é office-boy; (...) do universitário que, à noite, é gótico; do secundarista que, nas madrugadas, é pichador”, segundo Magnani (1992, p.51). Daí, a importância da aparência como vetor de agregação. A estética é um meio de experimentar, de sentir em comum e, também, um meio de reconhecer-se, pelas idéias de Maffesoli (1996). Isso permite compreender a forma específica assumida pela socialidade em nossos dias, um constante movimento de vaivém entre as tribos: “o vaivém massas-tribos”.
Diante da impessoalidade e anonimato das sociedades contemporâneas, as tribos permitiram agrupar os iguais, possibilitando intensas vivências comuns, o estabelecimento de laços pessoais e lealdades, a criação de códigos de comunicação e comportamento particulares.
Dessa maneira, manifesta-se pela escolha das roupas a tendência para pertencer, ou querer ser considerado como pertencente, a uma determinada categoria ou tipologia. É o que acontece quando um grafismo corporal de um índio, a toga de um advogado ou uma batina de um religioso tornam-se suficientes para declarar o pertencimento do indivíduo a uma categoria social ou profissional. E quanto mais significativo for para o indivíduo o seu papel social, mais ele se vestirá de maneira a cumpri-lo. É o que Lurie (1997) acredita ao descrever que a roupa é equivalente a um clichê, algo tão padronizado que passa a ser chamada de “uniforme”, obedecendo a um certo estilo estabelecido e marcando instantaneamente aquele que usa.
O uniforme é uma espécie de roupa convencional que funciona como um sinal de identificação de que o indivíduo que o veste é membro de algum grupo e, algumas vezes, o situa em uma hierarquia. Mas Lurie (1997) coloca em discussão a idéia de que o uniforme anula o direito do discurso livre, tornando o indivíduo um repetidor do diálogo criado por outra pessoa. Vestir uma farda, seja ela militar, civil ou religiosa, de um carteiro, uma freira, um mordomo, jogador de futebol ou de uma garçonete, é abdicar o direito de agir individualmente.
Quanto a essa padronização de massa das aparências, Lipovetsky (2001) usa o jeans como exemplo da negação do individualismo no vestuário, mas ressalta que, de certa forma, ele não deixou de ser “escolhido”, não foi imposto por tradição. O autor (p. 148) destaca que o jeans foi a “manifestação de uma cultura hiperidividualista fundamentada no culto ao corpo, (...) já que está longe de ser uniformizante, pois sublinha de perto a forma do corpo” mostrando o que é singular na individualidade física.
3 MARKETING: A SOBREVIVÊNCIA DO CULTO SOCIAL
A cultura pós-moderna e “pós-moralista”, com sua valorização do dinheiro e da liberdade individual, estimula o movimento na direção do “primeiro eu”, como apresenta Lipovetsky (2004). A partir daí, podemos designar os indivíduos como seres narcisistas, intimamente ligados à máquina de consumo da mídia, visto que é na comunicação que os discursos ganham visibilidade. É a necessidade de se embelezar para o outro. Com isso, o desejo irresistível de consumir e manter-se pertencente a um ou mais campos sociais garante as associações de produtos e marcas aos atributos sociais desejados.
"A história do vestir espelha a narrativa do homem e suas necessidades, mas, acima de tudo, seus desejos de distinção, proeminência e admiração pública", afirma Marcella Virzi em seu texto publicado na seção "Colunista Convidado", da revista O Globo, de 03 de maio de 2009. É o pavor da invisibilidade social. O fenômeno da moda na sociedade contemporânea está estritamente ligado ao marketing, que fomenta as decisões de compra do consumidor, frequentemente motivado pelo desejo de seguir determinado modismo. Segundo Kotler e Armstrong (1999), o sistema de marketing procura gerar interesse por posses materiais, o que leva as pessoas a serem julgadas pelo que possuem, e não pelo que são. As posses representam sucesso pessoal e profissional.
O marketing torna-se responsável por essa sustentação, permitindo e criando espaços para novas ideologias. São os desejos incessantes dos indivíduos, em meio aos devaneios fashion de uma sociedade moderna.
3.1 Moda e Consumo
A aceleração ocorrida no tempo de giro na produção de bens envolve acelerações paralelas na troca e no consumo dos produtos. Goularti Filho (1997) afirma que a circulação de bens e serviços no mercado se dá em uma velocidade cada vez maior, graças aos sistemas aperfeiçoados de comunicação e de fluxo/transmissão de informação. Isso acentua a volatilidade e a efemeridade das modas.
Quanto a essa febre do consumo, Lipovetsky (2001) ressalta os trabalhos teóricos sobre a extensão do alcance da moda nas sociedades contemporâneas, realizados por J. Baudrillard. A essência do pensamento deste autor é conceituar a moda e o processo de consumo como lógica social e não como manipulação das consciências. Nas idéias do teórico, o consumo repousa sobre uma lógica do tributo e da distinção social, longe de remeter a uma lógica individual do desejo. Assim, a sociedade de consumo se resume a um imenso processo de produção de “valores signos”, cuja função é conotar posições e reinscrever diferenças sociais em uma era igualitária. “A corrida para o consumo e a febre das novidades não encontram sua fonte na motivação do prazer, mas operam-se sob o ímpeto da competição estatuária”, segundo Lipovetsky (2001, p.171). Desta forma, o caráter transitório da moda encontra seu princípio na concorrência simbólica das classes.
Assim, jamais se consome um objeto por ele mesmo ou por seu valor de uso, mas em razão de seu “valor de troca signo”, isto é, em razão de prestigio, do status, da posição social que confere. Para além da satisfação espontânea das necessidades, é preciso reconhecer no consumo um instrumento da hierarquia social e nos objetos um lugar de produção social das diferenças e dos valores estatuários. (LIPOVETSKY, 2001, p.171)
Apesar de citar Baudrillard, Lipovetsky (2001) contesta a idéia de que o consumo da sociedade de massa seja comandado pelo processo de distinção e busca de status. Ele defende que “é cada vez menos verdadeiro que adquirimos objetos para obter prestígio social, para nos isolar dos grupos de estatuto inferior e filiar-nos aos grupos superiores” (id., 2001, p.172). O que se busca através dos objetos é menos uma legitimidade e uma diferença social do que uma satisfação particular cada vez mais indiferente aos julgamentos dos outros.
O consumo, no essencial, não é mais uma atividade regrada pela busca do reconhecimento social; manifesta-se, isso sim, em vista do bem-estar, da funcionalidade, do prazer para si mesmo. O consumo maciçamente deixou de ser uma lógica do tributo estatuário, passando para ordem do utilitarismo e do privatismo individualista. (LIPOVETSKY, 2001, p.173)
No impulso do consumo de massa, determinados objetos podem ser identificados como elementos de prestígio e caracterizadores de uma certa posição social. Mas, para Lipovetsky, o valor social distintivo tornou-se menor que o valor de uso. O que acontece nos dias atuais é a “sede de imagens e de espetáculos, o gosto pela autonomia, o culto ao corpo, a embriaguez das sensações do novo” (id., 2001, p.173). Desta maneira, consome-se cada vez menos para ofuscar ou deslumbrar o outro e ganhar assim consideração social, e cada vez mais, para si mesmo, para uma satisfação pessoal.
Vale ressaltar que isso não significa que os objetos já não tenham valor simbólico e que o consumo esteja livre de toda competição por status. Em inúmeros casos, a compra de artigos de grife remete a uma vontade explícita de demarcar-se socialmente e de exibir uma posição. Consome-se elegância, sedução, poder, refinamento.
Com isso, a moda centraliza-se na procura e na lógica do mercado, permitindo que os conceitos e teorias de marketing se apliquem perfeitamente a ela.
Afinal, esta “ciência” sempre foi vista como “uma atividade humana dirigida para a satisfação das necessidades e desejos através do processo de trocas” (KOTLER, 1988, p.31).
3.2 Os ‘Ps' como facilitadores no mundo da moda
Jerome MCCarthy (apud SOARES, 2009) popularizou o chamado composto, ou mix, de marketing, tornando-o abrangente quando o classifica em 4 seções, frequentemente chamadas por "4Ps": Produto, Preço, Praça e Promoção. Tudo isso, centrado nos conceitos principais do pensamento do marketing, tais como necessidades, desejos, demandas, valores e satisfação.
Um produto é qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado para satisfazer uma necessidade ou um desejo. O conceito de produto não se limita a objetos físicos. Na verdade, qualquer coisa capaz de satisfazer uma necessidade pode ser chamada de produto. Além dos bens tangíveis, podemos considerar como produtos os serviços – atividades ou benefícios oferecidos para a venda, os quais são essencialmente intangíveis e não resultam na posse de nada. (KOTLER, 2003, p. 4 e 5)
Estes elementos, criados e pautados pela satisfação do consumidor, são os responsáveis por tornar as estratégias de marketing bem sucedidas. E como não poderia deixar de ser, se associam à moda de maneira efetiva.
· Produtos: são criados e aperfeiçoados objetivando atingir as necessidades e os desejos de quem os consome. Entre os atributos necessários, estão qualidade, embalagem, garantias etc. Podem ser classificados em 4 níveis, de acordo com sua evolução (ou especialização):
1. Genérico - onde o nível mais fundamental é o benefício central, funções básicas;
2. Esperado - considerando uma série de atributos que os compradores normalmente esperam ao adquiri-lo;
3. Ampliado - que excede as expectativas do cliente por ter atributos diferenciados;
4. Potencializado - que extrapola em termos de diferenciais e satisfação.
· Praça: refere-se à disponibilidade do produto, os locais onde o público-alvo o encontrará. Também aos canais e cobertura de distribuição, pontos de venda, estoque, transporte.
· Preço: para sua formação, leva-se em conta o poder de compra do públicoalvo e quanto estariam dispostos a pagar por este produto (relevância). Relaciona-se também à política da empresa, descontos e formas de pagamento.
· Promoção: compreende a publicidade e propaganda, a promoção de vendas e merchandising.
Compreendendo o marketing como tudo aquilo que leva um produto ou serviço ao consumidor, na hora certa, no tempo certo e com um preço justo, podemos identificar o ‘P’ de Produto na moda como o identificador das validações de discursos sociais. Cada criador/estilista tem necessidade de afirmar sua personalidade naquilo que produz, sempre em busca de originalidade de estilos e afirmação de personalidade, da expressão da identidade. Isso significa a busca constante pelo novo, o que eleva o poder da inovação.
A lei é inexorável: uma firma que não cria regularmente novos modelos perde em força de penetração no mercado e enfraquece sua marca de qualidade numa sociedade em que a opinião espontânea dos consumidores é a de que, por natureza, o novo é superior ao antigo. (LIPOVETSKY, 2001, p.160)
Dessa forma, o design torna-se um fator competitivo. Transforma-se em parte integrante da concepção dos produtos e da grande indústria, que adotou a perspectiva da elegância e da sedução, partindo do pressuposto de que “a feiúra vende mal”. Essas idéias apresentadas por Lipovetsky (2001) atribuem o sucesso de um produto como dependente, em grande parte, de seu design, de sua apresentação, da embalagem e acondicionamento. E sabendo que a embalagem pode desempenhar um papel da maior importância na decisão de compra de um consumidor, alguns autores de marketing inovam e colocam a embalagem como o quinto “P” no mix de marketing: o Packing.
A moda, inserida no contexto de cultura de massa, tem como alvo o consumidor. Para atingi-lo, depende do design para sua confecção, comercialização e divulgação. A cada ano, novos lançamentos de coleções, tendências, cores, comportamentos e atitudes serão absorvidos pelos consumidores. “A marca aparece nesse contexto, como mantenedora dos conceitos e estilos para garantir vendas em futuras coleções e exportações, pois o negócio das grandes confecções é cuidar da marca e do design” (TANAKA, 2004, p.3).
Quanto ao ‘P’ de Promoção, pelas concepções de Lipovetsky (2001), a idéiamais comum é de que a publicidade uniformiza os desejos e os gostos relacionados à moda, nivelando as personalidades individuais; ele usa o exemplo da propaganda totalitária como lavagem cerebral, violação das massas, atrofiando a faculdade de julgar e de decidir pessoalmente. Na realidade, o autor defende que é difícil constatar que a publicidade consiga aumentar o volume das compras e orientar maciçamente os gostos para os mesmos produtos. “A publicidade contribuiu para desqualificar a ética da poupança em favor da do dispêndio e do gozo imediato”, afirma (LIPOVETSKY, 2001, p.197).
Desta maneira, pode-se compreender a publicidade como uma causa do desejo pela moda, e ela incentiva lançamentos constantes. Em paralelo, a mídia e a informação tornaram-se inseparáveis da lógica da renovação constante e da sedução. A publicidade defende os próprios princípios da moda: a originalidade a qualquer preço, a mudança permanente, o efêmero. São novos anúncios, novos visuais, novas tecnologias, novos veículos, novas interações. É preciso inovar dia-adia para se conquistar a mente do consumidor. É a corrida interminável para o inédito, pelo que é diferente, capaz de captar e persuadir os indivíduos, mantendo o espetáculo das aparências, garantindo o sucesso na abordagem de clientes.
Quanto ao ‘P’ de Praça/Ponto de venda, é necessário ao profissional de marketing saber que os canais e lógicas de distribuição têm relação direta com o custo do produto e proximidade com o segmento escolhido. Essa seleção de mercado pode ser caracterizada de maneira geográfica, pela localização física do target, o que é muito comum na moda. A escolha por determinada praça pode caracterizar o valor agregado de uma marca.
São criados verdadeiros redutos para os mais diversos estilos. São grandes boutiques que optam pelos bairros nobres das cidades, ou a escolha pela diversidade de classes sociais em galerias que se tornam um aglomerado de lojas especializadas e, até mesmo, um ponto de encontro para indivíduos pertencentes a um mesmo estilo.
A segmentação também pode ser demográfica, quando divide o mercado com base em características da população, como idade, sexo, religião; psicográfica, quando diz respeito ao comportamento, estilo de vida e personalidade; ou comportamental, que classifica os indivíduos de acordo com sua disposição para comprar, motivação e atitude.
O item Preço pode ser alto se aliado a outras recompensas, quando elas vão ao encontro dos desejos e às demandas de um consumidor. O valor pode ser elevado desde que, além das funções básicas, o produto satisfaça necessidades percebidas socialmente. O consumidor deve se sentir atraído pelo intangível.
Se o indivíduo alimentado se sente querido agora desejará ser o mais querido. Aparecem aqui os desejos de prestígio, de status, de reputação, de estima dos outros e de auto-estima. O indivíduo sentirá a necessidade de mostrar e obter a comprovação de sua força, inteligência, adequação, independência, liderança, enfim, das qualidades que lhe darão estima aos olhos dos outros e lhe darão auto-confiança. (GADE, 1998, p.90)
Pela teoria de motivação de Maslow, que considera as necessidades triviais do ser humano para sobrevivência, mesmo que os consumidores tenham suprido os primeiros níveis da pirâmide, relacionados a fisiologia, segurança e afeto, necessitam sentirem-se estimados. Nessas situações, o peso de uma marca transcende valores e o produto agrega-se a fatores como elegância, versatilidade, riqueza, independência e luxo. Isso faz com que as empresas de moda queiram, cada vez mais, definir a sua marca. Uma somatória de nome e reputação, de participação no mercado e identidade visual leva as empresas ao tão almejado posicionamento na mente do consumidor. O diferencial capta a atenção e fica na memória. E essa competição entre as marcas e empresas impulsiona cada vez mais a corrida pelo inédito, para o efêmero, para o diferente.
A marca exerce um poder de reintegração de pessoas. É um dos sinais mais evidentes da nova era da tribalização que, para Jaime Troiano[5], palestrante em um ciclo de palestras realizados em Belo Horizonte, mantém os laços de proximidade, ainda que intangíveis, com milhares de pessoas que consomem e partilham valores comuns.
Jaime, diretor da Troiano Consultoria de Marca, afirmou que, para gerir e gerenciar marcas, deve-se identificar os consumidores em quatro perfis:
· Estéticos – onde a principal motivação é a sedução;
· Sistemáticos – onde a principal motivação é a adequação;
· Práticos – onde a principal motivação é a conveniência;
· Novidadeiros – onde a principal motivação é a novidade.
A partir dessa identificação, torna-se possível observar os desejos e necessidades distintas dos clientes, surgindo o share of customer. Isso faz aumentar a gama de produtos ou serviços para atender a todas as demandas dos clientes potenciais, não deixando o concorrente fazê-lo primeiro.
Assim, a busca pela indumentária que representa o indivíduo socialmente alimenta a efemeridade da sociedade pós-moderna. E, ao mesmo tempo, o consumo cada vez mais perecível e copiado da época atual faz a moda reciclar-se e renovar-se, instigando ainda mais a necessidade de pertencimento social. São as novas formas de vestir, a criação de novas necessidades, as percepções de desejo, tudo isso para atender melhor as necessidades de quem consome.
Passamos a ser como parecemos ser. "Somos homens e mulheres expondo em nossos corpos imagens de sucesso. Imagens, apenas, pois, despidos dessa representação, somos como que despidos desse sucesso” (VIRZI, 2009). Uma pessoa desnuda, sem adereços que a associem a uma representação social, não é, aparentemente, em nada diferente de qualquer outra.
4 CONCLUSÃO
A moda não se caracteriza por ser, somente, um dos fenômenos mais importantes da sociedade. Ela é, também, uma das formas mais seguras de captar as motivações socioeconômicas e culturais das pessoas.
O fenômeno não se refere apenas a um efeito estético ou a um acessório decorativo da vida coletiva. A moda reestruturou a sociedade, agora modelada a partir das novidades, da sedução e do frívolo.
A escolha de determinada roupa é um ato complexo, repleto de significações e cargas ideológicas, como uma espécie de código. O ditado popular "Diga-me com quem andas, que eu saberei quem és" pode ser alterado para “Diga-me o que vestes e eu te direi como estás, quanto tens, a que grupo pertences”. Essa frase ilustra a carga de informação existente nas roupas. A partir dessas percepções, a moda pode ser relacionada ao prazer de ver, mas também com o prazer de ser visto, de exibir-se ao olhar do outro.
As decisões, aparentemente individuais, da escolha de um traje, também se relacionam à necessidade de identificação a um ou mais grupos aos quais o indivíduo pertence. A moda é um elemento de ligação que permite a criação de sociabilidade e definição de grupos, fazendo com que todos os membros se sintam parte de uma mesma entidade. Assim, a escolha do vestuário expressa as convicções e estilos de vida comuns.
Dos símbolos e expressões existentes na comunicação, a roupa se caracteriza como uma importante forma de linguagem não verbalizada. A constante busca do indivíduo por “estar na moda” diz respeito, principalmente, à sua necessidade de comunicar ao outros a forma como ele se percebe, buscando diferenciar-se, possuir características que o tornem único. Mas, ao mesmo tempo, que o mantenha semelhante aos pares, sejam eles skatistas, médicos ou patricinhas. Pode-se afirmar que a proposta da escolha de uma determinada roupa é, sem dúvida, a adoção de símbolos que refletem a mensagem sobre a forma como o indivíduo pensa ou como quer ser percebido.
Uma das origens da função social exercida pela moda está relacionada à existência de classes e camadas sociais. É como se, pelas roupas, o sujeito dissesse: “faço parte dessa classe social” ou “faço parte dessa casta”. E, ainda assim, estaria sob a distinção hierárquica de subgrupos dentro de um grupo.
Assim, a escolha por determinada indumentária permite que, ainda que por alguns instantes, as pessoas possam pertencer a determinados grupos, sem necessariamente apropriar-se das características morais e ideológicas do estilo. É o caso das atuais designações de “punk de salão” ou “hippie de apartamento”, que se apropriam dos fatores estéticos, mas desprovido dos valores ideológicos.
E o marketing, em sua busca constante pela satisfação dos desejos dos indivíduos, atento às novas necessidades e aos novos consumidores, alimenta cada vez mais o culto social. Ele oferece, além das necessidades básicas de um produto, o luxo e o status para que um indivíduo se defina perante outros, reafirmando seus ideais e aspirações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Luiza de. 100 anos de paixão. Revista BHS. Belo Horizonte: n. 11, p.09-13, ago./set.2004.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1986.
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[1] Aluna do curso de Especialização em Marketing e Comunicação (kellymayrinkbh@gmail.com)
[2] Aluna do curso de Especialização em Marketing e Comunicação (kellymayrinkbh@gmail.com)
[3] RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. Ed. Campus, 2002.
[4] Por signo, compreende-se “todo objeto perceptível que de alguma maneira remete a outro objeto, toma o lugar de outra coisa.” (DIAZ BORDENAVE, 2002, p.62) “
[5] TROIANO, Jaime. 10 x 3: As dez coisas mais importantes que aprendi em três décadas de profissão. In: Ciclo de Palestras: Comunicação e Marca, 2009, Belo Horizonte. Disponível em
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