A Educação Humanista
Introdução
Como primeira tentativa coerente de elaborar uma concepção de mundo cujo centro fosse o próprio homem, pode-se considerar o humanismo como a origem de todo o pensamento moderno. Ao apresentar uma breve viagem pelos períodos da história, demonstrando as mudanças nas concepções pedagógicas ao longo do tempo e enfatizando a abordagem humanista que surgiu na Renascença, em contradição da educação teocêntrica da Idade Média, este texto analisa as contribuições dos ideais humanistas à educação.
1 - Um pouco de História
Costuma-se demarcar a história do Ocidente em quatro grandes períodos, ou eras: A Antiguidade que inicia com a invenção da escrita por volta de 4000 anos (a.C.), e termina com a extinção do Império Romano do Ocidente no Século V (d.C.); A Idade Média tem como marco inicial o mesmo do fim da Idade Antiga e término com o fim do Império Romano do Oriente, mas precisamente com a queda de Constantinopla no Século XV; A Idade Moderna se inicia com o fim da Idade Medieval e termina com a Revolução Francesa no XVIII; e por fim a Idade Contemporânea que é o período atual da história Ocidental, abrange deste a Revolução Francesa até nossos dias.
Todos esses períodos possuem suas características e sua colaboração para o desenvolvimento intelectual, científico e educacional da humanidade.
A Contemporaneidade inspirada pela corrente filosófica Iluminista que valoriza a importância razão, é marcada pela confirmação do capitalismo como regime econômico mundial, e consequentemente pelas disputas por territórios e pelo mercado cada vez mais competitivo. Paralela a esses fatos, a história da educação nesse período se caracteriza por inúmeras correntes pedagógicas, muitas experiências e um avanço moderado, em comparação com o desenvolvimento dos demais seguimentos da sociedade.
A Idade Moderna fundamentada pelos ideais humanistas e posteriormente iluministas, representou a grande migração do regime feudalista para o capitalismo e posteriormente o surgimento das indústrias, o desenvolvimento das cidades e busca por novos territórios. As inúmeras invenções que apareceram nesse período possibilitaram um desenvolvimento social inquestionável. No que diz respeito à educação, um novo tempo surge, deixando para traz a escolástica que até então, influenciava todo o processo pedagógico.
Conhecida como "idade das trevas", a Idade Média é o período que para muitos historiadores menos colaborou para o crescimento intelectual da humanidade. Nessa era o cristianismo se constitui como principal religião da Europa e dominou toda manifestação científica, educacional, filosófica e espiritual, impedindo qualquer movimento oposto. A filosofia passou a receber influencia de pressupostos cristãos, a fé, a salvação, passou a fazer parte do pensamento filosófico. O latim passou a ser a língua utilizada, perdendo-se assim o acesso aos tratados científicos da Grécia Antiga e impedindo o avanço de novas tecnologias e o desenvolvimento científico. A Igreja Católica passa então a comandar o que restou de força intelectual da época. A ideologia teocêntrica imposta pelo Clero influenciou toda a sociedade medieval, a educação não ficou de fora desse contexto. Centrada em conceitos teológicos e na doutrinação católica, suas principais tendências pedagógicas são a Patrística de Santo Agostinho e a Escolástica de Santo Tomás de Aquino.
A Idade Antiga além de apresentar o surgimento da escrita, possibilitou o aparecimento de muitos Estados Nações com organizações sofisticadas, além do surgimento de muitas religiões que existem até hoje, como o cristianismo, o budismo o judaísmo e outras. Na Antiguidade as civilizações existentes apresentavam características muito distintas uma das outras e uma grande separação entre os povos, cada uma desenvolvia sua cultura e seus conhecimentos de maneira individualizada, assim a educação desse período é mais bem compreendida quando analisada cada civilização separadamente e não como educação de um período em geral.
2 - A Educação na Renascença
A partir da segunda metade do Século XIV começa a surgir na Europa, mais precisamente na Itália, uma mudança de atitude dos homens perante o mundo e a vida. Começam a perceber o inicio de uma nova era, implementando o processo de ruptura com a estrutura medieval e surgimento do período moderno. Esse período que perdurou até o século XVII é conhecido como Renascimento ou Renascença. Nele o homem procura explicar a si mesmo o significado dessa mudança, atribuindo ao "renascimento" das idéias que foram utilizadas na época clássica e ficaram de lado durante a Idade Média.
Ao romper com os ideais teocêntricos o Renascimento possibilita um grande número de descobertas, como a descoberta da imprensa por Gutenberg que difundiu o saber a e "revolta" da época, da bússola que possibilitou as grandes navegações, da pólvora que alavancou a arte da guerra, entre outras. O efeito desses acontecimentos fez com que o homem acreditasse em seu poder de superação, favoreceu o individualismo e precedeu uma infinidade de novas aventuras.
A educação do Renascimento é centrada no homem, tornando-a mais prática, com inclusão da cultura do corpo e o começo da substituição de processos mecânicos por métodos mais práticos. Infelizmente a educação da Renascença preparou apenas a formação burguesa não chegando às massas populares.
3 - O Humanismo do Renascimento
Em meio ao grande período considerado negro no mundo das ciências e da filosofia que foi a Idade Média, onde o conhecimento e as descobertas científicas era monitoradas e caçadas pelos poderes eclesiásticos dominantes, os pensadores da época começam a reaver uma concepção de mundo baseado no homem, pensamento que é atribuído à Cícero (106-43 a.C.) e praticado na Grécia antiga, era o humanismo que dava sustentação ideológica ao Renascimento.
Com o humanismo o homem volta a ser centro das coisas depois de grande tempo interpretando tudo através do prisma divino. De modo geral, o humanismo prega que todas as pessoas têm dignidade e valor, e, portanto, devem fazer jus ao respeito dos seus semelhantes. Não separa homem e natureza, mas considera o homem um ser natural diferente dos demais, manifestando essa diferença como ser racional e livre, agente ético, político, técnico e artístico.
O Humanismo é considerado a origem de todo o pensamento moderno ao tentar elaborar uma concepção onde o homem era o centro. Ocorreu nos séculos XIV ao XVI e tem como principal sede a Itália, mas logo se espalhou por grande parte da Europa.
Enquanto reflexão centralizada no homem o humanismo sempre existiu, mas foi nesse período que se estabeleceu um programa humanista o qual podemos sintetizar em três pontos fundamentais: 1) o objetivo básico do conhecimento é o homem e o significado da vida; (2) nenhum filósofo detém o monopólio da verdade; e (3) existe uma afinidade entre a cultura clássica pagã e o cristianismo, já que o ensinamento sobre o homem, a vida e a virtude ministrado pelos autores clássicos pode ser integrado ao cristianismo.
Com o tempo o humanismo influenciado pelas reformas religiosas começa a perder território, mas a noção de racionalidade e a nova visão de mundo difundida por esse ideal sobreviveram nos pensadores racionalistas e empiristas que formaram a base do pensamento iluminista.
4 - A Educação Humanista
Com o avanço da burguesia urbana na Itália nos últimos séculos da Idade Medieval, criou uma nova classe enriquecida que passou a dar destaque à cultura, antes monopolizada pela igreja e os grandes nobres, e buscar uma educação que pudesse colaborar para gestão e manutenção de seus recursos, pois a educação teológica já não atendia as suas necessidades. Assim adaptaram os ensinamentos à nova época, com programa de estudos, orientado para facilitar conhecimentos profissionais e atitudes mundanas, compreendia a leitura de autores antigos e o estudo da gramática, da retórica, da história e da filosofia moral. A partir do século XV deu-se a esses cursos o nome de studia humanitatis ou "humanidades", e os que os ministravam ficaram conhecidos como humanistas.
Essa nova pedagogia tinha como atributo a valorização da infância e da juventude, afirmando sua autonomia e diferença em relação à idade adulta, preservando sua inocência ingenuidade. Mudando a concepção de homem que é formada por essa renovada educação. Um homem que quer ver seu desenvolvimento, mais laico, reflexivo e que usa mais a razão.
Em seu livro História das idéias pedagógicas, Moacir Gadotti aponta como principais pensadores da educação humanista no renascimento:
- Vittorino da Feltre (1378-1446), teria criada a primeira "escola nova", com ensino individualizado, com autogoverno dos alunos;
- Erasmo Desidério (1467-1536), exerceu uma grande influencia na literatura européia do século XVI, principalmente com sua obra Elogio da loucura. Defendia que o homem deveria criar seu próprio caminho, enquanto ser inteligente e livre;
- Juan Luís Vives (1492-1540), defendia o método indutivo e se pronunciou a favor dos exercícios corporais. Foi um dos primeiros a reivindicar uma remuneração do Estado aos professores;
- François Rabelais (1483-1553), valorizava a natureza em detrimento dos livros, foi um dos principais críticos da educação escolástica, enaltecendo as ciências naturais e as ciências do homem, mas foi acusado por muitos de enciclopedismo;
- Michel de Montagne (1533-1592), vislumbrava a educação como forma de protesto, não aceitava o trabalho educativo como simples forma de memorização sem considerar a razão e consciência. É considerado o fundador da pedagogia da Idade Moderna.
5 - A Educação Humanista nos Últimos Tempos
Duas Grandes Guerras; diferenças sociais intensificando; discriminação racial separando nações; cenário político-econômico mundial dividido em duas grandes potências disputando entre si toda forma de poder; o capitalismo confirmando sua soberania mundial são fatos que acarretaram uma grande transformação no cenário sócio-econômico mundial no final do século XX. E a educação ao tentar acompanhar essa transformação, passou por inúmeras mudanças de concepções, como a escola nova, o construtivismo, o tecnicismo, e outras.
Talvez não tivesse ocorrido uma corrente pedagógica humanista nos últimos tempos, mas o humanismo, como valorização do homem, busca de métodos práticos e desenvolvimento do raciocínio, esteve inserido em quase todas as concepções pedagógicas do século XX. Mizukami (1986) identifica em sua obra, "Ensino: as abordagens do processo", dois enfoques tipicamente humanista, predominantes principalmente no Brasil, do psicopedagogo estadunidense Carl R. Rogers e do educador escocês Alexandre S. Neill.
O ensino nessa abordagem é totalmente centrado no aluno. Considera o aluno como uma pessoa situada no mundo e em processo constante de descoberta. Conforme a citada autora, nessa abordagem:
O professor em si não transmite conteúdo, dá assistência,sendo facilitador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias experiências dos alunos. A atividade é considerada um processo natural que se realiza através da interação com o meio. (...) O professor não ensina: apenas cria condições para que o os alunos aprendam. (Mizukami 1986, p. 38)
Desse modo, as experiências pessoais e subjetivas são fundamentais para o conhecimento no processo de ensino-aprendizagem. O importante é aprender a aprender. Assim, a educação assume significado lato, sendo "educação do homem e não apenas da pessoa em situação escolar, numa instituição de ensino".
Tanto Rogers quanto Neill consideravam o ser humano essencialmente bom, em cada indivíduo há um núcleo positivo que caracteriza o valor pessoal e que tende a expressar-se. A pessoa é mais que um organismo biológico, é um ser humano que pensa, sente, escolhe, decide, é um ser com capacidade de mudança. Por isso, a educação deve ver tais características e centrar seu processo nas necessidades do aluno.
Rogers propunha uma aprendizagem significativa que ocorre quando o conteúdo é percebido como relevante pelo aluno, que só aprende significativamente os conhecimentos que entende estarem de acordo com seus ideais e propósitos, que favoreçam seu crescimento como pessoa. De acordo com sua motivação para aprender, o aluno irá escolher as experiências nas quais irá agir de forma que melhor convenha ao alcance de seus objetivos.
Ainda como representantes dessa corrente pode-se citar Célestin Freinet, Maria Montessori e Paulo Freire cujas idéias estão integradas ao humanismo.
Ser um educador humanista, na visão de Célestin Freinet, é ter a capacidade de desenvolver plenamente todas as capacidades da criança. Freinet procurou aprimorar todas as atividades infantis, tendo como concepção o bem-estar e a dignidade da criança como ser humano. E ele foi muito além, no que se refere aos valores ideológicos e até mesmo religiosos, levando em conta a "ética humana". Muitas das palavras ditas por Freinet ao longo de sua vida vêm ao encontro da Declaração Universal dos Direitos das Crianças, da ONU.
Montessori tem seu trabalho mais voltado para a infância, mas ao estabelecer um método de ensino centrado em um trabalho educativo que pressupõem a compreensão das coisas a partir delas mesmas, que estimula e desenvolve na criança, um impulso interior que se manifesta no trabalho espontâneo do intelecto, defendia uma educação cuja lógica era a formação integral do jovem, uma educação para a vida, ou seja, uma educação mais humana.
Ao apresentar uma proposta de práticas necessária à educação que desenvolve a autonomia do educando e sua insubmissão, o grande educador brasileiro Paulo Freire enfatiza pontos primordiais do humanismo, que deveriam ser utilizados pelos educadores em busca de um processo de ensino para a liberdade, para a libertação e superação das estruturas impostas e conhecimentos pré-estabelecidos. Ensinar, para o autor, é uma especificidade humana, portanto ao longo de sua obra, Freire apresenta várias formas e enfatiza a importância do humanismo educacional.
6 – Por uma Educação Humanista no Terceiro Milênio
O século XXI inicia-se com a necessidade do capitalismo de criar uma ordem mundial quepossíbilite realização de transações financeiras, e expanção de seu negócio, até então restrito ao seu mercado de atuação, para mercados distantes e emergentes, tendo como base a comercialização e distribuição de mercadorias, principalmente em benefício dos países centrais, é a chamada globalização.
Esse novo cenário que se consolida com a criação de blocos econômicos, aproximou e ao mesmo tempo distanciou as nações. Aproximou no sentido da interação comerciais entre países, na chegada das tecnologias de ponta em quase toda parte do globo, com a divulgação de fatos ocorridos em uma região para todo o mundo. Mas afastou no sentido dos países ricos estarem cada vez mais distantes dos menos privilegiados, permitiu uma maior exploração de riquezas regionais por grupos multinacionais, além de gerar uma grande manipulação de nações privilegiadas em regiões pobres. Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) apontam para existência de pelo menos 220 milhões de pobres na América Latina, sendo que mais da metade deles são crianças ou jovens. Dados que confronto com a grande concentração de riqueza em uma minoria avantajada.
Nesse contexto de diferenças onde está situada a educação? A educação como um todo, ao longo do tempo vem perpetuando um sistema dualista, onde a classe operária é educada pra continuar sendo operário e os filhos da classe dominante continuem sendo os opressores, contribuindo para as disparidades sociais e aumentando ainda mais o número de estudantes que afastam da escola por não considerarem importante o estudo em sua vida. E logo a educação que deveria ajudar as classes subalternas na busca de uma sociedade mais justa, onde todos pudessem compartilhar benefícios, que hoje são de poucos.
Não deve ser desconsidera o importante papel da escola quando se trata da preparação das novas gerações para o enfrentamento das exigências do novo milênio, nesse sentido é urgente que se rompa com a concepção dualista da educação para um resgate da educação realmente humanista, onde todos os alunos serão considerados verdadeiramente iguais em todos os sentidos da palavra, que possa desenvolver a aprendizagem significativa de Rogers "que provoque uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade".
Em tempos em que a sociedade se torna cada vez mais robotizada, que o contato interpessoal está perdendo espaço pela interação com máquinas, é imperativo que a educação não entre nesse processo operacional e deixe de valorizar o racional. Assim o sistema educacional ao incorporar as novas tecnologias, que indiscutivelmente precisam fazer parte do universo escolar, deve estabelecer meios que não reafirme nas escolas a robotização dos seres humanos. A escola deve ser lugar de pessoas e não de máquinas.
A educação do novo milênio não pode permitir que se privem os direitos de crianças e jovens de lutarem por uma vida mais digna e justa. Como afirma Paulo Freire todo ato educativo é um ato político, por isso o educador consciente de seu papel político-social, precisa permitir em sua prática a liberdade intelectual, promover a autonomia e o pluralismo de pensamentos, e tentar com sua pedagogia, libertar seus alunos da ignorância, do preconceito, do capricho, da alienação e das falsas consciências, buscando desenvolver as potencialidades humanas de cada um. Isso é humanismo e é disso que a sociedade precisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGANANO, Nicola. História da Filosofia – Volume 5. 4ª edição Editorial Presença, Lisboa, 2000;
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Educação. 11ª Edição. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984;
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Editora da Unesp, São Paulo, 1999;
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 26ª Edição. Editora Paz e Terra, São Paulo, 2003;
GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. 4ª Edição: Editora Ática, São Paulo, 1996;
MACLAREN, Peter; FARAHMADPUR, Ramin. Pedagogia Revolucionária na Globalização.Editora Dp&A , Rio de Janeiro, 2002;
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: As Abordagens do Processo. Editora EPU, São Paulo: 1986.