O sistema globalizado de trabalho e sua organização estão causando no trabalhador o mesmo tipo de aflição e desconforto do passado: o medo do desemprego
Fernando Carlos Oliveira
Uma nova revolução no trabalho: agora o que vale é velocidade, sofisticação tecnológica e diferenciação ocupacional
O mundo contemporâneo está passando por uma transição que é decorrente de uma revolução tecnológica sem precedentes na história da humanidade. E esta transição, guardadas as devidas proporções, tem características semelhantes à transição da máquina a vapor para a máquina a óleo diesel: velocidade mais alta no ritmo de trabalho, sofisticação da tecnologia, e diferenciação ocupacional. Assim como nos tempos atuais, a indústria naquela época era conduzida por trabalhadores que não estavam preparados para enfrentar tal transição. Primeiro, porque eles não apresentavam o mesmo grau de competência; segundo, porque os interesses pelas novas habilidades e competências que teriam que desenvolver também variavam bastante de um para outro. Esse processo de adaptação ou readaptação, pelo qual passou o trabalhador no passado, e pelo qual também passa o do presente, traduziu-se na necessidade de um aprendizado acelerado das novas tecnologias, o que desencadeou um grau altíssimo de ansiedade no trabalhador e provocou mudanças de cunho social em função do redesenho da institucionalização do trabalho.
Voltando no tempo para os dias de hoje, percebe-se que a globalização, ou melhor, o sistema globalizado de trabalho e sua organização estão causando no trabalhador o mesmo tipo de aflição e desconforto do passado - o medo do desemprego. Só que agora existe um agravante muito forte: a fase de transição parece que não terá fim, uma vez que a tecnologia se renova e se modifica numa velocidade nunca vista antes, exigindo da força de trabalho a necessidade de se adaptar às intermináveis novas regras do jogo e às complexidades, desafios e demandas da vida moderna, exigindo que ele tenha um nível educacional cada vez mais alto. Fernando Hernández coloca muito bem esta situação de mudança, mencionando uma série de características, entre as quais ele destaca:
As transformações no emprego, refletidas no aumento das diferenças entre o tipo dos trabalhos que os indivíduos realizam, a preparação requerida e a própria noção de trabalho. Até recentemente, a finalidade da formação, tanto profissional como universitária, era preparar para um trabalho estável, e para toda a vida. Hoje, os indivíduos se preparam para mudar de trabalho com frequência, lhes é exigido [...] [tipos de] habilidades e de conhecimentos - sobretudo flexibilidade, capacidade de adaptação e atitude de colaboração -, que há muito poucos anos eram competência apenas de um grupo muito reduzido de pessoas. (Hernández, 1998, p.44)
Em face desses novos desafios, deve-se refletir, dentre outras coisas, sobre: 1) a importância do ensino de qualidade nas escolas e universidades, as quais devem se adaptar a algumas exigências, como por exemplo, a elevação na qualidade da escolaridade básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio), prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; 2) o preparo do docente no desenvolvimento de ações pedagógicas "customizadas" para atender um público-alvo heterogêneo: alunos com diferentes níveis culturais, intelectuais e cognitivos. Sendo assim, o professor do século XXI deve se preparar para o fato de que sua aula pode, e deve, ser modificada à medida que ela for se desenvolvendo na sala de aula, tanto em função dos conhecimentos prévios que o aluno tem de cada assunto (os quais servirão de base para a construção dos novos saberes), quanto da heterogeneidade dos mesmos. Portanto, a quem ele vai ensinar, o professor deve deixar três pontos bem claros: "o que" ensinar, "como" ensinar, e "por quê" ensinar. Além de se certificar de um quarto ponto igualmente importante: como saber se os alunos estão aprendendo.
Além disso, como o volume de informação disponível atualmente é assustador, ninguém tem condições de absorver o que se disponibiliza a cada dia. Portanto, é fundamental que o aluno aprenda a selecionar esta informação, analisá-la e saber utilizá-la. Em outras palavras, o aluno deve aprender a construir o conhecimento a partir dela e através da pesquisa.
Os tempos mudam, assim como também mudam a sociedade, a escola e as empresas. Dados publicados pela revista Time ajudam a mostrar porque os tempos estão mudando e o porquê da necessidade de proposta de mundança para reorientar a função da escola e o conteúdo do saber escolar:
Cada dia se guardam aproximadamente 20 milhões de palavras de informação técnica. Um leitor capaz de ler 1.000 palavras por minuto necessitaria [de] um mês e meio, lendo oito horas por dia, para poder ler a informação recolhida num só dia. O que significa que as possibilidades de acesso à informação vão além do professorado e dos livros-texto.
Produziu-se mais informações durante os últimos 30 anos do que nos últimos 5.000. Mais de 9.000 revistas são publicadas a cada ano nos Estados Unidos, e quase 1.000 livros se publicam a cada dia no mundo. O que quer dizer que é necessário aprender a selecionar a informação que se produz e da qual dispomos. (Hernández, 1998, p.65)
Neste contexto, o ensino voltado para a compreensão exerce um papel importante, uma vez que ele coloca o aluno em condições de pensar e agir de maneira flexível em função do que aprendeu.
Mas o professor também deve permitir a ampla circulação dessa informação com o objetivo de investigar o nível de conhecimento prévio que cada aluno tem dos assuntos que serão abordados. Diante dessa investigação, ele deve traçar um "mapa" preliminar de sua estratégia pedagógica, incluindo metas de compreensão, as quais deverão ser checadas frequentemente através de avaliações contínuas. Os resultados o ajudarão na determinação da eficácia de seu ensino e serão os elementos norteadores de sua estratégia, fazendo com que ele mude ou ajuste suas aulas (em função da necessidade de seu público) à medida que as mesmas forem se desenvolvendo. Além disso, as avaliações posicionarão o aluno quanto ao nível das competências que estão sendo desenvolvidas por ele ao longo do curso.
O professor, além de propor atividades educativas diversificadas, segundo Burnier (2001), deve despertar no aluno o interesse por sua disciplina - e pelo assunto que será abordado em cada aula - para que se crie a necessidade de aprendizagem. E mais, ele precisa também incentivar o aluno a desenvolver o hábito da pergunta, do questionamento, pois são hábitos salutares na sala de aula e em qualquer outro lugar onde se promova o aprendizado. O questionador deve sentir-se livre para explorar o conhecimento e sua atitude investigadora - além de ele próprio aprender com a sequência de perguntas e respostas, os demais colegas também aprenderão.
Outros aspectos considerados importantes no papel do professor no novo contexto pedagógico é a gestão compartilhada de salas de aula, os conteúdos integrados e a interdisciplinaridade. Neste cenário, onde se exige um professor com "grande cultura geral que vai muito além de uma única área de formação" (In: BURNIER, 2001), e cada vez mais qualificado, "com ampla cultura na área das ciências humanas, forte orientação para as práticas reflexivas e capacidade de inovação" (PERRENOUD, 2003), é importante que o professor troque "figurinhas" com seus pares e que haja uma maior cooperação profissional para que o ensino-aprendizado seja mais eficiente. Seu isolamento, do mesmo jeito que lhe proporciona um certo conforto em seu habitat, coloca-o numa posição contrária ao que tem preconizado o mundo contemporâneo: o famoso teamwork, ou trabalho em equipe, o qual Perrenoud (2000) tanto defende em uma de suas dez competências, as quais estão ligadas às transformações do ofício de professor: "Trabalhar em equipe é, portanto, uma questão de competências e pressupõe igualmente a convicção de que a cooperação é um valor profissional". Monica Thurler também defende esta cooperação profissional da seguinte forma:
Na maioria dos estabelecimentos, entretanto, mudanças se entabulam nesse campo. Na busca de dispositivos de ensino-aprendizagem mais eficientes, mais variados, melhor adaptados às necessidades dos alunos, os professores trabalham mais em equipe, fazem tentativas de team-teaching, introduzem diversas formas de desconstrução de obstáculos, questionam a organização habitual do trabalho". (THURLER, 2001, p.59)
Em retrospecto, olhando para as mudanças pelas quais as escolas e universidades devem passar, percebe-se que o papel delas e, consequentemente, o papel que o professor exercerá perante a sociedade e as organizações corporativas, aumentará de importância, tornando-o fundamental e essencial ao desenvolvimento humano. Neste contexto, de mudanças rápidas e constantes, caberá ao professor demonstrar ao aluno que não vale muito o saber (dos assuntos abordados na aula) se este não estiver atrelado ao saber ser (socialização) e ao saber fazer (competências). E a ação pedagógica, de extrema importância nesse processo de desenvolvimento, deve tomar seu curso muito em função de como suas aulas acontecerão; sendo que estas, por sua vez, devem ser montadas por ele levando-se em consideração os conhecimentos prévios de seus alunos e suas diferenças intelectuais e culturais.
Referências Bibliográficas
BURNIER, Suzana. Pedagogia das competências: conteúdos e métodos. Boletim
Técnico do Senac. Vol. 27 Número 3. Setembro/Dezembro 2001. Disponível em:
http://www.senac.br/informativo/BTS/273/boltec273e.htm ou
http://www.ead.senac.br/BTS/273/boltec273e.htm. Acessados em: 26 nov 2009.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PERRENOUD, Philippe. O futuro da escola nos pertence. 2003. Folha Online.
Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u511.shtml.
Acessado em: 26 nov 2009.
PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em mudança.
Revista Brasileira de Educação. N° 12, Set/Out/Nov/Dez 1999. Disponível em:
http://www.anped.org.br/rbe/rbe/rbe.htm. Acessado em 26 nov 2009.
THURLER, Monica G. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed, 2001.
WISKE, Martha S., et al. Ensino para a Compreensão - A Pesquisa na Prática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Fonte:
O sistema globalizado de trabalho e sua organização estão causando no trabalhador o mesmo tipo de aflição e desconforto do passado: o medo do desemprego Fernando Carlos Oliveira |
Assim como nos tempos atuais, a indústria naquela época era conduzida por trabalhadores que não estavam preparados para enfrentar tal transição. Primeiro, porque eles não apresentavam o mesmo grau de competência; segundo, porque os interesses pelas novas habilidades e competências que teriam que desenvolver também variavam bastante de um para outro. Esse processo de adaptação ou readaptação, pelo qual passou o trabalhador no passado, e pelo qual também passa o do presente, traduziu-se na necessidade de um aprendizado acelerado das novas tecnologias, o que desencadeou um grau altíssimo de ansiedade no trabalhador e provocou mudanças de cunho social em função do redesenho da institucionalização do trabalho. Voltando no tempo para os dias de hoje, percebe-se que a globalização, ou melhor, o sistema globalizado de trabalho e sua organização estão causando no trabalhador o mesmo tipo de aflição e desconforto do passado - o medo do desemprego. Só que agora existe um agravante muito forte: a fase de transição parece que não terá fim, uma vez que a tecnologia se renova e se modifica numa velocidade nunca vista antes, exigindo da força de trabalho a necessidade de se adaptar às intermináveis novas regras do jogo e às complexidades, desafios e demandas da vida moderna, exigindo que ele tenha um nível educacional cada vez mais alto. Fernando Hernández coloca muito bem esta situação de mudança, mencionando uma série de características, entre as quais ele destaca: As transformações no emprego, refletidas no aumento das diferenças entre o tipo dos trabalhos que os indivíduos realizam, a preparação requerida e a própria noção de trabalho. Até recentemente, a finalidade da formação, tanto profissional como universitária, era preparar para um trabalho estável, e para toda a vida. Hoje, os indivíduos se preparam para mudar de trabalho com frequência, lhes é exigido [...] [tipos de] habilidades e de conhecimentos - sobretudo flexibilidade, capacidade de adaptação e atitude de colaboração -, que há muito poucos anos eram competência apenas de um grupo muito reduzido de pessoas. (Hernández, 1998, p.44) Além disso, como o volume de informação disponível atualmente é assustador, ninguém tem condições de absorver o que se disponibiliza a cada dia. Portanto, é fundamental que o aluno aprenda a selecionar esta informação, analisá-la e saber utilizá-la. Em outras palavras, o aluno deve aprender a construir o conhecimento a partir dela e através da pesquisa. Os tempos mudam, assim como também mudam a sociedade, a escola e as empresas. Dados publicados pela revista Time ajudam a mostrar porque os tempos estão mudando e o porquê da necessidade de proposta de mundança para reorientar a função da escola e o conteúdo do saber escolar: Cada dia se guardam aproximadamente 20 milhões de palavras de informação técnica. Um leitor capaz de ler 1.000 palavras por minuto necessitaria [de] um mês e meio, lendo oito horas por dia, para poder ler a informação recolhida num só dia. O que significa que as possibilidades de acesso à informação vão além do professorado e dos livros-texto. Produziu-se mais informações durante os últimos 30 anos do que nos últimos 5.000. Mais de 9.000 revistas são publicadas a cada ano nos Estados Unidos, e quase 1.000 livros se publicam a cada dia no mundo. O que quer dizer que é necessário aprender a selecionar a informação que se produz e da qual dispomos. (Hernández, 1998, p.65) Mas o professor também deve permitir a ampla circulação dessa informação com o objetivo de investigar o nível de conhecimento prévio que cada aluno tem dos assuntos que serão abordados. Diante dessa investigação, ele deve traçar um "mapa" preliminar de sua estratégia pedagógica, incluindo metas de compreensão, as quais deverão ser checadas frequentemente através de avaliações contínuas. Os resultados o ajudarão na determinação da eficácia de seu ensino e serão os elementos norteadores de sua estratégia, fazendo com que ele mude ou ajuste suas aulas (em função da necessidade de seu público) à medida que as mesmas forem se desenvolvendo. Além disso, as avaliações posicionarão o aluno quanto ao nível das competências que estão sendo desenvolvidas por ele ao longo do curso. O professor, além de propor atividades educativas diversificadas, segundo Burnier (2001), deve despertar no aluno o interesse por sua disciplina - e pelo assunto que será abordado em cada aula - para que se crie a necessidade de aprendizagem. E mais, ele precisa também incentivar o aluno a desenvolver o hábito da pergunta, do questionamento, pois são hábitos salutares na sala de aula e em qualquer outro lugar onde se promova o aprendizado. O questionador deve sentir-se livre para explorar o conhecimento e sua atitude investigadora - além de ele próprio aprender com a sequência de perguntas e respostas, os demais colegas também aprenderão. Outros aspectos considerados importantes no papel do professor no novo contexto pedagógico é a gestão compartilhada de salas de aula, os conteúdos integrados e a interdisciplinaridade. Neste cenário, onde se exige um professor com "grande cultura geral que vai muito além de uma única área de formação" (In: BURNIER, 2001), e cada vez mais qualificado, "com ampla cultura na área das ciências humanas, forte orientação para as práticas reflexivas e capacidade de inovação" (PERRENOUD, 2003), é importante que o professor troque "figurinhas" com seus pares e que haja uma maior cooperação profissional para que o ensino-aprendizado seja mais eficiente. Seu isolamento, do mesmo jeito que lhe proporciona um certo conforto em seu habitat, coloca-o numa posição contrária ao que tem preconizado o mundo contemporâneo: o famoso teamwork, ou trabalho em equipe, o qual Perrenoud (2000) tanto defende em uma de suas dez competências, as quais estão ligadas às transformações do ofício de professor: "Trabalhar em equipe é, portanto, uma questão de competências e pressupõe igualmente a convicção de que a cooperação é um valor profissional". Monica Thurler também defende esta cooperação profissional da seguinte forma: Na maioria dos estabelecimentos, entretanto, mudanças se entabulam nesse campo. Na busca de dispositivos de ensino-aprendizagem mais eficientes, mais variados, melhor adaptados às necessidades dos alunos, os professores trabalham mais em equipe, fazem tentativas de team-teaching, introduzem diversas formas de desconstrução de obstáculos, questionam a organização habitual do trabalho". (THURLER, 2001, p.59) Em retrospecto, olhando para as mudanças pelas quais as escolas e universidades devem passar, percebe-se que o papel delas e, consequentemente, o papel que o professor exercerá perante a sociedade e as organizações corporativas, aumentará de importância, tornando-o fundamental e essencial ao desenvolvimento humano. Neste contexto, de mudanças rápidas e constantes, caberá ao professor demonstrar ao aluno que não vale muito o saber (dos assuntos abordados na aula) se este não estiver atrelado ao saber ser (socialização) e ao saber fazer (competências). E a ação pedagógica, de extrema importância nesse processo de desenvolvimento, deve tomar seu curso muito em função de como suas aulas acontecerão; sendo que estas, por sua vez, devem ser montadas por ele levando-se em consideração os conhecimentos prévios de seus alunos e suas diferenças intelectuais e culturais. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre: Artmed, 1998. MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9394, de 20 de dezembro de 1996. PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000. PERRENOUD, Philippe. O futuro da escola nos pertence. 2003. Folha Online. PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em mudança. THURLER, Monica G. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed, 2001. WISKE, Martha S., et al. Ensino para a Compreensão - A Pesquisa na Prática. Porto Alegre: Artmed, 2007. Fonte: |