"...o livro passou e mudou, mudou como um rio, ao passo que você passou na vida, passou a viver também..." M. Tsvetaiva.
Aparentemente, um livro não é senão que um conjunto de páginas manuscritas ou impressas, protegido por uma capa, dependendo da época histórica, que serve para matar o tempo ou entreter alguém, com a função de ilustrar ou afastar o tédio e a mediocridade da nossa existência. Algo sem conseqüências muito extraordinárias ainda que, em geral, socialmente valorizado.
Agente de mudanças
Todavia pensar assim é um engano. A sua dimensão e seu impacto sobre os fenômenos da história mostra sua verdadeira faceta: a de ser o maior agente das mudanças do mundo. Sem ser preciso mencionar a importâncias das obras religiosas (A Bíblia, o Alcorão, etc.), na conversão de milhões, ainda que pouco se saiba da vida de Cristovão Colombo, nenhum estudioso dos Descobrimentos nega o efeito que a leitura das crônicas de Marco Pólo ("As viagens") causou sobre o capitão genovês e o conseqüente desbravamento do Oceano Atlântico e o encontro de outros povos e civilizações.
Nesta mesma esteira, encontra-se a enorme implicação que produziu nos aventureiros que se lançaram na conquista espanhola do Novo Mundo a leitura das façanhas do cavaleiro "Amadis de Gaula" (de Rodrigues de Montalvo, de 1508) e de "Dom Quixote de La Mancha" (obra maior de Cervantes, de 1606). Assim como nada abalou tanto a Cristandade ocidental e o poder papal como a publicação da "Resoluções" de Martim Lutero, em 1518, como não se entende a desapropriação dos bens da Igreja Católica na Inglaterra, sem levar em conta o impacto causado pelo panfleto "A súplica dos mendigos" de Simon Fish, de 1529, que fez com que Henrique VIII simplesmente decretasse o fim do poder clerical no seu reino.
A Revolução Francesa de 1789 explode bem antes, a partir das primeiras linhas do "O Contrato Social" de J.J.Rousseau, de 1762, que diz: - o homem nasce livre, mas esta encadeada em todas as partes. -, assim como toda a efervescência social e revolucionária dos séculos 19 e 20 encontra-se nos parágrafos iniciais do "Manifesto de 1848" de Karl Marx. Lembrando ainda que foi o "Senso Comum" de Thomas Paine quem definitivamente impulsionou os norte-americanos à Independência de 1776, e que foram os eletrizantes versos de Theodor Körner - "Então povo, ergue-te e deixe que a tempestade se abata sobre nós" - quem fizeram os alemães insurgir, em 1813, contra a ocupação napoleônica.
Ninguém nega que a melodramática e um tanto piegas novela "A cabana de Pai Tomas", de Harriet B. Stowe , 1851-2, fez mais pela causa da abolição nos Estados Unidos do que todos os discursos libertários que a antecederam. Bem como coube aos versos do "Navio Negreiro" de Castro Alves, 1869, "Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade Tanto horror perante os céus?!"... desmoralizar para sempre com a escravidão entre nós.
Sem deixarmos de mencionar que boa parte da legislação social inglesa resultou das candentes, comoventes e realistas novelas de Charles Dickens, escritas entre 1838 e 1849 ("Oliver Twist", "David Copperfield", etc.), como as andanças erráticas e inconformistas de Che Guevara resultaram da leitura de "O gaúcho Martin Fierro" de José Hernandez, de 1872. E assim tem sido a longa e gloriosa crônica dos livros, flagelo das ditaduras e luz da humanidade.
Fonte: VOLTAIRE SCHILLING