AS REBELIÕES NATIVAS
INTRODUÇÃO
Ao longo do século XVII, os colonos brasileiros entraram diversas vezes em choque com os portugueses que representavam o poder metropolitano no Brasil. De um lado, a elite colonial procurava proteger seu patrimônio das mãos do fisco português. De outro, os padres da Companhia de Jesus, os comerciantes do Reino e os governadores das capitanias lutavam para manter privilégios.
As primeiras dificuldades surgiram em torno da questão da escravização indígena. Para os latifundiários do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Maranhão, o emprego do índio como escravo era fundamental no trabalho da lavoura. Mas a Coroa proibiu essa prática, atendendo aos interesses dos jesuíta, que empregavam a mão-de-obra indígena nas missões, e à burguesia portuguesa, que vendiam escravos negros na Colônia.
A crise do capitalismo comercial e as contradições no interior da Colônia geraram a crise do colonialismo a partir da segunda metade do século XVIII. Revolução Industrial tornou ultrapassado o mercantilismo. Portugal, não se adequando aos novos tempos, procurou separar a crise ampliando a exploração ao Brasil. Tal atitude estimularia as rebeliões nativistas e as rebeliões de liberação nacional.
Que se devassasse do governo o procedimento de Sebastião de Castro e Caldas. Que se destrua a criação da vila do Recife para nunca mais haver. Que sejam desterrados e tidos e havidos por traidores à pátria Cristóvão de Barros e outros. Que todos os contratos serão arrematados na cidade de Olinda, como cabeça que é de Pernambuco. Que não se consentirá haver mais produtos, nem contratos dos que há. Que se conservará sempre um juiz do povo, feita cada ano a sua eleição por vinte e quatro misteres (...) Que todos os governadores, ouvidores e juizes com seus oficiais de justiça morarão na cidade, e só dois ou três meses em Recife, em tempo de frota para a expedição dela (...) Que nenhum mercador nem filho de Portugal voltará em pelouros, servirá posto de milícia nem de república (...) Que por demora, que possa haver em quaisquer pagamentos, se não levarão juros, nem lucro algum (...)
Capitalismo comercial e capitalismo industrial
Do século XV ao XVII, o capitalismo comercial serviu para acumular capitais e ampliar os mercados consumidores, através da política econômica mercantilista baseada no metalismo, numa balança comercial favorável e na intervenção do Estado na economia com o propósito de organizá-la. O colonialismo surgiu como a maneira mais fácil de as potências européias garantirem uma balança comercial favorável. O pacto colonial formalizou as entre colônias e metrópoles em benefício das últimas.
Na segunda metade do século XVIII, no entanto, o capitalismo comercial já havia cumprido sua função: abundantes riquezas concentravam-se nos centros europeus, ao mesmo tempo que se processava a integração econômica dos países mundiais. Os sinais da superação do capitalismo comercial afloravam.
A Inglaterra foi, durante 70 anos, o único país industrializado do mundo. Não é de se estranhar , portanto, que ela se posicionasse contra qualquer barreira ao livre comércio; e o pacto colonial era, sem dúvida, a maior dessas barreiras. Assim, a Inglaterra, de fervorosa adepta do colonialismo, passou a intransigente incentivadora da independência das colônias, uma vez que, independentes, as ex-colonias fariam parte do mercado consumidor para os manufaturados ingleses, além de fornecerem matéria-prima a baixo do preço.
As contradições da colonização
A crise do capitalismo comercial português e os interesses ingleses não são suficientes para explicar o desmoronamento do sistema colonial. As contradições internas da colonização foram os fatores determinantes.
Não se pode negar que a colonização, mesmo tendo caráter francamente explorador, promoveu o crescimento do Brasil-Colônia, durante os dois séculos em que predominou. As elites dominantes locais, apesar de divergências momentâneas, beneficiavam-se com a própria dominação que sofriam.
As primeiras rebeliões não se manifestaram com a idéia de conseguir a independência do Brasil. Essas manifestações, chamadas rebeliões nativistas, a princípio apenas contestavam os aspectos específicos do pacto colonial, não a dominação integral da Metrópole. Além disso, tinham um caráter regionalista, não se preocupando com a unidade nacional. Ocorreram entre 1641 e 1720 e foram, na prática, esforços de defesa contra certos aspectos da exploração colonial. Daí à idéia de autonomia completa em relação as Portugal foi um longo processo.
Somente um século depois, quando a exploração da Colônia se agravou, e a situação internacional se tornou propícia, é que as rebeliões adquiriram caráter de libertação nacional. Os objetivos deixaram de ser restritos, exigindo-se a extinção do pacto colonial e a autonomia política.
A aclamação de Amador Bueno (1641)
No início do século XVII as condições econômicas da região de São Vicente eram precárias, sustentando-se basicamente no apresamento de índios. Os Jesuítas reagiram contra a escravidão indígena efetuada pelos bandeirantes, exigindo que a Metrópole a proibisse. Autoridades da Colônia não aceitaram a interdição metropolitana e incentivaram a expulsão dos jesuítas. Em 1641, ocorria a “botada dos padres fora”.
A revolta de Beckman (1684)
Para resolver o problema de mão-de-obra, a Coroa criou a Companhia Geral de Comércio do Maranhão, que monopolizaria o comércio da região, tendo, entre outras obrigações, de fornecer 500 escravos negros por ano, durante 20 anos. O rei pretendia, através dessa companhia, solucionar o problema da mão-de-obra e, ainda, agradar os jesuítas, proibindo a escravização de nativos.
A companhia do Maranhão deveria, também, fornecer aos habitantes gêneros alimentícios importados na região, para exportação. Em outras palavras, a finalidade da Companhia era controlar todo o comércio do estado do Maranhão.
A Guerra dos Emboabas (1707-1709)
A descoberta das minas provocou um intenso fluxo migratório interno e externo para Minas Gerais. Todos os recém-chegados eram chamados emboabas
pelos paulistas que habitavam a região e que ali haviam descoberto ouro.
A maioria dos emboabas dedicou-se ao comércio, incentivados pelos altos preços alcançados pelos manufaturados no mercado mineiro. Os mineradores endividaram se com os emboabas, sendo obrigados a hipotecar suas propriedades. Dessa maneira, alguns comerciantes reinóis tornaram-se donos de datas e fazendas de gado, fato inadmissível para os paulistas. Assim, entre 1707 e 1709, paulistas e renóis entram em luta violenta. Os paulistas sofreram sérias derrotas, sendo massacrados num combate no local que se chamou Capão da Traição.
A guerra dos Mascates (1710)
Outras lutas ocorreram entre os proprietários de terras na Colônia e os comerciantes reinóis, chamados em Pernambuco de mascates.
Quando os holandeses foram expulsos em 1654, os produtores pernambucanos perderam o mercado de açúcar para os antilhanos. A elite comercial de Recife, formada por portugueses, passou a financiar a produção açucareira, centralizada em Olinda, utilizando elevadas taxas e executando hipotecas.
Apesar da superioridade econômica, os comerciantes portugueses de Recife não tinham autoridade política, pois a Câmara Municipal (sede do poder político local) estava localizada em Olinda. Em 1710, os recifenses conseguiram a Carta Régia de Emancipação Política e administrativa de Recife, construindo-se na cidade o pelourinho, que simbolizava a autonomia administrativa do lugar. Os olindenses não aceitaram a perda do controle administrativo de Recife e, sob a chefia de Bernado Vieira de Melo, invadiram a cidade, colocando abaixo o pelourinho. Os mascates se organizaram e partiram para a reação.
A revolta de Vila Rica ou de Filipe dos Santos (1720)
Mesmo a rígida administração portuguesa na zona mineradora não conseguia evitar o contrabando de ouro e diamantes. Alguns escravos eram treinados desde meninos para engolir pepitas e passar pelos fiscais. Os suspeitos eram obrigados a tomar fortíssimos purgantes para expelir a pedra. Usavam-se de todas as artimanhas para ludibriar os fiscais da Coroa: escondiam-se as pedras entre os dedos dos pés, nas unhas e narinas, negras escravas escondiam ouro em pó nos cabelos, levando-os mais tarde em uma bacia a fim de reconhecê-lo.
A lei das casas de fundição de fundição desencadeou uma forte onda de protestos. Um grupo de rebeldes liderados pelo minerador Felipe dos Santos saiu as ruas promovendo manifestações contra a decisão metropolitana.
Usando artifícios para ganhar tempo, o governador da capitania, conde de Assumar, pôde estudar a situação, para, em seguida, desfechar violenta repressão contra os rebeldes. Os líderes foram presos, e suas casas queimadas. Felipe dos Santos foi prontamente enforcado e esquartejado, sem processo ou julgamento. Para o amadurecimento da consciência colonial. Por outro lado, inaugurou um período de sangrentas repressões desferidas pela Metrópole.
Conflitos em torno da escravização dos índios
No ano de 1640, foi divulgado no Brasil um documento escrito pelo papa que condenava a escravização dos índios americanos. Essa medida tinha por objetivo proteger a mão-de-obra indígena que era empregada pelos jesuítas nas missões, verdadeiros impérios da Igreja na América.
Esse documento do papa beneficiou também os traficantes de escravos africanos que vendiam sua mercadoria nos portos da Bahia e Pernambuco. No entanto, os latifundiários das capitanias mais pobres, Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão, não tinham recursos para comprar escravos negros negros. Por isso, o trabalho indígena era indispensável nos engenhos de açúcar do Rio de Janeiro, que contava, na época, com aproximadamente dois mil habitantes. Também os índios eram necessários na Baixada Santista, onde, o início do século XVII, havia cerca de catorze engenhos.
As recuperações da crise luzitana no Brasil
O envolvimento de Portugal, ao lado da Inglaterra, nas guerras que esse país promoveu contra outras nações européias, comprometeu também o Brasil. Foi o caso da guerra de Sucessão da Espanha (1701- 1713), em que os Ingleses lutaram contra a união dos reinos da França e Espanha
Em represália ao apoio dado por Portugal à Inglaterra, os franceses atacam duas vezes o Rio de Janeiro, principal porto por onde escoava o ouro de Minas Gerais.
O primeiro ataque foi realizado, em 1710 por cinco embarcações comandadas pelo capitão Jean-Franóis Duclerc, que invadiu a baía de Guanabara. Mas a tripulação francesa foi facilmente dominada pelas forças terrestres locais.
No ano seguinte os franceses voltaram à carga. Desta vez, uma esquadra composta por dezessete navios aportou no Rio de Janeiro, sob o comando do almirante Duguay-Trouin. O governador e os moradores do Rio de Janeiro , fugiram atemorizados, enquanto os estrangeiros conquistavam a cidade. Os franceses só concordam em partir após o pagamento de um resgate extremamente alto.
Nessa época, crescia o número de portugueses que deixavam Portugal e vinham para o Brasil, movidos pela possibilidade de se enriquecer com a mineração. Os recém-chegados tinham de disputar com os mineradores brasileiros, já estabelecidos, uma mina ou terreno onde pudessem explorar o ouro. Além disso, os imigrantes, apesar de portugueses, não estavam isentos do pagamento dos pesados tributos exigidos pela Coroa.
Essas dificuldades tornavam a situação nas minas cada dia mais tensa e foram o motivo para a eclosão de algumas revoltas, como a guerra dos Emboabas e a revolta de Filipe dos Santos.
CONCLUSÃO
Na segunda metade do século XVII os rigores da política de restrições se acentuam de forma sensível, e assumem o seu pleno caráter de parasitismo colonial. Em 1661 é proibido o comércio da Colônia a todos os navios estrangeiros. A proibição é renovada logo no ano seguinte (Cartas Régias de 21 de julho de 1661 e 27 de janeiro de 1662). Em 1684 é vedado aos navios saídos dos Brasil tocarem em portos estrangeiros. Tal medida entendia não somente reprimir o contrabando, mas principalmente transformar o Reino em único entreposto para as mercadorias brasileiras. É a preocupação dominante da Metrópole: vemo-lá implícita em todos os regulamentos comerciais que expediu para colônia. Em 1711 (Carta Régia de 8 de fevereiro) chega a proibir aos moradores do Brasil passarem-se diretamente a países estrangeiros. Tudo deveria fazer-se pelo Reino, que assim canalizava para si toda a nossa atividade comercial. Portugal se erigia em intermediário necessário dos nossos negócios esternos.
“Mas não foi somente este o processo adotado pela Metrópole para usufruir as possibilidades comerciais da Colônia. Sua maior fonte de lucros proveio do sistema de companhias privilegiadas, adotadas por esta época e inspiradas nos processos comerciais holandeses. Concedia-se a estas companhias a exclusividade do comércio exterior da Colônia, quer de exportação, quer de exportação. Criou-se a primeira em 1647: foi a Companhia Geral do Comércio, para o estado do Brasil.
Seus privilégios eram consideráveis: todos os navios que se destinassem ao Brasil deviam tanto na ida como na volta ir incorporados às suas frotas, pagando para isto 10% sobre a carga transportada . Foram-lhe concedidos ainda o estanco de vários gêneros e o monopólio do pau-brasil. Em 1682 é incorporada outra companhia, com maiores privilégios ainda, para o estado do Maranhão. ‘pessoa alguma, de qualquer condição’, diz o alvará de concessão, ‘poderá levar ou mandar ou ao mesmo Estado navios e negros (escravos), nem fazendas ou gêneros alguns, ficando todo suprimento a cargo dos assentistas exclusivamente’. Quanto à exportação, quando feita diretamente pelos colonos, devia ser consignada à companhia. Sucessivamente vão aparecendo outras e outras companhias: Geral do Grão-Pará, Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba etc.
“O regime das companhias foi lamentável para os interesses da Colônia. Enquanto esta se via completamente tolhida em sua natural expansão, os assentistas, preocupados unicamente, como era natural, com seus próprios interesses, em geral contrários aos dos colonos, e escudados em privilégios que permitiram toda sorte de abusos, recebiam fartas remunerações pelos capitais empregados, canalizando assim para o Reino o melhor da economia brasileira”
BIBLIOGRAFIA
História do Brasil
Luis César Amad Costa & Leonel Itaussi A. Mello
Ed. Scipione
4.º edição
História Integrada
José Robson Arruda
Ed. Ática
Volume 3
Fonte: