O purgatório era uma questão antiga do cristianismo e já existia em outras religiões.
Como bem se sabe, a questão da vida após a morte era um dos temas de grande preocupação para a maioria dos cristãos do tempo medieval. As privações, angústias, pecados e sacrifícios feitos em vida poderiam determinar o tormento dos infernos ou o regozijo da vida celestial. Era mediante esses dois caminhos que o homem se via sem nenhuma garantia sobre os seus destinos de ordem sobrenatural.
Mas, afinal de contas, seria possível determinar quais pessoas iriam para o céu ou para o inferno, tendo em vista que todos os homens estavam sujeitos a cometer falhas em vida?
Como seria possível quantificar, por exemplo, que um indivíduo tivesse ou não pecado o suficiente para então ser condenado ao inferno? Será que apenas os santos ou os que viviam em vida plenamente casta é que tinham sua entrada aos céus garantida? As dúvidas pareciam já não ter fim.
No século IV d.C., Santo Agostinho olhava para essas questões buscando imaginar ou projetar um meio termo entre a condenação e a salvação eterna. A seu ver, as pessoas mais inclinadas ao pecado deveriam ser condenadas ao inferno. Contudo, caso as orações dos vivos em seu favor tivessem força, ele poderia ter o seu sofrimento amenizado pela força divina. Por outro lado, aqueles que tiveram alguns pecados deveriam passar por uma preparação para uma posterior entrada nos céus.
Na fala de Santo Agostinho, percebemos a necessidade de um terceiro destino capaz de repensar o julgamento sempre tão complicado dos atos humanos. Séculos mais tarde, exatamente no ano de 1170, o teólogo francês Pierre le Mangeur empregou a palavra laina purgatorium para descrever uma localidade entre os céus e o inferno. Na condição de entrelugar, diversos artistas ocidentais que imaginaram uma representação do purgatório exploraram elementos de natureza tanto sagrada como demoníaca.
Explorando outras culturas e religiões, vemos que essa terceira via também aparece em outras crenças e religiões. Relatos do século VI a.C., apontam que os hindus acreditavam que seus mortos poderiam ser levados a três lugares diferentes: o mundo da luz ficaria reservado aos justos, as reencarnações punitivas seriam impostas aos que pecavam deliberadamente e os intermediários viviam uma época de tormentas que seria logo substituída por uma série de renascimentos e aperfeiçoamentos.
Consolidado no mundo cristão no século XII d.C., a ideia de purgatório acabou sendo benéfica em um momento em que a própria sociedade medieval começava a extrapolar as ordens tradicionais dos feudos. O renascimento das cidades e o desenvolvimento das atividades comerciais abriram campo para a existência de grupos sociais cada vez mais heterogêneos. Sendo assim, o purgatório tinha a função de abarcar a gama de comportamentos que não se enquadravam na dualidade dos céus e do inferno.
Por Rainer Sousa