Técnicas envolviam ervas, massagem e exorcismo, aplicados por profissionais.
Amuleto da Mesopotâmia contra a "demônia" Lamashtu, uma das supostas causadoras de doenças. (Foto: Reprodução)
"Procure sempre um especialista" parece ter sido o lema dos antigos babilônios e assírios quando tinham um problema de saúde. E especialização realmente não faltava 4.000 anos atrás, revela o trabalho de uma pesquisadora alemã: ela resgatou textos médicos da Mesopotâmia que mostram tratamentos detalhados para vários tipos de doença, envolvendo cuidadosos preparados de ervas, massagens e -- como ninguém é de ferro -- exorcismo, tudo para vencer as enfermidades.
O trabalho de Barbara Böck, filóloga (especialista na origem e evolução de línguas) do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha, abre uma janela muito curiosa sobre como se fazia medicina no antigo Oriente Médio. Os tratamentos estão descritos em textos de quase todas as grandes cidades da região, como a Babilônia, Ur, Uruk, Nínive e Assur. Uma das principais fontes foi um livro escrito nas línguas suméria e acadiana, chamado "Mushu'u" (massagens), com mais de 50 feitiços contra vários males, além de histórias curtas descrevendo curas bem-sucedidas.
Böck explicou ao G1 que, a princípio, o papel de curar as doenças era bola dividida na Mesopotâmia. "Os textos cuneiformes [a escrita típica da região] no segundo milênio antes de Cristo falam da distinção entre o herbolário e o exorcista. O herbolário aparece como um especialista itinerante, oferecendo seu conhecimento em vilas e pequenas cidades, ao contrário do exorcista, que pertence a uma instituição. Era fácil reconhecer o herbolário, porque normalmente ele tinha a cabeça raspada e carregava uma sacola com instrumentos cirúrgicos e plantas medicinais, além de também recitar encantamentos."
Cerca de um milênio depois, porém, parece que tudo isso se tornou tarefa exclusiva do exorcista. Provavelmente, diz Böck, isso aconteceu porque ele tinha uma posição bem mais estável, como membro da corte real ou do pessoal dos grandes templos. Ele tinha uma posição muito influente na sociedade e também era um erudito, compilando textos médicos em manuais como o "Mushu'u". O exorcista também era um sacerdote -- "há até quem o chame de padre confessor", afirma a filóloga.
Alguns dos principais tratamentos se destinavam a suavizar a enxaqueca e as dores do parto, combater o esgotamento ou a paralisia de algum membro. Eles envolviam massagens, feitas com óleos de plantas aromáticas e medicinais. Ao mesmo tempo, o exorcista usava uma fantasia de peixe -- símbolo de Ea, o deus da magia -- e recitava feitiços para expulsar o demônio que estaria causando aquele problema.
Uma mandinga mesopotâmica típica se parecia com esta, dedicada à paralisia: "Vai-te daqui, paralisia!/Como o leite materno que dos seios emana/Como o suor que do corpo transpira/Como o vento que o ânus solta/Como a cera que o ouvido segrega/Vai-te daqui, paralisia!".
A massagem era centífuga (começava no tórax e se dirigia às extremidades do corpo), porque se achava que os demônios saíam do corpo do doente pelos braços e pelas pernas. Depois que o tratamento acabava, os exorcistas colocavam amuletos nos pulsos e nos tornozelos do paciente, para evitar a reentrada dos espíritos. Mas engana-se quem pensa que esses demônios eram considerados inimigos dos deuses na mitologia mesopotâmica: "Eles eram considerados filhos ou criaturas dos deuses, embora não fossem divinos. Nunca seriam capazes de atacar os deuses -- só incomodavam o homem."
É claro que uma pergunta fica no ar: será que funcionava? Uma das dificuldades nesse ponto é identificar que tipo de plantas eram empregadas nos tratamentos. Böck conta que não há desenhos nem descrições claras das plantas, mas algumas foram identificadas por critérios lingüísticos.
É que o acadiano, usado nos textos, é uma língua semita -- "prima" do árabe e do hebraico --, o que facilita identificar o sentido das palavras por métodos comparativos. Algumas das plantas parecem ser o tomilho (usado contra tosses), azeite de oliva e óleo de gergelim, misturados com resina de cipreste ou junípero, usados para melhorar a circulação do sangue.
Outra diculdade são os conceitos modernos e antigos de doença e cura, que muitas vezes não "batem", explica a especialista. Böck diz que está colaborando com estudiosos da medicina greco-romana para tentar comparar tratamentos e resultados nas diferentes culturas antigas.
Fonte: