A chegada ao poder de Dilma Rousseff tem tido diversas interpretações por parte de jornalistas, colunistas, articulistas e outros “istas”, mas, talvez, a mais citada seja a questão de gênero: ela é a primeira presidenta eleita para assumir o cargo mais importante do país.
A diretora do Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina (Cedhal) e ex-presidente da Associação Nacional de História (Anpuh) e do Museu Paulista da USP, Eni de Mesquita Samara, em entrevista publicada na edição 64 da “Revista de História da Biblioteca Nacional”, que chega agora em janeiro de 2011 às bancas do país, afirmou que ficou muito feliz com a vitória de uma mulher na corrida presidencial.
“As mulheres sempre ocuparam postos secundários. Isso é verdade mesmo nos altos escalões. Sempre foram os homens que tiveram as posições de frente. E eu acho que, com a presença da Dilma, esse cenário de dominação masculina está começando a mudar um pouco. Na verdade, não é o gênero que importa, mas a qualificação da pessoa.”
[À esquerda: Dilma Rousseff ao receber a faixa presidencial]
Ela até lembrou que não é de hoje que as mulheres são quase metade das chefes de família, como acontecia desde o período colonial.
“O maior grupo de mulheres trabalhando e chefiando famílias foi encontrado em Vila Rica de Ouro Preto, onde 45% das mulheres eram chefes de domicílio. O percentual de São Paulo era de 30%”, diz ela.
Antes de Dilma, princesa e rainhas
Entretanto, Dilma não é a primeira mulher a comandar o Brasil. Antes dela, Leopoldina, Dona Maria I, e a princesa Isabel, também assumiram o posto. Isabel foi a que tomou o maior número de atitudes que entraram para a História, como ter assinado a Lei Áurea, que acabou com a escravidão no país. O historiador Roderick Barman, que estudou a filha de D. Pedro II, consegue ver coincidências entre as trajetórias de Isabel e Dilma.
“D. Isabel exerceu a regência e Dilma a presidência graças à intervenção (muito diferentes entre si) de dois homens", escreveu por email. "Ele estava disposto a deixá-la agir como regente (e claramente não esperava que ela tomasse um curso independente das ações ou adotasse um estilo de governo diferente do dele).” E continua: “Eu acho que Lula pode ter imposto Dilma como a sua candidata porque ele acreditava que ela não adotaria um curso independente das ações ou adotasse um estilo de governo diferente do que ele estabelecera. Se ela vai ou não confirmar essas expectativas, vocês estão melhor localizados para saber que eu, que vivo aqui em Vancouver (longe da pátria amada).”
Ele lembra que a princesa Isabel “não tinha nem o interesse nem a capacidade para os assuntos públicos ou para a política”, aparecendo realmente somente no episódio da abolição da escravidão, e sendo associada a assuntos ligados a moral e a religião.
[À direita, a princesa Isabel]
“Ela assinou a Lei do Ventre Livre em 1871, mas seu papel nessa primeira luta contra a escravidão não foi mais que nominal”, escreve ele. “Dilma pode aprender com D. Isabel é que para ser eficaz como a chefe de estado ela deve se engajar no dia a dia com as pessoas comuns, sendo vista como ‘simpática’ (o que D. Isabel nunca foi ou tentou ser). Ela deve evitar ser identificada como um zelote ideológica, como aconteceu com D. Isabel, no que diz respeito a religião católica.”
‘Objetos sexuais’
Barman não vê o Brasil como uma “sociedade declaradamente machista”, mas as mulheres, em sua opinião, sempre foram tratadas como “objetos sexuais”.
“Até recentemente, uma mulher inteligente e hábil em busca de uma carreira independente chamaria a atenção, mas ela nunca seria encarada como confiável. No máximo, o mais longe que ela poderia chegar seria uma posição de segundo escalão.”
Ele acredita que a situação mudou por conta do movimento feminista nos EUA e da participação de mulheres (Dilma incluída) nas campanhas pelo fim do regime militar.
“A eleição de Dilma para ser a presidente nos próximos quatro anos e o fato de Dilma ter indicado diversas (mas não tantas quanto ela prometera) ministras terá um impacto importante em fazer com que os brasileiros, homens e mulheres, aceitem sem pensar as mulheres como líderes naturais.”
Fonte: