O filme "Bruna Surfistinha", que estreia este fim de semana em cinemas de todo o país, fala sobre a ascensão de um tipo de prostituição que hoje já se tornou comum: aquela que acontece em meio a bits e bytes na internet. No filme, a personagem interpretada pela atriz Deborah Secco é demitida de uma casa onde fazia atendimento privé e, com a ajuda de uma amiga mais abastada, consegue se estabelecer num apartamento de luxo. Lá ela recebe clientes que agenda através de seu blog, que de tão popular, a transforma na prostituta mais famosa da internet. Todo esse processo é mostrado com tamanha naturalidade no filme, que têm-se a impressão de que o meretrício virtual, em nossas cidades, é uma atividade como outra qualquer.
Se existe um país onde o sexo sempre foi praticado com muita naturalidade, este é o Brasil. Logo no dia em que os integrantes da tripulação da Cabral começaram a trocar as primeiras “quinquilharias” pelos trabalhos dos índios, entre os quais se incluía o sexo com as índias que habitavam nossas matas por volta de 1500, os europeus perceberam que o Brasil era uma das terras mais generosas para esse tipo de atividade.
A coisa começou a se profissionalizar de fato no século XVII quando, vindas da Holanda, um número considerável de “mulheres fáceis” desembarcou em Recife, para satisfazer aos colonos (no caso, os holandeses que também pretendiam colonizar nossas terras) menos propensos ao exotismo que representava copular com as nativas. E moças como Christianazinha Harmens, Anna Loenen, Janne Ken Jous (nomes de algumas das beldades registradas nos anais da história) até que se deram bem. Depois que a invasão holandesa foi debelada em 1654, foi feito um inventário dos prédios erguidos na região, e foi constatado que muitos deles pertenciam a moças que, para adquiri-los, tiveram que dar muito de seu suor para mancebos sedentos e bem abastados.
Pode-se também dizer que a prostituição em Recife ajudou a sedimentar a diversidade racial que hoje é marca registrada do Brasil. Segundo relatos da época, misturavam-se, nos bordéis de então, “todos os elementos de que se aproveitou a colonização holandesa: o inglês, o francês, o alemão, o índio, o negro, o judeu e o português. Todas as raças de que se compunha o exército flamengo – que era liderado pelos holandeses quando se estabeleceram no nordeste de nosso país.”
A prostituição brasileira de fato, ou seja, a que foi trazida pelos próprios portugueses para se instalar por aqui, se iniciou na época da chegada de D. João VI e da família real. Nessa época, a Corte trouxe mulheres judias, polacas e francesas da Europa para atender a nobreza. Elas acabaram indo fazer ponto no caminho para o Palácio de São Cristóvão, o que, então, era característico de uma prostituição feita para as altas classes. Só que, de acordo com a História do Brasil alternativa, revista em filmes como “Carlota Joaquina”, de Carla Camuratti, quem gostava de aprontar não era o imperador e sim a imperatriz que, afinal, aspirava mais à liderança que seu marido.
A prostituição, na então capital do império, mudou muito com o passar dos anos. No final do segundo reinado, o gesto histórico da Princesa Isabel (ao assinar a famosa Lei Áurea) e o próprio desenvolvimento da cidade acabaram criando um espaço individualizado, onde as mulheres da vida passaram a viver e trabalhar: a famosa Zona do Mangue. O fato é que, com a libertação dos escravos, muitas meninas que estavam sem moradia ficaram ao léu. Os escravos podiam sofrer e não ter salário, mas, enquanto se submetiam às vontades de seus proprietários, tinham casa e comida. Com a abolição da escravatura, eles continuaram sem ganhar dinheiro, pois ninguém queria lhes dar emprego. E ainda por cima ficaram sem ter onde morar e como se alimentar. Por essas e outras, a dita zona começou a se estruturar quando as escravas que não tinham onde morar resolveram se dedicar a prostituição e trabalhar no próprio vilarejo que levantaram para também residir. Nele também acabaram se refugiando outras camadas de mulheres das classes média e baixa.
A Zona, no Rio de Janeiro, mudou várias vezes de lugar, mas permaneceu instalada no mesmo bairro do Estácio. Essas mudanças se devem principalmente a três movimentos de repressão social às prostitutas que transcorreram ao longo do século XX. O primeiro aconteceu na época da primeira grande reformulação da cidade feita na década de 20 pelo prefeito Pereira Passos (cujas empreitadas deram um desenho básico para o Rio: foi ele que construiu algumas das ruas e avenidas mais importantes da antiga capital da República, como a Presidente Vargas, por exemplo). O prefeito era da linha higienista e achava que a retirada das moças das ruas era primordial para seu projeto. O segundo movimento teve características semelhantes ao primeiro e aconteceu na época do Estado Novo de Getúlio Vargas (governante este, que apesar de condenar as profissionais, vivia dando suas escapadinhas com vedetes como Virgínia Lane, que há coisa de duas décadas admitiu a veracidade dos boatos), enquanto que o terceiro aconteceu há menos tempo, nos anos 70, por causa das obras do metrô que, mais tarde, obrigaram as prostitutas a migrarem para a rua Ceará (a atual Vila Mimosa).
Apesar de tanta repressão, a Zona do Mangue também teve seus momentos áureos, principalmente nas décadas de 30 e 40, quando chegou a abrigar cerca de sete mil mulheres, e foi muito frequentada por artistas e grandes compositores. Lasar Segall, por exemplo, fez uma série de estudos e grafites das mulheres que trabalhavam no Mangue. Di Cavalcanti também elegeu várias delas como musas e as colocou em muitos de seus quadros. Isso sem contar com outros frequentadores ilustres como o poeta Manuel Bandeira, o sanfoneiro Luiz Gonzaga, o flautista Benedito Lacerda e gente do samba como Cartola, Ismael Silva e Nélson Cavaquinho.
Daí em diante, a coisa começou a minguar. Em 1959, fala-se que havia 2.635 mulheres, frequentando 193 quartos, em 21 bordéis. Já em 1968, ano em que a Rainha Elizabeth visitou o Brasil e a Zona do Mangue foi coberta por tapumes para não espantar a comitiva real inglesa, havia cerca de 1.500 profissionais trabalhando. A exatidão desses números se deve justamente à ação policial repressora, que fichava constantemente quem estava trabalhando nessa atividade, então completamente ilegal.
Um movimento curioso de prostitutas no Brasil se deu na época da Segunda Guerra Mundial, quando um grande número de mulheres judias fugidas da Europa veio para o Brasil para escapar do Nazismo e acabou na vida fácil. Na época, elas foram muito discriminadas pela comunidade judaica carioca. Tanto que nem podiam frequentar as sinagogas e nem ser enterradas nos mesmos cemitérios reservados aos judeus no Rio. Para os judeus de então, “prostituta, ladrão e assassino ficavam no mesmo saco.” Por conta disso, elas se organizaram num movimento, arrecadaram fundos e construíram sua própria sinagoga e seu próprio cemitério.
A prostituição no Brasil, é claro, não se restringiu apenas à antiga capital da república. São Paulo, por exemplo, não tem uma zona de prostituição como a do Rio. Mas o movimento das prostitutas por lá, evidentemente, também tem história. Quando ele começou a se alastrar pela capital paulista, a coisa aconteceu de fato em prédios. Havia dois pontos básicos onde funcionava a prostituição em São Paulo: a Boca do Luxo (Rua Major Santoro, Rua Augusta, Praça Roosevelt etc.) e a Boca do Lixo (Praça Júlio Mesquita, Rua Aurora, Rua Vitória, Praça da República etc.). Na do Lixo, prédios grandes de até 12 andares eram, em sua época, totalmente dedicados à prostituição. Os homens, para aproveitar bem o ambiente, tinham que subir até o último andar dos edifícios de elevador e descer as escadas, pelas quais as prostitutas se espalhavam.
Com o passar dos anos, a prostituição no Brasil mudou de objetivos. Durante os séculos nos quais imperou a escravidão, vender o corpo era o tipo de atividade que começava com o abuso de senhores de engenho e era fruto da falta de oportunidades de trabalho. Para muitos antropólogos, esses fatores explicam porque a exploração sexual dos menos favorecidos, até hoje, ainda se faz bastante presente em nossa cultura.
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