Os Britânicos ocupam o Egito
O Império Britânico decidiu-se por ocupar o Egito, em 1882, então submetido ao Império Otomano, por duas razões: uma de ordem estratégica e a outra econômica. A estratégica é que lá fora construído o Canal de Suez, inaugurado em 1869, importante passagem que ligava os oceanos orientais ao mar Mediterrâneo, a motivação econômica era que o Egito era o maior produtor de algodão do mundo, matéria-prima fundamental para a industria têxtil inglesa, a mais moderna da época. Esta dupla importância do Egito é que explica porque a Grã-Bretanha manteve-se por lá por 72 anos, até que o movimento Nasserista pôs um fim no seu domínio.
A OCUPAÇÃO (1882-1914)
O pretexto para que tropas inglesas desembarcassem em Alexandria, bombardeada um pouco antes pela esquadra real, e depois rumassem para o Cairo, foi um incidente envolvendo um significativo grupo de militares liderados por Orabi Pacha, ministro da guerra contra o governo. Nos começos de 1881 eles realizaram uma marcha em direção ao Palácio exigindo o fim da submissão do quediva (vice-rei, para os turcos) aos bancos europeus e a instituição de um sistema parlamentar de governo (Ismail Pacha, chefe do governo, acumulara enorme dívida resultante da construção do Canal de Suez, escavado entre 1859-1869, tendo sido obrigado a vender parte do seu controle acionário para os britânicos).
Os britânicos alegaram que seus interesses estavam ameaçados pela Revolução Orabi e bateram as forças egípcias em Tel El-Kibir. Orabi e seus oficiais foram condenados à morte por insubordinação mas depois enviados para um desterro perpétuo no Ceilão (então colônia britânica).
Desde então, do ano de 1882 em diante, a região do grande rio Nilo viu-se incorporada ao Império Britânico. Num primeiro momento, a estratégia de ocupação baseou-se na velha prática colonial do Indirect Rule, do govenro indireto. Ao invés do país ser administrado às escancaras por um governador britânico, seguindo o modelo dos pró-cônsules romanos, decidiram manter no posto o antigo quediva (o vice-rei, para os turcos).
O primeiro destes governantes colaboracionistas foi o quediva Tawfiq, sendo depois, em 1892, sucedido pelo quediva Abbas, que terminou sendo destituído pelos britânicos em 1914 , no começo da Primeira Guerra Mundial (por demonstrar inclinações pró-germânicas).
Em verdade, quem mandava no país eram os Altos Comissários Gerais britânicos, que por igual acumulavam a função protocolar de cônsules gerais do Império Britânico no Egito. No período que se estende do ano da ocupação, em 1882, até 1914, quando o estatuto da relação entre britânicos e egípcios voltou a mudar, os principais Comissários Gerais foram: Lord Cromer, que regeu os destinos do país como se fora um autocrata (de 1883 a 1907); Sir John Eldon Gorst (1907-1911); Lord Herbert Kitchner (1911-1914) e Sir Reginald Wingate, que além de comandante militar tornou-se governador-geral, até 1916.
A base social que dava sustentação ao domínio britânico vinha dos latifundiários plantadores de algodão que eram os principais interessados no comércio direto com a Grã-Bretanha. O próprio Lord Cromer tornou-se milionário explorando os algodoais. A população (apesar de haver no Egito uma minoria copta, era de fé muçulmana) naturalmente que reagia na menor oportunidade para demonstrar seu descontentamento com o destino do país, administrado de fato por uma potência cristã. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, os egípcios depositaram suas esperanças de que no final do conflito pudesse ocorrer a evacuação das tropas britânicas do país. Todavia, a aliança dos britânicos com as tribos árabes para lutarem numa frente comum contra o Império Otomano, causa que fez a fama de Lawrence da Arábia, autor de "Os Sete Pilares da Sabedoria", determinou um outro resultado.
Como se revelou depois, pelo acordo secreto Saykes-Picott, de 1916, a Grã-Bretanha e a França, que terminaram por vencer a guerra, não tinham nenhum intenção de abandonar o Oriente Médio. Muito pelo contrário. As duas potências colonialistas, sócias no controle do Canal de Suez, não só não estavam dispostas a ceder qualquer autonomia aos egípcios e aos árabes, como acertaram entre si dividir as antigas províncias otomanas (a Grã-Bretanha manteve o Egito, mais a Palestina, a Transjordânia e a Mesopotâmia - o Iraque de hoje -, enquanto a França ficou com o Líbano e a Síria). Intenção que se confirmou definitivamente no Tratado de Sèvres, de 1920.
O nascimento do nacionalismo egípcio
O Egito por ser a maior nação muçulmana do Oriente Médio, sede da Universidade de Al-Azhar, do Cairo, centro do pensamento e da lei islâmica, teve um papel fundamental na liderança do movimento anticolonialista. Foi no Cairo que se deu por primeiro o efeito da ação de Jamal-al-Din al-Afghani (1838-1897), o patriarca do pan-islamismo, e do seu discípulo e seguidor Saad Zaghlul ( 1859-1927), um graduado em leis corânicas e fundador do mais importante partido egípcio que lutaria pela emancipação: o Partido Wafd.
Quando o Armistício foi assinado em 11 de novembro de 1918, entre os Aliados Ocidentais e as Potências Centrais, Zaghlul tratou de pressionar o Alto Comissariado Britânico para que as tropas inglesas saíssem finalmente do Egito. Os nacionalistas locais sentiram-se estimulados por um dos Quatorze Ponto, anunciados pelo presidente W.Wilson dos Estados Unidos em 8 de janeiro de 1918, especialmente pelo XII Ponto que enfatizava a que os povos dominados pelo Sultão de Istambul, ao livrarem-se dele, deviam seguir pela estrada da autodeterminação.
Evidentemente que esta posição do presidente norte-americano ao tempo em que afrontava os interesses britânicos, fazia soar o clarim da esperança para os egípcios e para os árabes de um modo geral. Zaghlul tratou logo de constituir uma delegação (al-Wafd em árabe-egípcio), no dia 13 de novembro de 1918, para se fazer presente tanto em Londres - para pleitear a autodeterminação - como também na França, para estar atuante nos Tratados de Paris, acertados para serem realizados em 1919.
A Grã-Bretanha retoma as rédeas
As autoridade britânicas do Cairo, entretanto, reagiram de modo negativo às justas demandas dos nacionalistas egípcios. Prenderam Zaghlul e um grupo dos seus seguidores mais próximos e os enviaram desterrados para a ilha de Malta. Esta medida afrontou o povo e foi o sinal para um levante generalizado dos egípcios, indignados com a detenção do seu líder. Deu-se então um sem-fim de ataques aos soldados ingleses e aos grandes empórios comercias que os britânicos tinham nas principais cidade, como Cairo, Port Said, Ismailia, Suez e Alexandria. O Egito parecia ter pego fogo.
Tão tumultuada ficou a situação que Londres, sentindo a perda do total do controle sobre o pais, enviou para o Egito ninguém menos do que o general Allenby, o herói britânico da guerra da Palestina, para sufocar o motim, debelado ao custo de 800 vidas de populares egípcios e a de 29 integrantes das forças de ocupação. O Império Britânico, que num encontro preliminar com Zaghlul havia se mostrado disposto a por um fim no Protetorado, não tinha nenhuma intenção de sair do Cairo. Assim é que os britânicos logo engendraram uma nova forma de continuar o seu domínio mudando apenas sua aparência com a instalação de uma monarquia colaboracionista, entronando para tanto, no ano de 1922, Fuad I ( fórmula que foi por igual aplicada por eles nas novas áreas conquistadas aos turcos em 1918, com a implantação de uma monarquia na Transjordânia e outra no Iraque). Assim, a independência egípcia, na prática, virou letra morta.
Mantinha-se a fachada de autonomia prevista pelo XII Ponto de Wilson, enquanto que de fato as tropas inglesas mantinham-se estacionadas nos pontos chaves do país - especialmente ao redor do Canal de Suez - conservando a Grã-Bretanha os seus interesses estratégicos e econômicos intactos.
Zaghlul, depois de libertado, teve que se conformar em liderar a oposição com forte presença no parlamento egípcio, até a sua morte em 1927. Conservou como projeto o sonho utópico de Al-Afeghani que aspirava a formação de uma só nação Pan-islâmica que pudesse manter-se afastada da opressão sufocante dos bancos ocidentais e ainda mais distante do islamismo medieval - que ele entendia como um dos principais entraves ideológicos e mentais à modernização do Oriente Médio. Para ele o mundo árabe continuou sendo visto como uma unidade com um destino comum cujo imperativo era resistência ao domínio colonialista. O regime futuro deveria pautar-se pela democracia, baseada na liberdade política e econômica e na igualdade social. Considerado o Pai do Egito, o funeral de Zaghlul atravessando as ruas do Cairo foi o maior da história do Egito moderno (somente superado depois pelo de Gamal Nasser, em 1970).