CECÍLIA PRADA
Adolpho Lutz / Foto: reprodução
A comunidade científica brasileira comemorou em 2005 o sesquicentenário de nascimento de Adolpho Lutz (1855-1940) - um médico e cientista que alcançou renome internacional, um sábio que colocou seu saber a serviço da medicina social. Muito apropriadamente, a Editora Fiocruz está lançando a Obra Completa de Adolpho Lutz - um acervo precioso que inclui, além de uma elaborada biografia, da vastíssima correspondência do cientista e da edição crítica dos quase 200 trabalhos que publicou em vida, o registro de todo o material inédito referente às pesquisas realizadas no último período de sua vida (de 1908 a 1940), em Manguinhos (RJ).
Serão ao todo cinco caixas, cada uma contendo de três a cinco livros, apresentados em três idiomas, português, inglês e alemão, num total previsto de 10 mil páginas - o primeiro volume foi lançado no final do ano passado. Os temas que servem como elementos de ordenação do material atestam a amplitude do saber do cientista: helmintologia, entomologia, malacologia, micologia, dermatologia, herpetologia, protozoologia e botânica, além de estudos de aves e mamíferos. Lutz é também considerado o pioneiro na área de veterinária no Brasil.
Segundo Jaime Larry Benchimol - historiador que, com a bióloga e historiadora da ciência Magali Romero de Sá, coordena esse projeto -, "traço marcante da trajetória de Lutz é a combinação de grande versatilidade e erudição nos domínios da história natural e da biologia com o engajamento médico e sanitário". Pesquisou especialmente as doenças bacterianas e as transmitidas por insetos sugadores de sangue e outros hospedeiros. E teve um papel extremamente relevante no combate a moléstias como febre amarela, malária, lepra, micoses, peste bubônica, disenterias, cólera, febre tifóide, esquistossomose. Da maior importância são também suas descobertas de doenças até então não descritas, como a variedade "silvestre" tanto da malária como da febre amarela.
A formação
Descendente de uma das mais ilustres famílias de Berna, na Suíça, e neto de um cirurgião que tomara parte nas campanhas napoleônicas, Adolpho Lutz foi sempre, tanto por tradição como por formação e temperamento, tipicamente germânico. Quis o acaso, porém, ou o destino - para grande sorte nossa - que fosse brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 18 de dezembro de 1855. Seus pais haviam emigrado para o Brasil em 1849, mas, quando Adolpho estava com dois anos, resolveram voltar para a Suíça, assustados pela incidência de epidemias tropicais - varíola, febre amarela, cólera - que assolavam o país. Em 1864 a família voltou para o Brasil, mas os três filhos mais velhos, entre os quais Adolpho (seriam dez ao todo), lá permaneceram para estudar. O jovem, que desde 5 anos de idade mostrara um extraordinário interesse pela ciência, só voltaria ao Brasil em 1881, após doutorar-se em medicina.
Na década de 1880, a família Lutz estava completamente estabelecida no Brasil - o pai, Gustav, tinha uma empresa importadora/exportadora, e a mãe, Mathilde, criara e mantinha no Rio de Janeiro o renomado colégio "Suísso-Brazileiro". Em 1882, depois de revalidar seu diploma e de uma curta estada em Petrópolis, Adolpho decidiu clinicar na cidade paulista de Limeira, onde morava uma de suas irmãs, casada.
Mas seu grande interesse continuava a ser a pesquisa. Em 1885, após uma série de artigos seus sobre ancilostomíase ser publicada em Leipzig, viajou para Hamburgo, para especializar-se em dermatologia. Tomou então a decisão de dedicar-se à bacteriologia, relacionada a várias doenças dermatológicas, principalmente a hanseníase.
Entre os leprosos
Voltando da Alemanha, Adolpho Lutz decidiu mudar-se para São Paulo. Logo depois, no entanto, já partia novamente, tomando um rumo ousado - o leprosário da ilha de Molokai, no Havaí, onde trabalharia de novembro de 1889 a julho de 1892. Fora indicado para esse trabalho por seu ex-professor, doutor P. G. Unna, de Hamburgo. Por essa época, Lutz não somente já tivera ocasião de tratar de leprosos no Brasil - onde a doença era comum - como publicara, na Alemanha, importantes trabalhos de pesquisa sobre a etiologia da moléstia.
Considerada altamente contagiosa e incurável, a lepra era a doença mais temida, até meados do século 20. Impunha-se uma segregação rigorosa aos pacientes, nos leprosários, sem nenhum contato com a família ou o mundo exterior. Em Molokai, no ano em que Lutz chegou, havia 881 doentes internados, embora as estimativas de incidência entre a população do Havaí indicassem o dobro desse número. No final do seu período de trabalho, o cientista brasileiro enviou artigos à Alemanha, relatando com exatidão como, de antigo "paraíso" - no início do século 19 -, o Havaí se transformara num verdadeiro viveiro de moléstias introduzidas pelos estrangeiros (chineses, japoneses, portugueses, alemães, americanos, ingleses - que somavam mais de 50% dos habitantes).
Assim, além da lepra, epidemias de sarampo e de varíola dizimavam regularmente a população, sem mencionar a altíssima incidência de tuberculose e de moléstias secundárias, como escabiose e "nodosidades justa-articulares" (tumores localizados quase sempre na região de uma articulação) - neste último caso, em pacientes, segundo Lutz, "todos eles mais ou menos suspeitos de sífilis". Anos mais tarde, essas "nodosidades", descritas por ele, foram também amplamente estudadas por Jeanselme e acabaram denominadas com os nomes dos dois cientistas, Lutz-Jeanselme.
Casamento e retorno
Para aplicar em Molokai os métodos de seu ilustre professor de Hamburgo, doutor Unna, o médico brasileiro conseguiu, após demorada controvérsia com o Conselho de Saúde do Havaí, que fossem separados 20 doentes - sobre os quais exerceria uma observação mais intensa, com ampla liberdade de medicação e tratamento. Argumentava Lutz que cuidara de cerca de 250 leprosos no Brasil, 50 deles seguidos por longo tempo, e que o progresso da doença fora detido em todos os casos, nos últimos dois anos.
Sua mais dedicada auxiliar era a enfermeira britânica Amy Fowler, uma irmã leiga católica de 25 anos que resolvera dedicar sua vida aos leprosos. Ela e o doutor Lutz eram os únicos que não temiam o contágio, na equipe da colônia. Em 1890, porém, Amy advertiu e puniu um auxiliar administrativo, hanseniano, por fazer comentários malévolos com os demais pacientes, atribuindo o quadro psicótico apresentado por dois deles à medicação usada pelo doutor Lutz. O funcionário recorreu ao Conselho de Saúde, que nomeou uma comissão de inquérito, na qual médico e enfermeira foram interpelados agressivamente.
Indignado com o que julgou uma ofensa pessoal, Lutz apresentou ao conselho seu pedido de demissão em caráter irrevogável, já que um simples pedido de informações poderia ter esclarecido tudo. O pesquisador Benchimol dá uma outra versão dos fatos, citando depoimento de Bertha Lutz: um missionário branco internara em Molokai como leproso um seu irmão, são, que se amasiara com uma mulher indígena. Adolpho Lutz desafiou o missionário, muito influente na colônia, dando alta ao falso doente.
Amy acompanhou Lutz na demissão. Os dois haviam se apaixonado e casaram-se em abril de 1891. Viveram e trabalharam em Honolulu até meados de 1892. Em agosto foram para San Francisco (EUA), onde Lutz clinicou até o final daquele ano. Na volta ao Brasil, receberia um duro golpe. Logo ao desembarcar, em janeiro de 1893, soube que sua mãe falecera dias antes, vítima de uma queda em escada. Gustav, seu pai, também falecera em 1891.
O casal resolveu estabelecer-se em São Paulo, onde nasceram seus filhos: Bertha (1894-1976), bióloga e feminista que introduziu no Brasil, em 1918, a luta pelo direito das mulheres ao voto, tendo sido mais tarde deputada; e Gualter Adolpho (1903-1969), que se destacaria no campo da medicina legal.
Caçador de micróbios
Para bem avaliar o que foi o trabalho de Lutz em São Paulo - onde permaneceu de 1893 a 1908, chefiando o Instituto Bacteriológico (que logo após sua morte, em 1940, seria denominado Instituto Adolpho Lutz) - é preciso situar, em relação à época, o que foi a sua geração: ela representou, no Brasil, os "caçadores de micróbios" espalhados por todo o mundo, que tentavam renovar o panorama da saúde pública, seguindo o trabalho pioneiro de seu grande mestre, Louis Pasteur.
Até 1870, no dizer do historiador Affonso de Freitas, "São Paulo mal entrara no século 19" - continuava a mesma modorrenta cidade colonial, limitada em perímetro urbano e contando com uma população de pouco mais de 20 mil habitantes. E com a mesma precária situação sanitária e insuficientes cuidados coletivos com higiene e saúde.
A partir do governo de João Teodoro Xavier de Matos (1872-1875) essa situação começou a mudar, devido ao apogeu da cafeicultura e à vinda de grandes levas de imigrantes europeus. Se antes a capital contava com apenas dois hospitais - a Santa Casa de Misericórdia, inaugurada em 1840, e a Beneficência Portuguesa, em 1854 -, na década de 1880 esse número aumentaria rapidamente, organizando-se os imigrantes de várias nacionalidades na criação de hospitais próprios.
João Teodoro promoveu grandes trabalhos públicos, como pavimentação de ruas, abertura de novas vias, inauguração de sistema de transporte coletivo (bondes com tração animal), melhora na iluminação, grande incentivo à construção de escolas. No campo da saúde pública, aumentou o número de hospitais, canalizou água potável para os principais bairros, promoveu uma campanha de vacinação contra a varíola.
Iniciativa maior do período foi a criação e início da construção, em 1875, do Hospital de Isolamento, hoje Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na então descampada área da Estrada do Araçá. A instituição festejou em 8 de janeiro os 125 anos de sua inauguração. Ultrapassando seu primeiro objetivo, o de manter em quarentena os afetados por doenças transmissíveis, na última década do século 19 - com a chegada ao Brasil de uma nova teoria biomédica -, o Hospital de Isolamento pôde desempenhar um importante papel na conjuntura sanitária e nas pesquisas que, em alguns anos, conduziriam ao controle e erradicação das principais epidemias em nosso meio.
Em julho de 1892, com a regulamentação do Serviço Sanitário do Estado (instituído em 1891), foram criados quatro grandes "laboratórios", que teriam importante papel no desenvolvimento da política de saúde: o de Análises Químicas, o de Bacteriologia, o Instituto Vacinogênico e o Farmacêutico. Em 1901, uma unidade egressa do Instituto Bacteriológico (ex-Laboratório de Bacteriologia) passaria a funcionar de forma autônoma: o Instituto Soroterápico, dirigido pelo médico Vital Brazil Mineiro da Campanha, e rebatizado, em 1925, como Instituto Butantan.
O período que Lutz passou em São Paulo, dirigindo o Instituto Bacteriológico (1893-1908), é considerado o mais brilhante de sua carreira. Sem sua atuação, sua prática clínica em doenças tropicais, não teríamos tido o rápido controle da peste bubônica, do cólera, da febre amarela, da febre tifóide. No entanto, foi o cientista muito atacado, inclusive pela imprensa, principalmente por elementos tradicionalistas e prestigiosos da classe médica - que ora contestavam os diagnósticos do Instituto Bacteriológico, ora levantavam dúvidas e negavam a própria existência de epidemias.
Em 1893 houve uma suspeita de cólera na Hospedaria dos Imigrantes. Empregando os processos técnicos mais avançados, Lutz conseguiu em apenas dez horas detectar o vibrião colérico em dejeções dos doentes, favorecendo assim a manutenção de uma vigilância contínua sobre a doença. No verão de 1894-95, novo surto, mais extenso, atingiu regiões diversas do estado, com predominância do vale do Paraíba. Na localidade de Cruzeiro encontraram-se a comissão paulista, chefiada por Lutz, e a do Rio, sob a direção de Oswaldo Cruz - juntaram esforços no combate à doença, reconhecendo os cariocas a superioridade da aparelhagem sanitária paulista.
Em 1899, chegava a tão temida peste bubônica ao Brasil. Irrompeu em Santos (SP), provocando ação imediata do Serviço Sanitário do Estado e do Instituto Bacteriológico. Para a cidade portuária foi enviado imediatamente o doutor Vital Brazil, para realizar pesquisas. Por infelicidade, ele contraiu a moléstia, mas reagiu positivamente ao tratamento com soro antipestoso - um remédio que tinha de vir do Instituto Pasteur, de Paris, ou então da Itália. Emílio Ribas desenvolveu todos os esforços para obtê-lo em quantidades suficientes - chegou a usar de um expediente diplomático para subir a bordo de um navio francês atracado em Santos, conseguindo que o comandante lhe cedesse parte da reserva do soro que tinha.
Mas, quando Ribas e Lutz levaram ao governo do estado a necessidade de declarar publicamente a epidemia, com a provável interdição do porto de Santos, os comerciantes locais se amotinaram, porque essas medidas prejudicariam o comércio internacional e o afluxo de turistas às praias. Reuniram-se na estação da estrada de ferro à espera do desembarque dos dois médicos, para assassiná-los - segundo depoimentos dos filhos de Lutz, colhidos por Maria Sabina de Albuquerque (in "Revista do Instituto Adolpho Lutz" nº 10, de 1950). Apesar da ameaça, Lutz queria seguir para Santos a todo custo, mas só teria sido salvo porque o gerente inglês da São Paulo Railways recusou-se terminantemente a deixá-lo embarcar.
O surto não ficaria restrito a Santos, espalhando-se em 1900 por outras cidades do interior paulista, e atingindo Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Maranhão. Todos esses locais foram, contudo, beneficiados com um pronto tratamento, pois em São Paulo o Laboratório Soroterápico, anexo ao Instituto Bacteriológico e dirigido pelo doutor Vital Brazil, já produzia o soro antipestoso em quantidade suficiente.
Febre amarela e outras
A febre amarela foi o principal problema de saúde pública no Brasil, nas últimas décadas do século 19 e nas primeiras do século 20. Os pesquisadores da época estavam divididos quanto à etiologia da moléstia - contra a teoria de que seria transmitida por um bacilo (desenvolvida pelo médico italiano Giuseppe Sanarelli) estavam os que, como Lutz, a atribuíam à transmissão por um mosquito, na época denominado Stegomyia fasciata, hoje conhecido como Aedes aegypti.
Em 1901, experiências decisivas foram feitas em Cuba por uma comissão médica do exército norte-americano, entre as tropas lá estacionadas - após o término da Guerra Hispano-Americana, na qual a principal causa de mortalidade dos soldados fora a febre amarela, e não os ferimentos em combate. O saneamento dos acampamentos, o isolamento dos doentes sob mosquiteiros, o extermínio de mosquitos e de suas larvas romperam o ciclo de propagação. Em seis meses a febre amarela foi subjugada.
Em fins de 1901, Emílio Ribas, por sugestão de Adolpho Lutz, obteve do presidente do estado, Rodrigues Alves, autorização para reproduzir as experiências de Havana na capital paulista, isenta de febre amarela, com voluntários - entre os quais estariam os dois médicos. Lutz viajou para o Rio de Janeiro para buscar coleções de mosquitos, com os quais iniciou a reprodução controlada de exemplares desde a fase larvária, para mais tarde infectá-los unicamente com as picadas em doentes. A primeira série de experiências transcorreu de 15 de dezembro de 1902 a 20 de janeiro de 1903. Durante cinco sessões, seis homens adultos encerrados em dependências do Hospital de Isolamento deixaram-se picar por mosquitos que haviam sido infectados com um caso leve de febre amarela, surgido em São Simão. Três dos voluntários contraíram a doença, mas se restabeleceram. Ela não se manifestou no quarto voluntário, nem em Ribas, nem em Lutz - provavelmente por uma questão imunológica.
Todos os resultados foram registrados em atas elaboradas por uma comissão de médicos observadores - cuja conclusão foi a confirmação da transmissão pelo mosquito. Uma segunda fase da experiência, realizada de 20 de abril a 10 de maio de 1903, corroborou a tese dos "mata-mosquitos": três imigrantes italianos, voluntários, foram mantidos em reclusão em quartos protegidos de mosquitos mas repletos de roupas e objetos sujos de urina, vômito e fezes de doentes, durante dez dias, e não tiveram o menor sinal da doença.
Outra grande controvérsia em que Adolpho Lutz se envolveu foi a causada pelas chamadas "febres paulistas" - surtos bastante comuns em vários pontos do estado e de etiologia indeterminada. Popularmente eram chamadas de "febre quilométrica", "febre renitente" ou "febre cansa-médico". Caracterizavam-se por diarréia de maior ou menor intensidade, e a maioria dos médicos via nelas manifestações do tipo malárico. Com a experiência que adquirira, Lutz identificou-as facilmente como febre tifóide e mais uma vez liderou campanha pela sua erradicação, enfrentando a opinião dos colegas.
Em 1908 Lutz deixou o Instituto Bacteriológico, aceitando um convite de Oswaldo Cruz para trabalhar com ele em Manguinhos, no Rio de Janeiro. Permaneceu lá até sua morte, em 1940 - aos 85 anos. Viajou pelo Brasil todo e por vários países estrangeiros, onde seu talento e a primazia de seus trabalhos em medicina tropical foram sempre reconhecidos. Recebeu as maiores honrarias, entre as quais se destaca o Prêmio Einstein, outorgado pela Academia Brasileira de Ciências.
O "ranzinza"
Apesar de sua grande bondade, o doutor Lutz não tinha um temperamento dos mais fáceis - era irritadiço, caladão, exigente e pouco sociável. Os estudantes, ao passarem diante de seu gabinete, em Manguinhos, falavam baixo. Seus auxiliares ficavam desconcertados com algumas de suas tiradas. Tinha um cacoete que o definia bem - o uso abusivo do advérbio "precisamente".
Em 1922, ele teve de acompanhar, contrafeito, a rainha da Bélgica - que era naturalista amadora - em passeio a cavalo pela floresta da Tijuca. Uma das damas procurou amavelmente puxar conversa com Lutz. Sem ouvir o que lhe fora perguntado, o ranzinza respondeu: "Precisamente, os homens é que deviam montar de lado, porque as mulheres não têm certos órgãos que ficam amassados contra a sela".
Dizia, dos especialistas: "São uns seres felizes, presumem conhecer ilimitadamente todo o setor científico em que trabalham e se arrogam o direito de poder ignorar tudo o mais". Certa vez, em uma viagem de estudos com jovens cientistas de Manguinhos, o grupo teve de enfrentar um desafio, em um pequeno povoado: um caso complicadíssimo de parto, com apresentação podal, para o qual os habitantes pediam auxílio dos "doutores". Lutz não se abalou. Entrou na casa da parturiente e realizou o parto. E sentenciou: "Precisamente, todo médico tem de ser capaz de resolver situações como essa".
Costumava vestir-se de acordo com o termômetro. Mas, como o seu instrumento quebrara, aparecia várias vezes no Instituto Oswaldo Cruz com roupas muito quentes, em pleno verão carioca.
Nas excursões a pé, pelo interior, quando estava muito cansado costumava sentar debaixo de uma árvore e declamar Homero, em grego - dizia que era muito repousante. Em certas ocasiões mostrava-se um gozador. Uma vez, quando sua caravana parou para o descanso, Lutz abriu um pacote com bananas e começou a comer. Os outros olhavam, famintos. Lutz perguntou se gostavam de bananas. Responderam que sim, gostavam muito. E ele, fleugmático: "Da próxima vez façam como eu, tragam bananas".
Lutz estava doente e um conhecido resolveu visitá-lo. O visitante chega, pergunta pela sua saúde. Lutz responde que está quase bom. O visitante pergunta pela sua família. Lutz responde que está bem. Pergunta pela saúde e pela família do visitante. É informado de que tudo vai bem. Então levanta-se e entrega o chapéu ao homem: "Agora, você vai embora. Nós já dissemos tudo o que tínhamos a dizer, e eu preciso descansar um pouco".
Os depoimentos de contemporâneos de Adolpho Lutz foram extraídos da revista "História, Ciências, Saúde: Manguinhos", vol. 10, nº 1, janeiro/abril 2003.