2.3.11
Giordano Bruno
Giordano Bruno
Filósofo, astrônomo e matemático, importante pelas suas teorias sobre o universo infinito e a multiplicidade dos sistemas siderais, no que rejeitou a teoria geocêntrica tradicional e ultrapassou a teoria heliocêntrica de Copérnico que ainda mantinha o universo finito com uma esfera de estrelas fixas. Embora tais campos não existissem ainda na ciência, pode-se dizer que Bruno esta interessado na natureza das idéias e do processo associativo na mente humana. Por outro lado, está fascinado em prover com um embasamento filosófico as grandes descobertas científicas de seu tempo.
Nascido em Nola (motivo de ser chamado o Nolano), província de Nápoles, na Campônia, Itália Meridional, em 1548, recebeu no batismo o nome de Filippo Bruno.
O sul da Itália era domínio de Carlos V (Sacro Império), depois de Felipe II da Espanha, seu filho. Essa dominação vai de 1529 a 1700. Nápoles era baluarte espanhol contra os mouros. Governada por um Vice Rei (Pedro de Toledo na época de Carlos V). Porém já nessa época, devido a descoberta de novas rotas marítimas, a importância do mediterrâneo para o comércio acaba.
Bruno era filho de João Bruno, militar, e Flaulissa Savolino. Foi para Nápoles em 1562, estudar humanidades, lógica e dialética.
São muitas as influências apontadas que Giordano Bruno teria sofrido durante o período de sua formação. É especialmente atraído pelas novas correntes de pensamento, entre as quais as obras de Platão e Hermes Trismegistus, ambos muito difundidos na Itália ao início do Renascimento. É a época dos mais acesos debates no Concílio de Trento (1545-1563), convocado pelo papa Paulo III para discutir estratégias na contra reforma protestante. Possivelmente as discussões ousadas que ocorriam em Trento, sobre temas controversos da religião e da filosofia, das quais com certeza tinha notícias no convento, influíram no espírito de Giordano Bruno. Ficou impressionado com as aulas de G. V. de Colle, filósofo de tendência averroísta (Aristotélico segundo a interpretação de Aristóteles pelo muçulmano Averroes) como também com o que leu sobre métodos de memorização (Mnemotécnica).
Quanto aos métodos de memorização, Giordano Bruno foi muito influenciado pelo pensamento de Raimundo Lúlio (1235-1316), de Maiorca, místico catalão e poeta autor de um manual da cavalaria, Ars Magna ("A grande Arte"), "A Árvore da Ciência", Liber de ascensu et descensu intellectus ("O Livro da subida e da descida do intelecto") descrevendo estágios do desenvolvimento intelectual no entendimento na compreensão de todos os seres através do método da sua arte. Assim como Santo Agostinho, Lúlio fez corresponder os três poderes da alma como imagens da trindade no homem. Como intelecto, era a arte de conhecer, como vontade a arte de amar e como memória a arte de recordar. Teve visões de Cristo que o levaram a deixar a vida de casado e da corte, e adepto de São Francisco pregou no norte da África e oriente tentando converter muçulmanos ao catolicismo. Lúlio viu o universo inteiro refletindo os atributos de Deus. Teve então a idéia de reduzir todo o conhecimento a princípios simples com uma convergência de unidade. Teria sido martirizado a pedradas no norte da África.
Outra influência sobre Bruno, versando o mesmo campo, supõe-se que foi a de Giovanni Battista Della Porta, um erudito napolitano que publicou um livro importante sobre mágica natural. Nessa área, porém, talvez a influência predominante sobre Giordano Bruno tenha sido a da antiga religião egípcia do culto ao deus Toth, escriba dos deuses, inventor da escrita e patrono de todas as artes e ciências, e identificado com o deus grego Hermes Trismegisto (Três vezes grande) pelos neoplatônicos. As obras de Platão e também a Hermética, que é o conjunto dos segredos revelados por Hermes-Toth que constituem as ciências ocultas e astrologia a nível popular, e certos postulados de filosofia e teologia a nível erudito, - introduzidos em Florença por Marsilio Ficino ao final do século anterior.
Em 1565, aos 17 anos, Bruno recebe hábito de São Domingos, no convento de San Domenico Majore, em Nápoles (onde São Tomas de Aquino havia lecionado), ocasião em que muda o nome para Giordano. Ordenado sacerdote em 1572, continuou no convento seus estudos de teologia, que concluiu em 1575. Intolerante com a ignorância dos colegas de claustro; aborrecia-se com as discussões de sutilezas teológicas. Leu dois comentários proibidos de Erasmus e discutia desassombradamente a heresia de Ariano, que negava a divindade de Cristo. Sua excepcional habilidade com a arte da memória viria a atrair tutores, e foi levado a Roma para demonstrar suas habilidades ao Papa.
Suas tendências heterodoxas provocaram censuras e admoestações e por fim chama a atenção da Inquisição em Nápoles. Em 1576 deixou a cidade para escapar a um processo de heresia instaurado pelo Provincial da ordem. Fugiu para Roma onde foi vítima de uma acusação improcedente de assassinato. Um segundo processo de excomunhão em Roma fez com que fugisse novamente. Deixou o hábito dominicano e perambulou pelo norte da Itália por mais de um ano. Em 1578, viajou para a França e Suiça, onde, em Genebra, ganhava a vida fazendo revisão de textos. Abraçou o calvinismo, talvez apenas por conveniência por se achar em um país calvinista, porque logo publicou um escrito em que criticava um professor calvinista. Discorda da tese calvinista da justificação por meio da fé e não das obras, o que significa desvalorização e desprezo de toda caridade, misericórdia e justiça. A reação dos calvinistas foi rigorosa: foi preso e excomungado, porém retratou-se e assim lhe foi permitido deixar a cidade. Vai para a França. Passa 2 anos (1579-1581) em Toulouse, onde consegue nomeação para uma cátedra de filosofia; lá tentou, sem sucesso, ser absolvido pela Igreja Católica. A esta altura é um homem sem pátria e sem Igreja.
Um dos interesses de Bruno é a Arte Combinatória Luliana. A arte luliana busca construir um sistema de relações entre as idéias as quais diz Lúlio, apoiando-se em Platão, que existem e são interligadas na construção da realidade. Atua por meio de táboas e figuras. Determina os elementos primeiros do pensamento: sujeitos e predicados, e os representa por meio de letras que constituem "o alfabeto da grande arte". Dispõe essas letras em uma espécie de tábua pitagórica, e as escreve em triângulos, círculos que se sobrepõe e faz rodar para conseguir todas as diferentes combinações possíveis. As combinações formam o silabário e o dicionário da grande arte. Acreditava-se que, depois de conhecidas todas as maneiras de combinar os sujeitos com os predicados, se teria a possibilidade de responder a todas as perguntas que a mente humana pode fazer. Mas toda a sua construção gira em torno dos gonzos de um princípio filosófico platônico, isto é, que as nossas idéias por serem sombras das idéias eternas, estão vinculadas reciprocamente, como essas, em cadeias cujos elos são partes de um sistema único total e por isso podem iluminar-se mutuamente, pois é uma só a luz que resplandece em todas. (Leibniz depois retoma essa linha).
Fiel a sua primeiras leituras sobre a teoria luliana, quando professor na universidade de Toulouse Bruno escreve um livro: Clavis Magna ("A grande chave") sobre o assunto. De Toulouse seguiu para Paris, em 1581. Em Paris começou a dar aulas de filosofia. Não era incomum para os eruditos vagar de lugar para lugar, buscando alunos e protetores abastados. Ele fazia contactos facilmente e podia interessar qualquer grupo que encontrasse com o fogo de suas idéias.
Em Paris Bruno encontrou ambiente favorável para trabalhar e lecionar. Reina Henrique III (n.1574-89), filho de Henrique II e Catarina de Medici, nascido em 1551 e falecido assassinado em 1589. Era o filho favorito, o que melindrava seu irmão que veio a ser Charles IX. A mãe Catarina de Medici planejou a noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572), um massacre de protestantes. Foi por breve tempo rei eleito da Polônia, voltando para a França (1574) para assumir o trono após a morte do irmão Charles IX. Casou dois dias depois de coroado (1575) com Louise de Vaudémont, mas não teve filhos.
A corte francesa era bastante livre, quanto aos costumes. O rei tinha um grupo de amigos (rapazes bonitos) que chamava meus pequenos (mignons) com os quais se entregava a divertimentos suspeitos. Extravagante, Henrique III levou as finanças do reino à ruína; por todo o seu reinado a França esteve mergulhada na guerra das religiões, católicos contra huguenots (simplesmente protestantes, não se sabe a origem do nome). A reputação de Bruno chegou ao conhecimento Henrique III, que ficou curioso de conhecer essa nova atração filosófica e descobrir se a arte de Bruno era de um mágico ou de um bruxo. Bruno gozava a reputação de um mágico que podia dotar a pessoa de uma grande retenção de memória, mas demonstrou ao rei que seu sistema era baseado em conhecimento organizado. Bruno encontrou um verdadeiro protetor em Henrique III. A corte era dominada por uma facção de católicos tolerantes, simpatizantes do rei de Navarra, o protestante Henrique de Bourbon, sucessor presuntivo do rei.
A posição religiosa de Bruno afinava com o grupo, motivo de ser bem aceito na corte e receber a proteção de Henrique III. As artes combinatória e mnemônica são objeto de curiosidade. O rei se interessa pela arte combinatória. Bruno desperta a inveja dos professores por ser popular e admirado. O rei concede-lhe uma renda especial, nomeando-o um de seus "Leitores reais". Foi por essa ocasião que um dos primeiros trabalhos de Bruno foi publicado De Umbris Idearum, ("A sombra das idéias") logo seguido por Ars Mernoriae ("Arte da memória"). Nestes livros ele sustentava que a idéias eram somente sombras da verdade.
No mesmo ano um terceiro livro surgiu: De architetura et commento artis Lulli ("Sobre a Arte de Lúlio e comentário"). Lúlio havia tentado provar os dogmas da Igreja por meio da razão. Bruno nega o valor desse esforço mental. Ele argumenta que o Cristianismo é inteiramente irracional, que é contrário à filosofia e que contraria outras religiões. Salienta que nos o aceitamos pela fé, que a assim chamada revelação não tem base científica.
No seu quarto trabalho Bruno escolhe a feiticeira de Homero, Circi, que mudava homens em bestas e faz Circi discutir com sua criada o tipo de erro que cada besta representa. O livro Cantus Circaeus mostra Bruno trabalhando com o princípio da associação de idéias, e continuamente questionando o valor dos métodos de conhecimento tradicionais.
Em 1582, na idade de 34 anos, ele escreveu uma comédia em italiano, Il Candelajo , um fabricante de velas que sai a anunciar seus produtos com gritos e estardalhaço: "... as velas que fiz nascer, as quais iluminarão certas sombras de idéias...O tempo dá tudo e tudo toma, tudo muda mas nada morre... Com esta filosofia meu espírito cresce, minha mente se expande. Por isso, apesar de quanto obscura a noite possa ser, eu espero o nascer do dia... Alegrem-se, portanto, e mantenham união, se puderem, e retribuam o amor com amor." Nessa peça faz uma representação eloqüente da sociedade napolitana contemporânea, como um protesto contra a corrupção social e moral da época.
Na primavera de 1583, não obstante a cordial acolhida que lhe fora dispensada em Paris pelo rei e pelos espíritos desvinculados do aristotelismo, Bruno resolve sair da França. Seja porque não pudesse mais sustentar sua popularidade em Paris, ou por que a cada dia se tornava mais grave a ameaça de uma renovação da guerra civil, em abril de 1583 Bruno mudou-se para Londres, com uma carta de apresentação de Henrique III para seu embaixador para as ilhas britânicas, Michel de Castelnau.
Sob a rainha Isabel, a Inglaterra vivia um Renascimento tardio. A rainha, filha de Henrique VIII e Ana Bolena, nasceu 1533. Terceira na linha de sucessão de seu pai Henrique VIII, reinou de 1558 a 1603, depois de seu irmão doente Eduardo VI e depois de sua irmã mais velha Maria I, que foi casada com Felipe II de Espanha. É possível que o brilho do período elisabetano tenha atraído Giordano Bruno à Inglaterra. Pronunciou em Oxford uma série de conferencias no verão do mesmo ano nas quais expunha a teoria de Copérnico mantendo a realidade do movimento da terra. Oxford, como as demais universidades europeias da época, cultivava a reverência escolástica pela autoridade de Aristóteles. Bruno, ao seu modo impetuoso, pregava que não se deveria acreditar no que Aristóteles havia afirmado, quando a simples observação da natureza demonstrasse o contrário. Devido à recepção hostil dos professores oxfordianos às suas idéias, ele voltou para Londres onde permaneceu como hospede do embaixador da França Castelnau.
Freqüentou a corte e tornou-se ligado a figuras influentes tais como Sir Philip Sidney e Robert Dudley, o duque de Leicester. Em 1584 foi convidado por Fulke Greville, um membro do círculo de Sidney, para discutir sua teoria do movimento da Terra com alguns doutores de Oxford. A discussão degenerou em querela. Ao final do século XVI aparentemente não havia um único professor que ensinasse o universo segundo Copérnico, exceto Giordano Bruno. Galileu apresenta suas provas no início do século seguinte, e mesmo então é obrigado a abjurar a teoria. Galileu nunca encontrou Bruno em pessoa e não o menciona em seus trabalhos, sendo bastante esperto de sua parte evitar citar um herege condenado, em suas obras.
Pouco depois Bruno começou a escrever seus diálogos italianos, que constituem a primeira exposição sistemática de sua filosofia. São seis diálogos, três cosmológicos - sobre a teoria do universo - e três sobre moral. Na Cena de le Ceneri (1584: "A Ceia da Quarta Feira de Cinzas"), com local simulado em Paris e Veneza, ele não apenas reafirma a realidade da teoria heliocêntrica mas ainda sugere que o universo é infinito, constituído de inumeráveis mundos substancialmente similares ao do sistema solar. É a história de um jantar de que participam convivas ingleses, e nele Bruno difunde a teoria de Copérnico, a qual ainda era objeto de riso e, como dito acima, de descrença por não coincidir com os ensinamentos de Aristóteles.
Afirmava que não havia posição absoluta no espaço, como dissera Aristóteles, mas que a posição de um corpo "era relativa à dos outros corpos". Em toda parte ocorre mudanças relativas incessantes de posição por todo o universo, e o observador está sempre no centro das coisas". Porém, o movimento dos astros não seria esférico como Copérnico havia apresentado. Bruno suprime a esfera das estrelas fixas conservada por Copérnico e alarga o universo ao infinito. O mundo não tem limites nem referência absoluta e, portanto, as várias imagens dele são relativas: qualquer ponto é centro - periferia. Infinidade e relatividade. Os astros giram também sobre seu próprio eixo para perpetuar em si a vida, para expor sucessivamente todas as suas partes ao sol (como seres que tem vida, animismo). São afirmações ousadas em uma época em que o pensamento teológico filosófico medieval era ainda predominante, e tinha como uma de suas peças básicas a astronomia de Ptolomeu que afirmava ser a Terra um ponto imóvel privilegiado, centro do movimento circular de todos os corpos celestes, teoria que afinava tanto com os textos bíblicos quanto com o pensamento racional aristotélico que a escolástica integrava num todo unitário.
Seguindo deduções tipicamente aristotélicas, diziam os mestres escolásticos que, se a terra se movesse, as nuvens seriam deixadas para trás, as folhas mortas voariam sempre no mesmo sentido; uma pedra solta do alto de uma torre se afastaria do pé da torre. A esse pensamento juntava-se a concepção de que, excetuando-se o movimento circular uniforme, impresso por Deus aos corpos celestes, todos os demais movimentos são imperfeições, constituindo transgressões ou reparações de transgressões da ordem divina. A refutação de Bruno a esse argumento, em "O Banquete das Cinzas", é que a terra e tudo que nela se encontra formam um sistema. Os objetos de um navio se movem com ele. Do mesmo modo, as nuvens, os pássaros, as pedras são levados com a terra. No mesmo diálogo ele se antecipa ao seu colega italiano o astrônomo Galileu Galilei sustentando que a Bíblia devia ser seguida pelos seus ensinamentos morais e não por suas implicações astronômicas. Ele também criticou fortemente os costumes da sociedade inglesa e o pedantismo dos doutores de Oxford.
Em De la causa, principio e uno (também de 1584) ele elabora a teoria física na qual estava baseada sua concepção do universo: "forma" e "matéria" estão intimamente unidas e constituem o "Uno". Assim o tradicional dualismo dos físicos aristotélicos foi reduzido por ele a uma concepção monística do mundo, implicando a unidade básica de todas as substancias e a coincidência dos opostos na unidade infinita do Ser. Bruno é animista. Em sua filosofia o universo é um sistema em permanente transformação, um todo no qual nada existe imóvel. Não apenas um movimento mecânico e passivo, segundo as leis da física, mas um movimento anímico que o faz transformar-se permanentemente. Tudo que existe estaria reduzido a uma única essência material provida de animação espiritual.
O universo não é finito e limitado como pretendia a concepção medieval, mas infinito e ilimitado. O universo não contem apenas o nosso sistema (nosso mundo) mas um sistema de mundos infinitos que nascem e decaem movidos pela divina força universal. Existiriam possivelmente inumeráveis mundos habitados. Sendo Deus, criador do mundo, necessariamente um ser infinito; seria contraditório que a uma causa infinita não correspondesse um efeito infinito. O universo, pois, como efeito de uma causa infinita não pode conceber-se senão como infinito.
No De l infinito universo e mondi ("Sobre o Infinito, Universo e Mundos") ele desenvolveu sua teoria cosmológica criticando sistematicamente os físicos aristotélicos. Argumentava que o universo era infinito e continha um número infinito de mundos, e que estes eram todos habitados por seres inteligentes. Ele também formula sua visão averroísta da relação entre filosofia e religião, de acordo com a qual existe a religião dos ignorantes e a religião dos doutos. A primeira é considerada como um meio para instruir e governar o povo ignorante. É um conjunto de superstições contrárias à razão e a natureza, "útil para governar os povos incultos", que é válido enquanto a humanidade não atingir um grau superior de evolução. A religião dos doutos ou dos teólogos, que o processo histórico enriquece, é esclarecida, na qual se integra a filosofia como a disciplina dos eleitos que estão aptos a se controlar e governar os outros.
O Espaccio de la bestia trionfante ("Expulsão da besta triunfante") o primeiro diálogo da sua trilogia moral, é uma sátira sobre os vícios e superstições de sua época, e ao o pedantismo que encontra na cultura Católica e Protestante. Faz uma forte crítica da ética Cristã - particularmente o princípio calvinista da salvação exclusivamente pela fé, à qual Bruno opunha uma visão exaltada da dignidade de todas as atividades humanas.
A Cabala del cavallo Pegaseo ("Cabala do cavalo Pégaso"), de 1585, com o anexo "O asno cilênico", é semelhante aos anteriores, porém mais pessimista, inclui a discussão da relação da alma humana e a alma universal, concluindo com a negação da individualidade absoluta do primeiro. Nele faz da religião uma sátira amarga, apresentando-a como "santa ignorância" que condena a curiosidade ímpia da pesquisa, preferindo fechar os olhos, reprovar qualquer pensamento humano e renegar todo sentimento natural, acusando-a de renuncia e proibição do livre exercício do pensamento e da investigação filosófica. É uma discussão irônica das pretensões da superstição. O "asno", diz Bruno, pode ser encontrado em toda parte, não apenas na Igreja mas nas cortes de justiça e mesmo nas universidades.
No De gli eroici furori ("Dos heróicos furores"), também de 1585, Bruno, fazendo uso da simbologia neoplatônica, trata da obtenção da união com o infinito Uno pela alma humana e exorta o homem à conquista da virtude e da verdade.
Enquanto na Inglaterra, Bruno teve uma audiência pessoal com Elizabete I, a quem teria bajulado com superlativos, inclusive chamando-a "sagrada" e "divina", o que serviu, mais tarde, para alimentar seu processo como infiel e herege. Consta porem que a rainha não o levou em grande conta, achando-o rude, radical, subversivo e perigoso, enquanto Bruno considerava os ingleses um tanto primitivos. Suas críticas, no entanto, haviam atraído a antipatia dos mestres ingleses ainda aferrados a Aristóteles, e Bruno se vê obrigado a acompanhar Castelnau de volta quando este é chamado pelo Rei de volta a França em 1585. No caminho ambos são roubados de tudo que possuíam.
Em Paris encontrou uma atmosfera política mudada. Henrique III havia revogado o edito de pacificação com os protestantes, e o Rei de Navarra havia sido excomungado. Longe de adotar uma linha de comportamento cauteloso, no entanto, Bruno entrou em polêmica com um protegido do partido católico, o matemático Fabrizio Mordente, a quem ridicularizou em quatro Dialogi, e em maio de 1586 ele ousou atacar Aristóteles publicamente em seu Cento e vinti articuli de natura et mundo adversos Peripatetiso ("120 artigos sobre a natureza e o mundo contra os peripatéticos") proclamadas em junho por seu discípulo João Hennequin em desafio aos doutores da Universidade de Paris. O desafio audaz provoca um tumulto grande e violento. Os católicos moderados então o desautorizaram, em consequência do que Bruno se acha ameaçado de perigos tão graves que se vê obrigado a sair logo da França. Muda-se para Praga (Reino da Boêmia, hoje Checoslováquia), onde freqüenta a corte do rei Rodolfo II, filho de Maximilian II e Maria, filha de Carlos V, Imperador do Sacro Império de 1576 a 1612.
Rudolf II, impopular e doente, se diz que nada fez para conter a Reforma ou para evitar a Guerra dos Trinta Anos. Sucedeu seu pai como imperador do Sacro Império Romano em 1576. Sujeito a crises de depressão, deixou Viena, a capital oficial do Império e retirou-se para Praga, onde vivia em reclusão, ocupado com artes e ciência. Giordano Bruno encontra em Praga um ambiente propício a suas pesquisas matemáticas e astronômicas. Não foi o único a beneficiar-se do apoio de Rudolf II. O Imperador haveria de apoiar em 1599 o astrônomo holandês Tycho Brahe cujos trabalhos ajudaram a convencer os europeus ainda duvidosos da teoria de Copérnico, e que, brigado com a Igreja, refugiou-se em Praga. Posteriormente ainda apoiaria o astrônomo Johannes Kepler, que sucedeu a Tycho como matemático imperial do Santo Império Romano em 1601.
Em Praga, Bruno escreve uma crítica contra a intolerância e sectarismo religioso, que diz contrariar a lei divina do amor. Faz uma reivindicação da dignidade própria da liberdade espiritual humana (sem liberdade não haveria essa dignidade) doutrina certamente do agrado de Rudolf II que pouco fez para reprimir os protestantes. Mas Praga não lhe convém muito. De lá Bruno vai para a Alemanha, onde perambulando de uma cidade universitária para outra, consegue ser professor em Wittenberg (1588).
Ensinou e publicou uma variedade de trabalhos menores, incluindo o Articuli centum et sexatinta ("160 Artigos") contra os filósofos e matemáticos contemporâneos, no qual ele expôs sua concepção de religião - uma teoria da coexistência pacífica de todas as religiões baseada no conhecimento mútuo e liberdade recíproca de discussão. É uma crítica contra a intolerância e o sectarismo religioso, que diz contrariar a lei divina do amor. Faz uma reivindicação da dignidade própria da liberdade espiritual humana (sem liberdade não haveria essa dignidade). Muda-se para Helmstadt, onde o Duque Henrique Júlio dispensa-lhe acolhida favorável e cordial.
Escreve a que considera sua maior obra: De imaginum signorum et idearum compositione ("Sobre a Associação de imagens, os signos e as idéias") sobre mnemônica. Mas os calvinistas não toleram sua doutrina. Em Helmstadt, em Janeiro de 1589, ele foi excomungado pela Igreja Luterana local. Permaneceu em Helmstadt até a primavera, completando trabalhos em mágica natural e matemática (publicado postumamente) e trabalho em três poemas latinos - De minimo, De monade, e De innumerabilibus sive de immenso - os quais relembrava as teorias expostas nos diálogos italianos e desenvolvia o conceito de uma base atômica da matéria e do ser. Para publicar estes, ele foi em 1590 a Frankfurt sobre o Maine, onde o senado rejeitou sua solicitação de permanecer. Não obstante, ele conseguiu residente no convento Carmelita, lecionando para doutores protestantes e adquirindo uma reputação de ser um "homem universal" que, o Prior pensou, "não possuía um traço de religião" e que estava ocupado principalmente em escrever e na quimérica e vã imaginação de novidades".
Em Frankfurt um editor veneziano que o encontra traz-lhe os chamados insistentes de um patrício, João Mocenigo, que desejava aprender suas técnicas mnemônicas. Bruno estava saudoso da Itália. Aceita o convite acreditando na independência da República Veneziana. O risco não pareceu muito grande: Veneza era de longe a mais liberal dos estados italianos; a tensão europeia tinha afrouxado temporariamente após a morte do intransigente papa Sixtus V em 1590; Henrique III desaparecera do cenário político. Todo o seu reinado fora marcado pela guerra entre católicos e protestantes, sempre em dificuldades com a Santa Liga fundada pelos católicos e liderada por Henrique, duque de Guise, devido a concessões feitas aos protestantes. Fugiu de um levante da Liga em Paris, refugiando-se em Chartres. Mandou assassinar o Duque de Guise e o irmão dele, o cardeal de Lorraine em 1588. Uniu-se a Henrique de Navarra, líder protestante, fazendo com ele o cerco a Paris em 1589, que era uma fortaleza da Liga. Então foi assassinado a facadas por Jacques Clément, um frade Jacobino fanático que conseguiu uma audiência. Ao morrer reconheceu Henrique de Navarra seu sucessor.
O protestante Henrique IV, originalmente Henrique de Bourbon e Navarra, estava então no trono da França e a pacificação religiosa parecia estar iminente. Além do mais, Bruno ainda estava
procurando por um estrado acadêmico do qual pudesse expor suas teorias, e ele deve ter sabido que a cadeira de matemática da Universidade de Pádua estava então vaga. Regressou à Itália em agosto de 1591. Foi imediatamente para Pádua e durante o verão de 1591 iniciou uma série de cursos privados para estudantes alemães e escreveu o Praelectiones geometricae e Ars deformationum . No início do inverno, quando parecia que ele não iria receber a cátedra (ela foi oferecida a Galileu em 1592) retornou a Veneza, como hóspede de Mocenigo, e tomou parte nas discussões dos aristocratas venezianos progressistas que, como Bruno, favoreciam a investigação filosófica independentemente de suas implicações teológicas.
Em maio de 1592, Bruno havia terminado um outro trabalho e preparava-se para viajar a Frankfurt para publica-lo, quando se viu preso por Mocenigo no sótão da sua casa. Desapontado com as lições privadas de Bruno sobre as técnicas mnemônicas que em nada ajudaram sua precária memória, além de considerar-se atraiçoado por não conseguir o milagre esperado, Mocenigo também ficou ressentido com a intenção de Bruno de voltar para Frankfurt para publicar seu novo trabalho. Depois de prendê-lo, Mocenigo denunciou-o à Inquisição Veneziana por suas teorias heréticas. Levado pelo Santo Ofício com todos os seus papeis, Bruno defendeu-se admitindo alguns erros teológicos menores, insistindo, no entanto, nos seus postulados básicos. O palco do julgamento veneziano parecia proceder de modo favorável a Bruno, quando então a Inquisição Romana pediu sua extradição.
Por solicitação insistente do Papa, curioso sobre a personalidade de Bruno e o conteúdo do processo com respeito a suas idéias, o tribunal de Veneza encaminha o prisioneiro para Roma, e em janeiro de 1593 Bruno entrou na cadeia do palácio romano do Santo Ofício. Em Roma, um frade, Celestino de Verona, junta novos testemunhos acusadores. Inicia-se um novo processo em 1593, este mais sério, acompanhado de torturas, e que haveria de prolongar-se por sete anos. O papa Clemente VIII (1592-1605) viria a ter papel decisivo no julgamento de Bruno. Apesar de engajado em refregas políticas com Veneza e Nápoles, ocupava-se zelosamente da doutrina da Igreja. Foi responsável pela publicação da vulgata (Versão standard da bíblia latina) e muitos outros livros litúrgicos (valendo-se do recente invento da imprensa). Criou uma comissão para resolver a querela entre Jesuítas e Dominicanos sobre a graça divina e a liberdade da vontade.
O papa encarregou o cardeal Belarmino (1542-1621) de analisar e acompanhar o processo de Giordano Bruno. O Cardeal, originalmente Roberto Francesco Romolo Bellarmino, cardeal e teólogo (veio a ser canonizado São Roberto Belarmino) foi um dos maiores defensores do catolicismo contra os protestantes. Jesuíta em 1560, estudou em Roma e Pádua, ordenou-se em Louvain, Bélgica, onde lecionou teologia. Voltando à Itália, foi feito cardeal em 1599 pelo papa Clemente VIII, a quem ajudou na preparação da vulgata da Bíblia (159l-92) expurgando os erros da vulgata anterior de Sixtus V. Grande teólogo, dedicou-se ao estudo das controvérsias religiosas: escreveu entre 1586-93 "Lições Relativas às Controvérsias da Fé Cristã contra os Hereges Contemporâneos". Mais tarde salvou Galileu da condenação aconselhando-o, privadamente, - antes do processo -, que tomasse a doutrina de Copérnico como hipótese. Dedicou-se grandemente aos pobres a quem destinava todos os seus rendimentos, vindo a morrer pobre.
O cardeal Belarmino extraiu das obras de Bruno 8 heresias; as quatro mais graves são duas teológicas e duas filosóficas: Teológicas: (a) negaria a transubstanciação; (b) prioridade ideal e real do Pai e da subordinação do Filho, este originado de um ato da vontade do Pai, que lhe é preexistente. Filosóficas: (a) pluralidade dos mundos (os atos divinos devem corresponder à potência infinita de Deus) implicaria também várias incarnações de Cristo um número infinito de vezes...(raciocínio tipicamente escolástico), e (b) alma presente no corpo como o piloto no barco.
Durante os sete anos do julgamento romano, Bruno a princípio desenvolveu sua linha defensiva prévia, negando qualquer interesse particular em questões teológicas e reafirmando o caráter filosófico de suas especulações. Essa distinção não satisfez os inquisidores, que pediram uma retratação incondicional de suas teorias. Em certa época lhe foram dados quarenta dias para reconsiderar sua posição; ele prometia retratar- se mas renovava suas "tolices". Bruno então fez uma tentativa desesperada de demonstrar que seus pontos de vista não eram incompatíveis com a concepção cristã de Deus. Então conseguiu mais quarenta dias para deliberar mas não fez mais que confundir o papa e a inquisição.
Bruno faz sua defesa sempre tentando convencer os inquisidores 1.) da legitimidade das suas idéias filosóficas e da possibilidade de concilia-las com a revelação religiosa, e 2.) alegando que a acusação toma peças isoladas do contexto de seu trabalho, e 3.) que não sabe sobre o que se emendar. Bruno finalmente declarou que não tinha nada de que retratar-se e que ele nem sabia de que se esperava que retratasse. Os inquisidores rejeitaram seus argumentos e o pressionaram para uma retratarão formal. A esta altura o Papa Clemente VIII ordenou que ele deveria ser sentenciado como um impenitente e herege pertinaz. A 20 de janeiro de 1600 Bruno é condenado. Ao final foi levado, a oito de fevereiro, ao palácio do Grande Inquisidor para ouvir sua sentença de joelhos, diante dos acólitos assistentes e do governador da cidade. Quando a sentença de morte foi lida para ele, ele dirigiu-se aos juízes dizendo: "Talvez vocês, meus juízes, pronunciem esta sentença contra mim com maior medo que o meu em recebe-la." Lhe foram dados mais oito dias para ver se ele se arrebentai. Não adiantou. Em 17 de fevereiro ele foi trazido ao Campo di Fiori, sua boca com uma mordaça, para ser queimado vivo. Foi levado ao poste e quando estava morrendo um crucifixo lhe foi apresentado, mas ele empurrou-o para longe com marcado desdém. Seus trabalhos foram colocados no Índex em agosto de 1603 e seus livros tornaram-se raros.
Ao final do século XIX intelectuais italianos redescobriram Bruno, tomando-o como símbolo do tipo de filósofo de vanguarda ousado e livre, e mártir da ciência e da filosofia. Para muitos no entanto não passou de um ocioso, um filósofo andarilho, um poeta vadio, e ficou longe de merecer ser chamado um cientista. Foi, sem dúvida, um pioneiro que acordou a Europa de um longo sono intelectual. Ele cunhou a frase "Libertas philosophica", o direito de pensar, sonhar e filosofar, e foi martirizado devido ao seu excessivo entusiasmo. A idéia do universo infinito foi uma das mais estimulantes idéias do Renascimento.