Osama bin Laden é conhecido por ter assumido o ataque às Torres Gêmeas em 2001
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A palavra 'fundamentalismo' passou nos últimos anos a estar presente na mídia mundial quase sempre com uma conotação assustadora. E não é para menos. Os militantes fundamentalistas das mais diversas religiões estiveram por detrás da maioria dos atos de violência cometidos nas mais variadas latitudes geográficas do mundo.
A multiplicidade do fundamentalismo
Acostumamo-nos a identificá-lo, o fundamentalismo, aos religiosos do Oriente Médio, particularmente aos imãs islâmicos, aos chefes e chefetes espirituais de países daquela região e da Ásia Menor que sempre aparecem com seus trajes tradicionais, encimados por turbantes, lançando ameaças ao mundo moderno e aos americanos em geral.
Na verdade o fundamentalismo é um movimento socio-religioso e político muito diversificado e bem mais extenso do que as fronteiras do Islã. Paradoxalmente é nos Estados Unidos de hoje que encontramos o maior contingente de fundamentalistas, só que cristãos. O que se segue abaixo é uma síntese deste poderoso movimento, onde se procura identificar os tipos de fundamentalismo bem como seus objetivos.
O fundamentalismo americano
Antes de tudo é necessário definir o que vem a ser fundamentalismo ou integrismo(*). Designa-se assim todo e qualquer movimento religioso, de qualquer origem, que tende a interpretar a realidade de hoje através dos olhos de antigos conceitos e preceitos, e que renega os valores da modernidade. Para o fundamentalista, o fiel deve seguir à risca as paginas dos textos sagrados da sua religião. As Escrituras (sejam elas a Bíblia, o Talmude, o Corão, ou o Hadith dos hindus) foram traçadas por Deus, logo devem ser interpretadas como a sua vontade indiscutível.
Naturalmente que os fundamentalistas não aceitam o criticismo, isto é, o movimento intelectual teológico moderno (pelo menos desde Spinoza para cá) que diz que elas, as palavras sagradas, devem ser interpretadas de acordo com a época e as circunstâncias em que foram escritas e que abrigam uma enorme distância da realidade atual.
Portanto, ser um fundamentalista é tomar as palavras sagradas em sua integralidade, para assim poder 'retornar aos artigos fundamentais da fé' sem nenhuma alteração, sem nenhuma concessão.
A versão americana surgiu no século XIX nos Estados Unidos na medida em que a sociedade passava por um acelerado processo de modernização e rápida alteração de hábitos e costumes. A expansão da modernidade, da democracia e do liberalismo, e a adoção da concepção darwiniana da natureza por parte das escolas públicas, trouxe um abrandamento dos costumes religiosos e uma aceitação prazerosa da modernidade, cultivando a civilização do conforto. ( Ver David Beale - In pursuit of purity. American fundamentalism since 1850, 1986)
As mulheres iniciaram a sua emancipação, os jovens deixavam cedo sua casa para tratar de levar uma vida independente e os divertimentos se multiplicavam.
O medo aos novos tempos
Foi contra isto tudo que os fundamentalistas se ergueram fundando a WCFA (World's Christian Fundamentals Association), em 1919. Os pastores das igrejas batistas, presbiterianas, episcopais e adventistas apontaram seu dedo acusador para o pecado da modernidade. Defendiam, em substituição ao Milenarismo (que, apocalíptico, predizia o fim do mundo para breve), o chamado 2º Advento de Cristo. Cristo estaria em breve entre nós. E, perguntavam eles, o que Cristo encontraria?
Os novos tempos estavam destruindo os valores mais profundos da comunidade religiosa. Corroíam as famílias, fazendo com que os fiéis abandonassem o culto semanal e adotassem modos de vida não condizentes com um verdadeiro cristão.
Era preciso retornar aos antigos costumes, aos antigos ensinamentos, apegar-se à Bíblia como a única salvação num mundo dominado pelo materialismo, pelo ateísmo e pelo descaso para com as coisas da fé. Desta forma Cristo, ao retornar, reconheceria a sua obra. Cabia, pois aos pastores expulsar os vendilhões (os costumes modernos) do Templo. Os fundamentalistas passaram, pois, a repelir todas inovações nos costumes. Atribui-se a eles a aprovação da conhecida Lei Seca de 1920 que proibiu a bebida alcoólica nos EUA.
Depois de alguns anos em ocaso, eles voltaram revigorados devido ao cenário tenso criado pela Guerra Fria (1947-1989) graças à militância anticomunista deles. Vários pastores fundamentalistas alcançaram espaço nos meios de comunicação para doutrinar a população americana na luta contra o 'Império do Mal'. Apoiados por crentes novos ricos e por direitistas endinheirados, estes pregadores fundamentalistas ou próximos a isto exerceram enorme influencia no quadro eleitoral americano, muitos se tornando íntimos do poder, como foi o caso de Bill Graham, frequentador da copa e cozinha da Casa Branca.
Passada a Guerra Fria, eles se concentram na luta contra o direito ao aborto (cometeram vários atentados e assassinatos contra funcionários e médicos de clinicas de aborto), contra a Emenda de Emancipação da mulher e, mais ainda, contra os direitos dos homossexuais. Também se posicionaram contra as mais recentes experiências com a reprodução artificial e a favor da introdução da reza obrigatória nas escolas públicas.
As bases deles são os Institutos da Bíblia e as cadeias de radio e de televisão do interior do país - especialmente os estados que formam o 'Cinturão da Bíblia' -, tendo como meta a preservação do mundo caipira, que eles pretendem puro, ainda não corrompido pela besta da modernidade urbana.
No campo das ideias empenham-se para que as escolas ensinem o criacionismo, preso à interpretação literal do Livro do Gênesis, que afirma ser a natureza um ato de criação divina e, portanto, intocável pelo homem. Neste campo seu inimigo é a teoria da evolução de Darwin que eles consideram como demoníaca.
Quem mais lhes deu espaço, a autodesignada Maioria Moral, foi o Presidente Ronald Reagan (1981-89) que os considerava úteis na mobilização anticomunista, e também como instrumento para bloquear as leis liberalizantes dos seus adversários do Partido Democrata.
(*) apesar de considerar-se o integrismo com um sinônimo do fundamentalismo, eles têm origens diferentes. Se o fundamentalismo, como expressão do radicalismo protestante, difundiu-se nos EUA a partir dos anos vinte, o integrismo vem da Espanha do século 19 e seus ativistas, hoje, rejeitam as relações da Igreja Católica com o mundo moderno, estabelecidas pelo Concilio Vaticano II.
O fundamentalismo islâmico (*)
Por sua vez, o fundamentalismo islâmico, que de fato nunca deixou de existir, ascendeu no cenário político do Oriente Médio a partir da Revolução Xiita no Irã, em 1979. O Levante dos Aiatolás contra o regime ditatorial do Xá Reza Pahlevi, foi visto como um poderoso chamamento e mobilização das energias islâmicas adormecidas pela presença da modernidade.
A sua repentina expansão deveu-se em grande parte ao fracasso político dos estados seculares da região em dar um combate eficiente ao Estado de Israel - visto como o grande inimigo político e teológico - e em retirar seus países da situação de imobilismo econômico.
Da mesma forma que os fundamentalistas cristãos, os islâmicos consideram como sua política básica o retorno às leis corânicas, às leis das Sagradas Escrituras do profeta Maomé. Os licenciosos costumes ocidentais resultam da perversão. A modernidade é o império de Satã, que utiliza instrumentos sedutores (a música, a bebida, as boas roupas, os automóveis caros, etc.) como uma maneira de envilecer a pureza dos verdadeiros homens de fé.
O seu ideal político é a implantação de uma República Islâmica, um regime teocrático que seja a tradução literal da charia, das antigas normas corânicas inspiradas diretamente nos ensinos do profeta. O chefe real deste governo é Alá, sendo que os imãs e os mulás apenas o representam e interpretam sua vontade.
Isto os coloca em aberta oposição à maioria dos governos do Oriente Médio que são repúblicas seculares, governadas até pouco tempo por militares (Mubarak no Egito, Saddan Hussein no Iraque, Kadafi na Líbia, e Zeroual na Argélia, etc.). A hostilidade dos fundamentalistas a eles aumenta por duas razões: por estarem abertos perigosamente ao exterior e aos costumes ocidentais (considerados satânicos) e por manterem relações não-beligerantes com Israel (se forem conciliadoras, passam a ser vistos como inimigos).
No que cabe aos costumes, os fundamentalistas advogam o radical e urgente rompimento com tudo o que lhes pareça 'ocidental'. As mulheres devem voltar a usar o chador ou o burka, e não devem receber instrução nem serem atendidas por médicos homens.
O ensino em qualquer nível deve priorizar o religioso e as leis comuns devem acolher as regras corânicas (açoite ou lapidação para os adúlteros, execuções publicas acompanhadas de chibatadas, etc.).
Socialmente pode-se dizer que eles expressam os sentimentos dos setores mais pobres e mais desesperançados das comunidades do Oriente Médio, gente majoritariamente analfabeta que vive nos grandes subúrbios afivelados, nos campos ou nos desertos e que leva uma vida dura, sem alegrias e sem confortos.
(*) evidentemente que eles não se denominam de fundamentalistas, 'usüliyya em árabe, mas sim de mujähidün e de defensores da jihad, a guerra santa. Os seus adversários por sua vez os chamam de mutatarrifiün
A ameaça da sentença religiosa
Para combater a liberdade de expressão, não reconhecida no direito islâmico, os chefes religiosos lançam mão da fatwa (uma sentença religiosa) que pode condenar a morte o infrator. O intelectual ou escritor que redigir uma novela ou algo considerado blasfemo ou herético está sujeito a ser morto por qualquer seguidor da fé. Este estará seguro de não ter cometido um crime porque ele foi feito em nome da pureza do Islã. Centenas de jornalistas, intelectuais e pensadores leigos, especialmente no Egito e na Argélia, estão com suas vidas ameaçadas devido a pena da fatwa. O caso mais exemplar é o que foi aplicado contra o escritor anglo-oriental Selam Rushdie, que tem há dez anos sua cabeça a prêmio.
Desde a queda da URSS (potência ateia), os fundamentalistas tornaram os Estados Unidos o seu principal inimigo. A superpotência americana representa tudo o que eles abominam; a liberação dos costumes, a liberdade sexual, a emancipação feminina, o culto à modernidade e a celebração da tecnologia. E, evidentemente, a prática democrática num estado secular.
Além de serem uma ameaça permanente a peculiar cultura tradicional da região, os Estados Unidos, ao apoiar intransigentemente a política de Israel, seja ela dos Trabalhistas ou a do Likud, viram-se alvo de atentados. A presença dos seus soldados no solo sagrado do Islã, no Kuwait e na Arábia, marcante desde a Guerra do Golfo de 1991, faz com que os fundamentalistas voltem seus ataques para suas guarnições e para suas embaixadas (o ataque ao prédio americano de Nairóbi no Quênia certamente deveu-se a ele abrigar a maior central de informações da CIA na África).
Metaforicamente podemos entender este enfrentamento, entre os fundamentalistas e os Estados Unidos como um conflito ente dois mundos opostos, o do Islã tradicional e do Cristianismo modernizado, mas igualmente como o choque entre a modernidade e a tradição, entre a vida regrada pela tecnologia e o modo pré-tecnológico de viver.
A reação dos fundamentalistas é acima de tudo o repudio de uma cultura milenar que resiste ao processo de ocidentalização. Aliás, a única que assim ainda o faz.
Osama bin Laden, o lutador solitário
Nos anos mais recentes, os Estados Unidos foram alvo de uma série de atentados a bomba - a explosão da garagem do World Trade Center em 1993, e em onze de setembro de 2001 o espetacular ataque às Torres Gêmeas em Nova York e, por igual, ao edifício do Pentágono em Washington.
Outros ataques foram acometidos contra duas das suas bases na Arábia Saudita. O primeiro deles em 1995, na capital Riad (com 5 mortos), e o outro em 1996 ( o de Khobar Tower matou 19 soldados americanos). Com os mais recentes ocorridos nas embaixadas de Nairóbi e Dar el Salam ( 243 mortos, 12 deles americanos), perfazem 5 grandes atentados. Os serviços de segurança americanos tem quase certeza que todos eles foram maquinados, e provavelmente financiados, por Osama bin Laden, um saudita de 42 anos que se encontra acolhido no Afeganistão.
Osama bin Laden
Bin Laden é um herdeiro multimilionário. Em 1979, quando os soviéticos entraram no Afeganistão na defesa de um regime pró-comunista, Bin Laden chefiou um grupo de voluntários islâmicos patrocinados por ele para lutar contra os comunistas ateus. Por esta época acredita-se que ele contou com amplo apoio da CIA norte-americana que teria lhe dado apoio logístico e armamentos. Este foi o embrião da Al Qaeda que hoje tanto assusta a América.
De volta a Arábia Saudita em 1989, Bin Laden passou a conspirar contra a monarquia sunita do Rei Fahd para implantar também ali uma república islâmica tal como os talibãs pensaram instituir no Afeganistão. Ao fracassar, Bin Laden transferiu-se para o Sudão onde um regime islâmico havia sido proclamado, lá ficando de 1991 a 1996. Com a permanência das tropas norte-americanas na Arábia Saudita - elas vieram para expulsar Saddan Hussein do Kuwait -, Bin Laden maquinou (pelos menos se atribui a ele) dois violentos atentados para expulsá-las.
Ele não as aceitava no sagrado solo onde Maomé pisou. Pressionado pelos americanos, os sudaneses pediram que Bin Laden se retirasse. Os talibãs do Afeganistão, seus antigos camaradas de luta, o receberam de braços abertos. É onde ele hoje ele se encontra, tendo como QG uma caverna nas proximidades de Jilalabad, perto de Cabul.
Trata-se de uma revivência, nove séculos depois, do Velho da Montanha, o chefe da Seita dos Assassinos. Bin Laden parece-se mais e mais com Hassan al-Sabbah, a histórica personagem que viveu naquela região no século 11, nos tempos da Cruzadas, e que, a partir da sua fortaleza inexpugnável de Alamut na Pérsia, organizava sortidas sangrentas contra os cavaleiros cristãos e contra os islâmicos que de alguma forma conciliavam com o invasor.
Não deixa de parecer algo quixotesco a luta deste homem que age como se fora um profeta invisível e que continua abrigado nas cavernas do Afeganistão como centro e símbolo da luta contra o Império Americano.
Sem apoio de um estado ou de uma organização estruturada, contando apenas com seus recursos pessoais, trava uma guerra quase que solitária contra a maior potência da terra.
Quadro Síntese dos Fundamentalismos
CRISTÃOS
País: EUA
Igrejas: Batista, presbiteriana, evangélica, adventista
Objetivos: Contra os costumes modernos. Anti-divórcio, anti-aborto. Politicamente anti-comunista e no campo da ensino são anti-evolucionistas defendendo o criacionismo
ISLÂMICOS
País: Afeganistão
Grupo ou Movimento: FIS (Frente Islâmica de Salvação) e GIA (Grupo Islâmico Armado)
Objetivos: Revogar os costumes modernos e aplicar a lei corânica em seus fundamentos. Rejeição completa ao mundo moderno
País: Argélia
Grupo ou Movimento: Taliban (seminaristas islâmicos)
Objetivos: Luta contra o regime militar secular. Tenta impor no futuro uma republica islâmica. Organiza massacres indiscriminados contra a população aldeã, persegue jornalistas, mulheres emancipadas e assassina os estrangeiros
País: Egito
Grupo ou Movimento: Irmandade muçulmana e o Jihad Islâmica
Objetivos: Advoga república muçulmana. Ataque a elementos do governo ( assassinato de Anuar Sadat) e aos turistas ocidentais ( 58 mortos em Luxor)
País: Líbano
Grupo ou Movimento: Hezbollah (O partido de Deus)
Objetivos: Luta contra a ocupação israelense do sul do Líbano, chamada Zona de Segurança. É apoiado pelo Irã
País: Palestina
Grupo ou Movimento: Hamas
Objetivos: Lutam contra Israel e não aceitam o acordo firmado pela FLP de Arafat com os israelenses. Advogam a adoção das leis corânicas
País: Irã
Grupo ou Movimento: Movimento Xiita
Objetivos: Derrubaram o governo pró-ocidental do Xá Reza Pahlevi em 1979, fundando a Republica Islâmica. EUA foi seu principal inimigo. Rejeição da vida ocidental e volta aos costumes islâmicos.
Fonte:VOLTAIRE SCHILLING