Por: Marise Magalhães Olímpio
Ainda hoje muitos historiadores defendem a idéia de que toda a economia durante o período colonial girou em torno do engenho de açúcar, durando isto até o surgimento dos trabalhos nas minas, onde o trabalho dos homens livres tornou-se mais evidente, pois uma grande quantidade deles foram para aquela região em busca de melhor condição de vida, e acabaram por realizar diversos tipos de trabalho. Com isso podemos perceber mais claramente que existiam duas forças de trabalho utilizadas na colônia: a escrava e a livre. Deter-me-ei primeiramente a mão-de-obra escrava.
O escravo começou a ser utilizado primeiramente na atividade do engenho, atuando no processo de fabricação do açúcar. Para alguns, esta foi a primeira indústria do Brasil, pois nela percebia-se claramente a divisão das tarefas, sendo cada escravo especialista na sua função, e devido ainda a existência de uma hierarquia entre os escravos, partindo dos que desempenhavam a tarefa mais simples para aqueles que desempenhavam as mais complexas. A discussão mais recente que envolve este período questiona até onde iria a autonomia do escravo, seria ele um mero objeto de trabalho na mão de seu senhor ou teria autonomia para reivindicar por seus direitos e, ainda, em alguns casos, ter eles atendidos? A segunda opção cada vez mais é aceita entre os historiadores.
Um escravo custava muito caro ao senhor, custaria mais caro ainda se ele fugisse antes mesmo do período em que seu trabalho pagasse as despesas que seu dono teve ao comprá-lo e ainda mais se fosse ele um “mestre do açúcar” (oficio desempenhado pelo escravo do topo hierarquia na atividade açucareira). Assim, o senhor buscava meios para evitar que as fugas se realizassem. Como? O Senhor costumava dar um pedaço de terra para o escravo plantar, chamado de “brecha camponesa”, nesta ele plantava seu alimento para subsistência e havendo excedente, podia vender e assim quem sabe adquirir manumissão, outro incentivo dado ao escravo, a possibilidade de comprar sua própria liberdade. Dependendo também da tarefa que o escravo desempenhasse no engenho, este recebia gratificações em dinheiro devido ao trabalho realizado, perder um escravo especializado seria um grande prejuízo.
Porém, estes incentivos não agradavam a todos, como diz Schwartz (2001, p. 103), “alguns escravos recusavam qualquer adulação ou persuasão para colaborar e resistiam à escravidão de todas as maneiras possíveis (...)”. Que maneiras seriam essas? Quebrar algum equipamento, trabalhar de forma lenta, queimar de mais ou de menos o açúcar, provocar incêndios na lavoura e dentre outros, a fuga.
Vale ressaltar que esses incentivos ao trabalho escravo não acontecia em todos os lugares, eles eram dados onde a possibilidade de fuga era maior e em engenhos muito próximos das cidades. Em um engenho isolado, onde os castigos aos escravos não saltam aos olhos da comunidade e onde as possibilidades da captura de um escravo “fujão” é maior, o senhor quase não se preocupava em agradar para manter seus escravos.
Os escravos além de terem trabalhado no engenho de cana de açúcar ainda foram a principal mão-de-obra da mineração e ainda atuaram no processo de povoamento do sertão nordestino, participando da atividade pecuarista. Não esquecendo o escravo urbano, que desempenhava diferentes funções, que sendo ele de ganho ou de aluguel, sempre gerava lucros para o seu dono.
O trabalhador livre sempre fez parte da economia colonial, no período onde a principal atividade econômica era a produção de açúcar, estes viviam em prol das fazendas, sendo as cidades daquele momento abastecedoras deste sistema, e o poder político era exercido em sua maioria pelos grandes latifundiários. Com o surgimento da extração de minérios como atividade econômica, grande foi a ida de trabalhadores livres em busca de alguma oportunidade. Mas quem eram estes trabalhadores livres? Em sua maioria degredados que vieram de Portugal, além destes, negros libertos sem trabalho, e ainda, os descendestes destes e daqueles. Todos eram chamados de vadios por aqui não terem conseguido inserir-se em uma atividade econômica fixa, já que existia pouco espaço no sistema escravocrata para homens livres, assim viviam da realização de trabalhos esporádicos. Laura Souza (1986, p.61) fala dessas condições favoráveis para a proliferação destes desclassificados, partindo justamente da análise da estrutura econômica que não dava oportunidade para eles.
Então que tipo de trabalho desempenhavam? Devido a grande aglomeração destes na região das minas e estas não podendo absorver todos, até porque inicialmente quem tinham direito de explorá-las eram somente aqueles que eram ricos e tinham escravos, sendo permitido depois para os trabalhadores pobres livres que tinham escravos o trabalho no garimpo e na faiscagem, que não rendia nem o suficiente para a alimentação destes trabalhadores, lembrando ainda que muitos destes escravos morriam por causa do serviço insalubre das lavras. Assim tendo cada vez menos como se manter, eles passaram a serem vistos como um problema social, incomodando inclusive o Poder Público, que tratou de ocupá-los, muitas vezes obrigando-os (com pena de serem expulsos da capitania ou recrutamento) a realizar trabalhos que não havia quem desempenhassem, pois os escravos não podiam, por dois motivos: deixariam de realizar seu trabalho na lavoura e ainda poderiam fugir com mais facilidade, isto fez com que estes “vadios” passassem assim de problema social para solução na realização de alguns serviços. Desempenharam assim trabalho nas entradas; em obras públicas, inclusive construção de presídios; lavoura; constituíram polícia privada; atuaram na formação de fronteiras e na expansão territorial brasileira; e ainda atuaram nas milícias e corpos militares. Vale ressaltar que em sua maioria eram de pessoas sem experiência em certas atividades, sendo assim a falta de preparação para a realização de alguns trabalhos vinha a torná-los novamente num problema para o poder público. Mas não por isso deve ser esquecido ou desqualificado os grandes préstimos que o trabalho destes deram para a solidificação do Estado do Brasil.
O Estado não apenas interferia na economia da província, como pudemos perceber nos casos em que obrigava os degredados trabalharem, como também na religiosidade do povo. Como assim? Para Laura Souza (1986) o fato da existência da monarquia inscrever-se nos negócios do espírito através do padroado foi um dos fatores que gerou um distanciamento dos dogmas cristãos modernos, fazendo perdurar uma vivência da religião medieval na colônia.
Em 1551 foi criado o bispado na Bahia, sendo o bispo indicado pela Coroa portuguesa. Em 1545 a 1563 ocorre o Concílio do Trento que define como deveria ser essa ação da Igreja católica pelo mundo, porém sua ação efetiva apenas se dá na Europa. Em 1622 é criada a Congregação para propagação da fé, que visava resolver o problema do “paganismo” em que se encontrava a colônia portuguesa. Sendo assim, percebe-se que de 1500 até 1622, o Brasil apenas contará com este bispado e com atuação de alguns jesuítas (exs: Benci e Antonil) para proliferar uma visão mais racionalizada do cristianismo. Laura Souza, afirma que até 1750 o Brasil ainda estaria vivendo uma religiosidade medieval, baseada em misticismo, magicalismo, demonialismo e poderes sobrenaturais.
Fato mais importante da religiosidade brasileira foi as diferentes vivências tidas na colônia já que esta habitava diferentes povos: índios, negros, cristãos-novos, degredados etc. Cada povo passou a unir os valores cristãos aos que já tinham, havendo assim, o sincretismo de diversas crenças. Por exemplo, os índios continuavam a dar poderes divinos a natureza, os negros continuaram a cultuar os deuses do candomblé juntamente com os católicos; os cristãos-novos tinham sempre uma tendência mais valorizar mais os ensinamentos do Antigo Testamento que os do Segundo Testamento; os degredados foram os maiores responsáveis pela perpetuação da religiosidade medieval, que pode-se dizer, persiste ainda hoje em nossa sociedade. Deve-se lembrar que estes sincretismos não eram aceitos pela religião oficial, afinal a Coroa Portuguesa e o Estado português era um católico, e consequentemente todas as suas colônias deveriam o ser.
Bom, mas o que a Igreja católica fazia para combater essa “religiosidade deturpada”? Existia a ação dos jesuítas, que tentavam conscientizar os cristãos, educá-los, fazer com que eles compreendessem as palavras dos evangelhos e não apenas as decorassem; e também havia as visitas do Tribunal da Santa Inquisição, que recolhiam denúncias e depois julgava os acusados. As denúncias eram as mais variadas e mostravam sempre o descrédito do povo para com a religião oficial: desacato a inquisição, críticas às vendas de indulgências, ao celibato, à adoração de imagens e crucifixos; desconhecimento dos dogmas; pedidos ao Diabo; etc.
Percebe-se assim, a revolta que se tinha contra a religião oficial, mas também é preciso notar que apesar desta, talvez o medo de ter como participante dessas práticas fosse maior, afinal quem denunciava esses possíveis hereges? A própria população, talvez uma parcela diferenciada dos denunciados, ou talvez não.
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