Por Júlio Afonso Pinho*
* Doutor em Comunicação e Cultura e Professor Adjunto do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Paraíba.
Resumo:
Este trabalho aborda uma reflexão sobre o contexto histórico do nascimento das Relações Públicas com o objetivo de compreender os fatores responsáveis pelo seu surgimento no final do século XIX. O cenário político, social e econômico da época é por demais revelador no que diz respeito à natureza e função da atividade de Relações Públicas, demonstrando as forças sociais que foram responsáveis por sua gênese e posterior desenvolvimento. Por fim, aborda uma reflexão a respeito do início da atividade no Brasil, frisando as situações históricas da sua chegada no país e as implicações daí decorrentes no exercício da profissão.
1. INTRODUÇÃO
É importante frisar que a profissão de Relações Públicas tem seus fundamentos ligados ao fenômeno da opinião pública. Somente numa sociedade democrática, onde a opinião pública assume papel preponderante no processo político, haverá a devida importância à atividade profissional das Relações Públicas. Necessariamente, numa democracia, há que se estabelecer o diálogo, o consenso, a ausculta aos diversos grupos e movimentos sociais.
A opinião pública é um fenômeno típico dos albores da modernidade, alicerçada nas idéias iluministas. De fato, tal opinião pública, revigorada nos espaços públicos do início da modernidade, cumpriu seu papel de fórum democrático; espaço onde a sociedade civil se aglutinava para questionar, debater e refletir os rumos da administração pública, dos direcionamentos e apostas políticas dos governos dos Estados-Nação dos séculos XVIII e XIX.
É justamente o fortalecimento da sociedade civil, com suas conseqüentes necessidades de discussão de temas relevantes e de mobilização política, que vai abrir espaço para o surgimento da atividade de Relações Públicas, demonstrando assim, o caráter eminentemente político das RP’s. Torna-se imprescindível, destarte, proceder a um minucioso cotejo entre os fatos históricos significativos dos EUA, no século XIX, e a cronologia da evolução das Relações Públicas, tendo em vista proporcionar uma reflexão profícua a respeito dos determinantes políticos, econômicos, sociais e culturais que viabilizaram e contingenciaram o surgimento dessa nova profissão.
Nesta cena história, a luta de classes, o movimento sindical e as associações patronais e o desenvolvimento do capitalismo monopolista integram um capítulo essencial e imprescindível para conhecer a gênese da profissão de Relações Públicas naqueles Estados Unidos do século XIX.
Por fim, é necessário empreender uma análise da profissão na atualidade a partir do enriquecimento que tal contexto de seu nascimento nos lega. Numa época de crise da política, fragmentação do sujeito, declínio dos sindicatos e da opinião pública, o que podermos ter como perspectiva da profissão de Relações Públicas? Sem dúvida alguma, a reflexão sobre o surgimento das RP como profissão torna-se extremamente importante para entender a evolução conceitual, a fundamentação ética, os pressupostos teóricos e os paradigmas dessa profissão desde a sua origem até nossos dias.
2. O SINDICALISMO NORTE-AMERICANO NO SÉCULO XIX: UMA SOCIEDADE EM TRANFORMAÇÃO
Os Estados Unidos foram o primeiro país a industrializar-se fora do continente europeu, contando com uma certa pujança industrial já pelos idos de 1840. Tal processo foi facilitado por diversos fatores responsáveis pela consolidação dos EUA como nação. Dentre eles, podemos citar os mais significativos como o movimento expansionista americano à época; a Guerra da Secessão e por fim a grande onda migratória intensificada pela chegada das hordas de irlandeses.
O movimento expansionista legou aos EUA, na primeira metade do século XIX , os territórios da Flórida, Lousianna, Alaska, Texas, Novo México, Califórnia, Utah, Arizona e Nevada, sendo que os três primeiros foram anexados pela via diplomática, mediante o pagamento de altas somas de dinheiro; já os territórios mexicanos foram agregados pelo uso da força. Só nos três anos da Guerra do México (1845-1848) mais da metade da ex-colônia espanhola passou a fazer parte do território americano.
No final da primeira metade do século XIX formaram-se as primeiras grandes concentrações de trabalhadores no entorno das cidades-pólo do processo de desenvolvimento industrial americano. Nesta época, os EUA também receberam um significativo contingente de irlandeses – além dos costumeiros imigrantes de diferentes procedências – que fugiam das conhecidas fomes que assolaram a Irlanda no início do século XIX, fato que acabou por fortalecer e ampliar ainda mais o exército de reserva necessário para a expansão do capitalismo industrial. Aliado a essa conjuntura podemos citar também o enriquecimento dos estados do norte, a partir da guerra da secessão (1860-1865). Esta grande guerra civil, com toda sua destruição, foi, contudo, decisiva para formar um mercado economicamente unificado e guindar a nação americana à condição de potência mundial.
A “conquista do oeste” também pode figurar como um elemento desencadeador desse processo industrial, uma vez que resultou em abundância de recursos, servindo também como elemento inibidor de crises trabalhistas. A expansão da fronteira americana (teoria da fronteira) representava uma válvula de escape, contribuindo para a cristalização das condições sociais da época, com profundos reflexos nas questões trabalhistas. Segundo a Teoria da Fronteira, as fronteiras a serem conquistadas representavam a possibilidade do direito de propriedade à terra, inibindo crises sociais e anseios revolucionários de transformação social. (1)
A questão da propriedade é decisiva para delinearmos o perfil dos trabalhadores americanos desse período histórico. Eles almejavam alcançar a condição de proprietários, segundo o ideário da livre iniciativa, pois o imaginário da época estava perpassado pela idéia da posse da terra, da aventura bem-sucedida de tornar-se proprietário, o que, por sinal, delineou uma forte rejeição aos monopólios, cartéis e trustes, toda e qualquer organização do capital que pusesse em risco a esperança da distribuição de terras e o acesso de um grande número de cidadãos às benesses do capitalismo. A filosofia de vida americana postulava a salvaguarda dos ideais liberais da livre iniciativa, da economia competitiva e da igualdade de possibilidades para todos.
Tal perfil fez com que o movimento sindicalista americano fosse, até certa medida, destituído de uma forte mobilização, no sentido de promover uma transformação social profunda, capaz de fazer desencadear os grandes ideais comunistas tão presentes e cada vez mais fortes à época. Na verdade, até a crise de 1929, a grande heterogeneidade da classe operária americana, a grande imigração, a abundância de terras livres, os ideais burgueses do direito à propriedade e o surto de prosperidade advindo do grande desenvolvimento econômico, refrearam as reivindicações da classe operária americana, a despeito do que ocorria na Europa nessa mesma época – palco de avanços dos movimentos operários após as revoluções liberais no período compreendido entre 1800 a 1848 – onde os princípios do socialismo direcionaram reformas econômicas e sociais profundas contra a desigualdade social.
Na verdade a Europa já presenciava, neste período, a insurreição dos trabalhadores contra as péssimas condições de vida decorrentes de crises econômicas, desemprego, falta de liberdade civil e política. Exigiam liberdade de imprensa, democracia, sufrágio universal, política social e direitos trabalhistas.
Não é por acaso que o Manifesto Comunista – texto fundador da teoria marxista – foi publicado pela primeira vez, no mês de fevereiro de 1848, em Londres. Este documento foi concebido inicialmente para atuar como um programa teórico da Liga dos Comunistas, na Inglaterra. Contudo, ele possui como característica maior ser um programa para a organização mundial dos trabalhadores de diferentes países. Tal função faz com que o Manifesto possua um caráter propagandista, persuasivo, visando conscientizar, esclarecer, advertir e conclamar os operários de todo o mundo a respeito da luta de classes, da mais valia, da superestrutura do capitalismo etc. Segundo LASKI, “seu objetivo é insistir na solidariedade internacional, ser vanguarda em cada país, com seu profundo conhecimento teórico do movimento da história, cooperando na conquista do poder pelos trabalhadores”. (2)
A Europa de 1848 vivia uma grande onda revolucionária, com manifestações de operários em quase todos os países, conseqüência das crises advindas da crescente concentração do capital e da intensificação da exploração do trabalho. Tal panorama acirrou os choques entre burgueses e proletários, resultando numa maior consciência e poder de mobilização dos operários.
Esse famoso Manifesto é traduzido pela primeira vez nos Estados Unidos em 1871, convocando os operários americanos a integrarem-se no grande projeto marxista: “proletários de todos os países, uni-vos”. Chegava finalmente à América o “fantasma do comunismo”, que até então rondava a Europa.
3. A CONSOLIDAÇÃO DOS MOVIMENTOS SINDICAIS.
As primeiras traduções do Manifesto Comunista nos Estados Unidos surgem a partir de 1871. É desta data, também, a publicação do Manifesto no semanário Nova Iorquino, de língua francesa, Le Socialiste. Percebe-se que a divulgação do Manifesto foi ampla, como era planejado desde a própria elaboração do documento. O acesso a tais idéias pelas massas, fez surgir novas perspectivas para a compreensão da sociedade daquela época. Segundo Mota, “o Manifesto Comunista (1848), de Marx e Engels, indica a mudança de concepções abstratas e utópicas sobre a sociedade, para outras mais concretas e combativas”. (3)
No último quartel do século XIX, o movimento operário cresceu no mundo todo, haja vista a primeira experiência concreta, ou “batismo de fogo”, de poder político dos trabalhadores, fato ocorrido na França com a famosa revolução proletária denominada Comuna de Paris, em 1871.
Nos Estados Unidos tal período foi marcado por vários acontecimentos importantes ocorridos no cenário trabalhista norte-americano. Em 1869, foi fundada a Ordem dos Cavaleiros do Trabalho (OCT), primeira organização trabalhista nos EUA que se transformou, nos anos seguintes, numa poderosa central sindical capaz de um intenso movimento de massa, congregando trabalhadores de diferentes ofícios. Seus associados chegaram a mais de 700 mil em 1885. A Ordem foi sucedida pela Federação Americana do Trabalho (FAT), fundada em 1886, que refutou a idéia de um único e grande sindicato, apostando na completa autonomia dos diferentes sindicatos, cada um deles possuindo sua constituição, seus regulamentos e métodos de negociação.
É interessante notar que a Federação Americana do Trabalho era preocupada com a opinião pública. Na verdade, a FAT possuía, como um dos seus princípios básicos, a mobilização da opinião pública, visando torná-la favorável para com sua causa: “Os sindicatos devem cultivar a opinião pública com o objetivo de se tornarem mais aceitáveis para a economia e a sociedade americana”. (4)
Este ano de 1886 também tornou-se emblemático devido à famosa greve pela jornada de 8 horas de trabalho, mobilização esta que obteve êxito em todo o país, “exceto na cidade de Milawaukee, perto de Chicago, onde a polícia interveio contra os operários (...), matando vários trabalhadores”5.
Este acontecimento marcou a história do sindicalismo mundial, pois levou o Congresso Americano a aprovar, em 1889, a lei de regulamentação da jornada de oito horas de trabalho. Também, em honra aos mártires de Chicago, o dia 1o de maio foi proclamado, pelo Congresso Operário Socialista de Paris, em 1889, como o Dia Universal do Trabalho.
Não podemos deixar de citar, ainda, o ano de 1877, marcado por uma grande depressão econômica, resultando em cerca de três milhões de desempregados. Neste ano ocorreu também uma grande greve dos trabalhadores da estrada de ferro que abalou todo o país. O foco desta greve era a luta pela expansão dos sistemas de negociações coletivas e aumento salarial; já os anos de 1883 e 1885 assinalam duas grandes greves, a dos telegrafistas e dos ferroviários, respectivamente.
Vale ressaltar que tais acontecimentos abalaram toda a economia da nação americana, acirrando ainda mais as diferenças sociais de classe, o que por sua vez acabou por consolidar a militância dos sindicatos. É interessante notar, para o objetivo do nosso estudo, que sindicalistas e patrões procuraram exaustivamente trabalhar a opinião pública para que esta aderisse às suas causas, mobilizando, para isto, publicações de diferentes matizes ideológicos. Surge, assim, a necessidade de desenvolver um trabalho profissional direcionado aos meios de comunicação de massa. Ambas as partes tinham plena consciência de que o êxito nos conflitos de classe dependia, sobremaneira, de um significativo apoio da opinião pública. Algo tão bem previsto já no próprio Manifesto Comunista.
Esse amadurecimento do movimento sindical americano fez com que o centro das mobilizações da classe operária migrasse das negociações coletivas com empregadores, centrando seu foco para as atividades políticas capazes de mobilizar esforços e estratégias que melhorassem as condições gerais de trabalho. A luta pela revisão das legislações trabalhistas é um bom exemplo desse novo direcionamento.
Para obter pleno êxito nessa empreitada, era preciso atingir as massas; trabalhar através da implementação de estratégias de comunicação que fossem capazes de granjear o apoio da sociedade americana, estendendo a influência dos sindicatos para além de seus quadros de associados, tendo em vista atingir a opinião pública norte-americana.
4. A MOBILIZAÇÃO DO PATRONATO: POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS ANTI-SINDICAIS
Nos últimos vinte anos do século XIX as grandes corporações (monopólios) assumiram uma crescente importância no cenário econômico norte-americano. As indústrias do aço e as companhias ferroviárias capitanearam, por sua vez, grandes mobilizações anti-sindicais à media que o sindicalismo tomava força.
À já existente Associação dos Diretores de Estradas de Ferro, somou-se a Associação Americana Antiboicote, criada em 1902, constituindo-se em “uma entidade secreta dos fabricantes com o objetivo de atacar os sindicatos. Por volta da mesma época foi organizada a Associação Nacional dos Fabricantes que tinha também a finalidade de combater sindicatos por meio de medidas políticas e legislativas”.
A United States Steel Corporation também se notabilizou em estratégias para desmobilizar os sindicatos, conforme revela o relato de uma comissão investigadora do Congresso na época:
A grande massa de trabalhadores sindicalizados americanos na indústria de ferro e aço compreendeu que era indesejável nas usinas da U. S. Steel Corporation. O processo usado para preencher as vagas deixadas por esses trabalhadores sindicalizados é interessante e importante... Apelou-se para a Europa Meridional. Hordas afluíram aos Estados Unidos. (...). Eles não sabiam absolutamente nada sobre a fabricação de ferro e aço, mas foram o suficiente para lutar contra os sindicatos trabalhistas. (6)
O período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX foi marcado por mais greves. Em 1897 ocorreu a greve dos mineiros, em 1901 a dos mecânicos e trabalhadores do aço e em 1904 a dos matadouros. Frente a esse quadro de acirrada crise, a classe patronal contou com a ajuda das transformações nas relações de trabalho, fruto da Teoria da Administração Científica, de autoria de Frederick Winslow Taylor (1856-1915). O taylorismo representou um duro golpe nos êxitos sindicais logrados até então. Tal método destituía o trabalhador daquilo que lhe era mais caro: seu conhecimento e habilidade profissional, fazendo-o perder o controle técnico do processo de produção.
De fato, o objetivo maior do taylorismo era fazer com que as tarefas laborais fossem planejadas, classificadas e sistematizadas. O processo de produção era, destarte, escandido, fragmentado, dividido em fases: planejamento, concepção e direção. O processo de trabalho era agora “administrado cientificamente”, segundo procedimentos de tempos e movimentos, que eram capazes de estipular, sob a égide da linha ou cadeia de montagem, um movimento a ser desenvolvido num tempo ideal, devidamente cronometrado. Esse irromper da padronização das formas de produzir, bem como da conseqüente avaliação dessa produtividade, ficou imortalizado nas cenas do filme Tempos Modernos, de Chales Chaplin.
Na verdade, o taylorismo opera uma verdadeira separação entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, o que acaba por diminuir “a necessidade de trabalhadores diretamente envolvidos na produção, desde que ela os despoja de funções mentais que consomem tempo e atribui a outrem essas funções”. Tal fato, contudo, não passou despercebido aos trabalhadores. Os sindicatos acabaram por se mobilizar diante da “gerência científica do trabalho” na medida em que essas novas condições de produção se tornaram generalizadas.
Como bem nos lembram Rago & Moreira (1984), o discurso taylorista constitui-se numa hábil estratégia de dominação social, visando delinear o perfil de um trabalhador dócil, alienado, apostando na mera força física (o conceito de “homem boi” é perfeitamente adequado nesse contexto) e na atomização da classe operária, agora motivada por incentivo/prêmio por produtividade individual. Tal realidade minava qualquer incentivo à solidariedade, consciência de classe, luta por direitos coletivos. A produção individual passou a ser a grande promessa por melhores salários, rechaçando as negociações coletivas e as conquistas oriundas das legislações trabalhistas.
A legitimação do taylorismo, e mais tarde também do fordismo7, estava justamente no argumento da ciência e da técnica que eram habilmente instrumentalizadas para servir aos interesses da burguesia. “Esta operação ideológica permitiu mascarar o conteúdo político da técnica de uma maneira muito hábil, ou seja, dissociando a questão da técnica da questão da política de tal modo que ambas aparecem como elementos independentes”. (8)
Essa desumanização do trabalho, que agiu no sentido de subtrair a capacidade crítica, a consciência, a cidadania, a luta por direitos, tornando-o facilmente substituível e refém dos grandes monopólios, foi duramente combatida pelos sindicatos. A Federação Americana do Trabalho fez guerra à administração científica do trabalho. Em 1912, por pressão dos sindicatos, houve um inquérito parlamentar contra Taylor e não foram raras as revoltas dos trabalhadores contra os cronometristas e apontadores que vigiavam cada atividade empreendida pelos operários. Greves, entre 1911 e 1916 exigiram o cancelamento de tais medidas. Não tardou para que os novos operários semiqualificados ou taylorizados engrossassem as fileiras dos trabalhadores sindicalizados e começassem a lutar por seus direitos. O número de sindicalizados cresceu de 2 milhões, em 1910, para 5 milhões, em 1920 (9)
5. SEGUNDO QUARTEL DO SÉCULO XX: A CONSOLIDAÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS COMO ATIVIDADE PROFISSIONAL.
Embora alguns autores, como CHAUMELY & HUISMAN10, considerem Ivy Lee como o verdadeiro fundador das Relações Públicas, devido ao fato do mesmo ser o fundador do primeiro escritório mundial de R. Públicas, no ano de 1906, em Nova Iorque, é consenso que o início da profissão aconteceu quando William H. Vanderbilt, filho do Comodoro Cornelius Vanderbilt, pronunciou a famosa expressão: The public be damned (O público que se dane). A declaração, segundo Gurgel11, teria sido feita, em 1882, a um grupo de jornalistas de Chicago sobre o interesse público a respeito de um novo trem expresso entre Nova Iorque e Chicago. Vanderbilt, diante do descrédito que sua declaração produziu, tentou desmentí-la, em entrevista posterior ao “New York Times”.
Tal ocorrência, longe de ser um acontecimento pontual, é o reflexo da maneira como os dirigentes dos grandes monopólios norte-americanos se posicionavam frente à opinião pública. Alguns desses grandes magnatas são John D. Rockfeller, magnata do petróleo, J.P. Morgan, banqueiro, e o próprio Vanderbilt, empresário de estradas de ferro.
Nesta época os Estados Unidos viviam o grande problema dos monopólios. No caso das estradas de ferro, alguns poucos grupos, dentre os quais o liderado por Vanderbilt, detinham a posse de quase todas as estradas de ferro do país. Esse capítulo da história econômica americana vê o modelo de capitalismo, baseado no laissez-faire, lassez-passer, ser gradativamente submetido a um maior controle do Estado, através de normas, regulamentações e legislações, com o objetivo de destituí-lo do seu perfil excessivamente liberal e totalmente descompromissado com os direitos e necessidades dos trabalhadores e de toda a sociedade.
É importante cruzar os dados históricos e confrontá-los com essas datas da cronologia da evolução histórica das Relações Públicas. William Vanderbilt, autor da famosa sentença “the public be damned”, era um empresário do ramo das estradas de ferro. Seu pai, o comodoro Cornelius Vanderbilt, inagurou, em 1851, quando a corrida do ouro rumo ao Oeste americano estava em alta, uma linha de transporte ferroviário, unindo a costa do leste à Califórnia. Após a Guerra Civil americana, Cornelius expandiu o seu império a ponto de obter o controle, em 1867, da New York Central Railroad, chegando a ligar, via estrada de ferro, Nova Iorque a Chicago, em 1873. (12)
Em 1877, como vimos, houve uma grande greve dos trabalhadores das estradas de ferro com grande repercussão em todos os Estados Unidos e vinte anos depois, em 1897, “a Associação das Estradas de Ferro dos Estados Unidos empregou, pela primeira vez, a expressão “Relações Públicas” (Public Relations), com o significado que hoje se dá ao termo, no seu ‘Year Book of Railway Literature’”13. É preciso que não esqueçamos que esse intervalo de tempo representa um período histórico muito significativo no âmbito econômico e social para os Estados Unidos.
As próximas décadas também estão repletas de fatos ligados ao sindicalismo, como a grande greve dos ferroviários de 1885 e a criação da Associação Americana Antiboicote, em 1902.
Como podemos ver, o nascimento das relações públicas está inserido numa época de bastante efervescência política, diretamente ligada aos fluxos e contra-fluxos do movimento sindical americano. Tal mobilização da classe trabalhadora despertou toda uma série de estratégias para mobilizar a opinião pública, tarefa esta disputada também pela classe patronal, que, de muitas maneiras, se aglutinou e tomou medidas para organizar-se como classe, também com a preocupação de granjear uma opinião pública favorável às suas causas e interesses. Esta profissionalização, em matéria de comunicação, tanto do sindicalismo como do patronato, fez emergir as relações públicas como atividade profissional.
O contexto histórico da sentença “O público que se dane” revela uma sociedade atribulada pelas lutas, reivindicações e arregimentação da classe trabalhadora que reverberava o slogan “proletários de todo mundo, uni-vos”, proclamado pela Internacional Comunista e descrito no Manifesto Comunista. Este último, inclusive, é traduzido nos EUA em 1871 – onze anos antes do fato considerado marco inicial das Relações Públicas.
A grande importância, aqui, deve ser dada à opinião pública. Percebe-se que quando a sociedade civil americana começa a organizar-se, surge a necessidade da profissão de relações públicas. Tal atividade, que tem como princípio, nesse período, persuadir a opinião pública, tornando-a favorável a diferentes causas e princípios (trabalhadores ou patrões), revela possuir um fundamento claramente político. Surge como fruto de mobilizações e reivindicações ocorridas, essencialmente, na esfera política. O que não pode também passar despercebido é que este procedimento, inicialmente surgido em alguns segmentos sociais específicos, acabou, depois, por ser incorporado pela própria esfera governamental.
Em 1903, um ano após o surgimento da Associação Americana Antiboicote, Ivy Lee, jornalista e publicitário, “despontou no cenário norte-americano, escrevendo artigos para jornais, como ‘press agent’ (agente de imprensa), sugerindo um tipo de atividade para relacionamento das instituições com seus públicos”.14 Na verdade, não se trata de mais uma atividade propagandística com a finalidade de divulgar uma instituição, um governo ou uma personalidade, mas sim de traçar estratégias para relacionar-se com os diferentes públicos, ainda que nesta fase inicial da profissão tenha prevalecido uma orientação calcada no suborno e aliciamento da imprensa e de muitos jornalistas dos grandes jornais da época.
A história da atuação de Ivy Lee, como profissional de Relações Públicas, está voltada para as grandes empresas e para os mais proeminentes magnatas daquele período. O período compreendido entre 1903 a 1914 foi marcado, nos EUA, por uma intensa campanha contra o big business americano. Nesta fase surgem em cena os muckrakers15 (exploradores de escândalos) que através de reportagens e artigos em pequenos opúsculos, revistas e jornais, denunciam a corrupção existente tanto no âmbito governamental como no privado. As grandes empresas eram acusadas da prática de monopólio, através da formação de cartéis, com o objetivo de barrar a livre concorrência; também havia denúncias referentes ao pagamento da mão de obra com salários de fome e ainda a existência de conluios entre empresas e governo para salvaguardar transações escusas entre ambos. Além disso, tais escândalos também expunham à mostra os truques sujos utilizados pelas grandes empresas para eliminar as suas congêneres de menor porte: sabotagem, dumping, formação de cartéis, trustes e consórcios.
Grandes escritores norte-americanos da época, como Upton Sinclair16, Theodore Dreiser, Lincoln Steffens, David Phillips, Jack London e Ida Tarbell17, dispararam críticas, em muitas de suas obras, contra os magnatas da economia americana. Nesse período, as empresas ferroviárias18 foram as mais atingidas por essa onda de denúncias, bem à frente até mesmo das grandes companhias financeiras e de petróleo. É justamente nesta época que as empresas ferroviárias, segundo Gurgel, organizaram uma contra-ofensiva a essa onda de críticas, montando uma “assessoria de imprensa e Relações Públicas”, como foi chamada na época.
Outro importante feito de Lee foi, em 1906, atuar na George F. Baer & Associates, tendo desempenhado um papel muito importante durante uma crise originada a partir de uma greve ocorrida numa indústria de carvão. Nessa ocasião, Ivy Lee inaugurou a etapa das Relações Públicas baseadas na máxima de que “o público deve ser informado”, um verdadeiro paradigma da atividade de RP, baseado na sua “Declaração de Princípios”, que determina o seguinte:
Este não é um Departamento de Imprensa secreto. Todo nosso trabalho é feito às claras. Pretendemos divulgar notícias, e não distribuir anúncios. Se acharem que o nosso assunto ficaria melhor como matéria paga, não o publiquem. Nossa informação é exata. Maiores pormenores sobre qualquer questão serão dados prontamente e qualquer redator interessado será auxiliado, com o máximo prazer, na verificação direta de qualquer declaração de fato. Em resumo, nossos planos, com absoluta franqueza, para o bem das empresas e das instituições públicas, é divulgar à imprensa e ao público dos Estados Unidos, pronta e exatamente informações relativas a assuntos com valor e interesse para o público19.
Em 1909 Ivy Lee tornou-se o responsável pelo setor de “divulgação e propaganda” da Pennsylvannia Railroad, empresa onde permaneceu até 1914. Fica claro que a atividade desenvolvida por Lee não pode ser considerada uma “extensão” dos serviços de publicidade e propaganda da época. Até mesmo porque o seu cunho é político; trata-se de um métier preocupado em manter um relacionamento satisfatório com seus diferentes públicos. Tal ação é desenvolvida de forma profissional, capaz de dar um direcionamento lógico e ordenado a partir de um conjunto de estratégias, previamente planejadas, com o objetivo de compor uma política de comunicação direcionada para os públicos de uma organização. Não se tratava de uma extensão ou desdobramento da publicidade e propaganda, mas sim, de uma nova e específica atividade profissional. Uma atividade profissional que nasce em decorrência das transformações ocorridas na sociedade americana, mas especificamente na esfera política, tendo como ponto de partida as lutas e reivindicações do operariado.
Dando continuidade à trajetória de Ivy Lee, merece registro o trabalho prestado, no ano de 1914, por Lee para a família Rockfeller. Os Rockfeller estavam sendo detratados pela imprensa norte-americana, em decorrência dos maus tratos impingidos aos grevistas em uma de suas empresas, a Colorado Fuel and Iron Co. A estratégia de Lee foi trabalhar a imagem pessoal de John Rockfeller, através de ações de filantropia e benemerência, o que culminou por notabilizá-lo como grande filantropo perante a opinião pública. Para alguns autores, tal fato representa o início da preocupação com o papel social dos negócios.
Finalizando, temos, em 1916, a abertura da Lee & Harris & Lee, empresa de consultoria de Relações Públicas, constituída e administrada por Ivy Lee.
Esse cotejo entre o nascimento das Relações Públicas e o sindicalismo americano – do final do século XIX e início do século XX – revela que a gênese da profissão encontra-se estreitamente relacionada com os embates entre os operários e grandes empresários – mais especificamente aqueles que eram dirigentes de grandes companhias de transporte ferroviário. Tal assertiva se comprova com os fatos históricos já aqui descritos e ainda com um acontecimento que pode ser considerado como emblemático. Em 1913, J. Hampton Baumgartner, da Baltimore-Ohio Railroad, proferiu uma conferência, na Virginia Press Association, cuja temática versava diretamente sobre Relações Públicas: “As Estradas de Ferro e as Relações Públicas”,20 advertindo os empresários do ramo a desenvolverem um trabalho intensivo de relacionamento com seus públicos através da imprensa.
Enquanto o sindicalismo se fortalecia e organizava, tendo como meta conscientizar trabalhadores e sociedade, o patronato desenvolvia toda uma série de conhecimentos e estratégias voltadas para salvaguardar seus interesses, como a criação de movimentos e associações patronais e o financiamento de teorias administrativas com a conseqüente elaboração de técnicas capazes de implantar tais pressupostos teóricos; tais transformações levaram as empresas da época a serem submetidas a processos de reengenharia administrativa, econômica, política etc. No bojo de tais transformações, surgem as Relações Públicas.
6. A CRISE DE 1929 E A ERA ROOSEVELT: AS RELAÇÕES PÚBLICAS NA ESFERA GOVERNAMENTAL
O cenário político norte-americano na década de vinte do século passado era tenso. As idéias socialistas fervilhavam; se o manifesto comunista desencadeou o medo do “fantasma do comunismo” que pairava sobre governos e nações, a Revolução Russa despertou ainda mais temor. A revolução russa provocou, nos Estados Unidos, “a solidificação de vários grupos da ala esquerda, como os sindicalistas, anarquistas e radical-socialistas”.21 Somado a isso, temos o lançamento oficial do partido comunista americano em 1920. Dentre as instruções da Internacional Comunista estava a de fazer propaganda do partido, das idéias marxistas e da revolução.
Com a Crise de 1929, decorrente do colapso da Bolsa de Valores de Nova Iorque, os Estados Unidos – com reflexos em todo o orbe – enfrentam turbulências de toda espécie. As conseqüências do crack da Bolsa novaiorquina foram desastrosas, basta frisar que em decorrência dela foi gerado um exército de mais de doze milhões de desempregados. Havia a necessidade, destarte, do governo tomar medidas rápidas e eficazes para afastar as violentas crises sociais que poderiam desaguar em uma revolução, haja vista a forte mobilização da esquerda americana nesse sentido. Também a ascensão de regimes totalitários, como aconteceu (,) na Itália e na Alemanha, constituiu-se em uma outra ameaça à democracia americana. Para isto, saber lidar com a opinião pública da sociedade americana tornou-se uma tarefa indispensável:
Com a grande crise de 1929, a informação deixou de ser um luxo: tornou-se uma necessidade. Abraham Lincoln tinha-o dito: “Com a opinião pública nada pode malograr; sem ela nada pode resultar bem”. Esse apelo à opinião pública tornou-se especialmente urgente pela existência de mais de doze milhões de desempregados. Não é fácil recordar de que uma revolução iminente tenha podido ameaçar os americanos da década de 30 (22)
A década de 30 foi carregada de embates. Socialistas e comunistas advogavam a abolição do capitalismo23, agora com muito mais poder de persuasão em face do estado de crise. Contudo, a posse de Franklin Delano Roosevelt, à presidência dos Estados Unidos, iniciou a chamada Era Rooseveltiana (1933-1945), período de intensas articulações para garantir a sobrevivência da sociedade americana, em meio à pior crise do capitalismo em toda a história.
Várias foram as medidas adotadas por Roosevelt através do New Deal (novo acordo), na década de 30. Os ganhos trabalhistas foram muitos durante o período de vigência do New Deal. A disputa pela opinião pública norte-americana sinaliza importantes vitórias para os operários americanos:
A maré antitraballhista começou a baixar antes que se alcançassem as profundezas da depressão. Em 1932, somente três anos depois do Grande Pânico de 1929, o Congresso aprovou a Lei Norris-LaGuardia, que tornou mais difícil para os tribunais federais a emissão de interditos contra organizações trabalhistas (....). A opinião pública retirava seu apoio ao big business, já que muita gente acreditava que os empregadores eram quem tinham causado a Grande Depressão da década de 30. (24)
O clima favorável para a organização sindical, através de uma profícua legislação nesse sentido, foi claramente observado nas ações decorrentes do Novo Acordo, com uma série de medidas tomadas à época, tais como a legalização dos sindicatos e do direito de greve; fixação do salário mínimo; proibição do trabalho às crianças; jornada de trabalho de 40 horas semanais; criação do seguro desemprego; frentes de trabalho financiadas pelo governo para absorver mão-de-obra ociosa e, por fim, uma forte intervenção do Estado na economia – legislação antitrustes, protecionismo, moratória, privatizações etc.
Além de todas essas medidas, uma série de ações foram direcionadas, especificamente, para viabilizar um diálogo com a opinião pública. Foram organizados os serviços de imprensa, nos principais órgãos federais, somados à distribuição oficial de credenciais aos redatores de jornais, dando-lhes todo o direito de ter acesso irrestrito às informações dos órgãos públicos. As famosas “conversas ao pé do fogo”, através da emissão semanal em cadeia nacional de rádio, era também uma forma do presidente prestar contas da atuação do governo perante o povo americano. Houve ainda a criação das press conferences, que aconteciam, em média, 250 vezes ao ano; um trabalho que era complementado com a intervenção dos chamados agentes especiais, funcionários do governo destinados a esclarecer a opinião pública através de contatos pessoais com os diferentes setores da sociedade civil.
Neste período percebemos a incorporação das atividades de Relações Públicas pela esfera governamental. Justamente numa época onde tornou-se fundamental estabelecer formas de relacionamento, participação e diálogo com diferentes setores da sociedade americana, esta última cada vez mais articulada e organizada, capaz de expressar-se e informa-se via meios de comunicação de massa. O jornalismo de denúncia, os movimentos sindicais, os escritores defensores da causa operária, as idéias socialistas, a crise econômica mundial, a ameaça de uma revolução comunista, o surgimento de governos ditatoriais da Europa, a situação de convulsão social que vivia a sociedade americana, acabaram por solidificar e consolidar, a partir da Era Rooseveltiana, a profissão de Relações Públicas no âmbito governamental.
Vários momentos são esclarecedores dessa filosofia de Relações Públicas, presente no governo Roosevelt. Soube utilizar-se do lobby, fazendo pressão sobre o congresso, através da mídia. (25.) Seu governo, com um perfil profundamente marcado pelo walfare-state, tentou, de diversas maneiras, estabelecer formas de prestar assistência social aos mais carentes. Tal ação, exercida de forma planejada e fazendo parte de toda uma estratégia política, acabou por auferir, para seu governo, uma boa aceitação por parte do povo norte-americano: “O governo foi incumbido de ajudar os necessitados e isso ampliou a experiência de seus funcionários, dando-lhes conhecimentos de muitos problemas que antes estavam além de seu alcance; criou uma sabedoria que podia ser posta a serviço dos indivíduos”. (26)
Como podemos perceber, a sociedade civil americana, já fortemente organizada, pressionava o governo para atender suas reivindicações. Era necessário ceder, conhecer suas necessidades mais iminentes, prestar-lhe contas das ações e medidas governamentais. Tornou urgente e prioritário correr atrás da aprovação popular com a concretização de medidas que visassem atender as demandas da população.
Esta orientação dialógica e consensual torna-se evidente, por exemplo, na política exterior do governo Roosevelt, que pautou-se pelos princípios do diálogo, informação, consenso, entendimento e negociação. Exemplo disso foi a elaboração do plano de criação da ONU, da elaboração da Carta do Atlântico – salvaguardando o princípio de autodeterminação dos povos –, somados à renúncia da política de força na região do Caribe e a fundação do Birô Interamericano. Este último era destinado à aplicação da “política da boa vizinhança”, voltada para a América Latina e orientada através do princípio de cooperação e solidariedade entre os EUA e os países latino-americanos.
Muitos autores citam esse período como uma época de grande “revolução das relações públicas”, em decorrência da assimilação da profissão pelo setor governamental, acabando por verdadeiramente legitimar a atividade de Relações Públicas. Prova conteste de tal assertiva foi a publicação, no ano de 1936, do livro intitulado Public administration and the Public Interest, de autoria de Pendleton Herring, registrado como o primeiro livro sobre Relações Públicas governamentais. (27) Pouco antes disso, em 1934, iniciou-se uma grande disseminação de cursos de Relações Públicas nos Estados Unidos, fato que só veio a fortalecer-se durante e após a segunda guerra mundial.
7. CONCLUSÃO
Esta abordagem do nascimento das Relações Públicas, considerando o contexto econômico, social e político da época, é bastante esclarecedora para que se possa estabelecer com clareza a verdadeira natureza e função das Relações Públicas. Percebemos que a profissão nasce como resultado do fortalecimento do movimento sindical, embalado pela ideologia marxista, com todos seus diversos matizes, algo tão em voga à época. A sociedade civil fortalece-se, organiza-se e os grupos sociais, frutos desse amadurecimento político, começam a fazer valer sua cidadania; cobram do governo seus direitos; denunciam, através da mídia, os desmandos e as práticas corruptas das quais o governo e iniciativa privada articulavam em conjunto. A opinião pública se fortalece, apoiada nos meios de comunicação de massa.
Diante de tal panorama, era necessário desenvolver habilidades voltadas para o entendimento, a negociação, a importância e a relevância das opiniões dos diferentes públicos. Era, assim, cada vez mais difícil, para uma organização, legitimar-se sem tais prerrogativas; afinal, a era dos terríveis monopólios, dos patrões de direito divino, da grande exploração dos trabalhadores – por fraude ou diferentes tipos de violência – entrava em declínio. A sobrevivência no mundo dos negócios e o êxito nas administrações governamentais voltam seu foco para a conquista da opinião pública.
Na verdade, as relações públicas possuem uma natureza e uma função política. Foram graças aos embates, choques, oposições e resistências, entre as diferentes classes sociais, que surgiu o despertar de operários, empresários e governo para o investimento em políticas e ações de comunicação. Estava, assim, firmado um ambiente propício e adequado para o nascimento da profissão de relações públicas.
É interessante notar que, no Brasil, as Relações Públicas surgem especialmente voltadas para a administração pública, amparada por decretos-lei que instituíam serviços de informação, divulgação e publicidade de vários órgãos públicos. A ditadura de Getúlio Vargas, na década de 40, por exemplo, tinha, em matéria de comunicação, o objetivo de elaborar e utilizar técnicas de persuasão, tendo em vista a perpetuação do poder; os esforços nessa área foram pautados pela demagogia e pela mera utilização da publicidade governamental. (28)
A realidade brasileira era bastante distante da situação de efervescência política, econômica e social vivida pelos Estados-Unidos, quando do nascimento das Relações Públicas. Tal fato marcou sobremaneira as Relações Públicas no Brasil. O conceito da profissão, no Brasil, reflete esse momento inicial de forma por demais significativa. Por não estar atrelada a uma prática democrática – e às questões políticas, sociais e econômicas daí decorrentes – as Relações Públicas, no seu nascedouro, já não foi utilizada em todo seu potencial; brotam e se disseminam privadas da sua verdadeira eficácia, importância e amplitude.
Contudo, percebemos que atualmente as Relações Públicas voltam a inserir-se no cerne das grandes questões contemporâneas. Fala-se de uma revivescência da profissão a partir do fortalecimento dos movimentos sociais de demanda especializada, tão bem representados pelas ONG’s e demais grupos e associações pertencentes à sociedade civil. De fato, com a constatação do fortalecimento da chamada sociedade do espetáculo, onde a prestação de contas para com a opinião pública é preterida em favor do impacto e visibilidade meramente publicitários, geralmente pertencentes a processo de espetacularização e estetização (29) do cotidiano, surge o receio das Relações Públicas regredir para seu estágio inicial, quando muitas vezes as atividades profissionais estavam voltadas para a fabricação de uma imagem favorável – via de regra de forma falaciosa e fraudulenta – de pessoas e instituições, sem possuir uma proposta verdadeira e consistente de diálogo, consenso, negociação e conciliação entre interesses e partes divergentes.
Vivemos uma crise da política, com o conseqüente enfraquecimento dos sindicatos, dos partidos políticos, do parlamento, e, em decorrência disso, o horizonte otimista para o crescimento e a expansão das Relações Públicas está exatamente no terceiro setor, que para muitos – não sem ressalvas e críticas – é onde a prática da cidadania, a consciência política e articulação social, em busca do consenso, parecem abrir portas para o exercício da profissão de RRPP, preservando a sua função essencialmente política.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Sites:
http://www.novomilenio.inf.br/festas/trab01.htm , capturado em 08.02.2005
http://www.infoplease.com/ce6/people/A0850423.html, capturado em 16.02.2005.
* Doutor em Comunicação e Cultura e Professor Adjunto do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Goiás.
Notas
1 Sobre a Teoria da Fronteira, ver FARAGHER, John Mack. Rereading Frederick Jackson Turner: The significance of the frontier in American history. New Haven/Connecticut: Yale University Press, 1999.
2 LASKI, Harold J., O manifesto comunista de 1848. Rio de Janeiro: Zahar, 1967, p. 31.
3 MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986.
4 MARSHALL, F. Ray & RUNGELING, Brian. O papel dos sindicatos na economia norte-americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980, p. 49.
5 Ver http://www.novomilenio.inf.br/festas/trab01.htm , capturado em 08.02.2005.
6 Câmara dos Deputados, 62o Congresso, 2a. Sessão, Relatório n° 1.127, pág. 128. apud PETERSON, Florence. Sindicatos operários norte-americanos. Rio de Janeiro: Agir,1953, p. 71.
7 O Fordismo, idealizado na década de 1910, por Henry Ford, na sua fábrica de automóveis, a Ford Motor Company, nos EUA, foi responsável pelo desenvolvimento de uma tecnologia apropriada para o sistema taylorista, delineando os princípios da produção em massa, com a implantação da linha de montagem.
8 RAGO, Luzia M. & MOREIRA, Eduardo. F. P. O que é Taylorismo. S. Paulo: Brasilense, 1984, p. 27.
9 Idem. p . 45.
10 CHAUMELY, Jean. & HUISMAN, Denis. As Relações Públicas. São Paulo: Difusão Européia, 1964.
11 GURGEL, João Bosco Serra. Cronologia da Evolução Histórica das Relações Públicas. Brasília: Linha Gráfica e Editora, 1985.
12 Ver http://www.infoplease.com/ce6/people/A0850423.html, capturado em 16.02.2005.
13 GURGEL, Op. cit. p. 09.
14 GURGEL, Op. cit., p. 10.
15. A mesma denominação é válida, de uma forma genérica, para revistas de forte apelo político, muito afeitas a polêmicas, que tinham como objetivo defender os interesses do operariado norte-americano daquela época.
16. Autor da famosa novela The Jungle, de 1906, denunciando as condições insalubres em que trabalhavam os operários dos frigoríficos de Chicago.
17. Esta autora escreveu, também em 1906, The history of the Standard Oil Co denunciando as improbidades dessa empresa do ramo petrolífero, liderada por John D. Rockfeller, fato que constrangeu o governo americano (Theodor Roosevelt) a entrar na justiça contra a Standard Oil Co., acusando-a da prática ilegal de monopólio.
18. Estas empresas, juntamente com aquelas dos ramos de finanças, siderurgia e petróleo, lideravam o ranking da concentração do capital nos EUA.
19 GURGEL, Op. cit. p. 12.
20 GURGEL, Op. cit. p. 14.
21 PETERSON, Florence. Op. cit. p. 82.
22 CHAUMELY, Jean & HUISMAN, Denis. Op. cit. p. 12.
23 GALBRAITH, John Kenneth. O colapso da bolsa, 1929: anatomia de uma crise. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972, p. 196.
24 MARSHALL, F. Ray & RUNGELING, Brian. O papel dos sindicatos na economia norte-americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980, p. 58.
25 FREIDEL, Frank Burt. Franklin D. Roosevelt: a rendezvouz with destinity. New York: Little, Brown and Company, 1990, p. 99.
26 WOODS, John A. Roosevelt e a América Moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 1693, p. 178.
27 GURGEL, Op. cit, p. 21.
28 Podemos citar, a esse respeito, o célebre Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo Vargas, criado por decreto presidencial, em 1939, que tinha como objetivo difundir a ideologia do Estado Novo, organizando manifestações cívicas, exposições, conferências, e outros eventos de caráter propagandista.
29 Ver BAUDRILLARD, Jean. A sociedade do consumo. Lisboa: Edições 70, 1995.
* Júlio Afonso Pinho é Doutor em Comunicação e Cultura e Professor Adjunto do Curso de Relações Públicas da Universidade Federal de Goiás.
Fotos acrescentadas ao ensaio pelo Portal do Almanaque da Comunicação
Fonte: