As tragédias de Eurípides, o mais jovem dos três grandes expoentes da tragédia ática, são as que mais se aproximam do gosto moderno.
Eurípides não foi muito apreciado pelos seus contemporâneos, mas a posteridade lhe fez justiça. Graças às numerosas cópias efetuadas desde a Antiguidade, um número maior de suas obras chegou até nós: enquanto que de Ésquilo e de Sófocles temos apenas sete peças de cada um, de Eurípides temos dezoito, dentre as quais dezessete tragédias e um drama satírico.
Durante o século -IV, o Período Helenístico e o Período Greco-romano, suas tragédias eram as mais representadas em toda parte. Em nossos dias, é ele o mais popular poeta trágico grego.
À parte inúmeras lendas e anedotas, sabe-se efetivamente pouca coisa a respeito da vida do poeta. Seu pai se chamava Mnesárquides, sua família era abastada e viveu a maior parte de sua vida em Atenas. Nasceu por volta de -485, no demo dos Flieus, da tribo Cecrópida, e morreu em -406, certamente na própria Atenas. O relato tradicional de que ele teria se tranferido para Pela, capital da Macedônia, pouco depois de -408 e morrido lá, é apenas uma invenção dos biógrafos antigos (Scullion, 2003; Ribeiro Jr., 2007).
Sua primeira tragédia, As Pelíades, foi apresentada mais ou menos em -455 e, nos cinquenta anos seguintes, compôs pouco mais de noventa peças, das quais conhecemos integralmente apenas dezessete tragédias e um drama satírico. Recebeu o primeiro prêmio nos concursos trágicos de Atenas apenas cinco vezes, o último deles postumamente.
Consta que também compôs elegias e poemas líricos, dos quais restam apenas fragmentos insignificantes.
OBRAS SOBREVIVENTES
1. Tragédias
Dentre as tragédias que chegaram até nós, somente oito têm data certa: Alceste, -438; Medéia, -431; Hipólito, -428; Troianas, -415; Helena, -412; Orestes, -408; Bacantes e Ifigênia em Áulis, -405). Das outras, temos somente conjeturas mais ou menos prováveis.
Dispomos de fragmentos significativos de diversas outras tragédias, que permitiram ao menos a reconstituição parcial de muitas delas, notadamente do Erecteu, do Télefo, do Faetonte e da Hípsile.
2. Drama satírico
Apenas um drama satírico, de data imprecisa, sobreviveu: O Ciclope (-408? ver Seaford, 1982).
3. Músicas
Dois trechos musicais de tragédias também sobreviveram: Orestes e Ifigênia em Áulis. Como os poetas eram responsáveis também pela música apresentada durante as tragédias, é razoável supor que a música desses fragmentos foi criada por Eurípides. Por outro lado, as músicas que conhecemos podem ser criações tardias, preparadas por ocasião de uma das numerosas reapresentações do século -IV ou posteriores.
MANUSCRITOS E EDIÇÕES
Os manuscritos de Eurípides podem ser reunidos em dois grupos ou famílias. A primeira família contém uma selecta de nove tragédias ricas em escólios, reunida entre os séculos II e VI: Hécuba , Orestes , Fenícias , Hipólito , Medéia, Alceste, Andrômaca, Troianas e Bacantes. A segunda família remonta possivelmente a um protótipo do século VI e contém, além dos dramas da primeira família, dez dramas em ordem alfabética com poucos e isolados escólios: Helena, Electra, Heráclidas, Héracles, Suplicantes, Ifigênia em Táuris, Ifigênia em Áulis, Íon e Troianas .Os principais manuscritos da primeira família são o Marcianus 471 (Biblioteca de São Marcos, Veneza, séc. XII), o Parisinus 2713 (Biblioteca Nacional, Paris, séc. XII), o Parisinus 2712 (idem, séc. XIII) e o Vaticanus 909 (Biblioteca do Vaticano, séc. XIII). A segunda família é representada por um único manuscrito, o Laurentianus pl. 32.2 (Biblioteca Laurenciana, Florença, 1300/1320), copiado pelo erudito bizantino Demetrius Triclinius (fl. séc. XIV). Há muitas cópias dele.
A editio princeps de Medéia, Hipólito, Alceste, Andrômaca é a de Lorenzo di Alopa, preparada por J. Lascaris e editada em Florença em 1496. Todas as outras peças, exceto a Electra , foram editadas pela primeira vez por Musurus em 1503 (Veneza, edição aldina); Electra foi editada em Florença por Victorius, em 1545. Depois dessas, as mais antigas edições das obras completas foram as de Stephanus (Genebra, 1602), Barnes (Cambridge, 1694), Musgrave (Oxford, 1778), Beck (Leipzig, 1778/1788) e Matthiae (Leipzig, 1813).
Diversos fragmentos de papiros antigos, descobertos notadamente no Egito, também contribuíram para a edição de diversas obras euripidianas; dois deles, em especial, contêm os fragmentos musicais sobreviventes (v. supra).
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA OBRA
O valor de Eurípides foi reconhecido por Aristóteles, que dizia ser ele certamente, o mais trágico dos poetas (Ar. Po. 1453a.29-30).
Os mitos já conhecidos eram sempre apresentados sob aspectos novos e instigantes. Seus enredos, em geral pessimistas, eram bem mais complexos que os de Ésquilo e os de Sófocles: intensos conflitos humanos, suspense, referência a assuntos contemporâneos, elementos de retórica e, nas peças mais tardias, até mesmo algum humor. Os personagens de Eurípides se comportavam como seres humanos normais em conflito, apesar da estatura heróica, e habitualmente os deuses interviam somente no final (deus ex machina), para solucionar os impasses e situações desenvolvidas ao longo da peça.
Do ponto de vista estrutural, os prólogos de Eurípides tinham sempre natureza didática, e se prestavam a situar a platéia na história a ser apresentada. Diálogos vívidos, linguagem coloquial, discussões que frequentemente envolviam técnicas sofísticas, cantos corais curtos e de grande beleza lírica são outras características marcantes de sua obra.
NOTAS
A autoria da tragédia Reso é contestada desde a Antiguidade. Embora tradicionalmente atribuída a Eurípides, trata-se provavelmente da obra de um poeta trágico anônimo do século -IV.
Escólios são breves anotações nas margens de manuscritos gregos e latinos que comentam e esclarecem certas passagens do texto. Seus autores, habitualmente desconhecidos, são chamados de "escoliastas". É possível que os primeiros escoliastas tenham sido Aristóteles e seus discípulos, mas a atividade parece ter se desenvolvido sistematicamente só mais tarde, com as atividades filológicas e literárias dos eruditos ligados à Biblioteca de Alexandria (Aristófanes de Bizâncio, Aristarco, Calístrato e outros). Essas antigas "notas de rodapé" são sempre referidas em relação ao autor e ao texto que comentam. Sch. Ar. Ra. 67, por exemplo, significa "escólio / escoliasta de As Rãs de Aristófanes, verso 67".
Em razão disso, muitas vezes os dramas desse grupo são chamados de "dramas alfabéticos"
Bibliografia
L. Méridier, La vie et l´oeuvre d´Euripide. In: _______, Euripide I - Le Cyclope, Alceste, Medée, Les Héraclides. Paris: Les Belles Lettres, p. i-xxxix e 1-5, 1926.
Wilson A. Ribeiro Jr., Vitae Euripidis. Calíope, Rio de Janeiro, v. 16, p. 127-39, 2007.
S. Scullion, Euripides and Macedon, or the silence of the "Frogs". Classical Quarterly, Oxford, v. 53, n. 2, p. 389-400, 2003.
Richard Seaford, The Date of Euripides´ Cyclops. Journal of Hellenic Studies, London, v. 102, p. 161-72, 1982.
Fonte: www.graciantiga.org