Ruínas de Harappa
Ruínas de Mohenjo Daro
A história da Índia começa entre os anos 3000 e 2500 a.C., com o surgimento da civilização das cidades de Harappa e Mohenjo Daro no vale do rio Indo.
A civilização da Índia é mais antiga do que a da China, mas tem uma história mais desarticulada. Em alguns aspectos, a antiga Índia ainda hoje é visível e acessível para nós como nenhum outro centro primitivo de civilização. No começo do século XX, muitos indianos ainda viviam como os nossos primevos ancestrais, vivendo da caça e da coleta. O carro de boi e a roda de oleiro de muitas aldeias, como se pode ver hoje, são idênticos aos usados há quatro mil anos. Deuses e deusas cujos cultos podem remontar à Idade da Pedra ainda são venerados em santuários nas aldeias. Arranjos sociais cujas linhas mestras foram estabelecidas bem antes do ano 1000 a.C. ainda norteiam a vida de milhões de indianos — cristãos e muçulmanos, bem como hindus. Os drávidas, povo de pele escura, cujos descendentes atuais são principalmente encontrados no sul da Índia, também viviam no norte há cerca de cinco mil anos. Podem até ser os indianos aborígenes, embora não se tenha certeza.
(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)
Os drávidas, ou dravidianos, possuiam uma escirta que infelizmente não foi decifrada. Porém, a partir das descobertas arqueológicas e dos escritos posteriores, é possível ter uma idéia de como eles viviam. Os drávidas mantinham uma sociedade organizada, centralizada e conservadora, sustentada pela riqueza do comércio, da pesca e da agricultura, sendo muito hábeis na irrigação. No campo espiritual, enfatizam a crença no renascimento e no processo de causa e efeito de nossas ações. A libertação seria fruto da renúncia às coisas mundanas e da prática de austeridades e meditação. Os drávidas desenvolveram formas primitivas de yoga e meditação, que mais tarde seriam herdadas pela religião hindu.
Entre 2000 e 1750 a.C., os aryanos — povos indo-europeus provenientes do Hindu Cush — começaram a invadir a Índia através das montanhas do noroeste, forçando os drávidas a recuar para o sul. Os aryanos eram nômades e mantinham uma sociedade pastoril; eles passaram a dominar o vale do Indo e o Punjab. Suas crenças religiosas era bem diferentes daquelas dos drávidas. Os aryanos não acreditavam no renascimento ou na retribuição moral das ações. Eles enfatizavam a prática de rituais e sacrifícios como um meio de conseguir riqueza, poder e fama. Sua meta não era a libertação espiritual, mas sim chegar ao paraíso — isto é, versão melhora da vida terrena.
A partir do encontro da religiosidade aryana com a pré-aryana, surgiu o hinduísmo. O panteão aryano — divindades como Indra, Varu?a, Agni, Vayus, Vi??u, Surya e Yama, personificações dos poderes da natureza — seria somado ao panteão pré-aryano — divindades como Brahma, Siva e Sakti, que personificam o absoluto. Em alguns casos, houve a identificação de divindades; por exemplo, o deus Siva dos pré-aryanos seria identificado com o deus Rudra dos aryanos.
Nesta época, estabeleceram-se os fundamentos da religião hindu e foram escritos os hinos sagrados conhecidos como Vedas. Os hindus aceitam estas escrituras com grande autoridade. A teoria da invasão aryana, por exemplo, é rejeitada por muitos hindus porque ela difere das histórias relatadas nos Vedas.
Por volta de 1200 a.C., provavelmente por causa das mudanças ambientais e das invasões por tribos do nordeste, os aryanos passaram a ocupar o vale do rio Ganges. A partir do século VIII a.C., quando começaram a ser compostos os Upani?ads, os indianos mudaram o seu foco do culto exterior para o ascetismo interior, dos deuses para ser humano, dos rituais dos aryanos para as antigas técnicas de yoga e meditação dos drávidas. Essa mudança de foco — do universo para o ser humano — também aconteceria na Grécia, na transição do período pré-socrático, cosmológico, para o período socrático, antropológico.
O príncipe Rama
Os dois grandes épicos indianos, o Ramaya?a e o Mahabharata, foram escritos em meados de 400 a.C.
O pensamento indiano é abstrato, metafísico, focaliza o geral e o universal em detrimento do particular; não foi favorável, portanto, ao desenvolvimento de disciplinas que tratam do particular, como a História. O pensamento chinês é oposto ao indiano: preocupa-se com o particular, com o concreto, em detrimento do universal; avesso às especulações metafísicas, concentra-se na reflexão sobre a moral e a política; grande desenvolvimento da História, "rainha das ciências", tradicionais chinesas. No Japão há uma cultura híbrida, resultado da fusão da cultura chinesa com contribuições da tradição indiana, via buddhismo, mais um substrato arcaico autóctone; predomina no Japão uma atitude estética: até mesmo as tradições metafísicas são expostas preferencialmente através de formas artísticas.
(Ricardo Mário Gonçalves, O Caminho do Despertar, Instituto Budista de Estudos Missionários)
Diferentemente das outras religiões mundiais, o hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo nem organização de espécie alguma. Projeta-se como a "religião eterna" [sânscrito sanatana dharma] e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história abranger novos modos de pensamentos e expressão religiosa. [...] As raízes do hinduísmo podem ser encontradas em algum ponto entre o ano 1500 a.C. e o ano 200 a.C., quando os chamados aryanos (isto é, os "nobres") começaram a subjugar o vale do Indo. As crenças dessas pessoas tinham ligação com outras religiões indo-européias, como a grega, a romana e a germânica.
(Victor Hellern, Henry Notaker, Jostein Gaarder, O Livro das Religiões, Companhia das Letras)
As raízes do hinduísmo retrocedem muito no passado, talvez antes das invasões aryanas, pois já nas civilizações do Vale do Indo eram venerados deuses que podem ter sido precursores ou "antepassados" do Siva hindu. Mas depois o hinduísmo extravasou o modelo do antigo bramanismo e da religião védica que durante muito tempo o envolveu. No tempo dos guptas [séculos IV-V], já existia algo bem parecido com a futura sociedade hinduísta da Índia. Sua base era o sistema de castas, na época já proveniente da antiga divisão da sociedade védica em quatro classes. A crença religiosa também havia mudado. No entanto é difícil descrever a religião hindu, pois não se trata de credos ou declarações quanto ao que se deve acreditar. Tampouco a religião hindu deve ser pensada como algo à parte ou como um aspecto isolado da vida. Ao contrário, é uma maneira de ver o mundo como um todo (visível e invisível) e viver nele. Se existe um princípio prático fundamental no hinduísmo, é viver a vida com o lugar de cada um no esquema das coisas.
Para os camponeses — e os indianos, em sua maioria, que são e sempre foram camponeses — isto pode significar meras tentativas supersticiosas de assegurar a boa vontade das divindades no templo local, respeito pela casta e pelas suas restrições práticas, participação em festivais populares, como aqueles durante os quais ainda hoje circulam pelas aldeias grandes carros pintados e esculpidos com demônios, deusas, deuses e monstros. Também existiam cultos mais especializados, a deuses ou deusas maiores, como Siva e K???a. E ainda um hinduísmo puramente filosófico, bem distante da crueldade dos sacrifínios animais e da veneração de imagens que ocorriam em nível popular (como durante muitos séculos acontecem com o cristianimo popular, nas orações mágicas e supersticiosas aos santos). Sua forma mais desenvolvida era chamada de Vedanta, crença abstrata que acentuava a irrealidade do presente mundo material. Ela ensina que os homens precisavam se desvencilhar deste mundo, conquistando um verdadeiro conhecimento da realidade ou brahman. No que se refere à doutrina, o hinduísmo tinha algo para atender a todas as necessidades. Mas a maneira pela qual funcionava na vida diária tendeu a torná-lo mais rígido e estrito.
(J. M. Roberts, O Livro de Ouro da História do Mundo, Ediouro)
Os textos sagrados hindus foram escritos em sânscrito, uma das línguas mais antigas do mundo. Em todas as regiões da antiga Índia, havia uma grande quantidade de idiomas, muitos dos quais presentes até os dias de hoje. Por exemplo, na região norte, onde viveria o Buddha, a língua falada era o maghadi ou ardha-magadhi — uma espécie de sânscrito popular, muito semelhante ao idioma pali.
A fonte principal de doutrina da tradição hindu vem de um conjunto de hinos que vem sendo transmitido há mais de dois mil anos chamados de Vedas. Literalmente este nome significa "conhecimento" ou ainda "corpo de conhecimento", e é a fonte de inspiração de todos os desenvolvimentos posteriores ocorridos nesta tradição. Inspirados pelos ??is ou sábios de antigamente, tais hinos foram, então, transmitidos por gerações na forma de tradição oral. Eles são em número de quatro: ?g Veda, Sama Veda, Yajur Veda e Atharva Veda, sendo que o primeiro é o mais antigo e também o mais importante.
Posteriormente, com o desenvolvimento da tradição dos sacerdotes, um conjunto de ensinamentos foi sendo elaborado com o fim de esclarecer ainda mais o significado de Brahman, a realidade suprema subjacente a todas as coisas e tema central dos Vedas. Assim surgiram os Brahma?as, um conjunto de textos versando sobre a relação entre o cosmos e o ritual, e a necessidade deste último para o equilíbrio do primeiro e de toda a vida.
Seguindo somente aos Vedas em importância, estão os Upani?ads, onde se expressa propriamente a tradição comentarial dos Vedas. Fala-se da existência de muitos Upani?ads, dentre os quais 108 são preservados até hoje. Destes, dez são considerados os principais, sendo que o B?hadara?yaka e o Candogya são de muita importância. Significando literalmente "sentar-se perto devotadamente" ou também "ensinamento secreto", os Upani?ads expressam a essência dos Vedas, tal como entendida pelos mestres do passado.
Dignos de menção são dois épicos que marcaram época e são ainda hoje respeitados e recitados pelos eruditos hindus e pelas camadas populares. O mais antigo é o Mahabharata (A Grande Índia), uma saga mística que, além de ser o maior épico da literatura mundial, possui também como um de seus capítulos a mais conhecida obra hindu no Ocidente, o Bhagavad Gita (Canto do Abençoado), o qual conta a estória de K???a, a personificação do transcendente na Terra. A estória de outra destas personificações é o tema deste outro épico, o Ramaya?a (O Caminho de Rama).
Por último devemos mencionar os Pura?as, literalmente "Antigos", um conjunto de relatos míticos e históricos transmitidos através dos tempos. Após os Pura?as as obras religiosas tornam-se cada vez mais particularizadas e passam a fazer parte das escolas específicas dentro da tradição.
(Ricardo Sasaki, O Outro Lado do Espiritualismo Moderno, Vozes)
A sociedade
Os aryanos implantaram um sistema de divisão da sociedade em cores ou castas (sânscrito var?a, paliva??a). Geralmente, elas são apresentadas como classes sociais, semelhantes às que existiam na Europa (clero, nobreza, burguesia e camponeses). Entretanto, as castas são na verdade uma divisão de funções e não são baseadas na posse de capital:
brâmanes (sânscrito brahma?a): sacerdotes, magos, religiosos e filósofos hindus, responsáveis pelos sacrifícios e rituais sagrados. Segundo os hindus, os brâmanes teriam nascido da boca do deus Brahma e seriam caracterizados pela bondade (sânscrito sattva).
guerreiros (sânscrito k?atriya): reis, nobres, autoridades, senhores feudais, oficiais e guerreiros da realeza, responsáveis pelo poder político e militar. Eles teriam nascido do braço direito de Brahma e seriam caracterizados pela paixão (sânscrito rajas).
provedores (sânscrito vai?yas): mercadores, artesãos, camponeses e burgueses aryanos. Eles teriam nascido das coxas de Brahma e seriam caracterizados tanto pela paixão (sânscrito rajas) quanto pela ignorância (sânscrito tamas).
servos (sânscrito sudra): trabalhadores braçais. Eles teriam nascido dos pés de Brahma e seriam caracterizados pela ignorância (sânscrito tamas).
Abaixo desse sistema estavam os sem casta (sânscrito avar?a), no Ocidente conhecidos como párias. Segundo os hindus, os párias eram não-aryanos, não teriam nascido de Brahma e, conseqüentemente, eram bastante discriminados. Esta situação desfavorecida, porém, era mais derivada do preconceito que do sistema de castas. Em muitos países, também há pobreza e discriminação, apesar de não existirem castas. A possibilidade de uma pessoa pobre enriquecer pode ser menor que a de um pária subir socialmente na Índia.
Muitos autores afirmam que o Buddha foi uma espécie de agitador religioso e social, que teria se levantado contra os brâmanes e o sistema de castas. Porém, ele nunca rejeitou a instituição bramânica em si; muitos de seus discípulos eram brâmanes. De fato, o que o Buddha rejeitou foram as pretensões de certos os brâmanes — por exemplo, sua suposta superioridade e origem divina.
Os encontros do Buddha com os brâmanes em geral eram amigáveis, as conversas caracterizadas pela cortesia e respeito mútuo. Muitos textos no Majjhima Nikaya tratam da pretensa superioridade dos brâmanes em relação às demais castas sociais. Na época do Buddha o sistema de castas estava apenas começando a tomar forma no nordeste da Índia e ainda não havia gerado as incontáveis subdivisões e regras rígidas que acabariam por aprisionar a sociedade hindu ao longo dos séculos.
Nos textos em pali parece que os brâmanes, apesar de investidos de autoridade nas questões religiosas, ainda não haviam ascendido à posição de hegemonia incontestável que eles iriam adquirir depois da promulgação das Leis de Manu. Eles já tinham, no entanto, embarcado na busca pelo domínio e faziam isso através da propagação da tese de que a casta dos brâmanes era superior, a casta mais bela, os descendentes divinamente abençoados de Brahma e que somente eles seriam capazes de se purificarem. A preocupação de que essa afirmação dos brâmanes poderia na realidade ser verdadeira parece ter se espalhado entre a realeza, que deve ter ficado atemorizada pela ameaça que eles representavam ao seu poder.
Contrário a certas noções populares, o Buddha não repudiou explicitamente a divisão de classes da sociedade hindu ou pediu a abolição desse sistema social. Dentro da comunidade monástica, no entanto, todas as distinções de casta eram anuladas no momento da ordenação. Desse modo, as pessoas de qualquer uma das quatro castas, que seguiam a vida santa sob o Buddha, renunciavam aos títulos e prerrogativas da classe à qual pertenciam para se tornarem simplesmente os discípulos do [Buddha, o] filho dos Sakyas. Sempre que o Buddha ou os seus discípulos eram confrontados com as reivindicações de superioridade dos brâmanes, eles argumentavam vigorosamente contra elas, afirmando que todas essas afirmações careciam de fundamento. A purificação, eles sustentavam, é o resultado da conduta e não do nascimento, e por esse motivo estava acessível a toda as pessoas das quatro castas.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)
Os movimentos religiosos
Muitos autores apresentam o bramanismo — o hinduísmo antigo — como sendo a tradição religiosa que dominava a Índia na época do Buddha. Entretanto, existiam muitos grupos religiosos diferentes e não havia uma predominância do bramanismo. Muitas pessoas não seguiam as regras sociais e religiosas dos aryanos. Deixavam a vida mundana e passavam a viver como ascetas nas florestas, dedicando-se a um severo auto-sacrifício com o objetivo de purificar as impurezas do corpo e do espírito.
Alguns ascetas enfatizavam a transcendência através de técnicas de meditação para acalmar e controlar a mente. Eles provavelmente foram influenciados pelos antigos yogas dos drávidas, originados antes da chegada dos aryanos na Índia. Outros ascetas, aparentemente influenciados pelas práticas védicas dos aryanos, enfatizavam a imanência e a aquisição de poderes mágicos através do conhecimento da natureza do universo. Estes praticantes espirituais heterodoxos eram conhecidos como vagueadores (sânscrito parivrajaka, pali paribbajaka) ou contemplativos (sânscrito srama?a, pali sama?a).
A região da Índia na qual o Buddha viveu e ensinou no século V antes da era cristã estava cheia de uma abundante variedade de crenças religiosas e filosóficas propagadas por mestres igualmente variados nos seus estilos de vida. A principal divisão era entre os brâmanes e os ascetas não brâmanes, os srama?as ou "contemplativos". Os brâmanes eram os sacerdotes hereditários na Índia, os guardiões da ortodoxia antiga. Eles aceitavam a autoridade dos Vedas, que eles estudavam, recitavam em rituais inumeráveis, sacrifícios e cerimônias e aos quais recorriam como fonte para as suas especulações filosóficas. Por conseguinte, eles são caracterizados nos textos como tradicionalistas, que ensinam as suas doutrinas com base na tradição oral. O cânone pali de modo geral os descreve vivendo uma vida confortável e equilibrada, casados e com filhos e em alguns casos desfrutando de favores reais. Os mais estudados são apresentados na companhia de estudantes — todos obrigatoriamente nascidos brâmanes — aos quais eles ensinavam os Vedas.
Os srama?as, por outro lado, não aceitavam a autoridade dos Vedas e por isso, sob a perspectiva dos brâmanes, eles se situavam na categoria dos heterodoxos. Em geral eles eram celibatários, viviam da mendicância e adquiriam o seu status através da renúncia voluntária e não através do nascimento. Os srama?as perambulavam pelo interior da Índia algumas vezes em grupos, algumas vezes solitários, pregando as suas doutrinas para a população, debatendo com outros contemplativos, dedicando-se às suas atividades espirituais que com freqüência envolviam rigorosas austeridades. Alguns mestres do grupo dos srama?as ensinavam exclusivamente fundamentados no raciocínio e na especulação, enquanto que outros ensinavam com base nas suas próprias experiências na meditação. O próprio Buddha se encaixava entre estes últimos, como aquele que ensinava o Dharma que ele compreendeu diretamente por si mesmo.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)
Dentre as doutrinas pregadas pelos diversos grupos religiosos, o Buddha apontou 62 como sendo errôneas. Ainda assim, seis mestres heterodoxos em relação ao buddhismo acabaram atraindo muitos seguidores em "caminhos externos", isto é, fora dos ensinamentos ortodoxos: Pura?a Kasyapa (pali Pura?a Kassapa), Maskarin Gosaliputra (pali Makkhali Gosala), Sañjaya Vaira?iputra (pali Sañjaya Vela??hiputta), Ajita Kesakambala (pali Ajita Kesakambalin), Kakudha Katyayana (pali Pakudha Kaccayana) e Nirgra??ha Jñataputra (pali Niga??ha Nataputta, também conhecido como Vardhamana Mahavira, fundador do jainismo).
Os srama?as eram um grupo muito mais diversificado que, sem ter uma autoridade espiritual comum, promulgavam uma pletora de doutrinas filosóficas que iam desde o diabólico até o super divino. O cânone pali com freqüência menciona seis mestres em particular como contemporâneos do Buddha, e visto que cada um deles é descrito como "líder de uma ordem... considerado como um santo por muitos", eles deviam exercer muita influência na época. [...]
[1] Pura?a Kassapa [...] ensinava a doutrina da inação (pali akiriyavada), que negava a validade das distinções morais.
[2] Maskarin Gosaliputra era o líder de uma seita conhecida como ajivaka (ou ajivika), que sobreviveu na Índia até a época medieval. Ele ensinava a doutrina do fatalismo e negava a condicionalidade (pali ahetukavada), e afirmava que todo o processo cósmico está controlado de modo rígido por um princípio chamado fatalidade ou destino (pali niyati); os seres não possuem controle volitivo sobre as suas ações e se movem desamparadamente aprisionados pelo destino.
[3] Ajita Kesakambala era um niilista moral (pali natthikavada) que propunha uma filosofia materialista que rejeitava a existência de uma sobrevida e a retribuição do karma; a sua doutrina é freqüentemente citada pelo Buddha entre os tipos de ações prejudiciais como o paradigma do entendimento incorreto.
[4] Kakudha Katyayana advogava o atomismo e fundamentado nisso ele repudiava os princípios básicos de moralidade.
[5] Sañjaya Vaira?iputra, um cético, recusava-se a assumir uma posição em relação aos temas morais e filosóficos cruciais da época, provavelmente afirmando que esse conhecimento estava além da nossa capacidade de verificação.
[6] O sexto mestre, Nirgra??ha Jñataputra, é identificado como Mahavira, o histórico progenitor do Jainismo. Ele ensinava que há uma pluralidade de almas mônadas aprisionadas na matéria por laços do karma passado e que a alma deve ser libertada através do esgotamento dos laços kármicos por meio da prática severa da auto-mortificação.
Enquanto os textos em pali em geral são corteses porém críticos em relação aos brâmanes, estes, por sua vez são vigorosos na sua rejeição às doutrinas rivais dos srama?as. Num discurso, o Buddha afirma que a firme adoção de qualquer uma das três primeiras doutrinas (e conseqüentemente a quarta) resulta numa cadeia de estados prejudiciais gerando karma ruim forte o suficiente para trazer um renascimento nos planos mais inferiores. Do mesmo modo, o venerável Ananda descreve essas idéias como as quatro "negações da vida santa". O ceticismo de Sañjaya, apesar de não ser considerado tão pernicioso, é interpretado como um sinal da tolice e confusão do seu proponente; ele é descrito como "contorção de enguias", devido às suas evasivas e classificado entre os tipos de vida santa sem consolação. A doutrina jainista, embora compartindo algumas similaridades com os ensinamentos do Buddha era considerada suficientemente equivocada nas suas premissas básicas para ser refutada, e o Buddha assim o fez em várias ocasiões.
O repúdio a essas idéias errôneas era visto, sob a perspectiva buddhista, como uma medida necessária, não só para soar um claro alerta contra doutrinas que eram prejudiciais sob o ponto de vista espiritual, mas também para eliminar os obstáculos contra a aceitação do entendimento correto, que como precursor do caminho buddhista é um pré-requisito para o progresso no caminho para a libertação final.
(Bhikkhu Bodhi, Introduction to Majjhima Nikaya, Access to Insight)
Os deterministas (sânscrito ajivaka, ajivika), preocupados com a análise do presente e que acreditaram que todos os seres progridem para a perfeição, independente de seus esforços. Os céticos (sânscrito amaravikkhepika) não afirmavam nem negavam qualquer doutrina ou crença. Já os hedonistas (sânscrito carkava) e os materialistas ou mundanos (sânscrito lokayata) defendiam uma visão existencialista, negando a prática espiritual e a lei da causa e efeito. Para eles, a única coisa verdadeira seria a realidade aparente das coisas percebidas através dos sentidos. Os materialistas diziam que cada um deveria agir conforme sua própria vontade para satisfazer seus desejos.
No início, o buddhismo foi apenas mais um entre os muitos movimentos religiosos indianos. Externamente, os monges buddhistas eram muito parecidos com os praticantes destes movimentos. O Buddha aceitou alguns ensinamentos conhecidos pelos religiosos da época, corrigindo determinados aspectos e rejeitando as visões errôneas. Enquanto certos autores afirmam erroneamente que o buddhismo é um protesto contra o bramanismo, há aqueles que partem outro extremo incorreto — afirmam que o buddhismo é uma vertente reformada do bramanismo. O Buddha teria resgatado a espiritualidade indiana original, baseada nos yogas meditativos dos drávidas, em contraste com espiritualidade védica dos invasores aryanos. Já alguns hindus afirmam que o Buddha deturpou os ensinamentos orignais do bramanismo.
Realmente, o Buddha não aceitava a autoridade das escrituras védicas, as especulações filosóficas dos brâmanes, seus rituais, sacrifícios e superstições. Os ensinamentos de Buddha enfatizam alguns elementos que já estavam presentes na espiritualidade pré-aryana, mas há ensinamentos que são únicos, originais e característicos do buddhismo. As verdades expressas nos ensinamentos de Buddha são atemporais, mas não tinham sido expostas desta forma em nenhum movimento religioso mais antigo — a não ser pelos seres iluminados de eras anteriores à nossa. Portanto, não é possível dizer que o buddhismo é um movimento de oposição aos brâmanes, mas também não é correto afirmar que o buddhismo é um ramo do bramanismo.
Por exemplo, os ensinamentos sobre karma, renascimento e meditação já eram encontrados nas tradições indianas pré-aryanas, mas o Buddha os apresentou de forma bastante peculiar. Ao contrário dos materialistas, ele não negou que os seres estão sujeitos aos frutos de suas ações (sânscrito karma, pali kamma) e a sucessivos renascimentos na existência cíclica (sânscrito e pali sa?sara). Entretanto, ele rejeitou o fatalismo da predestinação — a idéia de que os seres estão sujeitos ao seu próprio destino e que nada podem fazer para mudá-lo. Buddha também não aceitou as visões extremas dos niilistas — a crença de que tudo acaba com a morte — nem dos eternalistas — a crença num absoluto (sânscrito brahman) e num eu (sânscrito atman) imutável, criado por um invisível ser todo-poderoso.
A meditação sobre o amor, a compaixão, a alegria e a eqüanimidade também é particularmente importante para o buddhismo. As quatro nobres verdades, o nobre caminho óctuplo, os doze elos do surgimento dependente, o não-eu e a vacuidade são encontrados apenas nos ensinamentos de Buddha. Com base nestes fundamentos, o buddhismo tornou-se um movimento religioso distinto e, ao longo dos séculos, absorveu elementos positivos das outras tradições asiáticas as quais entrou em contato. De modo geral, ao invés de discriminar as outras religiões, o buddhismo promoveu a tolerância e o diálogo com elas.
Na época do Buddha, a Índia não era um país unificado. O subcontinente indiano estava dividido em pequenos estados, alguns monárquicos — chamados janapada — e outros não-monárquicos — chamados sa?gha ou ga?a. Os estados monárquicos eram os dezesseis grandes reinos (sânscrito so?asa mahajanapada) de A?ga, Magadha, Kasi, Kausala, V?ji, Malla, Che?i, Vatsa, Kuru, Pañcala, Matsya, Surasena, Asvaka, Avanti, Gandhara e Kambhoja. Estes estados eram governandos por grandes reis ou marajás (sânscrito e pali maharaja), que permaneciam no poder em caráter vitalício e hereditário.
Já os estados não-monárquicos eram os Sakyas de Kapilavastu, os Mallas de Pava e de Kusinagara, os Licchavis de Vaisali, os Videhas de Mithila, os Ko?iyas de Ramaga?, os Bulis de Allakapa, os Kali?gas de Resaputra, os Mauryas de Pipphalvana e os Bhaggas da colina Sumsumara. As famílias nobres de cada um destes estados assumia o poder alternadamente. O chefe da família governante recebia o título raja, ou rei, mas esta função não era vitalícia. Estes governantes locais rivalizavam entre si com o objetivo de estabelecer estados maiores.
O Buddha nasceu na casta guerreira do clã dos Sakyas (pali Sakya), ou hábeis. Sua família (sânscrito gotra, pali gotta) chamava-se Gautama (pali Gotama), ou vaca mais excelente. Este é um nome muito auspicioso para os padrões da Índia, onde a vaca é considerada sagrada. Não se sabe exatamente se a raça dos Sakyas era aryana ou não. De acordo com alguns textos, o progenitor da tribo dos Sakyas chamava-se Mahasa?mata.
Reis famosos dos clássicos indianos seriam considerados membros deste clã. Os governantes dos Sakyas intitularam-se descendentes de um herói védico, o rei solar Ik?vaku (pali Okkaka). Ele teria sido filho de Manu, o pai da humanidade e progenitor da dinastia solar dos Adityas (pali Adicca). Em muitas tradições existem referências a uma suposta dinastia solar, isto é, uma dinastia de luz. As escrituras jainistas também afirmam que Mahavira era descendente do sol (sânscrito suryava?sa, pali suriyava?sa).
O clã dos Sakyas
Na época do nascimento de Buddha, o governo era exercido por seu pai, Suddhodana Gautama (pali Suddhodana Gotama), membro da casta guerreira. Mais tarde, o título de raja foi passado para o príncipe Bhaddhiya, que então passou a exercer o governo.
Certa vez, um jovem brâmane atacou o Buddha, dizendo que os Sakyas eram grosseiros, vulgares, imprudentes e violentos. Ele também os acusou por não venerarem os brâmanes nem fazerem oferendas a eles. Há registros de que, em tempos antigos, houve até mesmo casamentos entre irmãos para preservar a linhagem dos Sakyas. O casamento entre primos era muito comum, particularmente com aqueles do reino dos Ko?iyas.
Kapilavastu e as terras dos Sakyas
A tribo dos Sakyas sediava-se entre o nordeste da Índia e as montanhas do Himalaya, no sul de Nepal. Sua capital, a cidade de Kapilavastu (pali Kapilavatthu), talvez tenha recebido este nome em homenagem a Kapila, fundador da escola Sa?khya — uma filosofia não-védica, baseada na dualidade da matéria (sânscrito prak?ti) e do espírito (sânscrito puru?a). Não se conhece a localização exata de Kapilavastu; muitos identificam-na com a atual Tiralurâ Kôt, no Nepal. Outra hipótese é a de que tenha se situado em Piprahwa, na Índia, onde foram encontradas relíquias atribuídas ao Buddha.
Apesar da grande atividade agrícola — particularmente de arroz e gado —, os Sakyas estavam passando por graves problemas políticos. Seu estado era independente, mas eles tinham de pagar tributos aos seus suseranos. No passado, eles estavam subordinados ao próspero reino de Magadha (atual estado de Bihar). Sua capital era a cidade de Rajag?ha (pali Rajagaha, atual Rajagir), depois transferida para Pa?aliputra (pali Pa?aliputta, atual Patna). O reino era governado por Seniya Bimbisara, pai do príncipe Ajatasatru (pali Ajatasattu). O príncipe foi um dos responsáveis pela morte do próprio pai.
Na época do Buddha, os Sakyas não eram mais vassalos do reino de Magadha, mas sim de Kausala (pali Kosala), cuja capital chamava-se Sravasti (pali Savatthi). O reino de Kausala era governado por Prasenajit (pali Pasanedi), que também era suserano de outras localidades importantes como Ayodhya (pali Ajodhya) e Kasi (pali Kasi, atual Vara?asi). Assim como os governantes dos Sakyas, os reis de Kausala consideravam-se descendentes de uma raça solar.
Kausala-devi (pali Kosala-devi), irmã de Prasenajit, era uma das consortes do rei Bimbisara de Magadha. O próprio Prasenajit também tinha muitas consortes, sendo duas as mais conhecidas — Mallika e Vasabha Khattiya. Com a rainha Mallika, ele teve uma filha chamada Vajira (ou Vajiri Kumari), que se casou com o príncipe Ajatasatru de Magadha. Com Khattiya, o rei teve um filho chamado Vi?u?abha.
A destruição do clã
Quando tinha dezesseis anos de idade, o príncipe Vi?u?abha visitou seus avós na capital dos Sakyas. Quando esteve lá, uma escrava lavou o lugar onde ele tinha se sentado com água e leite. Isto teria sido feito para purificar as impurezas de Vi?u?abha — sua avó Nagamu??a, tinha sido uma escrava, por isso sua mãe Khattiya era considerada impura, inferior. Para se vingar desta humilhação, o príncipe jurou lavar aquele mesmo lugar com o sangue dos Sakyas.
Após a morte do pai, Vi?u?abha assumiu o trono e decidiu massacrar os Sakyas. Por três vezes, ele viu o Buddha meditando sob uma árvore na fronteira do país e desistiu de atacar. Porém, na quarta e última empreitada, suas tropas marcharam sobre Kapilavastu. Apesar de estarem armados, os Sakyas não atacaram e foram completamente aniquilados. Algumas fontes afirmam que 77.000 pessoas foram mortas e 80.000 crianças foram raptadas. Os registros afirmam que 500 mulheres foram levadas ao harém de Vi?u?abha, mas como não quiseram se submeter, elas tiveram seus membros cortados e foram mortas.
Os únicos poupados por Vi?u?abha foram o seu avô Mahanama e os seguidores dele. O próprio Mahanama foi aprisionado e convidado a participar de uma refeição, na qual deveria comer a carne do filho de uma escrava. Para escapar, Mahanama pediu para se banhar em um lago, onde tentou se suicidar e teria sido milagrosamente salvo pelos míticos nagas. Pouco tempo depois, durante uma noite, Vi?u?abha e seus soldados foram levados por uma enchente noturna, morrendo afogados. O Buddha faleceu no ano seguinte, atingindo a liberação final.
Alguns Sakyas fugiram para os Himalayas, onde fundaram a cidade de Maurya-nagara (pali Moriya-nagara). Nesta cidade originou-se a dinastia Maurya (pali Moriya), responsável pela unificação da Índia nos tempos do imperador buddhista Asoka (pali Asoka). Pandu, filho de Amitodana dos Sakyas, também teria conseguido escapar, cruzando o Ganges e fundando uma cidade do outro lado do rio. Sua filha Bhaddakaccana casou-se o rei com Panduvasu-deva do Sri La?ka. Seis irmãos de Bhaddakaccana também foram para o Sri La?ka.
A cidade de Kapilavastu caiu em ruínas provavelmente após a morte do rei Kani?ka dos Ku?a?as (séculos I-II).
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