Toda sociedade costuma produzir uma imagem ideal a respeito de si mesma. É a partir dessa imagem que ela gosta de se enxergar, e que gostaria de ser lembrada no futuro. Nos grandes centros urbanos, a sociedade procura fazer-se notar através de obras que denotam progresso, riqueza e modernidade.
Edificações gregas: grandiosidade
No decorrer da História, muitos povos passaram à memória da humanidade através de edificações suntuosas, como as pirâmides erguidas por ordem dos faraós do Egito, e os magníficos edifícios e templos do Império Romano e da Grécia Antiga. É claro que a perspectiva grandiosa corresponde sempre ao ponto de vista de quem está no poder. São os poderosos que têm motivações para glorificar sua época. E são eles que possuem os meios para criar monumentos e produzir imagens.
Um escravo do tempo dos faraós, por exemplo, que trabalhou duro na construção de uma tumba, provavelmente não teria um depoimento muito favorável sobre sua própria época. A imagem ideal de uma sociedade realça sempre as suas qualidades e procura esconder ou minimizar os aspectos negativos. Essa tendência fica mais acentuada quando um país está em guerra. Nesse caso, é essencial que se produzam imagens para estreitar a união do povo e estimular o espírito de luta dos soldados e das nações. Nos períodos de guerra, representações visuais e sonoras carregadas de simbolismo, como a bandeira e o hino nacional, são fundamentais para se manter em alta o ânimo de um exército em luta.
O poder da imagem no século XX
O poder da imagem tornou-se questão estratégica durante o século XX, com o desenvolvimento de mídias de grande impacto como a fotografia, o cinema, o rádio e a televisão. Com o avanço da tecnologia, a reprodução e o alcance das comunicações passaram a abranger virtualmente todo o planeta.
Esse apelo à imagem já podia ser notado na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918. Ele foi fundamental para a criação de um espírito nacionalista nos dois lados em luta. Um recurso muito utilizado na Primeira Guerra foi a reprodução de milhares de cartazes para estimular o alistamento e pedir contribuições em dinheiro e em horas de trabalho pelo chamado "bem da pátria". Não por acaso, a propaganda visual tornou-se uma das partes centrais da monumental máquina de guerra de Adolf Hitler.
O ministro da Propaganda, Josef Goebbels, foi peça-chave do esquema nazista durante a Segunda Guerra, entre 1939 e 1945. Nas mensagens publicitárias e filmes produzidos sob orientação dele, as imagens depreciavam de forma explícita os judeus, os comunistas e outros inimigos do nazismo. Na verdade, o auge da utilização bélica da imagem aconteceu durante a Guerra Fria. No lugar dos mísseis, disparavam-se as armas da propaganda. Em vez de ogivas nucleares, detonavam-se mensagens persuasivas elaboradas cuidadosamente. Os objetivos eram ganhar a simpatia da opinião pública e procurar convencer o outro lado de sua superioridade militar.
A propaganda ideológica
Na Guerra Fria, os temas da propaganda ideológica eram complexos porque envolviam ideais distintos de vida, democracia e felicidade. No bloco soviético, por exemplo, esses ideais refletiam o processo político desencadeado com a Revolução de 1917.
Leon Trotsky, líder do Exército Vermelho
A União Soviética surgiu em 1922, dentro dos planos da Revolução Russa liderada por Vladimir Lênin e Leon Trotsky. Os bolcheviques idealizavam uma sociedade igualitária, com direitos e deveres iguais para todos, sem a exploração do homem pelo homem. O Estado passaria a proprietário das terras, da grande indústria e dos bancos. Uma sociedade sem desigualdades e sem classes sociais.
Mas a Rússia de 1917 era um país essencialmente rural. Era necessário realizar um salto tecnológico, como forma de se criar empregos. Segundo Lênin, o sucesso do socialismo dependia do sucesso do programa de industrialização do país. Essa imagem, associando felicidade e produção industrial, perduraria por toda a existência da União Soviética. Nos primeiros anos da revolução, a indústria do cinema soviético já aparecia como um veículo de reforço dos ideais socialistas. Foram produzidos filmes como o clássico "O Encouraçado Potemkin" e "O Fim de São Petersburgo".
O realismo socialista
A partir dos anos 30, a imagem que a União Soviética fazia de si mesma era moldada por uma corrente estética denominada Realismo Socialista. Ela surgiu durante um congresso de escritores em 1934, com a participação de Máximo Gorki. A corrente deveria consagrar a arte como canal de expressão dos princípios marxistas. Os artistas passaram a buscar inspiração no folclore nacional e na vida simples do operário e do camponês. Em pouco tempo, no entanto, as diretrizes do congresso tornariam-se instrumento político nas mãos de Josef Stalin.
O Realismo Socialista condenava a arte abstrata, considerada um símbolo da decadência capitalista. Também não aceitava o jazz e outros gêneros musicais que incorporavam a sensualidade. Para os soviéticos, essas manifestações artísticas evidenciavam uma sociedade deteriorada. A rigidez na vida cultural soviética, no entanto, não afetou o exercício de uma das atividades em que os russos sempre alcançaram níveis de excelência: a dança clássica. O Balé Bolshoi, uma das companhias de dança mais tradicionais do mundo, manteve suas produções de obras clássicas do século XIX, e apresentava-se com grande sucesso nos palcos dos países ocidentais.
O socialismo se representando em arte
"O Realismo Socialista tinha, sobretudo, uma função política. A arte realista socialista tinha a função de glorificar o sistema soviético, em particular o seu líder, que até 1953 era Josef Stalin. Inúmeros quadros, filmes e livros dessa época mostram Stalin como um sábio, o Pai dos Povos, um homem justo, acima do bem e do mal.O Realismo Socialista eliminou a separação entre arte, partido e Estado.
Nesse sentido, é muito parecido ao que Hitler fez na Alemanha."
O self-made-man nos Estados Unidos
No lado capitalista, as coisas tomaram um rumo diametralmente oposto. Nos Estados Unidos, o ideal de felicidade tem sido, há muitos anos, quase sinônimo de riqueza e bem-estar individuais. É o chamado ideal do self-made-man. Um dos primeiros símbolos desse ideal foi o automóvel. Para muitos americanos do início do século não havia felicidade sem um carro na garagem. Um homem, em particular, teve grande influência na construção do modo de vida americano: Henry Ford, o criador da linha de produção em série do automóvel.
Na América sempre se valorizou o esforço individual em busca da felicidade, recompensado pelo consumo de bens que podem tornar a vida mais amena e prazerosa. O apego aos bens de consumo foi levado ao extremo com o 'boom' industrial logo após a Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos saíram-se vencedores do conflito, e com uma indústria trabalhando a todo vapor. Algumas estimativas calculam em 9 milhões o número de automóveis em circulação pelas ruas e estradas da América, em 1920. Na época, o rádio ocupava lugar nobre da sala de estar dos lares norte-americanos. A revolução tecnológica começava a ganhar corpo junto com as transformações no universo das artes e espetáculos.
"Depois da Primeira Guerra Mundial surgiram uma nova geração e novas coletividades, que passaram a integrar a cena histórica e que criaram uma cultura toda baseada em representações do novo, do moderno, do jovem. Nesse sentido, sentiam-se muito mais expressos nos seus valores através de novas formas de música fortemente ritmadas - ou sincopadas -, como o jazz das big bands e das jazz bands. Ou através de uma forma de arte que representava plenamente o milagre mecânico do século XX, como era o cinema. Houve também o 'boom' das atividades esportivas nesse período (...) e o advento das danças modernas, representadas por figuras
O retorno à natureza na dança
como Isadora Duncan, trazendo a idéia de um retorno à natureza e à condição espontânea do corpo. Ou como Josephine Baker, lembrando as energias mais profundas que nascem das pulsões eróticas e da agressividade.(...) Nesse sentido, o que a sociedade pretendia era ver-se a si mesma como grande espetáculo. Em todos os níveis do cotidiano houve mudanças. Surgia uma nova sociedade de consumo. (...) A sensação é de que se vivia um tempo de euforia, que nada mais tinha a ver com o momento pregresso, o momento de atraso representado pelo século XIX e pelas sociedades fechadas anteriores."
Nos anos 20, as novas dimensões da estrutura econômica e cultural, ao lado da simplificação do serviço doméstico, ampliaram a presença da mulher num mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e competitivo. Os costumes também se modificaram: as mulheres começaram a se livrar das roupas pesadas e cheias de enfeites, adotando saias e vestidos mais curtos, simples e sóbrios.Já temos, até aqui, os principais elementos culturais e ideológicos que marcariam as imagens dos dois blocos econômicos durante toda a Guerra Fria. Do lado soviético, a ênfase estava no controle estatal dos meios de produção, no desenvolvimento das máquinas, na concepção coletiva de vida. Do lado ocidental, a atenção maior estava no indivíduo, no mercado de consumo, na busca individual da felicidade.
Surge a Televisão
Todas as diferenças entre os dois blocos, no entanto, podem parecer menores quando entra em cena a força da TELEVISÃO: o interesse dos governantes pela TV sempre foi o mesmo, de Washington a Moscou.
Nos anos 30, a TV marca uma nova era
O advento da televisão, no final dos anos 30, modificou completamente as formas de comunicação no mundo. Muitos historiadores e estudiosos de comunicações acreditam que a chegada da TV marcou o início de uma nova era. A transmissão instantânea da imagem a distância combinava muito bem com as necessidades de uma sociedade cada vez mais consumista, no lado ocidental.
E servia também aos propósitos explícitos de veículo de propaganda política, no lado socialista. De um modo geral, governantes dos dois lados sempre apreciaram o uso da TV para seus pronunciamentos.
Quando os soviéticos lançaram o Sputnik, o primeiro satélite a girar em órbita da Terra, em outubro de 1957, o pequeno aparelho levava uma única mensagem: "O comunismo será o grande vencedor".
Em 61, Yuri Gagarin foi recebido como herói em seu país ao se tornar o primeiro homem a viajar numa nave em órbita da Terra. A resposta norte-americana veio no final da década. Em julho de 1969, Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar o solo da lua. E, consolidando a conquista aos olhos do mundo, fincou em solo lunar a bandeira dos Estados Unidos. O evento foi transmitido ao vivo pela TV, para uma audiência estimada em 1 bilhão de pessoas.
Dos anos 50 até meados da década de 80, a propaganda soviética dava destaque à miséria existente nos países ocidentais. Apontava a prostituição, a pornografia, o narcotráfico, o desemprego e a corrupção como sintomas típicos da decadência da sociedade capitalista. Esses desvios não eram admitidos oficialmente pela União Soviética. Os filmes da época, quando se referiam ao próprio país, mostravam imagens idealizadas de um povo feliz. No Ocidente, a produção de imagens durante a Guerra Fria foi um processo mais complicado e contraditório. A própria natureza liberal dos regimes políticos dos Estados Unidos e da maior parte da Europa não deixava espaço para o surgimento de um fenômeno cultural restritivo como o Realismo Socialista.
Fonte: www.tvcultura.com.br