Por Emerson Santiago |
Para entender o fenômeno dos caras-pintadas é importante analisar o contexto no qual ele está inserido. O Brasil realizara recentemente eleições diretas para presidente em 1989, garantia que havia sido tomada ao cidadão brasileiro pelo regime militar, sendo que o último pleito direto, isto é, com a participação do povo, ocorrera em 1960. Tal fato era constantemente lembrado pelos meios de comunicação da época, enfatizando a importância da participação popular na vida política brasileira.
Em meio a todos os clamores a essa participação popular, procurando que de alguma forma recuperar o tempo perdido em meio ao marasmo dos anos de repressão, a mídia e a opinião pública reviviam intensamente os momentos em que de alguma forma a população se revoltou ante às arbitrariedades do regime de exceção, e entre os grandes momentos de luta pela democracia no país estavam os protestos estudantis de final dos anos 60, onde jovens universitários de pouco mais de 18 anos de idade saíam às ruas para protestar abertamente contra o governo, demonstrando ter alta organização, intelecto e politização, expressando ideias geralmente de esquerda, sendo que muitos perderam a vida, ou foram presos, ou relegados à clandestinidade, ou ainda perderam os direitos políticos e sociais.
Entre essas lembranças, e por isso mesmo, a eleição de 1989 assumiu um significado importante na história do país. Dela resultou eleito Fernando Collor de Mello, com uma plataforma de combate à hiperinflação, moralização e caça aos corruptos, que ficaram popularmente conhecidos como “marajás”, termo bradado à exaustão por Collor e seus apoiantes.
Pouco depois, porém, o governo no qual muitos brasileiros colocaram suas esperanças começou a mostrar falhas estruturais. O Plano Collor de contenção da inflação fora um desastre completo, causando pânico na povo, além de denúncias de corrupção que iam surgindo por todos os lados, com declarações contundentes vindas do próprio irmão do presidente, envolvendo pessoas ligadas diretamente ao presidente, em especial um personagem que ficou muito conhecido à época: Paulo César Farias, o PC Farias, tesoureiro da campanha eleitoral de Collor.
O apoio político e popular ao governo ia encolhendo a olhos vistos em 1992, até que então, o presidente resolve reagir e conclamar a população a sair às ruas e manifestar seu apoio ao governo e, em última instância, ao país, fazendo isso de modo extensivo, utilizando uma “camiseta ou qualquer peça de roupa nas cores do nosso país”, como diria o presidente em infame discurso.
A imagem dos estudantes conscientes, desafiadores, rebeldes dos anos 60 então faz a cabeça do imaginário popular naquele momento, e entre a população estavam os estudantes à época, geralmente de classe média, não tão politizados, e com ideias nem tão claras acerca do modo como reagir em meio ao seu descontentamento. Influenciados por toda “mitologia” que estava se criando em torno dos protestos ocorridos na década de 60 os caras-pintadas saem às ruas, mas vestindo e pintando-se de preto, em um repúdio às palavras de Collor, parcialmente irônico, parcialmente politizado. A imprensa iria cunhar o termo caras-pintadas a tais jovens, tornando-os ícones do descontentamento popular contra o poder constituído, mas, que diferentemente do movimento politizado e militante do passado, os protestos de 20 anos depois assumia um tom de humor, ironia, anarquia e um posicionamento político não tão marcado, e por isso mesmo recebendo críticas como um movimento algo artificial de mímica dos históricos protestos da era militar.
De qualquer modo, os caras-pintadas tornariam-se ícones de um novo modo que o povo descobriu de se fazer democracia: a deposição de seus dirigentes incompetentes ou corruptos.
Bibliografia:
SOBRINHO, Wanderley Preite. Saiba mais sobre os caras-pintadas . Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u397259.shtml Acesso em: 16 jul. 2011.