A França encontrava-se envolvida em uma guerra contra a Prússia (Guerra Franco-Prussiana: 1870-1871), em função das pretensões hegemonistas de Napoleão III. É bem verdade que em seu reinado a França passou por um grande crescimento econômico e há muito Paris se tornara uma das maiores metrópoles mundiais. Foi na era de Napoleão III que se estabeleceram as reformas urbanísticas implementadas pelo engenheiro Haussmann, que deram à capital francesa as características tão conhecidas de cidade-luz, com suas modernas estruturas e seus boulevares.
Entretanto, o crescimento físico-estrutural da cidade, juntamente com a economia, ficaram em um plano diferenciado, coexistindo, assim, duas cidades em uma: a rica Paris da beleza urbana e das elites, e uma outra, da miséria e da fome. Os organismos sociais não se modificaram. Pelo contrário, agravaram-se as contradições, gerando cada vez mais uma massa de trabalhadores explorados vivendo de uma forma sub-humana, como denuncia Victor Hugo em os Miseráveis. Com a derrota de Napoleão III na batalha de Sedan em setembro de 1870, cai por terra igualmente o Império. Aproveitando-se da situação favorável, os republicanos assumem o poder proclamando a terceira República da história da França. Tratava-se de um governo provisório que, apesar de republicano, mantinha os ideais conservadores. O chamado Governo de Defesa Nacional era visto por Karl Marx como algo não merecedor de grandes expectativas: “Essa República não derrubou o trono, mas simplesmente ocupa o seu lugar, tornado vago. (...). Alguns dos seus primeiros atos mostram que eles não herdaram do Império apenas as ruínas, mas também o medo à classe operária”.
Com esse governo, apesar das derrotas anteriores, e que foram bem significativas, prossegue a guerra, estando a França envolta num surto inevitavelmente nacionalista, principalmente por se tratar de um conflito com a Prússia, inimigo histórico. Porém, as tropas francesas não conseguem resistir. Em 28 de Janeiro de 1871, os franceses suspendem as operações militares, assinam o armistício e admitem a derrota na Guerra. De forma humilhante, os prussianos são autorizados a desfilar em Paris. A Guarda Nacional, entretanto, permaneceu organizada e esta era formada pelos cidadãos da capital. Fez parte do acordo que os canhões da Guarda Nacional e que eram pertencentes à cidade continuassem ali. A França compromete-se a pagar pesadas indenizações e nestas circunstâncias uma Assembléia Nacional conservadora e de tendências monarquistas é eleita para tratar da regulamentação da paz. Para isso, ocorreram as eleições legislativas de 08 de fevereiro.O governo, chefiado por Thiers, fez o que pode para a desmobilização militar da França buscando a paz a qualquer custo.
Assim, já tendo estourado outras comunas anteriormente (como a de Lyon, por exemplo), estando Paris armada e com grande potencial de organização e sendo a Guarda Nacional, segundo Horácio Gonzáles, “um verdadeiro partido político armado”, há razões mais que suficientes para que houvesse desconfianças acerca destas massas que já de antemão eram consideradas perigosas, difíceis de controlar. Marx já percebera em A Guerra Civil na França: “Paris armada era o único obstáculo sério que se erguia no caminho da conspiração contra-revolucionária. Era preciso desarmar Paris”.
Deste modo, Thiers enviou dois generais com soldados para que fossem usurpados os canhões de Paris. A tentativa é frustrada. Com o fracasso da missão, fazem-se prisioneiros os generais e os fuzilam. Segundo Gonzáles este é o ato de origem da Comuna.
O governo então foge para Versalhes, fortalecendo o movimento popular. À cidade que ficara sem governo, nada mais resta, senão a revolução: a 18 de março de 1871, é criada a Comuna de Paris.
A Comuna era um governo revolucionário, socialista, formado por representantes do povo, todos eleitos por sufrágio universal. Muitas foram as mudanças adotadas pela Comuna, dentre as quais destacam-se: o exército permanente é substituído por milícias de cidadãos; os funcionários públicos e políticos passam a receber salários como os dos trabalhadores; o Estado é separado da Igreja; torna-se possível a elegibilidade de estrangeiros; revogabilidade dos cargos políticos em caso de infidelidade ao mandato; o trabalho noturno é abolido; educação laica e profissionalizante; criação de um projeto para que os juízes fossem eleitos por votação; os pagamentos dos aluguéis foram prorrogados; pensão para feridos e viúvas, assim como adoção e pensão para os órfãos de mortos em combate, até completar 18 anos; moratória de três anos para as dívidas; abolição das multas sobre salários; os sindicatos administrariam as fábricas e oficinas abandonadas pelos proprietários; ocupação das residências que foram abandonadas em virtude da guerra, por pessoas que tenham ficado sem moradia devido aos bombardeios; a Coluna de Vedôme, símbolo do bonapartismo, foi derrubada; foi adotada a bandeira vermelha.
A Comuna de Paris mal pôde por em prática o seu programa. Thiers, em negociação com o governo prussiano, consegue reorganizar o exército com a liberação de milhares de prisioneiros de guerra pela Prússia. Em outras palavras, os dois países se uniram na luta contra um inimigo comum que se mostrara capaz de subverter a ordem. É desta forma que uma guerra civil em Paris, uma das mais sangrentas da história, aconteceu pondo um trágico fim a esta tentativa de implementação de um governo revolucionário, do povo, onde não mais haveria a exploração de uma classe superior, mas sim, um governo igualitário, onde todos comandariam os meios de produção, gerando assim, as bases para o conceito de ditadura do proletariado, elaborado por Marx.
Desde o momento em que as tropas versalhesas entram em Paris, uma carnificina instaura-se na bela capital francesa, gerando no fim do combate, uma semana depois, milhares de mortos. Os soldados de Thiers não foram sutis na matança, acontecendo diversas execuções sumárias de communards.
“Resta-me ainda um filho, o caçula, que dentro em pouco completará dezesseis anos (...). Aceitai, por tanto cidadão, o último de meus filhos, que ofereço de todo o coração à pátria republicana; fazei dele o que quiserdes; colocai-o em um batalhão à vossa escolha e me fareis mil vezes feliz”.
Auguste Joulon.
Guarda do 177º batalhão. Paris, 12 de maio de 1871.
Os que continuaram a luta, numa situação já evidente de derrota, desesperadamente puseram fogo na cidade, nos principais edifícios públicos que naturalmente seriam reocupados pelo governo da “ordem”. Uma atitude militar, mas de extremo simbolismo.
A Comuna de Paris não teve a oportunidade de seguir sua trajetória de mudanças de estrutura social. Trata-se de uma bela história real, de grande heroísmo e de trágico destino. Não foi eficiente em suas ações justamente quando era mais necessário se fazer eficiente: no momento pós-revolucionário. Ela ficou dentro dos muros de Paris enquanto os que queriam esmagá-la puderam se estruturar e massacrá-la no momento mais oportuno. A ausência de um plano elaborado a priori talvez tenha contribuído para o seu insucesso. Entretanto, a vitória foi alcançada através de seu legado, um movimento precursor das revoluções socialistas futuras, reivindicada especialmente pela Revolução Russa de 1917.
Cronologia:
- 09/1870: Batalha de Sedan, derrota de Napoleão III. É proclamada a terceira república da França.
- 01/1871: Suspensão das operações militares francesas. Prussianos desfilam em Paris.
- 02/1871: Eleições legislativas para a Assembléia Nacional.
- 03/1871: Instaura-se a Comuna de Paris.
- 05/1871: Invasão de Paris pelas tropas do governo. Incêndio da cidade. Fim da Comuna de Paris.
Bibliografia de referência:
- CASSOU, Jean. Massacres de Paris. São Paulo: Editora Vecchi.
- CRISTIANSEN, Rupert. Paris Babilônia. A capital francesa nos tempos da Comuna. Tradução: Valéria Rodrigues. Rio de janeiro: Record, 1998.
- GONZALES, Horácio. A Comuna de Paris: os assaltantes do céu. Col. Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1981.
- HOBSBAWM, Heric. A era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
- LISSAGARAY, Hippolyte Prosper Olivier. História da Comuna de 1871. Tradução: Siene Maria Campos. São Paulo: Ensaio, 1991.
- MARX, Karl. A Guerra Civil na França: mensagem do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. Apresentação de Roberto Bertelli. São Paulo: Global Editora, 1986.
- Fonte:
- http://www.historia.uff.br/nec/materia/grandes-processos/comuna-de-paris