A literatura celebra os piratas desde a Antigüidade. Não é raro encontrarmos, em romances e poemas, piratas transformados em modelo de coragem. Mas a realidade é mais crua. Os saqueadores dos mares não eram coroinhas. Eram, sobretudo, ladrões sem fé e sem lei, que os Estados procuravam eliminar... quando não os recrutavam | ||||||
por Michel Vergé-Franceschi | ||||||
A tática do pirata do mar das Antilhas se resumia a uma única palavra: abordagem. O êxito dependia da determinação, ou melhor, da temeridade dos homens do navio. Numerosos, eles manejavam o sabre de abordagem e o punhal. Combatiam aos pares, porque sempre se juntavam em duplas e se chamavam, um ao outro, de matelot [marinheiros], sendo mattenoot aquele que compartilhava alternadamente a mesma rede que seu irmão. Vitoriosos, esses celibatários sem família faziam a festa, embebedavam-se à vontade de rum da Jamaica e partilhavam amigavelmente as mulheres indígenas ou pilhadas. | ||||||
As mulheres faziam parte do butim conforme revela Oexmelin, cirurgião dos flibusteiros, autor de uma Histoire des aventuriers et des boucaniers d’Amérique (1686): Quando dois bucaneiros encontram uma bela mulher, para evitar a disputa decidem quem casará com ela lançando uma moeda. Casará aquele que for favorecido pela sorte, mas seu camarada era recebido na casa: a isso se chamava a matelotage... Outro costume: o sobrevivente dos dois era o herdeiro de fato de seu companheiro. O capitão e seus homens firmavam um contrato ou chasse-partie, no qual tudo era previsto para a duração de uma campanha: cada homem levava seus víveres, suas armas, suas munições. O soldo de cada mercenário saía do butim. Sem butim, sem soldo. O capitão retinha uma parte para amortizar as despesas do navio, além do soldo do carpinteiro (100 a 150 piastras) e do cirurgião (200 a 250 piastras), e recebia até seis vezes a parte de um marinheiro (a piastra era uma antiga moeda de prata, de valor variável de acordo com o país e a época). O imediato tinha direito a duas partes. O marinheiro a apenas uma. O grumete, a meia. Os feridos e estropiados recebiam 600 piastras pelo braço direito; 500 pelo esquerdo ou a perna direita; 400 pela esquerda; 100 por um olho ou um dedo. Ao final da campanha, cada membro da tripulação ganhava a liberdade levando sua parte. Naquele momento, cessava a autoridade do capitão. | ||||||
Emboscadas perfeitas Os piratas faziam o reconhecimento da costa na proximidade de um estreito, numa rota marítima freqüentada. Tendo necessidade de uma base logística – água potável, víveres, madeira para lenha e reparos navais, minicanteiro de reparos ou construção –, davam preferência às ilhas. Situadas em encruzilhadas, a ilhas permitiam vigiar as rotas marítimas. Os piratas gostavam de ficar ao largo da Citera antiga (ilha grega do mar Egeu, entre o Peloponeso e Creta, também conhecida como Cérigo), da Sicília, da Sardenha, das Baleares ou da Córsega. Malta, Creta, Tinos foram ninhos de piratas. Os Grimaldi enriqueceram como piratas a partir de seu rochedo em Mônaco. (Os Grimaldi constituíam uma antiga família nobre de Gênova, à qual pertenciam, até 1733, os príncipes de Mônaco. Nessa época, foram substituídos. Em 1949, os Grimaldi voltaram ao trono de Mônaco com Rainier III.) O mesmo aconteceu no Atlântico, onde os flibusteiros se baseavam na ilha La Tortue, na costa do Haiti, onde se situava a cidade e o porto de Caiena. Em La Tortue, a principal base pirata nas Antilhas durante o século XVIII, os bucaneiros esperavam o navio mercante que passava, isolado ou em comboio, com guarda ou desprotegido, e se lançavam sobre a presa com um navio veloz: hemolia, dos gregos; lemboi, dos bucaneiros da Ilíria (região balcânica próxima ao Adriático), bergatins (escuna de velas quadradas de dois mastros) dos barbarescos, flibots (pequena embarcação com dois mastros, com fundo chato) dos flibusteiros. Na ponta do mastro, um crânio e duas tíbias embranquecidas pelo sol se destacavam sobre um pavilhão negro ondulando ao vento. Todos os navios-piratas se pareciam: lastro leve e velocidade aumentada pelos cascos untados com sebo para diminuir a resistência da água. Pequenas, rápidas, fáceis de manobrar, repletas de homens e munidas de pouca artilharia, essas embarcações precisavam correr os mares para alcançar suas presas, ultrapassá-las e forçá-las a parar. Uma vez pilhado o adversário, era preciso repartir depressa o butim e procurar refúgio em águas inacessíveis para os grandes navios oficiais, no meio de recifes, de rochedos e em locais de grande profundidade. | ||||||
O pirata era um perigo para todos aqueles que cruzavam seu caminho – foram responsáveis pelo nascimento do seguro marítimo –, mas era também um perigo para a civilização, porque se colocava fora da norma. Sem pertencer a um Estado ou a uma estrutura, o pirata era, enfim, o único homem livre das sociedades pré-revolucionárias. Políticos de todos os tempos combateram esses marginais armados, perigosos para os marinheiros, perigosos para os Estados, perigosos para as trocas, para os comércios longínquos e para o grande negócio marítimo. Corinto moveu guerra aos piratas. Pompéia também, assim como Luís XIV, mais tarde, no Mediterrâneo, porque no Atlântico, o Très Chrétien se aliou aos flibusteiros para atacar o rico entreposto espanhol de Cartagena-das-Índias em 1697. Os Estados tiveram, enfim, uma atitude excessivamente ambígua para com os piratas: em época de paz, quiseram erradicar a pirataria e comerciar livremente, assegurando a liberdade dos mares; mas, se viesse a guerra, procuravam seduzir os excelentes soldados que mantinham tal ou qual base de apoio (Santo Domingo ou a Ilha de la Tortue). Essas bases eram, então, cedidas aos piratas e, com isso, a pirataria está na origem de numerosas colônias inglesas e francesas na região do Caribe. Pirataria de Estado Uma das principais causas do desenvolvimento das frotas de guerra permanentes dos Estados, quaisquer que fossem, foi a eliminação da pirataria. Tucídides fala de expedições atenienses contra ninhos de bucaneiros. Plutarco evoca a luta contra os dolopes (antigos habitantes da Tessália) que se tornaram corsários por falta de recursos agrícolas. Otaviano lutou ferozmente contra os ilirianos em 35 da nossa era. Rodes chegou a criar um tipo de embarcação especial para dar combate aos piratas, a trihemolia, mais rápida que a trirreme (galera grega com três fileiras de remadores sobrepostos), e Luis XIV mandou construir galeotas (pequena galé movida a remos e a vela) com bombas específicas, em 1678, para bombardear Argel e Trípoli. A hansa (associação comercial da Idade Média) jamais se cansou de tentar libertar o mar Báltico e o mar do Norte de toda pirataria desde 1168. | ||||||
Demarets e da irmã de Colbert, recusouse a ser libertado pelos ingleses na qualidade de prisioneiro de guerra, e preferiu pagar seu resgate! A pirataria é um tema difícil, tratado muitas vezes como mera epopéia caribenha. O pirata viril e bronzeado, de camisa rasgada, olho de vidro e perna de pau, com o sabre de abordagem na mão, de pé diante dos cofres de ouro e pedrarias, é quase inteiramente uma imagem de Epinal. A pirataria não tem idade de ouro, nem idade simplesmente: é um fenômeno inscrito nos tempos. Se os habitantes da Etólia, na Grécia antiga, fizeram dela um instrumento de política exterior, chegando a firmar tratados de garantias contra suas próprias ações mediante indenizações com suas futuras presas, a pirataria existe ainda hoje. Está presente nos mares da China, e a espoliação fraudulenta de companhias de seguro continua sendo praticada sob o nome de “barataria”, um tipo de pirataria, pois a carga é roubada, o navio destruído, rebatizado ou escamoteado, e o prêmio do seguro recebido! | ||||||
Nobliarquia A época moderna, dos séculos XVI a XVIII atlânticos, não teve, porém, o monopólio da pirataria. O pirata das plagas caribenhas do período elisabetano ou colbertiano não era um homem novo: era herdeiro de uma multidão de aventureiros, produto dos invasores de antanho, porque toda invasão (normanda, saxônia ou sarracena) já fora uma empresa de pirataria. Como ocorrera antes, a época moderna procurou se defender do pirata, fosse armando com canhões seus navios mercantes, fosse escoltando-os com navios de guerra. Por conta dos piratas, o direito internacional foi endurecido, e todo capitão que conseguisse capturar corsários no mar tinha o direito de enforcá-los no ato, na verga mais alta do navio apresado. Mas quando as nações se tornaram piratas, como a Inglaterra de Elizabeth I, os sucessos obtidos sobre os galeões espanhóis pelos Drakes e Raleighs foram tais que já não se podia limitar a pirataria à noção de empresa privada. A pirataria de Estado caracterizou a Inglaterra dos Tudor, que associava capitais públicos a capitais privados para apresar sua parte dos metais preciosos na rota transatlântica do império espanhol. | ||||||
Como essa pirataria parecia mais lucrativa do que na realidade, as grandes potências não pararam de engajar esses guerreiros dos mares para transforma-los em corsários. Foi o caso dos marinheiros de Dieppe, de La Rochelle, de Saint Malo, mas também de Argel, de Túnis, de Trípoli, de Salé, pilares de regências magrebinas. São comuns as objeções, injustas, aos marinheiros, e a sua classificação arbitrária em três categorias: os piratas, os corsários, os oficiais de marinha. Nada é mais falso: o pirata era certamente um bandido, mas tão logo o rei reconhecia suas competências, o admitia ao seu serviço, concedia-lhe autorização para perseguir o inimigo – eis, então, o nosso pirata transformado em corsário. Se o antigo bandido usando o mesmo sabre de abordagem obtivesse êxito em sua nova carreira de corsário, era promovido a capitão dos navios do rei, como Abraham Duquesne, o Velho, pirata temível, corsário talentoso e, depois, respeitável oficial de Luis XIII! Ao longo da vida, Ducasse, nascido huguenote, pôde ser o chefe dos flibusteiros de La Tortue, tenente-general das armadas navais e o velho calvinista que morreu condecorado com o Tosão de Ouro pelo Rei Católico! Ducasse é o exemplo típico do flibusteiro oficial-general. Graças ao dinheiro cobiçado, apresado e confiscado na região do Caribe, ele pôde dar um dote de 400 mil libras a sua filha única, e fazer dela a duquesa de La Rochefoucauld! Esplêndida promoção conseguida com o aporte fornecido pelos 1.600 flibusteiros de Santo Domingo, apanhados de passagem pelo barão de Pointis, em 1697, em sua excursão para saquear Cartagena-das-Índias. Os flibusteiros participaram da campanha navegando ao lado da frota do rei. Ali, além de nove milhões em prata ou em barra, o que foi tomado em pedrarias e prataria é inconcebível, escreveu Saint-Simon. Cartagena-das-Índias era o entreposto mais rico de toda a América Latina. | ||||||
As nações civilizadas acabaram sendo mais ladras que os piratas. Em 1697, os flibusteiros tiveram uma grande discussão com Pointis exigindo seu quinhão, cuja maior parte pretendiam contrabandear. Percebendo que o barão, oficial-general de Luís XIV, zombava deles, retornaram a Cartagena, pilharam-na de novo, e fizeram um rico butim, encontrando muita prata, diz ainda Saint-Simon. A pirataria desapareceu da região do Caribe ao fim da Regência, devido à onipresença da armada real. Os flibusteiros abandonaram esse ofício que se tornara perigoso demais, para investir, graças a seus butins, nas vastas propriedades dedicadas à grande plantação açucareira. -Tradução de Celso Paciornik Fonte: |