Ao contrário do que comumente se pensa, o desenvolvimento e uso da mão de obra escrava no Brasil não se deu em torno da simples exploração sistemática de sua força de trabalho nos latifúndios monocultores do território. Outras relações de trabalho, apesar de não serem dominantes, nos mostram que a condição de um escravo era bem mais complexa que a simples dicotomia dividia entre a senzala e o árduo trabalho nas colheitas.
Uma das mais novas modalidades pesquisadas nesse campo trata, por exemplo, da criação da “brecha camponesa”. Esse termo se refere ao costume que alguns senhores de engenho tinham em liberar alguns lotes de sua propriedade para que os escravos pudessem realizar a produção de gêneros agrícolas voltados para o próprio consumo e a venda no mercado interno. Tal medida seria benéfica aos escravos ao abrir oportunidade para a compra de outros produtos e a relativa melhora de sua condição de vida.
Contudo, não podemos concluir que esse tipo de prática significou uma espécie de “relaxamento” das ordenações impostas ao escravo. Isso porque, em primeiro lugar, devemos ressaltar que o escravo só poderia trabalhar nessas terras no tempo em que não estava envolvido com o trabalho nas monoculturas. Ao mesmo tempo, tal prática ampliava o lucro dos fazendeiros ao diminuir os gastos que os mesmos tinham com a vestimenta e a alimentação de seus escravos.
Sob o ponto de vista ideológico, também devemos salientar que a “brecha camponesa” era de grande importância para a própria manutenção dos escravos no interior de uma propriedade. A ampliação na disponibilidade de alimentos e o favor do escravo que recebia o lote de terras legitimavam a imagem do “bom senhor” disposto a diminuir sua margem de lucros para que suas “peças” tivessem uma condição de vida um pouco mais confortável.
A possibilidade de arrefecer conflitos e resolver os problemas de abastecimento dentro da Colônia impeliu a própria metrópole a emitir resoluções oficiais que reconheciam essa prática. Algumas determinações do fim do século XVIII estipulavam que o escravo teria um dia da semana para dedicar à sua roça. Além disso, o escravo poderia alugar e doar esse pequeno lote com o registro de testamentos informais que regulavam o destino dessa propriedade.
Ao salientarmos esse tipo de costume na trajetória dos escravos, podemos perceber que a rigidez e a opulência não abarcam completamente a presença desses sujeitos históricos. Contudo, a aparência benévola não pode ser vista como um simples desvio daquilo que era visto como norma em terras brasileiras. Apesar de apresentar particularidades instigantes, a “brecha” esteve organicamente ligada ao sistema de exploração da mão de obra.
Por Rainer Sousa
Fonte:
http://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/brecha-camponesa.htm