Pulverização do WTC liberou substâncias nocivas em Manhattan; mais policiais morreram por poeira do que diretamente nos ataques.
Margrily Garcia respirou a poeira tóxica produzida no colapso das Torres Gêmeas e desenvolveu asma, sinusite crônica e sarcoidose
Jerry trabalhava como contador em um prédio a cerca de uma quadra do WTC. Na terça-feira dos atentados, ele e seus colegas tiveram de deixar o edifício e, no meio do caos no sul de Manhattan, o contador caminhou alguns quilômetros até sua residência, na rua 51. Durante grande parte do trajeto, ele respirou a chamada "poeira tóxica", expelida pelo desabamento das Torres Gêmeas e contendo desde ferro e vidro pulverizados até amianto e chumbo - substâncias reconhecidamente cancerígenas se ingeridas, inaladas ou absorvidas pela pele.
Até o 11 de Setembro, Jerry era um homem ativo e saudável. Poucos meses depois dos ataques, ele passou a ter dificuldades para respirar e desenvolveu sarcoidose, uma doença inflamatória grave nos pulmões. Assim como Jerry, Felicia Dunn-Jones e Leon Heyward também foram adicionados anos depois dos ataques à lista de vítimas do WTC. Ambos morreram com a mesma doença. Centenas de médicos em Nova York não acreditam que se trate de uma coincidência.
De acordo com o jornal Daily News, de Nova York, mais policias morreram nos meses e anos seguintes ao 11 de Setembro por cânceres causados pelo contato com os destroços das torres do que no dia dos ataques. Oficialmente, 23 policiais morreram nos desabamentos. Mas, desde então, 45 oficiais que trabalharam no Marco Zero (local onde ficavam os prédios do WTC) morreram de câncer, enquanto centenas ainda lutam contra a doença.
Laura Crowley, a médica responsável por medicina preventiva no hospital Mount Sinai de Nova York, disse ao iG que várias doenças podem estar ligadas à poeira tóxica do WTC. “Tosse persistente, asma, doença crônica dos pulmões, bronquite, dores de cabeça, sangramento do nariz, doença gastrointestinal, refluxo ácido, sinusite, apneia, perda do olfato e do funcionamento normal dos pulmões são algumas delas. Alguns pacientes melhoram com remédios, outros não, e ficarão doentes para o resto da vida”, disse.
Margrily Garcia, de 38 anos, é uma das pacientes cuja saúde ficará comprometida pelo resto da vida. Ela trabalhava em um escritório de advocacia a três quadras do WTC e, juntamente com seus colegas, não pôde sair do prédio até pelo menos três horas depois do desabamento da segunda torre por ordens dos policiais.
Ao sair da estação de metrô, senti um forte cheiro de morte e destruição. Alguns colegas trabalhavam com máscaras médicas, mas acreditei no que as autoridades disseram: que o ar não estava poluído e não existiam riscos
“Eles disseram para que usássemos papel-toalha molhada para cobrir o rosto. Era a única coisa que tínhamos para nos proteger. Cheguei em casa coberta com a poeira do WTC da cabeça aos pés”, conta emocionada ao iG.
“Uma semana depois, o nosso escritório foi reaberto, mas, ao sair da estação de metrô, senti um forte cheiro de morte e destruição, de tudo o que havia acontecido naquele lugar. Alguns colegas trabalhavam com máscaras médicas, mas eu me sentia forte e acreditei no que as autoridades disseram: que o ar não estava poluído e não existiam riscos.”
Semanas depois, Margrily começou a tossir, e a tosse persistiu por meses. Um médico diagnosticou asma, mas os remédios não surtiam efeito. “Era uma tosse forte, como se o meu pulmão fosse saltar fora do corpo”, explicou. Quando Margrily procurou os médicos da equipe que tratava as vítimas do WTC, descobriu que estava com asma, sinusite crônica e sarcoidose.
“Serei uma doente para o resto da minha vida, nunca vou me curar 100%. É por isso que quero ter certeza de que o governo americano nunca se esqueça das pessoas que trabalhavam, moravam ou ajudaram a limpar aquela área, porque a vida delas mudou para sempre. E o país tem a responsabilidade em ajudá-las financeiramente com os tratamentos necessários”, afirmou.
Assim como milhares de outros, Margrily luta na Justiça para que a sua doença seja reconhecida como resultado da exposição à poeira tóxica. Caso isso ocorra, o governo americano passará a ajudá-la financeiramente e, se no futuro Margrily morrer por dificuldades relacionadas à sarcoidose, também constará na lista das vítimas dos ataques às Torres Gêmeas.
Mas essa não é uma batalha fácil. De acordo com Ellen Borakove, porta-voz da Junta Médica Examinadora de Nova York, há muitas restrições oficiais antes que um doente ou morto seja considerado vítima do material expelido pelo colapso das Torres Gêmeas. A pessoa tem de ter sido exposta diretamente à poeira tóxica no dia dos ataques, de preferência enquanto os prédios desmoronavam, e ter estado a poucos metros de distância da área. Além disso, como o governo diz que o ar não estava contaminado nos dias consecutivos ao colapso, os casos de pessoas que ficaram doentes por terem estado no Marco Zero depois dos ataques são descartados.
Em agosto de 2009, membros do Centro Médico do Mount Sinai publicaram um estudo afirmando que observaram um “número maior do que o normal” de mieloma (câncer na medula óssea) e tumor nos ossos entre pessoas que trabalharam nos escombros do WTC com idade inferior a 45 anos. “Mais de 60 mil pessoas, entre bombeiros, policiais e civis, estão inscritas em programas de saúde pública ligados ao WTC”, de acordo com o estudo.
Pessoas tentam se proteger de poeira produzida por colapso das Torres Gêmeas ao caminhar no sul de Manhattan no 11 de Setembro de 2001
O governo americano, porém, não reconhece os dados. Uma revisão de estudos científicos feita em julho deste ano por John Howard, médico que dirige o Programa de Saúde das Torres Gêmeas do governo federal, afirma não existirem provas suficientes que liguem a exposição à poeira dos escombros ao câncer. "Não há provas suficientes neste momento", segundo o documento. Em 93 páginas, Howard afirma que a sua opinião ainda é preliminar e, até o início de 2012, haverá dados mais recentes para examinar.
“Eles continuam não achando evidências, mas temos também as estatísticas”, disse ao jornal The New York Times John Feal, que trabalhou por um ano no Marco Zero e criou uma organização para lutar por seus direitos e de seus colegas, a Feal Good Foundation.
“Temos as estatísticas dos enterros. Estive em 53 sepultamentos de colegas do Marco Zero, sendo que 51 deles morreram de câncer”, afirmou. Até que a revisão seja concluída no ano que vem, os chamados “doentes do Marco Zero” terão de arcar com os custos dos seus tratamentos sozinhos ou ficar sem tratamento algum.
Fonte: IG