Este item é a conclusão deste trabalho, no entanto, apesar disso, não é seu último ponto, visto que o item 14 será uma espécie de anexo com as informações importantes que fogem à História Política e/ou Religiosa do Egito e que, portanto, é muito difícil de ser inserida em meio às outras partes do texto, visto que são muito menos científicas e muito mais especulativas do que aquelas.
A tese deste trabalho se centra no fato de o Império Egípcio ter sido o primeiro Império da Antiguidade (ao menos é o primeiro cuja existência se pode comprovar, visto que outros Impérios que se pode sugerir como anteriores ao Egípcio nos remeteriam a lendas como as de Atlântida). Como tal, ele teria sido o responsável pela irradiação do ideal Imperial através dos tempos e do espaço, coisa que colaborou para sua própria destruição.
É bom que se saiba que não acredito em fatores político-sociais, ou mesmo econômicos que sejam independentes, ou seja, não creio que seja possível que as atitudes de um país não sejam interdependentes, isto é, a política necessariamente afeta a sociedade, a economia e a religião, sendo qualquer das outras possibilidades também verdadeira.
O que se diz a respeito da sociedade Egípcia dá conta de que teria sido uma sociedade estagnada, sem mobilidade social e sem capacidade inventiva, sendo assim, com o passar do tempo, teria sido engolida pelos vizinhos detentores de novas tecnologias. Agora vejamos, é verdade que os Egípcios não criaram muitas coisas depois do Antigo Império, porém, não podemos deixar de levar em consideração um ponto fundamental: durante quatro meses por ano (estação das cheias), os Faraós dispunham de muita mão-de-obra ociosa capaz de ser empregada nas mais variadas atividades.
Tamanho capital humano dava ao Egito um fator diferencial de todos os demais países do Crescente Fértil e de outras regiões que lhe foram contemporâneas. Sendo assim, a civilização Egípcia não teve a demanda (para voltar a mencionar o Dr. Norberto Guarinello) necessária por determinadas invenções que se fizeram necessárias em outras regiões. Vejamos, para que roldanas se podia-se empurrar as pedras gigantescas apenas com a tração humana? Para que a roda se tudo podia ser transportado pelo Nilo? Para que muralhas nas cidades se o Egito já contava com proteções naturais (cordilheiras, desertos e o Mediterrâneo) contra invasões? Para que poupar o trabalho humano se havia tantas pessoas desocupadas por tanto tempo todos os anos?
Podemos ver que há explicações muito plausíveis para a falta de inventividade Egípcia, além disso, isso não se traduz numa conseqüente e simplista falta de criatividade, uma vez que as artes Egípcias eram magistrais e que suas construções se tornaram eternas. Além disso, o sistema hieroglífico de escrita, segundo se cogita pode ter sido o pai de nossa escrita contemporânea, visto que as primeiras tentativas de se escrever em Acadiano (um língua falada, mas sem escrita) se deram em hieróglifos, utilizando os 24 símbolos representativos de letras, além disso, devido aos contatos com a Fenícia (em especial com Biblos), é de se crer que a escrita Egípcia hieroglífica (os tais 24 símbolos) tenha sido levada para a Fenícia e lá, através de modificações e, porque não, refinamentos se tenha transformado no Alfabeto Fonético Fenício que, através de Creta, chegou à Grécia, onde se transformou no Alfabeto Grego, que deu origem ao nosso Alfabeto Atual.
Com o tempo, é verdade, sobretudo devido ao isolamento, o Egito passou a ser ultrapassado tecnologicamente por seus vizinhos (não utilizava ainda ferramentas de cobre quando as ferramentas de bronze já eram normais entre os habitantes da Mesopotâmia, por exemplo) e, sendo assim, acabou sendo dominado pelos tais Príncipes dos Países Estrangeiros (Hicsos), no II Período Intermediário. Os Hicsos, com as modificações que introduziram, colocaram o Egito novamente no mesmo patamar evolutivo de seus vizinhos e, dessa maneira, possibilitaram que na XVIII Dinastia, Faraós como Tutmés I e, depois dele, seu neto Tutmés III, tornassem possível a expansão territorial das Duas Terras.
O que tornou possível a expansão do Egito e a formação de seu Império não foram apenas as tecnologias militares, mas toda uma estrutura político-econômica e religiosa voltada para essa expansão.
Comecemos mencionando Amon-Ra (que já foi abordado anteriormente) e seu culto. Com efeito, o culto ao Deus Amon que depois foi também associado a Ra estava preparando o terreno religioso do Egito para algo maior, uma revolução. Amon-Ra já era imposto como Deus soberano e, por seu próprio caráter onipresente (talvez, como já foi dito, o primeiro Deus com esse caráter na História da humanidade) estava amplamente preparado tanto para acompanhar os exércitos Egípcios em combate e marcha, quanto para ter sua Fé divulgada fora dos limites do Egito.
Do ponto de vista econômico, o Egito possuía forte lastro para garantir o sucesso de suas campanhas militares. É verdade que os Egípcios médios, que compunham o grande excedente populacional durante quatro meses do ano, não eram recrutados no exército, no entanto, sua capacidade produtiva aliada à excelente organização do sistema de irrigação nacional produzia um grande excedente agrícola, capaz de sustentar os exércitos em campanha. O ouro das minas da Núbia garantia que os gêneros de primeira necessidade que o Egito não produzia (como o cedro para a fabricação de navios, por exemplo) pudessem ser importados, além disso, também garantia que os mercenários pudessem ser pagos e continuar lutando.
Por fim, do ponto de vista político, a existência do cargo de Tjati permitia que o Faraó pudesse se ausentar em campanhas liderando os exércitos (o que, realmente aumentava o moral das fileiras Egípcia, na medida em que tinham um Semi-Deus lutando ao seu lado) sem prejuízos para a administração interna, além disso, a fundação do Kap, a Escola para Príncipes Estrangeiros pode ser considerada a maior atitude Egípcia no sentido de construir um Império Egípcio legítimo.
A função do Kap era educar na cultura Egípcia os herdeiros dos governantes que haviam sido submetidos ao Egito. Na prática, o Império Egípcio não derrubava governantes, na medida em que os Egípcios não viam sua expansão como os Romanos e os Gregos mais tarde veriam, ou seja, com o intuito de formar colônias internacionais, pelo contrário, os Egípcios não tinham o desejo de abandonar a vida no Egito que, para eles, era o melhor lugar do mundo, a casa de todos os Deuses.
O que os Egípcios pretendiam com sua expansão não está muito claro. Alguns dizem que seu intuito era religioso e que, por isso, lutavam pela expansão da Fé de Amon-Ra; este objetivo não é descartável, na verdade é realmente provável que, para o Clero de Amon, em Tebas, esta fosse a principal motivação da expansão, contudo, dentro das preocupações políticas nacionais esta motivação parece ter sido apenas conjuntural, sendo assim, o Faraó se comprometia a expandir pela força a Fé em Amon-Ra e a doar partes generosas dos saques obtidos para o Templo de Karnak, em troca, o Deus lhe forneceria proteção e a certeza da vitória. Outra motivação, esta sim mais plausível do ponto de vista dos interesses políticos, remete-se à necessidade de se garantir a construção de uma muralha contra invasões vindas da Ásia, muralha esta que só poderia ser construída através da submissão dos países Asiáticos próximos ao Egito; por muralha, não quero me referir a uma construção concreta, mas a uma política de pressão sobre os Estados conquistados para que esses protegessem o Egito contra possíveis invasões e não engrossassem os efetivos dos inimigos dos Faraós. Há também, é claro, a idéia de que o Império talvez tenha se formado pela mera ganância Egípcia pelos saques. Esta é uma teoria a ser levada em consideração, porém, a meu ver, não deve ser vista como uma razão conjuntural para a expansão, visto que se apenas os saques interessassem aos Egípcios, não haveria a necessidade a da construção de postos de vigilância (como na Ásia) ou de fortes e cidades (como na Núbia), nem, tão pouco, de se aprisionar os herdeiros e conduzi-los ao Kap, no Egito.
Mas falemos sobre o Kap. Esta escola foi uma iniciativa sem precedentes na Antiguidade e só repetida pela Inglaterra no século XIX quando fundo a Escola dos Príncipes da Índia. Originalmente o Kap era uma escola essencialmente militar, uma escola de guerra onde estudavam os mais altos dignatários Egípcios (inclusive o Faraó e seus filhos homens) a fim de se prepararem para ocuparem posições de liderança nos exércitos Egípcios. Lá os estudantes aprendiam a conduzir uma biga e a lutar em cima dela. Porém, também aprendiam a ler e escrever em hieróglifos e hieráticos (escrita que, aliás, foi inventada quase junto com o Kap, durante a XVIII Dinastia), a conhecer e cultuar os Deuses Egípcios, aprendiam a História Egípcia e, lógico, juravam lealdade ao Faraó. A XXV Dinastia, os Kushitas da Núbia, trouxeram uma restauração tradicionalista ao Egito na medida em que, no passado, suas elites haviam sido devidamente aculturadas e educadas nos padrões Egípcios dentro do Kap.
Exemplo de hieróglifo
O Kap, com efeito, constitui o maior passo do Egito em direção ao estabelecimento de um Império, na realidade, pode-se até arriscar dizer que o Kap foi o próprio Império Egípcio.
Para aqueles que gostam das comparações entre o Egito e as grandes civilizações da América Pré-Colombiana (comparações que só se fazem minimamente válidas quando se fala dos Olmecas, visto que todas as outras civilizações existiram muito posteriormente ao Egito), estas também criaram seus Impérios de maneira semelhante à Egípcia, ou seja, com a sobreposição de sua autoridade central às autoridades dos chefes regionais sem que estes, contudo, fossem depostos. Fiz esta comparação apenas para dizer que, no caso das civilizações da América Pré-Colombiana, ninguém contesta que seus domínios fossem verdadeiros Impérios, no entanto, no caso do Egito, muitos são os que se põem contra tal afirmação, o que é contra-senso.
Agora que já vimos como se deu a expansão Imperial do Egito, podemos ver quais foram suas conseqüências a curto, médio e longo prazos.
A curto prazo o Egito se enriqueceu e se tornou cada vez mais poderoso sendo o apogeu de seu poder (ao contrário do que muitos afirmariam, ou seja, o governo de Ramsés II) os governos de Amenófis II, Tutmés IV e Amenófis III. Riquezas afluíram de todas as formas, seja através de saques, seja através de tributos ou mesmo através da exploração compulsiva dos recursos da região conquistada, como ocorria na Núbia. Além disso, a administração Imperial das terras conquistadas, bem como do próprio Egito atingiu patamares nunca antes pensados, uma vez que todos os campos da política passaram a ser rigidamente controlados pelo Faraó através do Tjati e do Sumo-Sacerdote de Amon. Havia, inclusive, um Vice-Rei na Núbia.
A médio prazo ocorreu um fortalecimento demasiado do Clero de Amon, visto que praticamente metade dos dividendos obtidos na expansão e/ou advindos do Império, eram doados ao Templo de Karnak e seus Sacerdotes. O fortalecimento do Clero de Amon começou a coloca-lo em conflito direto com o Faraó, visto que começava a ocorrer novamente um fenômeno semelhante ao que ocorrera (como vimos) no Antigo Império quando o Clero de Ra se tornou mais poderoso do que o Faraó e passou a domina-lo, sendo assim, a instituição governamental se enfraqueceu e o poder central se deteriorou. O surgimento de Akhenaton denota não apenas uma mudança nos pensamentos tradicionais e arraigados da civilização Egípcia, mas também (sobretudo por sua necessidade quase compulsiva de romper com tudo o que havia, inclusive com os padrões artísticos e com a própria expansão (talvez por ser, no entender do Faraó, a responsável pelo fortalecimento do Clero de Amon) e a ajuda às regiões dominadas) uma reação Faraônica ao processo de deterioração de seu poder, sendo assim, podemos ver aqui outro exemplo de acontecimentos interdependentes, visto que a Revolução do Período de Amarna, que teve cunho religioso, teria ocorrido por motivos políticos ocasionados por um demasiado fortalecimento econômico do Clero de Amon, tudo isso abalou sobremaneira a sociedade Egípcia.
A longo prazo, os efeitos da expansão foram sentidos por várias razões. Uma delas é que o Egito, após ter colhido os louros de sua vitória sobre os Hicsos e da absorção das tecnologias introduzidas por eles havia novamente retornado a seu patamar de isolamento pautado no pensamento auto-suficiente de sua cultura. Como sob Horemheb e, sobretudo, sobre Seti I o Império recuperou boa parte do que havia perdido durante o Período de Amarna, os Egípcios acreditaram que poderiam se manter inabaláveis em seu domínio Imperial da mesma forma que sentiam que sua sociedade milenar era inabalável em sua cultura. Ledo engano, o governo de Ramsés II só fez mostrar para o mundo as falsas glórias (tão falsas quanto as estátuas ocas recheadas de cascalho que o Monarca fazia de si mesmo) de um pretenso poderoso Império, mas que, na verdade, apenas se equilibrava na beira do precipício. O saque das tumbas régias, dos quais Ramsés II, em sua sede por demonstrar a própria grandeza, nem tomou conhecimento, só fizeram agravar a crise que o Egito conseguia disfarçar com maestria, na medida em que criaram uma hiperinflação sem precedentes na História daquele país. Após a morte de Ramsés II, seus sucessores colheram os derradeiros frutos da expansão Imperial, ou seja, a invasão do Egito por recém criados Impérios (como o Assírio e o Persa), na ânsia de se legitimarem conquistando o poderoso (e essa fama se deve a Ramsés II) Império do passado. Esse ideal de legitimação Imperial que passava necessariamente pelo Egito persistiu por mais de 1000 anos após a morte de Ramsés II e a precipitação definitiva da crise Egípcia, visto que além de Assírios e Persas, também Líbios, Núbios, Gregos (com Alexandre, o Grande) e Romanos (com Augusto) quiseram legitimar seus Impérios através da conquista do Egito. Apenas como forma de elucidação, o Império Romano se inicia oficialmente (com o início do Principado de Augusto) apenas quatro anos depois da derrota de Marco Antônio e Cleópatra e da subseqüente conquista do Egito e, depois disso, os Imperadores Romanos também passaram a ser Faraós do Egito, inclusive construindo templos (como o templo de Isis em Filae) e tendo seus nomes gravados em monumentos com hieróglifos como os Faraós do passado. Porém, depois da chegada do Cristianismo tanto a Roma quanto ao Egito, os Imperadores passaram a se desinteressar de suas funções Faraônicas, sendo assim, apesar de terem continuado a ser os governantes legítimos do Egito (o próprio Justiniano, responsável pelo fechamento do último templo da antiga religião Egípcia, em Filae, ainda era Faraó do Egito no século VI d.C., mas seu título era meramente decorativo, sem qualquer significado antigo), praticamente abandonaram seus afazeres de Divindades Vivas. Roma agora já era o novo sinônimo de Império, aquele que iria povoar as mentes dos Monarcas aspirantes a grandes conquistas na Idade Média (como, por exemplo, Carlos Magno, Oton I e Oton III), Idade Moderna (como Napoleão, se bem que pela cronologia oficial da Escola Francesa, Napoleão seja um Monarca Contemporâneo, isso não tem sentido) e até Contemporânea (como Hitler e Mussolini que, apesar de não serem Monarcas, se comportavam como tais e realizaram obras no sentido de assemelharam até mesmo esteticamente suas capitais a Roma (a de Mussolini, com efeito, era a própria Roma)); porém suas raízes Imperiais e o seu próprio ideal Imperial remontam e se legitimam num passado mais antigo: um passado Egípcio.
Como vimos, o Império Egípcio foi algo tão sem precedentes e de efeito tão marcante (muito, é verdade pelas obras de propaganda de Ramsés II) no imaginário Mediterrâneo e Médio-Oriental que acabou inspirando todos os outros Impérios que surgiram na região e, por que não, através dos Romanos, todos os outros do mundo.
Fonte: www.klepsidra.net