Pois bem, como já referi, a XIX Dinastia, após a morte de Menerptah, o herdeiro de Ramsés II, entrou em colapso tendo vários Faraós, mas sem sequer conseguir controlar o país todo.
Nesse contexto tumultuado, por razões não muito claras, ocorre uma mudança de Dinastia. Setnakhtá toma o poder e estabelece a XX Dinastia. O Papiro de Harris, escrito a mando de Ramsés IV, em honra de Ramsés III, seu pai, que data da XX Dinastia, diz que a XIX Dinastia terminou num colapso tão astronômico que um Sírio chegou a tomar o poder. Talvez este Sírio seja Setnakhtá, coisa que talvez justifique o fato do Deus que o Faraó escolheu para dividir o nome ser Set, justamente o Deus dos Estrangeiros, mesmo Deus que, séculos antes, os Hicsos haviam nomeado como Deus Dinástico.
Ramsés III é, certamente, o último Faraó realmente forte do Egito Faraônico. Por acaso, apenas, seu governo se situa na XX Dinastia, porém, isso não justifica que toda essa Dinastia, composta de governantes fracos e que não conseguiram sequer controlar todo o Egito, seja equiparada às grandiosas XVIII e XIX Dinastias, situando-se num mesmo período.
Em seu governo, segundo o Papiro de Harris, Ramsés III restabeleceu a ordem. Na prática, depois de muitos anos ele foi o primeiro Faraó a Reinar sobre todo o Egito. Não conseguiu, no entanto, faze-lo facilmente, teve que comandar uma verdadeira guerra contra a Aliança dos Povos do Mar. Por essa época, o Delta do Nilo já estava totalmente nas mãos de estrangeiros, sendo assim, este Faraó, reunindo os recursos de que dispunha, enviou um exército para o Delta ocidental, local de onde chegavam reforços Líbios para a região. Lá, suas tropas derrotaram os invasores cortaram suas linhas de comunicação, isolando-os. Contudo, os Líbios parecem ter estado coligados aos demais invasores, sendo assim, reforços navais vindos das ilhas do Mediterrâneo deveriam estar à caminho do Delta. Ramsés III, com o ímpeto guerreiro de seus ancestrais conquistadores, armou uma poderosa frota e aguardou os invasores nas águas rasas da foz do Nilo. Houve então a batalha da boca canópica do Nilo, batalha da qual os Egípcios saíram vitoriosos e na qual obtiveram a reunificação de seu país sob um só Faraó.
Guardando na memória a grandeza de seu ancestral homônimo (Ramsés II), o Faraó ordenou que as duas batalhas que garantiram sua supremacia sobre o Egito fossem registradas em diversas paredes. Esses registros são hoje considerados o ponto culminante da arte Egípcia. Depois deles as técnicas de entalhe em parede só declinaram e antes deles considera-se que ainda não haviam atingido sua capacidade máxima de expressão.
O governo de Ramsés III, contudo, não pôde ser apenas um eterno enaltecer das glórias de batalhas passadas, visto que a fome se havia tornado crônica e a corrupção endêmica. É possível que os últimos recursos disponíveis no tesouro nacional tenham sido gastos para derrotar os Povos do Mar, uma derrota que nem sequer foi definitiva. Por volta do final de seu Reinado, o Faraó foi obrigado a enfrentar uma greve dos trabalhadores que construíam sua tumba. Eles alegavam falta de trigo e até de óleos para o corpo.
A Tebas do governo de Ramsés III também já não era a mesma capital religiosa de vida voltada para as orações. Como forma de se defenderem de possíveis ataques, tanto o palácio do Faraó, quanto Templo de Karnak passaram a ser protegidos por muralhas, coisa jamais vista no Alto Egito até então. A vida do Faraó terminou de forma trágica. Segundo o Papiro Judicial de Turim, ele foi assassinado por uma conspiração cortesã que envolvia desde o Sumo Sacerdote de Sekhmet, até seus guardas pessoais, passando por mulheres de seu harém.
Ramsés IV assume o trono nesse contexto de turbulência política e instabilidade militar. Seu primeiro ato é punir os conjurados na morte de seu pai. As punições não são referidas diretamente no Papiro Judicial de Turim, mas pode-se concluir quais tenham sido na medida em que os indivíduos sujeitos a elas foram forçados a mudar de nome, tiveram que portar nomes que indicavam suas penas. Nomes como “Esse Escravo Cego”, para um indivíduo que foi cegado e vendido como escravo, ou “Rá Irá Cega-lo”, para outro que foi condenado apenas à cegueira. Indivíduos obrigados a portar nomes como “Rá O Odeia”, certamente devem ter recebido a pena capital, visto que ninguém poderia ser odiado pelo Deus invisível (e onipresente) e permanecer vivo.
O governo de Ramsés IV é um marco inicial de uma nova era não apenas para o Egito, mas para todo o Crescente Fértil e Mediterrâneo Oriental. Quando ele assumiu o trono, o Império Hitita já não mais existia, assim como Tróia também já havia sido destruía e a Grécia Micênica também já conhecera seu fim com a chegada dos Dórios. Novos povos se erguiam, mas o Império Egípcio iniciado por Tutmés I, construído por Tutmés III e consolidado por seus sucessores imediatos, tendo (ainda que de maneira reduzida) se sustentado até Ramsés II, havia deixado marcas profundas na cultura e no imaginário das novas potências.
As Desventuras de Uenamon:
A XX Dinastia é também conhecida como “A Dinastia Ramsética”, isso porque, excetuando-se Setnakhtá, fundador da Dinastia, todos os demais oito Faraós que a compuseram possuíram o nome Ramsés. Esse recurso não foi casual, mas possível e provavelmente um recurso supersticioso, visto que no imaginário Egípcio (assim como ele próprio desejara em vida), Ramsés II era considerado como tendo sido o maior dentre todos os Faraós, sendo assim, num período em que o cargo já tinha, há muito, perdido seu status (ao menos em termos de respeito) Divino, era natural que os governantes buscassem a legitimação através de sua associação com uma figura de peso: Ramsés II era o ideal.
A Dinastia Ramsética viveu numa espécie de estase temporal no qual o declínio latente era camuflado pela crença nos antigos dogmas de superioridade Egípcia e Divindade do Faraó. Um dos melhores retratos desse período é uma obra literária (que não possui a mesma magnitude de “Sinuhe”) datada da parte final desta Dinastia: “As Desventuras de Uenamon”. Vejamos-na (a transcrição é uma compilação de Brigitte Évano, traduzida para o Português por Eduardo Brandão (Nesta compilação o nome de Uenamon foi grafado de forma diferente, ou seja, Unamon, mas como na maior parte da Bibliografia que consultei encontrei a forma Uenamon, decidi alterar o texto nisso)):
A barca sagrada de Amon, o Deus com cabeça de carneiro, apresenta algumas rachaduras, e suas cores não são mais tão brilhantes quanto eram. Está na hora de substituí-la, construir outra idêntica, nova e sólida.
Os arredores de Tebas, cidade das cem portas, ainda não possuem uma árvore digna de servir à construção da barca sagrada. Nem nos arredores de Tebas, nem, por sinal, em todo o Egito podem ser encontradas árvores majestosas e grandes o bastante para tal uso. Desde sempre a barca sagrada é feita da madeira magnífica dos cedros do Líbano, única que convém à grandeza de Amon.
O Faraó e sua mulher decidem pedir ao Rei desse país que lhes forneça a madeira, embora saibam que não é o melhor momento para negociar com ele. De fato, as relações entre o Egito e o vizinho andam tensas nos últimos anos.
No entanto, a barca de Amon precisa ser urgentemente substituída.
Para conduzir as negociações, necessitam de um homem hábil, claro, mas que, sobretudo seja capaz de resistir às ameaças de intimidação, que não desanime. Esse homem é Uenamom.
O Faraó, para dar maior prestígio a seu Embaixador, tem a idéia de lhe oferecer um companheiro naquela missão, um Embaixador Divino: uma estátua acompanhará Uenamon, a estátua de Amon, o Deus com cabeça de carneiro.
Com grande pompa, Uenamon e seu Deus embarcam em Tebas. O Nilo os conduz ao Baixo Egito. Embora preocupado com as dificuldades da embaixada, Uenamon é sensível às belezas que admira do navio. O vento é suave, mas o leva rapidamente até o mar.
No ponto em que as águas do Nilo se confundem com as do mar, Uenamon muda de embarcação. A grande barca leve e esguia que o levara até ali não poderia enfrentar as águas do Grande Verde.Pra subir o litoral da Fenícia e do Líbano eram necessários navios mais pesados, mais sólidos e melhor aparelhados.
Uenamon encontra sem dificuldade um comandante que aceita leva-lo até sua próxima etapa, o porto de Dor.
A estátua e as arcas contendo o ouro e os presentes que deverão servir de moeda para compra do cedro são transferidas com cuidado de um barco para o outro. Uenamon supervisiona tudo e repreende o marinheiro que manejava a estátua com uma ligeireza que ele considera imprudente e sem Fé.
Logo tudo está bem amarrado no navio de alto-mar. Os objetos mais preciosos vão na cabine de Uenamon.O comandante anuncia que partirão no dia seguinte quando o sol nascer.
A viagem transcorre muito bem. O navio e sua tripulação são excelentes.O mar está um pouco agitado, mas é esse o preço do vento constante que enche as velas. O barco navega em boa velocidade até o porto de Dor.
O sol começa a se por quando o comandante dá início às manobras para atracar. A viagem está chegando ao fim, e Uenamon se sente muito satisfeito com a tripulação.
Agora o barco se acha amarrado ao cais. O porto de Dor é esplêndido à luz do poente. Terminado o trabalho, os marinheiros desembarcam e correm para os bares do porto.
Prudentemente, Uenamon tenciona passar a noite na cabine, junto dos tesouros pelos quais é responsável. Após o jantar, vai ver se o carregamento não foi danificado durante a travessia. E só então percebe que seu ouro desaparecera!
Agora ele entendia, tarde demais porém, porque os marinheiros pareciam ter tanta pressa de desembarcar. Como encontrá-los?Não conhecia o porto. As ruas eram estreitas, sinuosas e cada lojinha, cada casa era um esconderijo possível para os ladrões.
Sem demora, Uenamon pede audiência ao senhor de Dor, para que ele faça justiça, já que o roubo foi cometido em sua cidade.
O senhor arruma um jeito para não ter que ressarcir Uenamon. Alega que como o navio e os marinheiros foram contratados no Egito por Uenamon, ele não poderia ser responsável por esses homens. E de nada adianta Uenamon replicar que ele tem a obrigação de fazer respeitar a justiça em seu território: o outro não lhe dá ouvidos.
Apesar disso, Uenamon consegue que os ladrões sejam procurados pela polícia. Nem é preciso dizer que ele tratou de transportar para um lugar seguro tudo o que os ladrões não tinham roubado. Na verdade, só tinham levado o que era mais facilmente transportável, isto é, o ouro. Ainda bem que não tocaram na estátua de Amon!
Passam-se nove dias e os ladrões não são detidos. Em cada um desses nove dias Uenamon foi se queixar ao senhor da lentidão das buscas. Para se livrar dele, muito mais do que para lhe prestar serviço, o senhor de Dor lhe sugere uma artimanha.
“Os homens que o roubaram são marinheiros, não é? Pois bem, tome de outros marinheiros o que aqueles lhe roubaram.”
Uenamon não gosta muito dessa artimanha, mas não esquece a missão que lhe foi confiada. Não deve demorar demais para chegar ao Líbano, senão o Rei terá uma boa desculpa para não lhe entregar o cedro: dirá que chegou depois da época do corte das árvores.
Aceita, portanto, a artimanha que lhe é proposta, encontra um navio que aceita leva-lo, com o que resta de seu carregamento, até Tiro, e de lá até Biblos.
Faz-se ladrão por sua vez e roua do comandante do navio o equivalente às suas perdas. Mas como não lhe agrada nem um pouco agir assim, eis o que diz aos marinheiros:
“Se estou lhes roubando, é porque me roubaram. Encontrem os homens que pegaram meu ouro e eu devolverei o de vocês.”
Sem esperar a resposta dos marinheiros, Uenamon vai ao palácio do Rei do Líbano.
O palácio é magnífico, seus jardins suspensos têm vista para o mar, as salas de recepção são ricamente decoradas. Uenamon fica deslumbrado, embora esteja acostumado com as suntuosas moradas de Tebas.
Para dar maior brilho à sua primeira entrevista com o Rei, Uenamon se faze acompanhar do Embaixador Divino que o Faraó lhe confiou.
Desde as primeiras palavras que o Rei pronuncia, o enviado dos Egípcios compreende que o diálogo entre eles será difícil. Biblos não tem a menor vontade de ser agradável com Tebas. Uenamon negocia incansavelmente, mas não consegue nada.
Felizmente o Deus Carneiro vem em seu socorro.Por meio de um sonho, Amon insinua no espírito do Rei do Líbano a idéia de que é necessário satisfazer a Uenamon.
Ainda assim o Rei resiste. Desconversa. Uenamon continua esperando. Acreditando que sua missão fracassou irremediavelmente, pensa em voltar ao Egito. Até então ele se obstinara e resistira, dia após dia, à pressão do Rei, o qual tentava se livrar dele ordenando-lhe que deixasse o porto de Biblos.
Por isso, quando anuncia seu desejo de partir, fica surpreso ao ser proibido de fazer-se ao mar. Junto com essa ordem, recebe uma convocação para comparecer ao palácio Real. Uenamon obedece imediatamente.
O Rei o recebe com luxo, como sempre, e lhe concede audiência na mais linda sala do palácio.
Mas Uenamon percebe muito bem que, apesar da ordem secreta de Amon, o Rei de Biblos continua não querendo fornecer o cedro que o Faraó lhe pede; continua a desconversar e exige um preço exorbitante.
Como bom diplomata, Uenamon procura satisfazer ambas as partes.
O Rei do Líbano exige quatro cântaros e um jarro de ouro, cinco cântaros de prata, dez peças de tecido de linho Real, dez de bom linho do Alto Egito, quinhentos rolos de papiro de primeira, quinhentos couros de boi, vinte sacas de lentilha, trinta cestos de peixe.
O Faraó se enfurece com essa exigência, mas o conserto da barca Divina de Amon é urgente. Ele é obrigado a aceitar o que considera uma chantagem da parte do Rei de Biblos e manda tudo o que este lhe pede.
Barcas de bordo alto que convém ao transporte de mercadorias, são carregadas dos presentes pedidos pelo Rei de Biblos. Os remadores são escolhidos com cuidado. Não devem ser grandes demais porque nesse tipo de embarcação têm pouco espaço para remar: precisam se manter em equilíbrio numa espécie de balaustra ao longo do navio. Todo o espaço é destinado à carga e à cabine do comandante. Precisam ser fortes, já que vão ter que remar, mas também – e isso é o mais difícil – com certeza vão ter de rebocar as embarcações, puxando-as com cordas das margens do Nilo quando o vento soprar fraco.
Pois o tempo urge e será impossível esperar que se apresentem as condições normais e favoráveis de navegação. Precisam chegar antes que a época de derrubada do cedro termine. O conserto da barca de Amon não pode ser deixado para o ano seguinte.
A navegação no Nilo corre bem. Agora falta enfrentar o mar e seus perigos; é impossível utilizar as barcas construídas para navegar no Nilo, por serem totalmente inadequadas às águas do mar.
Também agora os intendentes do Faraó agem rápido. Em algumas horas, o tesouro exigido pelo Rei de Biblos é transposto para os navios de alto-mar. A proa e a popa desses navios são ornadas de presságios favoráveis: o símbolo da vida e o olho de Horus.
Navio e mercadorias chegam por fim a Biblos. O Rei, mostrando mais uma vez seu amor pelas riquezas, manda verificar o carregamento de todas as embarcações, para se certificar de que tudo o que exigira estava lá em bom estado. O inventário demora, e cada hora que passa é preciosa, porque em breve não será mais possível cortar os cedros.
Mais uma vez Uenamon quase perde a paciência com o excesso de zelo dos funcionários do Rei, que verificam bem devagar cada dcântaro, cada jarro, cada peça de tecido, cada rolo de papiro, cada couro de boi e cada saca de lentilha. O Rei se declara satisfeito e dá a ordem tão esperada por Uenamon.
Enfim as árvores são cortadas, aqueles cedros imensos pelos quais o Líbano é famoso. Enfim Uenamon pode voltar ao Egito. Lá, os operários encarregados da construção da barca já foram escolhidos com cuidado e todas as ferramentas estão prontas.
O Faraó poderá ir para o Amentet serenamente, sem que Osíris possa repreende-lo por não ter cumprido com os deveres de seu cargo.
Uenamon é nomeado responsável pelo trabalho, Com esse cargo, recebe honrarias e recompensa por ter sabido conduzir a bom termo aquelas negociações tão difíceis.
Infelizmente esta compilação de que disponho (e que me parece ser a única em Português) não é de boa qualidade, muitos trechos lhe foram tolhidos de modo que algumas partes essenciais (não do ponto de vista da história em si, que é o que esta compilação (voltada ao público leigo) valoriza, mas do ponto que interessa-nos como estudiosos) não constam. Felizmente, entretanto, disponho de trechos desta História (bem como das outras que já narrei) em outros livros, o que me faz poder discuti-la um pouco melhor.
Um dos pontos mais interessantes dessa obra se refere à religiosidade, podemos ver na fala do Rei de Biblos (“Amon fundou todas as terras. Ele as fundou, mas fundou primeiro a terra do Egito, de onde viera. Trabalhos especializados vieram de lá, chegando ao lugar em que estou, e, de lá, vieram ensinamentos, chegando ao lugar em que estou”) que os Egípcios haviam encontrado uma boa explicação para a difusão de seu Império, ou seja, seu Deus seria o criador de tudo, mas esse tudo começara no Egito, sendo assim, o Egito deveria ser o centro de tudo.
Outras observações interessantes que podemos fazer em relação ao texto é que o Egito e a Fenícia (chamada de Líbano no texto, porque hoje a Fenícia corresponde ao Líbano) não mantiveram boas relações comerciais durante a XX Dinastia. Talvez conseqüência da inflação já referida e conseqüente perda de poder de compra do ouro Egípcio. Pode-se constatar também as preocupações e gastos fúteis do Faraó em detrimento das verdadeiras necessidades da nação e, além disso, a crescente dessacralização da figura do Faraó e do Deus universal: Amon. Caso contrário, jamais marinheiros Egípcios haveriam roubado ouro do Faraó destinado à compra de madeira para a construção da barca do Deus Amon.
Podemos ainda ressaltar que certamente Uenamon e o Faraó acreditavam que a presença da estátua de Amon, por si só, faria com que o Rei de Biblos aceitasse a proposta de comércio nos termos Egípcios, no entanto, a fama de riqueza e prosperidade que o país adquirira ao longo dos séculos foi superior ao poder de Amon, sendo assim, o Rei de Biblos impôs seus próprios termos à transação.
Um último ponto interessante que se pode depreender da História é a moral torpe (ou mesmo amoral) e compensatória dos Egípcios da Dinastia Ramsética. Para alcançar seus objetivos, o indivíduo não hesitou em roubar daqueles a quem teve acesso e, como forma de compensação disse apenas que roubara porque fora roubado antes e que devolveria o que pegara se aqueles a quem roubaram recuperassem seu ouro. Mesmo tendo tudo isso sido em defesa dos interesses de Amon, foram atos que bateram de frente com a Maat, sendo assim, não seriam praticados por um Egípcio de Fé de períodos um pouco mais anteriores. Ah sim, no caso de Uenamon, o crime compensou e muito, afinal, se tornou protegido do Faraó no final.
A Divisão do Egito:
A XX Dinastia terminou de forma curiosa. A corrupção endêmica do Egito havia feito com que a população passasse fome, pois o trigo e outros gêneros alimentícios que deveriam ser distribuídos pelo Estado, e que tinham sua distribuição controlada pelo Templo de Amon, era desviado de modo a servir como moeda de troca com valor (numa economia quebrada pela hiper-inflação). Houve casos em que mais de 90% do montante a ser distribuído acabou desviado.
Greves e revoltas tornaram-se um lugar comum e a própria Tebas (nessa época dividida em duas prefeituras, um na margem ocidental e outra na margem oriental) passou a ser alvo de manifestações e conflitos de rua.
Durante o governo de Ramsés XI, enquanto o exército estava afastado numa batalha no Delta, um grupo de estrangeiros aproveitou uma manifestação popular contra Amenhotep, Sumo Sacerdote de Amon, e iniciou uma verdadeira guerra civil.
O Faraó, que não vivia mais em Tebas, mas em Mênfis, tardou a saber e a deslocar suas tropas, por isso, a paz na cidade teve que ser mantida por uma milícia de escravos do Templo de Amon. A milícia, por sua vez, era leal a seu líder, Herihor. Sendo assim, obedecendo-o, depois de colocar um ponto final no conflito urbano, depôs Amenhotep e instalou Herihor no cargo de Sumo Sacerdote de Amon.
Durante a vida de Ramsés XI, Herihor governou o Faraó, visto que esse não dava um só passo sem consultar o Oráculo de Amon. Este, por sua vez, representava a vontade de seu Sumo Sacerdote, sendo assim, Herihor governou de fato.
Quando Ramsés XI morreu, ainda muito jovem e sem herdeiros, Herihor tomou para si a coroa Real. Já era, durante a vida do Faraó, o supremo mandatário do Egito, além de deter o título de Tjati do Alto Império e o de Sumo Sacerdote de Amon.
Entretanto, em Tânis, no Baixo Egito, Smendes, o Tjati daquela região, alegou ser o legítimo herdeiro do trono, uma vez que era casado com uma irmã de Ramsés XI.
Por mais incrível que pareça não houve qualquer disputa entre ambos os pretendentes ao trono. Na prática, os dois sabiam que não poderiam controlar todo o Egito e preferiram mantê-lo dividido em dois do que arriscar uma guerra aberta enfraquecendo-se internamente e correndo risco de sofrerem uma invasão oportunista.
Dessa maneira, a XXI Dinastia teve dois Faraós: um em Tebas e outro em Tânis. Na prática, o primeiro detinha o poder Divino e o segundo, o poder Temporal. Ambas as Dinastias eram aliadas e, inclusive casavam seus filhos entre si. Porém, com o tempo os Monarcas de Tebas deixaram de marcar seus nomes nas paredes como sendo Faraós, preferiam resignar-se ao cargo de Sumo Sacerdote de Amon.
As Invasões Estrangeiras:
Os Monarcas de Tebas controlavam o Alto Egito, mas os de Tânis não possuíam grandes poderes sobre o Baixo Egito, sendo assim, os Líbios, que quase duzentos anos depois da derrota frente a Ramsés III, já haviam se recuperado, resolveram investir contra o Delta.
Em 935, Sheshonq I assumiu o trono em Bubastis e, em pouco tempo, derrubou a família Real de Tânis. Os soberanos Líbios de Bubastis adotaram Bast, a Deusa Gata como Divindade Dinástica e fundaram a XXII Dinastia.
Muito belicosos, os Líbios aproveitaram o domínio estratégico do Delta para se expandirem. Conseguiram impor um domínio tão fictício quanto efêmero sobre todo o Egito, tendo nomeado um de seus príncipes como Sumo Sacerdeote de Amon, em Tebas. Porém, esta cidade nunca caiu sob o domínio Líbio, fez apenas um acordo para evitar a guerra. Depois de se estabelecerem no Egito, os Líbios de Bubastis organizaram uma expedição militar à Judéia (antiga Palestina), onde saquearam o Templo de Salomão (se é que este já existia a essa época), em Jerusalém, e trouxeram suas riquezas para Bubastis.
Os gastos militares e a expansão da XXII Dinastia fizeram com que ela não pudesse manter seus domínios. Com efeito, ela nunca conquistou Jerusalém, apenas realizou um reide; seu domínio sobre o Alto Egito era apenas nominal e, no próprio Delta, por volta de 817, Petubastis fundou uma Dinastia concorrente: a XXIII Dinastia.
O Egito voltava a ser dividido em três partes depois de muitos anos, além disso, a presença da XXIII Dinastia no Delta oriental tampou o corredor de acesso de Bubastis para a Judéia.
Por volta de 730, ainda no Delta, Tefnakht fundou uma quarta Dinastia: a XXIV, que só logrou nomear dois governantes.
Dentro de um contexto tão difuso, o fato era que ninguém podia se dizer o verdadeiro Faraó do Egito. O que existiam eram diversos Reis de diversas cidadelas que, vez por outra, tentavam se expandir e entrava em choque com poderes vizinhos.
O Domínio Núbio:
Historicamente a Núbia sempre foi uma região dominada pelo Egito. Desde o Antigo Império os Faraós Egípcios faziam incursões de saque e até mesmo de conquista dentro do território Núbio. O ouro da Núbia foi o principal financiador da política Imperial do Egito. Os mercenários Núbios por muitos séculos serviram como guardas pessoais e mesmo como buchas de canhão dos exércitos Faraônicos. Na Núbia foram construídas fortalezas que mais lembram verdadeiros castelos medievais (inclusive, tinham a mesma função que, na Idade Média, os castelos tiveram em regiões como o País de Gales, por exemplo, ou seja, manter a região sob vigilância constantes com contingentes armados prontos para uma intervenção), lá também foi construída a maior maravilha do governo de Ramsés II, Abu Simbel. Em Napata, na Núbia, residia um Vice-Rei Egípcio; com efeito, se o Egito dominou diretamente alguma região, esta região foi a Núbia. Todas as demais regiões que um dia compuseram o Império Egípcio eram submetidas a domínios indiretos, mantinham seus governantes e, às vezes não possuíam nem mesmo guarnições Egípcias permanentes, somente a certeza de que, caso se rebelassem, seriam massacradas pelas tropas do Faraó. Na Núbia tudo era diferente...
Ruínas de Napata
Antes do estabelecimento de um Vice-Rei Egípcio em Napata, os príncipes Núbios foram os primeiros a freqüentar a Kap, em Tebas. Deveriam aprender a religião e os costumes Egípcios, pois, pensavam os Egípcios, se gostassem da cultura Egípcia, não veriam problemas em serem por ela dominados.
Realmente a estratégia dos Faraós deu particularmente certo na Núbia. A região não se diferenciava em nada do Egito em termos de cultura. Possivelmente, como já foi mencionado, a única diferença entre Egípcios e Núbios (diferença que (uma vez tendo existido) talvez tenha sido determinante) era a cor de suas peles. Os Núbios quase que sem dúvidas eram negros e, sendo assim, devem ter sido vistos como inferiores pelos Egípcios (que, aliás, se viam como superiores a todos os estrangeiros), apesar de habitarem, como eles, as margens do Nilo.
Após tantos revezes na política interna e a quase destruição de sua política externa, o Egito perdeu definitivamente o controle sobre a Núbia (este nunca mais seria recuperado, exceto no século XX d.C., visto que hoje aquilo que os Egípcios chamavam de Alta Núbia, ou Wawat, faz parte do território do Egito).
Assistindo de longe à destruição, por disputas internas, da cultura que tanto louvavam, os Núbios não resistiram e, por volta de 750, começaram a investir contra o Egito.
Começaram por submeter o Alto Egito, que estava mais vulnerável pela falta de um governo central (visto que desde a instauração do príncipe de Bubastis como Sumo Sacerdote de Amon, a XXI Dinastia de Tebas já não mais existia e o Clero de Amon já não dominava muitas regiões além de Tebas). Essa região caiu facilmente sob o jugo Núbio.
Entre 730 e 709, os Núbios atacaram o Delta, mas só lograram fazer pequenas escaramuças, sem abalar o equilíbrio de poder que se estabelecera entre as três Dinastias (XXII, XXIII e XXIV) daquela região.
Numa época em que a Fé andava em baixa num Egito dividido, os Núbios trouxeram de volta o fervor religioso e o tradicionalismo. Se bem que um tradicionalismo revestido de tradições Núbias.
É notório, no entanto, que Piankhi, Rei de Napata e idealizador da invasão ao Egito não obteve todo o sucesso que logrou obter apenas por seu fervor religioso. As táticas de guerra Núbias eram algo ainda nunca visto na região. Primeiramente, eles possuíam um exército nacional forjado em cima de laços de aliança (muito semelhantes aos laços de vassalagem Medievais) entre os chefes, sendo assim, não dependiam de mercenários pagos que, no fundo, são muito pouco confiáveis. Em segundo lugar, mas principalmente, os Núbios foram s primeiros a utilizar a cavalaria em larga escala. Ao contrário dos povos do Crescente Fértil que apenas utilizavam bigas, eles de fato montavam nos cavalos. Não temos condições de saber se utilizavam ou não algo semelhante ao estribo, mas é mais provável que não, caso contrário essa técnica teria se disseminado muito antes do que o fez. Apesar disso, podemos perceber que tropas montadas a cavalo eram muito mais rápidas e ágeis até mesmo do que as bigas, por isso os Núbios parecem ter tido uma vantagem determinante no campo de batalha. Uma especulação que parece verossímil trata da qualidade das armas dos Núbios. Com efeito, existem teorias que fazem menção a uma fonte de disseminação do ferro no Sudão ocidental. Se isso proceder, então é possível que os Núbios possuíssem mais uma vantagem determinante: armas de ferro.
O que podemos saber realmente é como se deu a conquista do Egito, isso graças a uma bela estela erigida por Piankhi, em comemoração a essa conquista. Acredita-se que este indivíduo se tenha feito coroar Faraó valendo-se de uma possível descendência em relação a Herihor, fundador da XXI Dinastia de Tebas. Essa hipótese, contudo, é muito fraca, na medida em que se baseia apenas no fato do filho daquele Faraó ter se chamado Piankhi também.
O amor desses Núbios Kushitas (veremos o significado do termo mais adiante) por seus cavalos era tanto que há relatos de uma grande bronca de Piankhi no Nomarca de Hermópolis, pois, logo que ele acabara de tomar a cidade, ao visitar os estábulos constatou que os cavalos mal tinham o que comer, sendo assim, relatou:
“Por minha vida! Por meu amor a Ra! Como minhas narinas estão rejuvenescidas de vida! Ver cavalos tão famintos aflige meu coração mais do que todo o mal que, em sua perversidade, fizestes.”
Ao tomar o Egito, os Núbios estabeleceram-se em Mêmfis e, em seus enterramentos (em Napata), fizeram-se sepultar com seus cavalos para que estes os servissem por toda a eternidade. Podemos imaginar facilmente que a visão desses Núbios sempre em seus cavalos pode facilmente ter gerado no imaginário mítico Egípcio uma figura que depois teria alcançado a Grécia, tornando-se parte da mitologia daquele povo: O Centauro.
O que mais impressiona no período da dominação Núbia não é, contudo, a forma como ela aconteceu, nem tão pouco, as tecnologias bélicas empregadas pelos conquistadores. O que mais impressiona é realmente o saber Histórico deles, coisa que parece tê-los motivado em suas campanhas.
Para se ter uma idéia, Piankhi, ao tomar o Egito, restabeleceu o poder do Faraó tal como o fora no Antigo Império. Dessa forma, ele justificou sua conquista como o extermínio daqueles sem Fé. Dizia-se um Deus Vivo, como um Faraó deveria ser, e todos os que se opunham a ele estavam se opondo à Maat. Profundo conhecedor dos hieróglifos, ele restaurou seu uso que já se encontrava praticamente perdido; com efeito, suas correspondências e registros Régios eram feitos em hieróglifos.
Também a construção de pirâmides, que já não ocorria há quase 1500 anos, voltou a ocorrer, em tamanho reduzido, é verdade, além disso, em Napata, não no Egito, mas, ainda assim, pirâmides.
O costume de que o Faraó era o único Sacerdote verdadeiro também foi restaurado. Desde os áureos tempos da IV Dinastia o Faraó já não tomava para si as funções de único Sacerdote. Sempre que estava presente num templo, Piankhi se encerrava sozinho na câmara escura e realizava as cerimônias de culto ao Deus.
No trato pessoal o Faraó da Núbia também resgatou velhos costumes: proibiu o peixe e o porco entre aqueles que freqüentavam sua presença e/ou o palácio. Ao tomar Mênfis, visando restaurar a integridade do culto de Ptah, há muito renegada, entregou seu templo a lustrações sagradas. Buscou restaurar os credos originais e a força da diversidade politeísta, o que não o impediu de também fortalecer o Clero de Amon, seu Deus preferido.
Em Tebas, sua principal ação foi a recriação do cargo de Adoradora Divina de Amon, um cargo restrito a mulheres que há muito havia sido extinto. Somente princesas de sangue Real podiam ocupar esse cargo e, com sua restauração ele se tornou uma espécie de contraparte feminina do poder do Sumo Sacerdote de Amon.
O controle de Piankhi sobre o Delta nunca foi efetivo, isso porque o terreno pantanoso dificultava o deslocamento por terra e os vários braços do Nilo tornavam o deslocamento por água muito demorado.
Quando morreu, Piankhi foi sucedido por seu filho, Shabaka e este, por Shebtiku, que, por sua vez, foi sucedido por Taharqa e esta, por Tanutamon.
No total, os Núbios governaram o Egito por 94 anos, entre 750 e 656. Porém, a expansão Assíria não pôde ser detida por muito tempo. Depois da invasão Assíria (que será referida mais adiante), os governantes Núbios se retiraram de volta para Napata de onde organizaram um novo Reino: Meroë.
O Reino de Meroë:
Os Egípcios nunca ultrapassaram a quinta catarata do Nilo, aliás, Napata, a cidade fortaleza fundada para controlar a Núbia e ser a residência do Vice-Rei da região ficava justamente entre a quarta e a quinta cataratas. A região conhecida pelos Egípcios como Núbia estava, assim, como seu vizinho do norte, dividida em duas partes: Alta Núbia (ao norte) e Baixa Núbia (ao sul). Os nomes dessas duas regiões, no entanto, eram mais usualmente Wawat e Kush, respectivamente.
É possível que exista certa influência Hebraica na nomenclatura de ao menos uma dessas regiões, visto que, segundo a Dr. Vera Lúcia Amaral Ferlini, do departamento de História da USP, Kush, em Hebreu antigo significava negro e essa região corresponde justamente à Baixa Núbia, ou seja, a região da Núbia antiga que hoje pertence ao Sudão e que, inegavelmente está inserida dentre do contexto étnico da África negra.
Segundo o Torah e também o Velho Testamento, mais precisamente o Pentateuco, conjunto dos cinco primeiros livros do Velho Testamento que também compõem o Torah; Kush era filho de Noé e, durante o dilúvio, enquanto todos navegavam, certa vez Noé se embriagou e deitou-se nu.
Ao observar o pai despido, Kush zombou dele e chamou seus irmãos para também fazerem-no. Porém, ao chegarem os irmãos se ofenderam com a conduta de Kush e, ao invés de também zombarem de Noé, cobriram-no.
Quando o escolhido de Deus para salvar a humanidade acordou, seus outros filhos contaram-no o que Kush havia feito. Irado ele se dirigiu ao filho e o amaldiçoou: “Tu e teus filhos serão escravos dos escravos dos filhos de seus irmãos!”.
Ainda segundo esta fonte. Após as águas terem baixado, aos antediluvianos coube repovoar o mundo. A cada qual coube um grupo de animais e todos se dividiram. Kush rumou para a África e, dessa forma, seus descendentes se tornaram os negros: eternos fadados à escravidão. Essa lenda Bíblica serviu de legitimação à escravidão negra na América e é possível que tenha se originado quando os Hebreus observaram a condição de escravos dos indivíduos oriundos da Baixa Núbia no Egito. De qualquer maneira, essa é uma boa pista para que se pense numa possível solução para o problema étnico do Egito Antigo.
Quanto ao Reino de Meroë, infelizmente não disponho de fontes fidedignas a seu respeito. Tenho o maior interesse em estuda-lo o mais breve possível, mas ainda não o é. Só posso dizer que se centrava na região além da quarta catarata. Sua capital original foi Napata, mas depois ela foi transferida para Meroë, donde o nome do Reino, entre a quinta e a sexta cataratas, um lugar onde os Egípcios jamais pisaram. Nesse Reino, ao que tudo indica, tradições tribais Centro-Africanas se fundiram com tradições Egípcias e é provável que tenha havia a construção de pirâmides de madeira, pela falta das pedras que mais ao norte eram abundantes. Se o Reino do Punt era mesmo a Somália, ou mesmo a Abissínia (Etiópia), então é provável que tenha tido contatos com Meroë e que, dessa forma, esse Reino tenha influenciado várias civilizações Africanas. Talvez, quiçá seja uma raiz minimamente Histórica para uma possível existência do lendário Reino de Prestes João.
A Coroa Abandona o Egito:
Algumas teorias falam que talvez os Egípcios (mais possivelmente alguma das Dinastias do Delta do que a Dinastia Kushita) teriam fornecido apoio militar aos Judeus que estavam sob cerco Assírio, sendo assim, esta teria sido uma “desculpa” para que o Império (agora com sede em Nínive, não mais em Assur), atacasse o Egito.
A verdade não é possível de ser conhecida, mas deve-se lembrar que os Assírios eram a principal força Imperial do Crescente Fértil, sendo assim, não é difícil de pensar que a conquista do Egito, país cuja regularidade agrícola era lendária, estivesse nos planos Imperiais.
Seja como for, sob o comando de Assurbanipal, os Assírios realizaram quatro incursões em território Egípcio.
Na primeira, em 674, apossaram-se do Delta e chegaram a tomar Mênfis, a capital dos Núbios, porém estes a retomaram em 671. Além disso, os exércitos Assírios não puderam avançar mais porque foram trucidados pela veloz cavalaria Núbia.
Na segunda incursão, realizada em 667, o domínio do Delta foi reforçado e os Assírios se prepararam para a terceira incursão, em 663, quando obtiveram uma vitória retumbante sobre a cavalaria Núbia e tomaram Mênfis.
Contudo, refugiados em Tebas, os Núbios continuavam resistindo, sendo assim, Assurbanipal comprou a lealdade de Egípcios com pretensões ao trono, prometendo-lhes expulsar os Núbios e assenta-los no trono. Sendo assim, o poder de Tanutamon começou a ser minado e ele não pôde resistir ao ataque definitivo de Tebas, em 657. Sendo assim, um ano depois retirou-se para a Núbia onde iniciou o Reino de Meroë.
Por essa época os Assírios possuíam o maior Império do mundo: governavam desde a Mesopotâmia até o Egito, passando pela Judéia e pela Capadócia. É possível que se preparassem para atacar a Líbia, ou talvez a Grécia, agora que tinham o corredor do Mediterrâneo completamente aberto, no entanto, viram seu domínio, ainda recente, do Egito ser solapado apenas 4 anos após ter sido obtido.
Em 653, Saís, cidade fortificada do Delta e uma das pretendentes à coroa do Egito, organizou uma resistência aos invasores. Após ter conseguido se sobrepor às demais cidades do Delta, expulsou os Assírios e, de quebra, anexou o Alto Egito. Mais uma vez o Egito voltava a ser independente. Estava iniciada a XXVI Dinastia: a Dinastia Saíta.
Por cerca de 125 anos o Egito conheceu um período de revitalização, também chamado de Renascença Saíta. É verdade que do ponto de vista cultural este período não se equiparou a seu anterior (se bem que foi justamente durante a Renascença Saíta que a escrita Demótica foi criada, o que constituiu uma revolução cultural, visto que o Demótico, como já foi mencionado, foi o primeiro tipo de escrita Egípcio a conter um caráter silábico (ainda que os Hieróglifos possuíssem um caráter de fonogramas baseados em ideogramas, não podem ser considerados como uma escrita silábica)), o Período Kushita, no entanto, do ponto de vista tecnológico sim, o fez e até superou.
Os Egípcios conseguiram retomar o comércio com a Fenícia e iniciaram uma tentativa de revitalização da arte. Porém, este estilo não era como o Arcaico original, ou mesmo tão perfeito quanto ele, como aquele do Período Kushita, na verdade, durante a XXVI Dinastia surge aquilo que chamamos de Estilo Artístico Arcaizante do Egito, o estilo que, a grosso modo, iria perdurar até os últimos anos da cultura Egípcia, no século IV d.C..
O domínio de todo o Egito operado por Saís não era de fato, mas de direito, visto que no Baixo Egito, em Saís, Reinava um Faraó e em Tebas, uma princesa Saíta havia sido nomeada como a Adoradora Divina de Amon, sendo assim, ela era a governante do Alto Egito, porém, ao lado do Sumo Sacerdote de Amon.
Os grandes feitos da XXVI Dinastia, contudo, remontam ao governo de Nekao II. Segundo consta nos registros Gregos, este Faraó abriu um canal entre o Nilo e o Mar Vermelho de modo que o Mediterrâneo e o Índico pudessem se interligar através do Egito. Na verdade, para alguns Historiadores, esse Faraó teria apenas iniciado a obra que teria sido terminada pelos Persas. Porém, o mais impressionante dentre todos os feitos da Dinastia Saíta, realmente digno de menção e, por si só, suficiente para atestar a grandeza dessa civilização que buscava resgatar o brilho do Egito Faraônico, foi a viagem de circunavegação da África.
Parece inverossímil, mas relatos Gregos atestam que Nekao II teria financiado um navegador Fenício para circunavegar a África. Ele teria zarpado do Delta e chegado ao Sinai numa viagem que lhe tomou meses. O objetivo da viagem era, tão somente, o mapeamento (mas talvez a coleta de provas da passagem da embarcação por aquelas regiões tão distantes). Se esta viagem de fato ocorreu, o que é perfeitamente possível, então os Egípcios e os Fenícios terão provado estar pelo menos 2200 anos à frente de seu tempo em termo de tecnologias navais, visto que a proeza só pôde ser repetida por Vasco da Gama, em 1498 d.C., e, mesmo naquela época, foi considerada tão heróica que motivou Luís de Camões a escrever a maior obra da literatura Portuguesa: “Os Lusíadas”.
Esta viagem, se é que ocorreu, pode por em cheque a teoria de Arqueólogos da Mesoamérica que teimam em dizer que seria impossível uma viagem do Velho Mundo para a América em tempos tão antigos quanto o dos Olmecas. Para mais detalhes acerca desse ponto, ver “Olmecas: O Elo Perdido da Mesoamérica”.
No século VI a.C., o panorama geopolítico do Crescente Fértil havia se alterado, os Assírios que vinham sendo a força de maior potência desde o século XI havia sido praticamente aniquilados. Os Babilônios de Nabucodonosor haviam ensaiado uma Renascença Babilônica, mas esta não pôde lograr muito tempo de sucesso, visto que os Persas iniciaram sua expansão.
Se a máquina de guerra Assíria havia sido demais para os Kushitas, a invasão Persa praticamente esmagou os Saítas. Ahmés II, Faraó que Reinara por vários anos, havia acabado de morrer e seu filho Psamatik III, um rapaz ainda muito jovem e que acabara de assumir foi obrigado a se opor às tropas de Cambises, Grande Rei da Pérsia. Seu predecessor, Ciro, o Grande, havia desmantelado toda apolítica de alianças que Ahmés II havia montado. Um a um os governantes de Babilônia, Lídia e Samos foram caindo. Os Espartanos preferiram não se opor ainda ao poderio Persa, sendo assim, apesar de Ahmés II ter logrado conquistar a ilha de Chipre para o Egito, seu filho foi derrotado e morto (talvez o primeiro Faraó morto em batalha na História do Egito) na batalha de Pelusa, no Delta, em 525, e, sendo assim, o Egito caía em mãos estrangeiras mais uma vez.
Ciro I
O Domínio Persa:
Cambises foi um governante Persa guerreiro. Nos moldes dos primeiros, como Ciro antes dele e Dario depois. Seu ímpeto de conquistas pôde ser capaz de anexar o Egito ao seu Império, um Império que não existia nem há 50 anos, visto que Ciro fora seu fundador.
O Egito se converteu numa Satrápia e, para todos os efeitos, o Grande Rei Persa acumulava entre seus tantos títulos também as coroas do Alto e do Baixo Egito.
Como veremos mais adiante, o Egito foi o primeiro Império a se estabelecer continentalmente (consideremos que o Crescente Fértil possa ser um Continente) e isso, aliado à antiguidade de sua civilização (atestadas por suas construções imortais de pedra) e às glórias semi-fictícias pregadas por Ramsés II, fez com que todos os Impérios subseqüentes almejassem o domínio do Egito. É claro que não podemos esquecer também da fama internacional da agricultura Egípcia, fama esta que, com a visita de Heródoto durante o governo Persa, se tornou ainda mais popular.
Pois bem, os Persas introduziram o elefante e o camelo como formas de transporte e “veículos” de guerra. É notório que os Persas cavalgassem muito bem e, possivelmente faziam uso do estribo. Dentre os feitos mais famosos de Cambises no período em que governou o Egito está o enviou de um exército de cerca de 10mil homens (com cavalos, camelos e elefantes, inclusive) em direção à Líbia.
Esses homens se perderam no Deserto da Líbia e jamais foi encontrado qualquer sobrevivente ou vestígio deles. Foi uma das primeiras tentativas (talvez a primeira) de um exército em cruzar tal região.
Com efeito, a introdução do camelo, o “Navio do Deserto” no Egito, o acesso aos oásis se tornou muito maior, sendo assim, muitos povoados foram construídos, em geral ao redor de templo, nesses oásis. O mais famoso desses povoados se tornou o do oásis de Siwa, ao redor do Oráculo de Zeus-Amon.
A Cambises sucedeu Dario I e este, sem o mesmo ímpeto e mergulhado na guerra contra os Gregos, deixou que o Egito conhecesse um período de relativa tranqüilidade, se bem que mercenários (especialmente Judeus) rondassem o Egito e estivessem instalados em diversas localidades, desde Elefantina (na divisa com a Núbia) até o Delta.
Dario I
Heródoto:
Heródoto é conhecido popularmente como o pai da História, afinal foi ele quem primeiramente concebeu o termo como sendo significado daquilo que entendemos hoje. Em Grego, História significa Enquête, Pergunta. Para Heródoto a História no sentido de registro do passado não poderia ser outra coisa senão isso: uma pergunta.
Essa visão Grega, diametralmente oposta à visão dos países do Crescente Fértil, onde o pensamento abstrativo ainda não tinha sido desenvolvido no mesmo grau em que foi possível na Grécia Clássica (talvez e muito provavelmente, pela existência de Filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, dentre outros é que tal acontecimento tenha sido possível) possibilitou que Heródoto se tornasse o pai da História, ou seja, de uma análise do passado baseada em observação, leitura e abstração.
No caso de Heródoto, apenas a observação e a abstração podem ser associadas, uma vez que, no caso específico do Egito, ele não tenha lido coisas muito aprofundadas pelo simples fato de não saber ler Egípcio (e de as traduções serem raras e inacessíveis naquela época).
A visita deste Historiador Grego ao Egito se deu exatamente durante o domínio daquela que, para Mâneton ficou conhecida como a XXVII Dinastia, ou seja, sob o domínio Persa. É, portanto, natural que se espere de Heródoto uma parcialidade (que ele em nenhum momento se compromete a não ter) proposital, uma vez que a Grécia, antiga “parceira” do Egito, agora se via na posição de estar em guerra com os Persas e de vê-los dominando o Egito. Não que os interesses Gregos em relação ao Vale do Nilo fossem altruísticos, longe disso, a Grécia, que durante a XXVI Dinastia havia sido a responsável pela introdução da metalurgia do ferro no Egito (fazendo com que aquele povo finalmente entrasse na Idade do Ferro), bem como havia fornecido mercenários para a proteção dos Faraós Saítas, queria realmente era dominar as “Duas Terras”. Por isso, Heródoto exagera ao avaliar as condições de vida dos Egípcios sob o domínio Persa. Diz que os conquistadores os escravizam e que praticam monstruosidades com a população.
Que os Egípcios tenham sido escravos é provável, mas talvez não dentro do Egito, onde essa situação poderia causar uma revolta generalizada, mas sim, em outros territórios ou mesmo na própria Pérsia (em uma das suas quatro capitais).
Exageros à parte, Heródoto é fonte importantíssima para se estudar o método de irrigação do Egito, bem como as moradias populares e o modo de vida da população. Apesar de não ler (e talvez não falar) Egípcio, Heródoto também é fonte interessante para se perceber a prostituição do Clero Egípcio nesse período tardio. Com efeito, os Sacerdotes se haviam convertido em espécies de guias turísticos para aqueles interessados em conhecer a arquitetura e a História (obviamente parcial, mas sem saber-se assim) do Egito. Por um certo valor em dinheiro os homens que deveriam cultuar os Deuses guiavam visitantes a lugares antes sagrados e vetados à entrada de pessoas comuns (ainda mais estrangeiros). É provável que soubessem falar diversos idiomas (ao menos Grego, Persa e Hebraico) para serem melhores guias. Além disso, vendiam souvenires dos templos como forma de arrecadação o que denota a total desintegração dos ideais antigos em prol de um materialismo necessário e inerente à nova ordem mundial.
Quanto à mumificação, parece que à época da visita de Heródoto ela já não estivesse tão em uso quanto antes, uma vez que o próprio Grego faz essa observação, diz que já não se mumificam tantas pessoas quanto num passado próximo se fazia.
Período de Conflitos:
Para Mâneton, em 404, após a morte de Dario II (sendo que os Persas, sob Artaxerxes I, seu predecessor, já havia aceitado sua derrota frente a Grécia nas Guerras Médicas), também chega ao fim o domínio Persa sobre o Egito. É certo que isso não deve proceder, visto que Dario II havia apoiado Esparta na Guerra do Peloponeso e, como esta saíra vitoriosa, é pouco provável que seu aliado se tenha enfraquecido a ponto de perder um de seus mais impressionantes domínios: o Egito.
O que parece ter acontecido é que os Egípcios, percebendo o momento de fraqueza de seus dominadores (devido a derrota nas Gueras Médicas e não à morte de Dario II), devem ter iniciado uma série de movimentos militares de cunho popular no sentido de derrota-los. Certamente esses movimentos não devem ter sido unificados, mas devem ter sido suficientes para abalar o estado natural das coisas, especialmente porque o domínio sobre o Egito era mantido à força e essa força era composta principalmente de mercenários, os quais não lutam com tanto afinco.
O fato é que entre 404 e 343, ou seja, em cerca de 60 anos, Reinaram no Egito três Dinastias: XXVIII, XXIX e XXX.
Ao contrário do que nos diz Mâneton, estas Dinastias não foram seqüenciais e nem sequer governaram absolutas, o que é mais provável é que tenham governado sobre pequenas parcelas do território, tenham sido concorrentes e, o que é mais importante, não foram capazes de expulsar os Persas, tanto assim, que em 343, quando já estava recuperado da derrota sofrida nas Guerras Médicas; o Império Persa retomou facilmente o Egito para si.
Este domínio, contudo, durou apenas 11 anos, visto que em 332, Alexandre chegou ao Egito e, aclamado como libertador, tornou-se Faraó.
Práticas Funerárias do III Período Intermediário:
A maior parte das tumbas desse período tardio ainda não foi encontrada, com efeito, muitos Faraós preferiram construir suas Necrópoles nas proximidades de suas zonas de influência, sendo assim, como muitas delas se localizavam no Delta, diversas tumbas devem ter sido destruídas. Datados desse período podemos encontrar, no entanto, curiosas práticas funerárias como a volta à prática das construções de pirâmides praticada pela XXV Dinastia, ou mesmo os enterramentos de cavalos mumificados também praticados por eles.
Os Faraós de Bubastis, por cultuarem Bast, introduziram um novo culto no Egito: o culto ao gato como animal sagrado. Na prática, Bast sempre fora uma Deusa Egípcia, no entanto, nunca havia tido maior importância até este período. Como os gatos eram vistos como animais protegidos por Bast e os Monarcas da XXII Dinastia a adoravam, eles criaram Necrópoles Felinas, onde podem ser encontradas milhares de múmias de gatos. Talvez cultuadas como encarnações da Deusa.
A partir da XXI Dinastia, foi desenvolvida uma técnica de mumificação que permitia que os órgãos (antes guardados em vasos canópicos) fossem re-introduzidos no corpo das múmias, no entanto, esta pratica não parece ter se disseminado entre os poderosos e/ou governantes. É antes, porém, uma prática adotada por pessoas com recursos mais baixos que eram enterradas em túmulos coletivos (como o que foi encontrado em 2000, se bem que este, especificamente fosse um túmulo de múmias do século I d.C.). Como essas pessoas não dispunham de espaço em seus túmulos, nem mesmo de recursos para vasos canópicos, a re-introdução de seus órgãos se provava uma técnica útil.
Os enterramentos continuavam a se fazer com o Livro dos Mortos, este, mais do que nunca, agora transformado num amuleto e não num livro de regras de boa conduta. Além disso, as pessoas de posses continuavam a levar consigo ubshabtis para trabalharem por elas no pós-vida, era praxe que cada pessoa dispusesse ao menos de um, para garantir uma eternidade sem trabalho.
Fonte: www.klepsidra.net