Atriz vivia em São Lourenço há 20 anos para realizar o desejo do marido.
Segundo hospital, ela teve um AVC após uma fratura no fêmur.
A atriz carioca Margot Louro, viúva do comediante Oscarito, morreu nesta quarta-feira (28) devido a um acidente vascular cerebral (AVC) em São Lourenço, na Região Sul de Minas Gerais. Margot sofreu o AVC devido a complicações motivadas por uma fratura no fêmur. O corpo da atriz foi levado para o Rio de Janeiro na noite desta quarta-feira (28), onde será velado e cremado.
Gislene Vilela, conhecida como Gigi, era amiga de Margot e contou ao G1 que ela vivia na cidade mineira há cerca de 20 anos. A atriz explicou à amiga que o sonho do marido era ter uma casa no município após a aposentadoria, mas morreu em 1970 e não pode realizá-lo. “O amor que ela tinha pelo marido era tão grande que ela veio para São Lourenço para realizar o desejo dele”, conta Gislene.
De acordo com Gigi, até os 90 anos, Margot caminhava frequentemente no Parque das Águas de São Lourenço, local escolhido por ela para jogar as suas cinzas, após a cremação. A atriz tem dois filhos, a também atriz e dubladora Miriam Teresa e o músico José Carlos. A amiga e Margot se encontravam todas as semanas e Gislene explica que se encantava com os relatos da carioca. “Eu olhava naqueles olhos verdes e me envolvia nas histórias que ela contava”, disse.
De acordo com a assessoria de imprensa do Hospital de São Lourenço, onde estava internada desde este sábado (24), ela tinha um quadro degenerativo cerebral, o que resultou em isquemias. Por estar muito frágil, os médicos recomendaram que ela não passasse por uma cirurgia. Ainda segundo o hospital, os filhos a visitaram e estavam com ela na hora da morte.
Fonte: G1
Blues
O gênero surgiu nos Estados Unidos a partir do século XVII, quando os escravos negros da região sul faziam canções de trabalho nas plantações de algodão e outras músicas relacionadas a sua fé religiosa (spirituals). O conceito de "blues" só se tornou conhecido depois do término da Guerra Civil Americana, período em que passou a representar a essência do espírito da população afro-americana.
Provavelmente, o "pai do blues" W. C. Handy ouviu este tipo de música pela primeira vez em 1903, quando viajava e observava um homem tocando seu violão com um canivete. O primeiro artista popular do gênero foi Charley Patton, na década de 20. Posteriormente, surgiram outros nomes, como Son House, Willie Brown, Leroy Carr e Bo Carter.
Procurando melhores condições de vida e oportunidades, no incício da década de 40, uma grande parte dos negros americanos emigrou para Chicago, levando o blues juntamente com eles. Com o uso de instrumentos musicais elétricos, uma gama enorme de novas possibilidades se abriu, permitindo que os adeptos ao gênero pudessem alcançar voos mais altos.
Nesta época surgiu o primeiro músico do blues (bluesman) a ter reconhecimento fora da Inglaterra e a ter eletrificado todos os instrumentos de sua banda: Muddy Waters, o qual foi uma grande influência para famosas bandas, como The Beatles e Rolling Stones.
Ainda podemos citar o surgimento de outros importantes músicos nesse período. Alguns exemplos: Willie Dixon, com seu baixo acústico tradicional e sua voz grave, sendo considerado o "poeta do blues”; e Howlin' Wolf, guitarrista e gaitista, ficou famoso por sua voz rouca.
É impossível falar sobre o blues sem mencionar B.B.King. O “rei do blues” se consagrou em razão de ter colocado a guitarra solo como elemento central, criando um estilo de forma pura e melódica e com características únicas.
Nos anos 60, o gênero serviu de fundamento para a criação de um dos maiores estilos musicais: o rock. Elvis Presley tinha sua origem totalmente enraizada no blues. Bandas como Beatles, Rolling Stones e Led Zeppelin também foram totalmente influenciadas pelo mesmo.
Durante os anos 70, o estilo começou a perder seu espaço para outros gêneros com elementos eletrônicos, especialmente da era Disco. No início dos anos 80, as apresentações de blues começaram a ficar cada vez mais escassas, pois a própria moda da época rejeitava a sua tendência não-comercial, entrando em contraste com a fase "Dancing”.
Porém, graças ao guitarrista americano Stevie Ray Vaughan, o gênero ganhou novas forças. O músico começou a regravar clássicos e a criar sua própria marca, unindo elementos típicos do blues de Chicago, como Albert King, B.B. King e Howlin' Wolf, com o de Jimi Hendrix.
Após a morte de Vaughan, o gênero nunca mais teve a mesma força de antes, sendo gradativamente esquecido pelas massas a partir dos anos 90. Em razão do apelo comercial da indústria da música, infelizmente o blues tomou uma proporção cada vez mais restrita, algo definitivemente diferente do que se via na época de sua criação.
Fonte:
Funk
O funk é um estilo musical que surgiu através da música negra norte-americana no final da década de 1960. Na verdade, o funk se originou a partir da soul music, tendo uma batida mais pronunciada e algumas influências do R&B, rock e da música psicodélica. De fato, as características desse estilo musical são: ritmo sincopado, a densa linha de baixo, uma seção de metais forte e rítmica, além de uma percussão (batida) marcante e dançante.
Década de 60: O Funk Indecente
O funk surgiu como uma “mescla” entre os estilos R&B, jazz e soul. No início, o estilo era considerado indecente, pois a palavra “funk” tinha conotações sexuais na língua inglesa. O funk acabou incorporando a característica, tem uma música com um ritmo mais lento e dançante, sexy, solto, com frases repetidas.
Década de 70: O P-Funk
A alteração mais característica do funk, na década de 70, foi feita por George Clinton, com suas bandas Parliament, e, posteriormente, Funkadelic. Tratava-se de um funk mais pesado, influenciado pela psicodelia, dando origem ao subgênero chamado P-Funk. Nesse período surgiram renomadas bandas como B.T. Express, Commodores, Earth Wind & Fire, War, Lakeside, Brass Construction, Kool & The Gang, etc.
Década de 80 e Contexto Atual: As Fusões Comerciais
A década de 80 serviu para “quebrar” o funk tradicional e transformá-lo em vários outros subgêneros, de acordo com o gosto do ouvinte, já que a música nesse período era extremamente comercial. Seus derivados rap, hip-hop e break ganhavam uma força gigantesca nos EUA através de bandas como Sugarhill Gang e Soulsonic Force.
No final dos anos 80, surgiu a house music. Derivado do funk, esse estilo tinha como característica a mistura do funk tradicional com samplers e efeitos sonoros eletrônicos.
A house music foi um novo fenômeno nas pistas de dança do mundo inteiro. Um pouco mais recente, o funk sofreu alterações para o lado do metal, com a fusão de guitarras distorcidas de heavy-metal com batida do funk através de bandas atuais como Red Hot Chili Peppers e Faith No More.
O derivado do funk mais presente no Brasil é o funk carioca. Na verdade, essa alteração surgiu nos anos 80 e foi influenciada por um novo ritmo originário da Flórida, o Miami Bass, que dispunha de músicas erotizadas e batidas mais rápidas. Depois de 1989, os bailes funk começaram a atrair muitas pessoas. Inicialmente as letras falavam sobre drogas, armas e a vida nas favelas, posteriormente a temática principal do funk veio a ser a erótica, com letras de conotação sexual e de duplo sentido. O funk carioca é bastante popular em várias partes do Brasil e inclusive no exterior, chegou a ser uma das grandes sensações do verão europeu em 2005.
Fonte:
Fases da Primeira Guerra Mundial
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
A Primeira Guerra Mundial ocorreu no século XX. De 1914 a 1918, o continente europeu foi “palco” dos horrores causados pela guerra. Os principais motivos que levaram ao acontecimento da Primeira Guerra Mundial, segundo alguns estudiosos, foram o expansionismo, aexploração Imperialista da África e Ásia (a partir do final do século XIX até meados da década de 1960), a corrida armamentista e apolítica de alianças.
É consenso entre vários estudiosos que o início (estopim) da guerra ocorreu após o assassinato do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando. Devemos salientar que esse fato não foi o fator preponderante que fez a guerra ter acontecido, mas um evento que motivou a explosão do barril de pólvora – metáfora que descreve as tensões diplomáticas entre os países europeus antes da guerra.
A Primeira Guerra Mundial foi analisada e interpretada por diversos estudiosos e foi inspiração para diversas produções cinematográficas (aliás, somente a Segunda Guerra obteve mais produções cinematográficas que representaram o conflito). A Grande Guerra, como também foi descrita, foi dividida em algumasfases.
A primeira fase ocorreu de agosto a novembro de 1914 e ficou conhecida como a guerra de movimento, quando a Alemanha realizou ataques agressivos contra a França. Os alemães invadiram a Bélgica, derrotaram os franceses e caminharam rumo a Paris. Logo de imediato, a capital e o governo francês foram transferidos para a cidade de Bordeaux e os franceses conseguiram conter os ataques dos alemães, que recuaram a ofensiva em setembro de 1914.
Na primeira fase da guerra, a política de alianças já estava praticamente consolidada, mas alguns países ainda fecharam acordos, o que desencadeou na formação dos dois blocos inimigos durante a segunda fase da guerra: a Tríplice Entente, formada pela França, Bélgica, Grã-Bretanha, Rússia, EUA, entre outros; e a Tríplice Aliança, composta pela Alemanha, Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária.
A segunda fase da Primeira Guerra Mundial aconteceu de novembro de 1914 a março de 1918. Essa fase ficou conhecida como a Guerra de posições, época em que ocorreram as maiores estratégias militares (os avanços dos exércitos custavam milhares de vidas). Nesse momento, teve início a chamada guerra de trincheiras, quando os exércitos se enterraram em valas com a finalidade de proteção.
A entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial confirmou-se durante a segunda fase. Os principais motivos da entrada dos EUA no conflito foram a promessa de apoio aos países europeus que compravam mercadorias das indústrias norte-americanas (a neutralidade ficou difícil) e os ataques dos submarinos alemães à marinha mercante dos EUA. No dia 6 de abril de 1917, os norte-americanos declararam guerra à Alemanha. Outro fato importante dessa fase foi a saída da Rússia, em 1917, da Guerra, em razão da Revolução Socialista Russa. Em tal momento, a Tríplice Aliança havia ganhado dois aliados, a Bulgária e a Turquia; e a Tríplice Entente teve a adesão da Romênia, de Portugal, do Japão, da Argentina e do Brasil.
As ofensivas de 1918 se constituíram como a terceira fase da Primeira Guerra Mundial. Novas armas bélicas foram utilizadas no conflito, além do uso de tanques e aviões de caça para bombardeios e também a chegada de um grande contingente de soldados norte-americanos (aproximadamente 1,2 milhão de soldados).
A entrada dos EUA reforçou a capacidade bélica da Entente, entretanto a saída da Rússia possibilitou a invasão da Itália e da França pela Alemanha. Mas a força bélica da Tríplice Entente conseguiu vitórias fundamentais sobre a Tríplice Aliança em territórios franceses.
No final de 1918, a Alemanha não tinha mais possibilidade de vencer a guerra e a população alemã forçou o imperador Guilherme II a abdicar do trono. Posteriormente foi instalada a república na Alemanha e decretada a sua derrota militar. A Primeira Guerra Mundial matou cerca de 8 milhões de pessoas e incapacitou aproximadamente 20 milhões.
Leandro Carvalho
Fonte:
Os ditadores
Os ditadores
Devido à natureza prolongada, polêmica e geralmente violenta de seus regimes, os ditadores se tornam sempre notícia. Mas, recentemente, a impressão foi a de que receberam mais destaque. Fidel Castro renunciou em 24 de fevereiro de 2008, depois de governar Cuba por aproximadamente 50 anos. Saddam Hussein governou o Iraque de 1979 a 2003 e foi executado em 2006. Kim Jong Il, da Coréia do Norte, comandou seu primeiro teste de armas nucleares no país, em 2006, e se comprometeu a interromper totalmente o programa no ano seguinte. Em março de 2008, Vladimir Putin, presidente da Rússia, afastou-se do cargo de primeiro-ministro. Uma década atrás, o comentarista político Fareed Zacharia afirmou que as ditaduras eram "anacronismos em um mundo de mercados, informações e meios de comunicação globais" [fonte: Foreign Affairs (em inglês)].
Romano Cagnoni/Getty Images
O primeiro-ministro cubano Fidel Castro falando no Chile, em 1972
Os ditadores ainda governam dezenas de países no mundo. Mas o cargo de Vladimir Putin era de presidente, não de ditador. Fidel Castro e Saddam Hussein foram presidentes de seus respectivos países. Kim Jong II ocupa três cargos oficiais (presidente da Comissão de Defesa da Coréia do Norte, comandante supremo do exército coreano e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores coreano), mas nenhum inclui o termo ditador.
Os ladrões do Natal
Sem presépios, Jesus Cristo ou qualquer referência cristã - esse seria o Natal perfeito para os líderes nazistas. E foi justamente isso que eles tentaram fazer enquanto exerceram o poder na Alemanha.
Os ditadores geralmente não se denominam assim. Esses governantes são conhecidos como ditadores pela forma como exercem seu poder. Embora seus regimes variem muito, a maioria deles tem algumas características em comum. Normalmente não chegam ao poder por meio de eleições constitucionais livres - geralmente, assumem o controle durante golpes de estado, revoluções ou estados de emergência e têm poder absoluto e único sobre seu estado.
Entretanto, quando foi usada pela primeira vez, a palavra "ditador" não tinha essa conotação negativa. Veremos os princípios básicos dos ditadores ao longo do tempo, começando com a Roma antiga (em inglês).
Ditador da ficção
Um exemplo bem conhecido de ditador da ficção é o Imperador Palpatine de "Guerra nas Estrelas". Palpatine começou como senador na República Galáctica. Quando seu planeta natal, Naboo, passou por um embargo no comércio, Palpatine pediu ajuda ao Chanceler Valorum. Como não recebeu nenhuma ajuda, Palpatine conseguiu que Valorum fosse destituído do cargo e ele próprio acabou assumindo a função de chanceler. Secretamente, invadiu Naboo, o que criou uma enorme agitação política e, finalmente, concedeu a ele outros poderes para tomar decisões militares. Embora Palpatine tenha prometido devolver o poder ao Senado, lentamente ele transformou a república em um império, e o cargo de chanceler no de imperador. Seu governo chegou ao fim quando foi traído por seu aprendiz, Darth Vader.
A história da ditadura
O significado original da palavra "ditador" era muito diferente do que conhecemos hoje. O termo foi criado pelo Senado Romano em 510 a.C. para fins emergenciais (como cuidar das rebeliões). Durante a época da República, Roma (em inglês) foi governada por dois cônsules e o Senado decidiu que, em alguns casos, era necessário ter uma única pessoa que tomasse as decisões. Às vezes, um dos cônsules se tornava ditador.
Os ditadores tinham autoridade sobre todos os outros políticos, não eram legalmente responsáveis por seus atos e não permaneciam no cargo por mais de seis meses (embora tenha havido duas exceções). Podiam mudar as leis e a constituição romanas, mas não podiam usar dinheiro público, exceto o que o Senado lhes desse. Também não podiam sair da Itália. A maioria dos ditadores deixava o cargo após concluir suas tarefas, mesmo que o período de seis meses ainda não tivesse acabado.
Hulton Archive/Getty Images
Estátua do ditador romano Júlio CésarO primeiro ditador foi Titus Larcius, que havia sido cônsul. Ele foi escolhido para acabar com uma rebelião que ocorreu em várias cidades que queriam reintegrar o mais novo rei romano, Tarquin II. Titus Larcius era membro da classe aristocrática, a elite privilegiada. Trabalhava para melhorar a vida dos plebeus, romanos de classe média e baixa.
De vez em quando, conforme necessário, os ditadores eram nomeados, e isso aconteceu até 202 a.C. Mais de 100 anos depois, Lucius Cornelius Sulla foi nomeado ditador sem o prazo e as restrições dos ditadores anteriores. Ele governou por dois anos e executou milhares de cidadãos romanos, dos quais muitos eram oponentes políticos. Também ficou rico confiscando propriedades. Sulla foi sucedido por Júlio César (em inglês), que foi nomeado ditador vitalício e deu início a uma guerra civil. César foi assassinado em 44 a.C., e o cargo de ditador foi abolido por estar relacionado à corrupção.
Os ditadores modernos também costumam chegar ao poder durante estados de emergência. Muitos historiadores consideram Napoleão Bonaparte (em inglês) o primeiro ditador moderno. Napoleão foi general durante a Revolução Francesa (em inglês), um período de grande revolta política e social no país. Começando em 1789, a França passou de monarquia à república e, depois, a império. No meio das execuções, dos golpes e da confusão do período, Napoleão se tornou cônsul sob um governo provisório.
Mansell/Time Life Pictures/Getty Images
Napoleão Bonaparte em
seu gabinete
Como era um comandante militar que nunca tinha sido derrotado, Napoleão obteve grande popularidade. Criou um orçamento equilibrado, reformou o governo e escreveu o Código Civil, que ainda hoje é a base do direito civil da França. Napoleão aboliu o Senado e continuou a reformar a constituição. Nomeou a si próprio cônsul vitalício e, em 1804, coroou-se imperador. Continuou suas perseguições militares, lutando por toda a Europa.
Napoleão controlava o governo e tinha uma rede de espiões. Ele também controlava a imprensa, garantindo que sua máquina propagandista continuasse. Mas seu reino começou a fracassar quando sua invasão à Rússia falhou. A união das forças européias, incluindo os exércitos da Grã-Bretanha, Prússia, Espanha e Portugal, cercou a França.
Os generais do exército francês se revoltaram e Napoleão foi obrigado a renunciar ao trono. Após um rápido retorno ao poder, foi exilado definitivamente em 1815.
Os ditadores antigos e modernos têm muitos pontos em comum. Veremos na próxima seção o que torna um homem um ditador.
O que caracteriza um ditador?
A maioria dos ditadores tem várias características em comum. Geralmente, governam autocracias, governos com um único líder que nomeia a si mesmo e que não possui nenhuma outra organização governante que controle seu poder. Normalmente, os ditadores possuem regimes totalitários, mantendo seu governo através do controle dos meios de comunicação em massa. Os ditadores totalitários também usam a polícia secreta e espionam os cidadãos de seu país, além de restringirem, ou eliminarem totalmente, a liberdade pessoal.
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O ditador norte-coreano Kim Il Sung (à direita)
Muitos desses ditadores promovem cultos da personalidade, uma forma de devoção em que se faz propaganda do líder como uma pessoa perfeita (e, em alguns casos, divina). O ditador norte-coreano Kim Il Sung (pai de Kim Jong Il) foi basicamente o único tema de todo tipo de arte criada no país durante seu governo. As crianças eram ensinadas na escola a agradecer a Kim Il Sung, a fonte de todas as suas bênçãos. Críticos o consideravam megalomaníaco e extremamente narcisista. O mesmo ocorreu no Iraque: Saddam Hussein também tinha estátuas, murais, cartazes e pinturas com sua imagem.
Como aconteceu com os ditadores da Roma antiga e com o exemplo mais recente de Napoleão Bonaparte (em inglês), geralmente é um estado de emergência ou um golpe de estado que leva o ditador ao poder. Entretanto, houve ditadores que chegaram ao governo legalmente. Adolf Hitler (em inglês), por exemplo, foi nomeado chanceler, ou chefe de governo, pelo presidente Paul von Hindenburg, em 1933. Depois da morte de Hindenburg, Hitler se tornou Führer (uma combinação de presidente e chanceler).
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Adolf Hitler fazendo o cumprimento fascista em um desfile
Além de serem líderes políticos, os ditadores geralmente detêm o cargo militar mais alto em seu país. Muitos ditadores foram ilustres comandantes militares antes de ganharem poder absoluto. Manuel Noriega, do Panamá (em inglês), foi soldado a vida inteira. Como líder do país (embora nunca tivesse sido oficialmente presidente, foi, finalmente, declarado chefe executivo), ele comandava seu exército e normalmente aparecia em público com uniforme militar.
O governo de Noriega foi exemplo de ditadura militar que teve um governo civil com pouco poder real (algumas ditaduras militares são estratocracias, em que o exército governa diretamente o país). Os ditadores militares geralmente tomam o poder por meio de um golpe de estado, mas alguns são promovidos ao cargo. Saddam Hussein, inicialmente, era general do exército iraquiano e vice-presidente. Ganhou mais poder quando o presidente, na época, Ahmed Hassan al-Bakr, ficou doente. Hussein se tornou oficialmente presidente em 1979.
Uma variação da ditadura militar pode ser a junta, que é a típica ditadura militar na América Latina. Ela compreende um comitê de líderes militares, que normalmente empregam o mesmo tipo de comportamento, como opressão e brutalidade. A Birmânia era governada por uma junta, o State Peace and Development Council (Conselho de Estado para Desenvolvimento e Paz) desde 1988.
Uma vez no poder, geralmente, ela faz o possível para que um ditador afaste-se do cargo. A seguir, falaremos das eleições, destituições e mortes de ditadores.
Fim das ditaduras
Às vezes, os ditadores permitem eleições, mas elas não se parecem com as eleições que conhecemos de países democráticos. Sob extrema pressão de outros países, o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdul Aziz al-Saud, autorizou eleições municipais em 2005, as primeiras eleições desde a década de 60. Elas permitiram que os cidadãos escolhessem os conselhos locais. Entretanto, não foram democráticas, pois as mulheres sauditas não puderam votar. Embora a votação não tivesse sido declaradamente proibida, a maioria das mulheres não tinha a identificação necessária, nem havia quantidade suficiente de funcionárias para inscrevê-las, já que homens não podiam registrá-las para que votassem. No geral, a Arábia Saudita continua sendo governada por uma monarquia absoluta.
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Líderes da oposição birmaneses U Nu (esquerda), Aung San Suu Kyi (centro) e o general Tin Oo (direita)
Em fevereiro de 2008, a junta militar que governava a Birmânia, chamada de SPDC (State Peace and Development Council, anunciou planos de realizar uma eleição em 2010. Um porta-voz afirmou que havia chegado a hora de mudar de governo militar para governo civil democrático [fonte: Washington Post]. Entretanto, a maioria dos cidadãos da Birmânia, como também outros governos, não levou a junta a sério. Em 1990, a Birmânia teve uma eleição geral em que a ativista Daw Aung San Suu Kyi, líder da Liga Nacional para a Democracia, venceu. O governo se recusou a reconhecer a vitória de Kyi e a manteve presa a maior parte do tempo desde a eleição.
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Foto de Saddam Hussein após sua captura, em dezembro de 2003
As ditaduras, às vezes, chegam ao fim de forma tão caótica quanto começaram. Adolf Hitler cometeu suicídio depois que os Aliados venceram as Forças Armadas da Alemanha. O ditador italiano fascista Benito Mussolini foi fuzilado por guerrilheiros comunistas e seu corpo foi apedrejado pelos cidadãos. Manuel Noriega foi capturado em 1989 depois que os Estados Unidos invadiram o Panamá e está cumprindo pena 30 anos de prisão em uma penitenciária federal na Flórida. Saddam Hussein foi deposto depois que as forças de coalizão tomaram o controle do Iraque e as Forças Armadas dos Estados Unidos o localizaram em uma pequena trincheira próxima a sua terra natal, em Tikrit. Posteriormente, ele foi executado pelo governo provisório do Iraque.
Muitas ditaduras acabam quando o ditador fica muito fraco ou doente, ou quando morre repentinamente. Vladimir Lenin sofreu vários derrames (em inglês) e assumiu cargos inferiores no governo antes de morrer. Josef Stalin também teve um derrame e morreu logo depois. Em 2008, Fidel Castro se afastou do cargo de líder de Cuba (passando a presidência para seu irmão Raul) depois de vários anos de saúde debilitada.
Geralmente, os ditadores tendem a permanecer no poder por muito tempo ou são depostos apenas para serem substituídos por outro ditador. Leva-se muito tempo para mudar uma estrutura governamental inteira e, normalmente isso não acontece sem a intervenção das Nações Unidas, dos Estados Unidos ou de outra organização. Atualmente, mais de 70 países do mundo são governados por ditadores. Muitos deles são culpados pelas atrocidades cometidas contra seu próprio povo.
As organizações não-governamentais, como a Human Rights Watch, informam e divulgam as violações contra os direitos humanos. Elas também pressionam os governos e as organizações internacionais a fazerem reformas nas áreas onde ocorrem abusos em relação aos direitos humanos. Talvez as destituições recentes de ditadores indiquem uma tendência a governantes eleitos que permitam que os cidadãos tenham a liberdade básica que se espera que exista atualmente.
Para obter mais informações sobre ditadores, fascismo e outros assuntos relacionadoa à política, veja a próxima página.
Ditadores benevolentes?
Um ditador benevolente é aquele que exerce seu poder absoluto para o bem de seu povo e não para benefício próprio ou de seus amigos e companheiros. Esse termo é subjetivo, assim como a interpretação atual da palavra ditador. Os partidários de Napoleão o consideravam benevolente. O mesmo se pode dizer dos defensores de Fidel Castro e seu regime. Entretanto, as pessoas que sofreram com os governos desses e de outros ditadores, considerados "benevolentes" por alguns, discordariam.
Fontes: (em inglês)
Ditador do mês
"Dissidentes censuram os planos de eleição da junta birmanesa". WashingtonPost.com, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Plutarch. "As vidas paralelas". Loeb Classical Library, 1916. Domínio público
Wallechinsky , David. "Quem é o pior ditador do mundo?" Parade, 11 de fevereiro de 2007
Romano Cagnoni/Getty Images
O primeiro-ministro cubano Fidel Castro falando no Chile, em 1972
Os ditadores ainda governam dezenas de países no mundo. Mas o cargo de Vladimir Putin era de presidente, não de ditador. Fidel Castro e Saddam Hussein foram presidentes de seus respectivos países. Kim Jong II ocupa três cargos oficiais (presidente da Comissão de Defesa da Coréia do Norte, comandante supremo do exército coreano e secretário-geral do Partido dos Trabalhadores coreano), mas nenhum inclui o termo ditador.
Os ladrões do Natal
Sem presépios, Jesus Cristo ou qualquer referência cristã - esse seria o Natal perfeito para os líderes nazistas. E foi justamente isso que eles tentaram fazer enquanto exerceram o poder na Alemanha.
Os ditadores geralmente não se denominam assim. Esses governantes são conhecidos como ditadores pela forma como exercem seu poder. Embora seus regimes variem muito, a maioria deles tem algumas características em comum. Normalmente não chegam ao poder por meio de eleições constitucionais livres - geralmente, assumem o controle durante golpes de estado, revoluções ou estados de emergência e têm poder absoluto e único sobre seu estado.
Entretanto, quando foi usada pela primeira vez, a palavra "ditador" não tinha essa conotação negativa. Veremos os princípios básicos dos ditadores ao longo do tempo, começando com a Roma antiga (em inglês).
Ditador da ficção
Um exemplo bem conhecido de ditador da ficção é o Imperador Palpatine de "Guerra nas Estrelas". Palpatine começou como senador na República Galáctica. Quando seu planeta natal, Naboo, passou por um embargo no comércio, Palpatine pediu ajuda ao Chanceler Valorum. Como não recebeu nenhuma ajuda, Palpatine conseguiu que Valorum fosse destituído do cargo e ele próprio acabou assumindo a função de chanceler. Secretamente, invadiu Naboo, o que criou uma enorme agitação política e, finalmente, concedeu a ele outros poderes para tomar decisões militares. Embora Palpatine tenha prometido devolver o poder ao Senado, lentamente ele transformou a república em um império, e o cargo de chanceler no de imperador. Seu governo chegou ao fim quando foi traído por seu aprendiz, Darth Vader.
A história da ditadura
O significado original da palavra "ditador" era muito diferente do que conhecemos hoje. O termo foi criado pelo Senado Romano em 510 a.C. para fins emergenciais (como cuidar das rebeliões). Durante a época da República, Roma (em inglês) foi governada por dois cônsules e o Senado decidiu que, em alguns casos, era necessário ter uma única pessoa que tomasse as decisões. Às vezes, um dos cônsules se tornava ditador.
Os ditadores tinham autoridade sobre todos os outros políticos, não eram legalmente responsáveis por seus atos e não permaneciam no cargo por mais de seis meses (embora tenha havido duas exceções). Podiam mudar as leis e a constituição romanas, mas não podiam usar dinheiro público, exceto o que o Senado lhes desse. Também não podiam sair da Itália. A maioria dos ditadores deixava o cargo após concluir suas tarefas, mesmo que o período de seis meses ainda não tivesse acabado.
Hulton Archive/Getty Images
Estátua do ditador romano Júlio CésarO primeiro ditador foi Titus Larcius, que havia sido cônsul. Ele foi escolhido para acabar com uma rebelião que ocorreu em várias cidades que queriam reintegrar o mais novo rei romano, Tarquin II. Titus Larcius era membro da classe aristocrática, a elite privilegiada. Trabalhava para melhorar a vida dos plebeus, romanos de classe média e baixa.
De vez em quando, conforme necessário, os ditadores eram nomeados, e isso aconteceu até 202 a.C. Mais de 100 anos depois, Lucius Cornelius Sulla foi nomeado ditador sem o prazo e as restrições dos ditadores anteriores. Ele governou por dois anos e executou milhares de cidadãos romanos, dos quais muitos eram oponentes políticos. Também ficou rico confiscando propriedades. Sulla foi sucedido por Júlio César (em inglês), que foi nomeado ditador vitalício e deu início a uma guerra civil. César foi assassinado em 44 a.C., e o cargo de ditador foi abolido por estar relacionado à corrupção.
Os ditadores modernos também costumam chegar ao poder durante estados de emergência. Muitos historiadores consideram Napoleão Bonaparte (em inglês) o primeiro ditador moderno. Napoleão foi general durante a Revolução Francesa (em inglês), um período de grande revolta política e social no país. Começando em 1789, a França passou de monarquia à república e, depois, a império. No meio das execuções, dos golpes e da confusão do período, Napoleão se tornou cônsul sob um governo provisório.
Mansell/Time Life Pictures/Getty Images
Napoleão Bonaparte em
seu gabinete
Como era um comandante militar que nunca tinha sido derrotado, Napoleão obteve grande popularidade. Criou um orçamento equilibrado, reformou o governo e escreveu o Código Civil, que ainda hoje é a base do direito civil da França. Napoleão aboliu o Senado e continuou a reformar a constituição. Nomeou a si próprio cônsul vitalício e, em 1804, coroou-se imperador. Continuou suas perseguições militares, lutando por toda a Europa.
Napoleão controlava o governo e tinha uma rede de espiões. Ele também controlava a imprensa, garantindo que sua máquina propagandista continuasse. Mas seu reino começou a fracassar quando sua invasão à Rússia falhou. A união das forças européias, incluindo os exércitos da Grã-Bretanha, Prússia, Espanha e Portugal, cercou a França.
Os generais do exército francês se revoltaram e Napoleão foi obrigado a renunciar ao trono. Após um rápido retorno ao poder, foi exilado definitivamente em 1815.
Os ditadores antigos e modernos têm muitos pontos em comum. Veremos na próxima seção o que torna um homem um ditador.
O que caracteriza um ditador?
A maioria dos ditadores tem várias características em comum. Geralmente, governam autocracias, governos com um único líder que nomeia a si mesmo e que não possui nenhuma outra organização governante que controle seu poder. Normalmente, os ditadores possuem regimes totalitários, mantendo seu governo através do controle dos meios de comunicação em massa. Os ditadores totalitários também usam a polícia secreta e espionam os cidadãos de seu país, além de restringirem, ou eliminarem totalmente, a liberdade pessoal.
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O ditador norte-coreano Kim Il Sung (à direita)
Muitos desses ditadores promovem cultos da personalidade, uma forma de devoção em que se faz propaganda do líder como uma pessoa perfeita (e, em alguns casos, divina). O ditador norte-coreano Kim Il Sung (pai de Kim Jong Il) foi basicamente o único tema de todo tipo de arte criada no país durante seu governo. As crianças eram ensinadas na escola a agradecer a Kim Il Sung, a fonte de todas as suas bênçãos. Críticos o consideravam megalomaníaco e extremamente narcisista. O mesmo ocorreu no Iraque: Saddam Hussein também tinha estátuas, murais, cartazes e pinturas com sua imagem.
Como aconteceu com os ditadores da Roma antiga e com o exemplo mais recente de Napoleão Bonaparte (em inglês), geralmente é um estado de emergência ou um golpe de estado que leva o ditador ao poder. Entretanto, houve ditadores que chegaram ao governo legalmente. Adolf Hitler (em inglês), por exemplo, foi nomeado chanceler, ou chefe de governo, pelo presidente Paul von Hindenburg, em 1933. Depois da morte de Hindenburg, Hitler se tornou Führer (uma combinação de presidente e chanceler).
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Adolf Hitler fazendo o cumprimento fascista em um desfile
Além de serem líderes políticos, os ditadores geralmente detêm o cargo militar mais alto em seu país. Muitos ditadores foram ilustres comandantes militares antes de ganharem poder absoluto. Manuel Noriega, do Panamá (em inglês), foi soldado a vida inteira. Como líder do país (embora nunca tivesse sido oficialmente presidente, foi, finalmente, declarado chefe executivo), ele comandava seu exército e normalmente aparecia em público com uniforme militar.
O governo de Noriega foi exemplo de ditadura militar que teve um governo civil com pouco poder real (algumas ditaduras militares são estratocracias, em que o exército governa diretamente o país). Os ditadores militares geralmente tomam o poder por meio de um golpe de estado, mas alguns são promovidos ao cargo. Saddam Hussein, inicialmente, era general do exército iraquiano e vice-presidente. Ganhou mais poder quando o presidente, na época, Ahmed Hassan al-Bakr, ficou doente. Hussein se tornou oficialmente presidente em 1979.
Uma variação da ditadura militar pode ser a junta, que é a típica ditadura militar na América Latina. Ela compreende um comitê de líderes militares, que normalmente empregam o mesmo tipo de comportamento, como opressão e brutalidade. A Birmânia era governada por uma junta, o State Peace and Development Council (Conselho de Estado para Desenvolvimento e Paz) desde 1988.
Uma vez no poder, geralmente, ela faz o possível para que um ditador afaste-se do cargo. A seguir, falaremos das eleições, destituições e mortes de ditadores.
Fim das ditaduras
Às vezes, os ditadores permitem eleições, mas elas não se parecem com as eleições que conhecemos de países democráticos. Sob extrema pressão de outros países, o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdul Aziz al-Saud, autorizou eleições municipais em 2005, as primeiras eleições desde a década de 60. Elas permitiram que os cidadãos escolhessem os conselhos locais. Entretanto, não foram democráticas, pois as mulheres sauditas não puderam votar. Embora a votação não tivesse sido declaradamente proibida, a maioria das mulheres não tinha a identificação necessária, nem havia quantidade suficiente de funcionárias para inscrevê-las, já que homens não podiam registrá-las para que votassem. No geral, a Arábia Saudita continua sendo governada por uma monarquia absoluta.
Sandro Tucci//Time Life Pictures/Getty Images
Líderes da oposição birmaneses U Nu (esquerda), Aung San Suu Kyi (centro) e o general Tin Oo (direita)
Em fevereiro de 2008, a junta militar que governava a Birmânia, chamada de SPDC (State Peace and Development Council, anunciou planos de realizar uma eleição em 2010. Um porta-voz afirmou que havia chegado a hora de mudar de governo militar para governo civil democrático [fonte: Washington Post]. Entretanto, a maioria dos cidadãos da Birmânia, como também outros governos, não levou a junta a sério. Em 1990, a Birmânia teve uma eleição geral em que a ativista Daw Aung San Suu Kyi, líder da Liga Nacional para a Democracia, venceu. O governo se recusou a reconhecer a vitória de Kyi e a manteve presa a maior parte do tempo desde a eleição.
Exército dos Estados Unidos via Getty Images
Foto de Saddam Hussein após sua captura, em dezembro de 2003
As ditaduras, às vezes, chegam ao fim de forma tão caótica quanto começaram. Adolf Hitler cometeu suicídio depois que os Aliados venceram as Forças Armadas da Alemanha. O ditador italiano fascista Benito Mussolini foi fuzilado por guerrilheiros comunistas e seu corpo foi apedrejado pelos cidadãos. Manuel Noriega foi capturado em 1989 depois que os Estados Unidos invadiram o Panamá e está cumprindo pena 30 anos de prisão em uma penitenciária federal na Flórida. Saddam Hussein foi deposto depois que as forças de coalizão tomaram o controle do Iraque e as Forças Armadas dos Estados Unidos o localizaram em uma pequena trincheira próxima a sua terra natal, em Tikrit. Posteriormente, ele foi executado pelo governo provisório do Iraque.
Muitas ditaduras acabam quando o ditador fica muito fraco ou doente, ou quando morre repentinamente. Vladimir Lenin sofreu vários derrames (em inglês) e assumiu cargos inferiores no governo antes de morrer. Josef Stalin também teve um derrame e morreu logo depois. Em 2008, Fidel Castro se afastou do cargo de líder de Cuba (passando a presidência para seu irmão Raul) depois de vários anos de saúde debilitada.
Geralmente, os ditadores tendem a permanecer no poder por muito tempo ou são depostos apenas para serem substituídos por outro ditador. Leva-se muito tempo para mudar uma estrutura governamental inteira e, normalmente isso não acontece sem a intervenção das Nações Unidas, dos Estados Unidos ou de outra organização. Atualmente, mais de 70 países do mundo são governados por ditadores. Muitos deles são culpados pelas atrocidades cometidas contra seu próprio povo.
As organizações não-governamentais, como a Human Rights Watch, informam e divulgam as violações contra os direitos humanos. Elas também pressionam os governos e as organizações internacionais a fazerem reformas nas áreas onde ocorrem abusos em relação aos direitos humanos. Talvez as destituições recentes de ditadores indiquem uma tendência a governantes eleitos que permitam que os cidadãos tenham a liberdade básica que se espera que exista atualmente.
Para obter mais informações sobre ditadores, fascismo e outros assuntos relacionadoa à política, veja a próxima página.
Ditadores benevolentes?
Um ditador benevolente é aquele que exerce seu poder absoluto para o bem de seu povo e não para benefício próprio ou de seus amigos e companheiros. Esse termo é subjetivo, assim como a interpretação atual da palavra ditador. Os partidários de Napoleão o consideravam benevolente. O mesmo se pode dizer dos defensores de Fidel Castro e seu regime. Entretanto, as pessoas que sofreram com os governos desses e de outros ditadores, considerados "benevolentes" por alguns, discordariam.
Fontes: (em inglês)
Ditador do mês
"Dissidentes censuram os planos de eleição da junta birmanesa". WashingtonPost.com, terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Plutarch. "As vidas paralelas". Loeb Classical Library, 1916. Domínio público
Wallechinsky , David. "Quem é o pior ditador do mundo?" Parade, 11 de fevereiro de 2007
Como surgiu o sutiã?
Como surgiu o sutiã?
por Thiago Velloso
Até hoje não se sabe como nem quando surgiu o primeiro modelo do acessório que, há séculos, auxilia a mulherada na implacável luta contra a gravidade. Existem registros de versões primitivas que remontam a mais de 2 mil anos, como mosaicos romanos mostrando mulheres com faixas de pano sobre os seios. Oficialmente, porém, a versão moderna do sutiã surgiu em 1914, quando foi patenteado por uma socialite norte-americana. Acompanhe a valorosa história desse amigão do peito feminino.
TUDO EM CIMA
A saga feminina em busca do suporte perfeito
O INÍCIO DA LUTA
Quando: 2500 a.C.
Embora seja difícil precisar, acredita-se que o primeiro grito de guerra das mulheres contra a Lei da Gravidade tenha acontecido na ilha grega de Creta, berço da civilização minoica. A mulherada usava um corpete rústico feito de tiras de pano sobre os seios para deixá-los mais bonitos
SAFADEZA ANTIGA
Quando: 1500 a.C.
O uso da peça para sedução ganhou mais força na civilização grega. As mulheres de Atenas usavam vários tipos de corpete destinados a valorizar seu colo. Já entre as esportistas saradas de Esparta, o acessório servia para manter o busto sob controle durante treinos e competições
TEMPOS CAÍDOS
Quando: 800 a.C.
Os romanos valorizavam mais a forma corporal dos guerreiros do que a delicadeza do corpo feminino. E quem sofreu com isso foram os mamilos. As mulheres usavam faixas apertadas para reduzir o volume dos seios, com exceção das noites de orgia, quando os corpetes gregos voltavam com tudo
TORTURA MEDIEVAL
Quando: 900
Na Idade Média, surgiram os apertadíssimos espartilhos. Eles reinaram soberanos, em vários modelos, até o século 19. Se mantinha a silhueta esbelta, o asfixiante acessório também causou a morte de várias mulheres, que tiveram costelas quebradas e órgãos perfurados pelo uso da peça
UUUFA!
Quando: 1900
É difícil determinar quando, para o alívio feminino, os sutiãs menos complicados (e apertados) voltaram. Mas, no início do século 20, os modelos já começaram a se aproximar daquele que conhecemos hoje. A novidade teria sido introduzida pelas inglesas, sendo logo adotada e difundida pelas francesas
TÁ NA MODA
Quando: 1907
Foram as americanas que deram uma turbinada no sutiã com a publicação de uma matéria na revista Vogue sobre a nova peça, chamada pela revista de brassière, termo francês que remete a uma camisa pequena – na França, ela é chamada de soutien gorge, que significa“apoio para os seios”
ESPERTEZA AMERICANA
Quando: 1915
Embora o sutiã já fosse usado havia milênios, o título de inventora do acessório ficou com uma americana. Após causar frisson desfilando com um modelito feito de lenços de seda pelos salões da alta-roda de Nova York, em 1914, a socialite Mary Phelps Jacob acabou patenteando a peça no ano seguinte
ESTICA E PUXA
Quando: 1937
Mesmo já difundido no mundo da moda, a popularização do sutiã só veio mesmo com a invenção de um material mais elástico e resistente: o náilon. O novo tecido, patenteado pela empresa norte-americana Dupont, permitiu maior durabilidade, um ajuste mais confortável e uma queda no preço do produto
DESIGN SUPERSÔNICO
Quando: 1945
O bilionário norte-americano Howard Hughes usou suas habilidades de engenheiro de aviação para desenhar o famoso sutiã meia-taça para a atriz Jane Russel. Segundo ele, os modelos da época não faziam jus ao busto da beldade. Seu desenho levou à criação de peças em formatos mais ousados
FOGUEIRA DA VAIDADE
Quando: 1968
Ficou famoso, no fim dos anos 60, o episódio em que mulheres teriam queimado sutiãs em protesto contra o concurso Miss America e o machismo que ele representava. Elas até tentaram incendiar sapatos, revistas, maquiagem e sutiãs num latão, mas foram impedidas por seguranças
FONTE: www.fashion-era.com
por Thiago Velloso
Até hoje não se sabe como nem quando surgiu o primeiro modelo do acessório que, há séculos, auxilia a mulherada na implacável luta contra a gravidade. Existem registros de versões primitivas que remontam a mais de 2 mil anos, como mosaicos romanos mostrando mulheres com faixas de pano sobre os seios. Oficialmente, porém, a versão moderna do sutiã surgiu em 1914, quando foi patenteado por uma socialite norte-americana. Acompanhe a valorosa história desse amigão do peito feminino.
TUDO EM CIMA
A saga feminina em busca do suporte perfeito
O INÍCIO DA LUTA
Quando: 2500 a.C.
Embora seja difícil precisar, acredita-se que o primeiro grito de guerra das mulheres contra a Lei da Gravidade tenha acontecido na ilha grega de Creta, berço da civilização minoica. A mulherada usava um corpete rústico feito de tiras de pano sobre os seios para deixá-los mais bonitos
SAFADEZA ANTIGA
Quando: 1500 a.C.
O uso da peça para sedução ganhou mais força na civilização grega. As mulheres de Atenas usavam vários tipos de corpete destinados a valorizar seu colo. Já entre as esportistas saradas de Esparta, o acessório servia para manter o busto sob controle durante treinos e competições
TEMPOS CAÍDOS
Quando: 800 a.C.
Os romanos valorizavam mais a forma corporal dos guerreiros do que a delicadeza do corpo feminino. E quem sofreu com isso foram os mamilos. As mulheres usavam faixas apertadas para reduzir o volume dos seios, com exceção das noites de orgia, quando os corpetes gregos voltavam com tudo
TORTURA MEDIEVAL
Quando: 900
Na Idade Média, surgiram os apertadíssimos espartilhos. Eles reinaram soberanos, em vários modelos, até o século 19. Se mantinha a silhueta esbelta, o asfixiante acessório também causou a morte de várias mulheres, que tiveram costelas quebradas e órgãos perfurados pelo uso da peça
UUUFA!
Quando: 1900
É difícil determinar quando, para o alívio feminino, os sutiãs menos complicados (e apertados) voltaram. Mas, no início do século 20, os modelos já começaram a se aproximar daquele que conhecemos hoje. A novidade teria sido introduzida pelas inglesas, sendo logo adotada e difundida pelas francesas
TÁ NA MODA
Quando: 1907
Foram as americanas que deram uma turbinada no sutiã com a publicação de uma matéria na revista Vogue sobre a nova peça, chamada pela revista de brassière, termo francês que remete a uma camisa pequena – na França, ela é chamada de soutien gorge, que significa“apoio para os seios”
ESPERTEZA AMERICANA
Quando: 1915
Embora o sutiã já fosse usado havia milênios, o título de inventora do acessório ficou com uma americana. Após causar frisson desfilando com um modelito feito de lenços de seda pelos salões da alta-roda de Nova York, em 1914, a socialite Mary Phelps Jacob acabou patenteando a peça no ano seguinte
ESTICA E PUXA
Quando: 1937
Mesmo já difundido no mundo da moda, a popularização do sutiã só veio mesmo com a invenção de um material mais elástico e resistente: o náilon. O novo tecido, patenteado pela empresa norte-americana Dupont, permitiu maior durabilidade, um ajuste mais confortável e uma queda no preço do produto
DESIGN SUPERSÔNICO
Quando: 1945
O bilionário norte-americano Howard Hughes usou suas habilidades de engenheiro de aviação para desenhar o famoso sutiã meia-taça para a atriz Jane Russel. Segundo ele, os modelos da época não faziam jus ao busto da beldade. Seu desenho levou à criação de peças em formatos mais ousados
FOGUEIRA DA VAIDADE
Quando: 1968
Ficou famoso, no fim dos anos 60, o episódio em que mulheres teriam queimado sutiãs em protesto contra o concurso Miss America e o machismo que ele representava. Elas até tentaram incendiar sapatos, revistas, maquiagem e sutiãs num latão, mas foram impedidas por seguranças
FONTE: www.fashion-era.com
Que povos comemoram o Ano-Novo em outra data?
por Fabrício Moreira
CHINA Quando - Fim de janeiro ou começo de fevereiro
Ano atual - 2010
Os chineses seguem o calendário lunar, elaborado com base no tempo que a Lua leva para dar uma volta em torno da Terra - cerca de 29 dias e 12 horas. Antes da celebração, é tradição limpar a casa para afastar os maus espíritos. À meia-noite da virada, todos comem o guioza, um pastel típico. As festividades duram um mês e incluem desfiles e show pirotécnico
JAPÃO Quando - Do dia 1º ao dia 3 de janeiro
Ano atual - 2010
O Réveillon nipônico é um pouco adiantado (por causa do fuso horário), mas também é celebrado no dia 1º de janeiro. A diferença é que lá do outro lado do mundo, a festa dura três dias - um superferiado. Na virada, os japoneses costumam comer macarrão, que representa uma vida longa. Também vão a um templo para rezar e pedir boa sorte para o novo ano
JUDAÍSMO Quando - 1º dia do mês de Tishrei (meados de setembro)
Ano atual - 5771
Tishrei é o nome do primeiro mês do calendário judaico, no qual se comemora o Rosh Hashaná, o Ano-Novo judaico. A data é determinada pelas fases da Lua e é festejada durante dois dias com uma farta refeição. No banquete, carnes ensopadas e doces de frutas e mel, para atrair um ano doce
HINDUÍSMO Quando - 1º de março (sul da Índia), 1º de outubro (leste e no centro indiano) e 14 de abril (comunidade tâmil)
Ano atual - 2067
A Festa das Luzes, o Réveillon hindu, dura cinco dias. A comemoração incluiu lamparinas, incensos e fogos de artifício para afastar as forças do mal. O Ano-Novo hindu varia entre as regiões da Índia, dependendo do estudo dos astros, e celebra o retorno da deusa da prosperidade, Lakshmi
ISLAMISMO Quando - 7 de dezembro
Ano atual - 1432
No ano de 622 d.C., Maomé deixa Meca e vai para Medina. A hégira, como o episódio ficou conhecido, determina o início do ano islâmico - ou 1º de Muharram. Durante a celebração, que dura dez dias, são realizados atos de compaixão e jejum. Como utiliza calendário lunar, a virada do ano é comemorada em datas diferentes todos os anos
FÉ BAHÁ'Í Quando - Entre 2 e 20 de março
Ano atual - 167
A religião, que teve origem na antiga Pérsia (atual Irã), segue um calendário astronômico que tem 19 meses com 19 dias. Em meados de março, os bahá'ís celebram o Ano-Novo. Um período antes da comemoração, eles se purificam espiritualmente e costumam fazer jejum, que só termina quando o Sol se põe - indicando o início do novo ano
WICCA Quando - 31 de outubro
Ano atual - 2011
Os praticantes da religião neopagã Wicca, difundida a partir da década de 1950, comemoram o fim de um ano e o começo de outro no último dia de outubro. Na data, são realizados rituais em altares para recordar aqueles que já morreram e eliminar as energias negativas. Velas, incensos, maçãs, vinho quente e pratos com abóbora e carne fazem parte da celebração
THELEMA Quando - 20 de março
Ano atual - IV:xix (ou 4º ciclo desde 1904, mais 19 anos)
A corrente celto-xamânica comemora o Ano-Novo no dia 20 de março, ou numa data próxima. A virada coincide com o Banquete pelo Equinócio dos Deuses, época em que o Sol passa de um hemisfério para o outro
Pode acreditar
O Dia da Mentira surgiu na França, quando o Ano-Novo mudou de 25 de março para 1º de abril e, depois, para 1º de janeiro. Desde então, as pessoas começaram a sacanear uns aos outros
FONTE - Departamento de Geodésia da UFRGS; embaixada indiana; Comunidade Bahá'í do Brasil; Dicionário Hebraico-Português (Edusp, 1995); Casa de Bruxa - Universidade Livre Holística; Ordo Templi Orientis Brasil - Ordem do Templo do Leste/Ordem dos Templários Orientais
CHINA Quando - Fim de janeiro ou começo de fevereiro
Ano atual - 2010
Os chineses seguem o calendário lunar, elaborado com base no tempo que a Lua leva para dar uma volta em torno da Terra - cerca de 29 dias e 12 horas. Antes da celebração, é tradição limpar a casa para afastar os maus espíritos. À meia-noite da virada, todos comem o guioza, um pastel típico. As festividades duram um mês e incluem desfiles e show pirotécnico
JAPÃO Quando - Do dia 1º ao dia 3 de janeiro
Ano atual - 2010
O Réveillon nipônico é um pouco adiantado (por causa do fuso horário), mas também é celebrado no dia 1º de janeiro. A diferença é que lá do outro lado do mundo, a festa dura três dias - um superferiado. Na virada, os japoneses costumam comer macarrão, que representa uma vida longa. Também vão a um templo para rezar e pedir boa sorte para o novo ano
JUDAÍSMO Quando - 1º dia do mês de Tishrei (meados de setembro)
Ano atual - 5771
Tishrei é o nome do primeiro mês do calendário judaico, no qual se comemora o Rosh Hashaná, o Ano-Novo judaico. A data é determinada pelas fases da Lua e é festejada durante dois dias com uma farta refeição. No banquete, carnes ensopadas e doces de frutas e mel, para atrair um ano doce
HINDUÍSMO Quando - 1º de março (sul da Índia), 1º de outubro (leste e no centro indiano) e 14 de abril (comunidade tâmil)
Ano atual - 2067
A Festa das Luzes, o Réveillon hindu, dura cinco dias. A comemoração incluiu lamparinas, incensos e fogos de artifício para afastar as forças do mal. O Ano-Novo hindu varia entre as regiões da Índia, dependendo do estudo dos astros, e celebra o retorno da deusa da prosperidade, Lakshmi
ISLAMISMO Quando - 7 de dezembro
Ano atual - 1432
No ano de 622 d.C., Maomé deixa Meca e vai para Medina. A hégira, como o episódio ficou conhecido, determina o início do ano islâmico - ou 1º de Muharram. Durante a celebração, que dura dez dias, são realizados atos de compaixão e jejum. Como utiliza calendário lunar, a virada do ano é comemorada em datas diferentes todos os anos
FÉ BAHÁ'Í Quando - Entre 2 e 20 de março
Ano atual - 167
A religião, que teve origem na antiga Pérsia (atual Irã), segue um calendário astronômico que tem 19 meses com 19 dias. Em meados de março, os bahá'ís celebram o Ano-Novo. Um período antes da comemoração, eles se purificam espiritualmente e costumam fazer jejum, que só termina quando o Sol se põe - indicando o início do novo ano
WICCA Quando - 31 de outubro
Ano atual - 2011
Os praticantes da religião neopagã Wicca, difundida a partir da década de 1950, comemoram o fim de um ano e o começo de outro no último dia de outubro. Na data, são realizados rituais em altares para recordar aqueles que já morreram e eliminar as energias negativas. Velas, incensos, maçãs, vinho quente e pratos com abóbora e carne fazem parte da celebração
THELEMA Quando - 20 de março
Ano atual - IV:xix (ou 4º ciclo desde 1904, mais 19 anos)
A corrente celto-xamânica comemora o Ano-Novo no dia 20 de março, ou numa data próxima. A virada coincide com o Banquete pelo Equinócio dos Deuses, época em que o Sol passa de um hemisfério para o outro
Pode acreditar
O Dia da Mentira surgiu na França, quando o Ano-Novo mudou de 25 de março para 1º de abril e, depois, para 1º de janeiro. Desde então, as pessoas começaram a sacanear uns aos outros
FONTE - Departamento de Geodésia da UFRGS; embaixada indiana; Comunidade Bahá'í do Brasil; Dicionário Hebraico-Português (Edusp, 1995); Casa de Bruxa - Universidade Livre Holística; Ordo Templi Orientis Brasil - Ordem do Templo do Leste/Ordem dos Templários Orientais
28.12.11
O eclipse da nação (1940-1945)1
Massimo Mastrogregori
RESUMO
Observando alguns documentos e fatos de história cultural dos anos 1940-1945, tem-se a impressão de que nação e termos correlatos (pátria, povo, comunidade nacional, Estado) continuamente desapareçam e reapareçam, em particular nas reconstruções dos fatos finais do segundo conflito mundial. Criou-se então – na convergência de mudanças mundiais e eventos "nacionais" – uma espécie de vazio, que poderia ser chamado de "eclipse da nação". As "histórias de historiadores" aqui apresentadas brevemente indicam que esse vazio envolveu uma série de elementos culturais decisivos na estruturação das relações sociais "nacionais". Desse vazio, logo ocultado e "preenchido" com novos conteúdos, deve-se dar conta para entender como se formaram "novas" comunidades de cidadãos após a Segunda Guerra Mundial.
Palavras-chave: Historiografia (1940-1945), Nação, Estado, História cultural.
1
BERLIM, junho de 2003. Nas hesitações e silêncios revelam-se, às vezes, problemas incômodos. O presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi, dedicou-se intensamente, durante seu governo, a ressuscitar o patriotismo na Itália (por exemplo, dando vida ao frio e desprezado Vittoriano, o altar da pátria gigantesco que conserva, no centro de Roma, o monumento ao soldado morto em combate). Podemos imaginar que também em seu discurso, na Universidade Humboldt de Berlim, em junho de 2003, tivesse feito alguma referência à unidade nacional – que ele representava –, à história italiana, à pátria. Mas quando, no final do discurso, uma estudante lhe perguntou por quê, após as obras de restauração da embaixada italiana em Berlim, tivessem que voltar também os símbolos do fascismo (dois fasci littori) antigamente colocados na residência histórica oferecida pelo Terceiro Reich a Mussolini (e oitenta judeus foram obrigados a trabalhar nessa construção, lembrou) – a tal pergunta, o presidente respondeu aparentemente de forma hesitante: "Não visitei ainda a embaixada, não posso responder com precisão, não é um fato de que me ocupei". Em seguida, porém, explicou que esses símbolos "representam um período histórico vivido; não cancelamos na Itália todos os símbolos da época fascista porque são testemunhos de um período histórico, não para evocá-los".
Não deve ser fácil representar, com a própria pessoa, a unidade de uma nação, especialmente em se tratando da Itália. De algum modo, o presidente conseguiu se salvar, mantendo que a história é constituída de "períodos históricos vividos". Alguns períodos podem ser somente atestados. Outros podem, ou devem, ser evocados e celebrados. Diante da multiplicidade dissonante de períodos e situações, o presidente afirma a unidade, e, portanto, a continuidade, de forma um pouco acrobática. Mas essa é sua função constitucional.
Dois anos antes, Ciampi, em polêmica oficial com a tese da "morte da pátria", tendo "vivido, como jovem oficial, os "acontecimentos dramáticos de 1943", atestava no maior jornal italiano:
Vivi o colapso do Estado; vivi a perturbação da ausência de "ordens" no momento, creio, mais trágico na história de nossa Itália. Como tantos outros em minhas condições, encontramos em nossas consciências a orientação: nessas consciências vibrava, profundo, o sentimento da Pátria. É o que pretendo dizer, em meu testemunho de cidadão.
Afirmava-se, assim, o colapso do Estado italiano, e a continuidade subterrânea, interior, do "sentido da Pátria", também no terrível ano de guerra, 1943. Estado, pátria: nenhum traço da nação nesses raciocínios, tacitamente polêmicos.
Com efeito, somente a presença da palavra nação confere ao discurso limites ainda mais incertos; retomam-se, com facilidade, termos "quase sinônimos", como pátria, povo, Estado nacional, comunidade nacional. Somos conduzidos, como em uma espécie de roda-gigante vertiginosa, a tratar questões decisivas: os destinos da nação, a vida, a morte, o futuro da pátria. Nesse emaranhado, ou nessa trama de fenômenos diversos, é inútil pretender definições precisas. O historiador Roberto Vivarelli, em várias ocasiões recentes, concentrou-se, de forma sofrida e aguda, nas manifestações e implicações do problema da nação italiana, e insistiu sobre as distinções necessárias entre as posições em tempos difíceis, 1943-1945, além das reconstruções sucessivas, convencionais ou políticas. Mas ele também não fugiu de uma incerteza substancial: parece afirmar e negar, ao mesmo tempo, a continuidade da "comunidade" nacional italiana por meio dos acontecimentos trágicos da metade do século passado.
Enfim, a nação e seus sinônimos aproximativos – não somente a italiana – desaparecem e aparecem a cada momento, em particular nas reconstruções dos acontecimentos dramáticos finais da Segunda Guerra Mundial. Neste artigo, gostaria de apresentar uma primeira tentativa de medir o impacto dos acontecimentos que culminaram no período 1943-1945 na obra e na biografia intelectual de alguns intelectuais importantes, não somente italianos, que nesses momentos enfrentaram, direta ou indiretamente, o problema da nação ou de suas relações com essa.2
2
Novamente em Berlim. O escritor argentino Osvaldo Bayer vive em exílio em uma casa a poucos quarteirões do cemitério dos generais prussianos, que ele freqüentemente visita. Pouco além, o aeroporto de Tempelhof, em que se ergue, desde o final da última guerra, a bandeira dos Estados Unidos (toda manhã entra, pela sua janela, o hino norte-americano transmitido pelos alto-falantes). No texto de Bayer que cito a seguir, há a imagem perfeita de um mundo novo, em que a pátria e a nação novamente se esvaeceram, para dar lugar a dois grandes impérios:
Encontro-me diante do túmulo da Família Trüzchler von Falkenstein. Um perfeito monumento para o esquecimento. As paredes descascadas da capela, as coroas de louro em ferro abandonadas. Os trabalhadores do cemitério – italianos, portugueses – com sentido prático a escolheram como depósito de foices, carrinhos e sacos de adubo. Meu general! General Louis Trützchler von Falkenstein, realmente o esqueceram! Sequer um soldado a trazer uma flor ao seu general! Sequer os camponeses de seus antigos latifúndios a leste do Elba lembram-se ainda de seu Junker, seu "Jovem Senhor". Com todo aquele orgulho, todas as ombreiras douradas e as botas de couro, o uniforme de medida impecável e seu monóculo, de modo que o olho pudesse lançar olhares fulminantes de águia! Onde acabou tudo isso? Seus discursos sobre a pátria e ainda sobre a pátria e sobre os inimigos da pátria? General Trützchler von Falkenstein. Já seu nome sozinho amedrontava os recrutas. Enrolavam-se suas línguas ao pronunciá-lo. Seu monumento fúnebre conserva ainda nas paredes as marcas de quarenta anos atrás, quando o Exército Vermelho atacou Berlim do sul para chegar a Tempelhof. Os tiros russos sobre o seu monumento, general, e ali, a poucos metros, há quarenta anos, a bandeira norte-americana.
É a mesma visão, por assim dizer, que domina as memórias, extremamente seletivas, de Paolo Emilio Taviani,partigiano e político italiano: a aliança contra o Pacto Atlântico dos seguidores de Giuseppe Dossetti (da Democracia Cristã), em 1949, inspira-se em uma lógica nacional anacrônica; toda a história republicana italiana deve ser interpretada à luz da política exterior (de uma dupla política exterior das duas forças maiores, da democracia italiana e comunista); o fim da unidade nacional partigiana, em 1947, é também o fim da "escala" nacional para descrever e interpretar o Novo Mundo.
Também os historiadores entram no mundo novo, como veremos, profundamente mudados, até mesmo "dilacerados". A perda momentânea da "escala" nacional produz, em um primeiro momento, duas tendências divergentes: em direção a pesquisas limitadas a âmbitos muito restritos, e em direção a projetos de história universal. Para a primeira tendência, vale a observação de Corrado Vivanti: "Ninguém (nos primeiros anos do após guerra) pensava poder se dedicar a um trabalho de âmbito não só nacional, mas um pouco mais vasto do que uma província ou região". Como exemplo da segunda tendência, é importante o projeto de história universal confiado aos historiadores Chabod e Momigliano pelo editor Einaudi, logo após a guerra. Na base do projeto, como lembrou Edoardo Tortarolo, está a visão elaborada por Chabod já nos anos 1930:
a única história não estritamente nacional que possa ser pensada e escrita, pelo menos até o século XIX, é a história européia, posto que o nosso modo de julgar, a nossa mentalidade histórica, os pontos de vista com que podemos avaliar os fatos [...] estão estreitamente ligados aos valores que a civilização européia se vangloria de ter criado.
Em uma carta de 1949, Momigliano aprofunda a crise da "escala nacional", resolvida em chave européia por Chabod (nos traços da História de Europa de Croce): também os valores europeus põem alguns problemas:
História universal. Estou de acordo contigo que uma história desse tipo deva ser pensada como história dos problemas do passado que possuem ainda um valor atual [...] Interessa-me mais saber como resolves a seguinte questão. Toda história universal, parece-me, inclui uma análise das características essenciais das nações com as quais temos em comum a civilização e uma análise das características exemplares das nações às quais, graças à nossa civilização, reconhecemos umahumanidade comum. Grécia e Roma nos interessam porque nos comunicaram elementos essenciais da nossa civilização; mas China e Japão nos interessam porque, graças à nossa [civilização] reconhecemos aí valores de humanidade. Naturalmente o reconhecimento do valor de humanidade é o princípio de unificação da civilização; mas é o princípio, não a conclusão. Nesse sentido, a história universal é a contribuição à universalização da história. Ora, como pensas em organizar esses dois aspectos de uma história universal/história da nossa civilização? História da nossa humanidade?
O projeto de história universal da editora Einaudi, após várias tentativas de lançamento nos anos 1950, foi confiado em 1964 a Corrado Vivanti, e naufragou definitivamente; para se transformar, porém, em 1966, no embrião da História da Itália (reaparecia, em um contexto profundamente modificado, a "escala" nacional).
Mais ou menos no mesmo período, Momigliano retomava, em uma conferência apresentada em Erice, em 1967, a dúvida, que exprimia tensões não resolvidas, sobre o nosso passado (note-se que agora acrescenta duas referências, aos antigos hebreus e aos primeiros cristãos, ausentes na carta a Chabod de 1949). Lembra Salvatore Settis:
Momigliano começou com uma pergunta: por que se estuda História Antiga? Há dois modos diferentes, ou melhor, opostos, de responder a essa pergunta, disse então: um é dizer que todos os acontecimentos dos homens, em todo tempo e lugar, merecem estudo e atenção; outro, que os traços de nosso passado (por exemplo, na Itália) na cultura, na língua, nos monumentos, nas instituições, na paisagem, são tão imponentes que nos interessam e nos obrigam a estudar o passado para entender uma parte importante de nós mesmos. Se ficarmos com a primeira resposta, é totalmente indiferente para um italiano estudar História ou Arte da China antiga ou de Roma antiga; se ficarmos com a segunda, o estudo da China antiga terá um significado particular para os chineses, o de Roma antiga, para os italianos; um europeu, para entender a si mesmo, deverá considerar não somente os romanos antigos, mas também os gregos antigos, os hebreus e a cultura cristã dos primeiros séculos como partes irrenunciáveis e interconexas das próprias raízes culturais.3
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Voltemos ao nosso tema. As observações que seguem, sobre alguns estudiosos e o eclipse da nação na metade do século XX, retomam uma reflexão iniciada com um ensaio sobre a "colaboração" com o regime fascista de três historiadores italianos, Carlo Antoni, Federico Chabod e Arnaldo Momigliano. Retomemos em breve seu conteúdo. Em um capítulo da História de um ano, apresentado no Corriere della Sera de julho de 1944, Benito Mussolini perguntava: estamos diante de um eclipse ou do crepúsculo da nação italiana? De um eclipse, respondia: a Itália, como Roma antiga ou a Prússia, não pode morrer. A guerra atual, prosseguia, é uma guerra de religião, não de nações. A honra perdida será readquirida somente com o sangue derramado, em uma luta que é também uma guerra civil: antes de tudo, é preciso cancelar o desprezo do aliado alemão pela traição de 8 de setembro de 1943.
As referências históricas do discurso de Mussolini provinham também de uma relação de um estudioso do Instituto Italiano de Estudos Alemães, Carlo Antoni, seu colaborador, voluntário ou involuntário. O episódio me permitia esclarecer que, no caso de relações entre alta cultura e regimes totalitários, a pergunta justa não é se os estudiosos fossem fascistas, antifascistas ou puros "técnicos" (como pretendia ser o jurista Piero Calamandrei), mas uma outra: qual era o espaço político em que se desenvolvia seu trabalho?
Tal espaço político é atravessado por conflitos de fidelidades públicas (ao Estado, à pátria, à nação, ao governo, à profissão, à escola, à ciência) e privadas (à família, à própria pessoa e carreira). A extensão e configuração desses conflitos (um verdadeiro emaranhado), as soluções que eram apresentadas, eventualmente, cada vez, criam os limites, variáveis, do espaço político em que trabalha o estudioso. O ensaio se fechava na constatação de que, na biografia dos três personagens em questão, um papel decisivo é desempenhado pelo que acontece no período 1943-1945: fim do fascismo, crise da nação italiana, desmoronamento do Estado nacional e desaparecimento da Monarquia, crise moral da pátria, fim de todo um mundo.
Enfim, acontecera um grande naufrágio. O fato de que a vida continuasse, de que as coisas voltassem a seu lugar – pelo menos, assim aparecia – não significa que aquele naufrágio não ocorrera. Houve, em muitos casos, uma reconstrução convencional dos acontecimentos, ex-post. Os nossos autores se inseriram em um espaço político novo, às vezes pagando sacrifícios silenciosos. Eu mencionava, enfim, o fato de que mais tarde, por volta de 1960, os nós não resolvidos da mudança traumática vieram à tona, por exemplo, na dura correspondência entre Chabod e Momigliano, a respeito do necrológio de Antoni.
Trata-se, agora, de tentar uma primeira medição do impacto desse "terremoto silencioso", por meio do estudo de alguns conflitos de fidelidade, ou momentos de biografia intelectual. Veremos como alguns historiadores pensam o Estado-nação, como individualidade histórica, e em que relação estão com esse.4
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Abramos o Report on conditions in Liberated Italy north of Army control line, n.15, de 20 de abril de 1945, transmitido ao comando aliado pelos serviços de informação e propaganda ingleses (P.W.B.). No primeiro apêndice, Reactions to allied foreign policy, encontramos, em primeira pessoa, as opiniões de Piero Calamandrei, advogado e jurista, reitor da Universidade de Florença, membro influente do Partido de Ação.
Para aqueles que, como eu mesmo, consideraram a luta como uma Guerra não de nações, mas de religião, com os melhores italianos do lado dos combatentes pela liberdade, a chegada dos Aliados não se revelou uma decepção. Sentimos que o exército aliado era nosso exército e observamos a destruição inevitável de nossas cidades e campos com um sentimento de constrição, pois suas vitórias eram nossas vitórias.
Guerra de religião, não de nações. A luta pela liberdade justifica as destruições no território italiano, o exército aliado é o nosso exército. Todavia, prossegue Calamandrei, os ingleses erram quando consideram que os italianos são "all equally responsible for Fascism and the war": deveriam distinguir os fascistas dos não-fascistas, os oportunistas, os antifascistas. Além do mais, os aliados não devem mirar a Monarquia, para restaurar uma ordem conservadora: a Monarquia é a responsável pelo fascismo.
A nação italiana, dividida em seu interior segundo linhas claramente políticas e morais, alinhada em duas frentes em uma guerra pela liberdade, eclipsou-se nesse quadro explicativo, que é o mesmo de Mussolini na História de um ano, mesmo se a religião pela qual se combate desse lado não é a da raça, do sangue e da honra.
Em dois discursos, pronunciados em Bari, em 28 de janeiro de 1944, e em Roma, em 21 de setembro de 1944, Benedetto Croce repetia o mesmo argumento: combate-se no mundo uma guerra de religião, não de nações.
Uma educação civil severa – lê-se no discurso de Bari – tornara axiomático o princípio de que, quando se ouve o primeiro golpe de canhão, um povo deve fazer calar todos os seus contrastes e fundir-se em uma única vontade para a defesa e a vitória da pátria, a qual, acertando ou errando, é a pátria. E relutávamos em obedecer a esse princípio solene, e a relutância não era de uma paixão rebelde, mas de uma voz interior, de um sentido de verdade que nos levava a advertir que a observação da antiga máxima seria, essa vez, um esforço impossível, uma terrível hipocrisia para conosco. Pouco a pouco, iluminamo-nos: começamos a ouvir ao nosso redor o juízo segundo o qual a guerra atual não era uma guerra entre povos, mas uma guerra civil; e mais exatamente ainda, que não era uma simples guerra de interesses políticos e econômicos, mas uma guerra de religião; e para a nossa religião, que tinha o direito de nos comandar, resignamo-nos ao desapego diante do desejo de uma vitória italiana...
Reparando bem, mais do que um desapego irreversível, relativamente ao desejo da pátria, mais do que uma superação em uma esfera superior, religiosa, da fusão em uma única vontade dos contrastes, em que consiste uma nação (vontade e fusão intensificadas no momento da guerra), verifica-se, nos numerosos escritos de Croce desse período – dos quais seria necessária uma análise mais acurada do que posso realizar nesta conferência – uma suspensão, reversível, portanto, do querer nacional. E logo essa suspensão acaba.
Em uma carta de Croce a Einstein, de junho de 1944, é a Itália – desde a queda do Império Romano! – que se identifica com a liberdade, a nação coincide com a religião: "Desde a queda do Império romano, a Itália nunca teve delírios de dominar no mundo; ela realizou, ou procurou realizar, a liberdade e na liberdade se unificou, e seu nacionalismo e fascismo derivaram de conceitos estrangeiros". Pode-se observar, seguindo a análise de Michele Maggi, que esse retorno à dimensão nacional passa pela identificação com a nação italiana do próprio Croce, "o maior dos italianos vivos": a voz que fala no rádio em 8 de novembro de 1944 não é somente a de Croce, mas também a "do povo italiano, do verdadeiro povo italiano". Homem-nação na ausência do Estado espedaçado, o filósofo representa a unidade italiana. Assim, nos Cadernos de Croce, na data de 16 de abril de 1945, lê-se:
Entre tantas palavras gentis que ouço e que recebo com alma pacata porque as tinha previsto há tempo como efeito natural da queda do fascismo, uma, hoje de manhã, me comoveu: afirmação que teria sido proferida por alguém que não conheço: "enquanto Croce viver, nós italianos não nos sentiremos sós". Comoveu-me, pois me senti identificado com a velha Itália, sentimentalmente próxima a mim.
Algumas intervenções sucessivas de Croce demonstram quanto essa identificação fosse sentimental, ligada às contingências, e completamente política. Na polêmica com Ferruccio Parri, no "Conselho" de setembro de 1945, a "velha Itália", que ele amava, é a Itália real, democrática, contraposta à Italiazinha denegrida pelos fascistas. No discurso de março de 1947 sobre o projeto de Constituição, Croce argumenta contra as autonomias locais e as regiões, para a unidade estatal do povo italiano. Enfim, o discurso de 24 de julho de 1947 sobre o tratado de paz é uma defesa da dignidade nacional, da Itália que não morre.
Com uma revisão substancial das teses sobre a guerra de religião, Croce sustenta que "todos perdemos a guerra, porque também nos envolvia, sem exceção, nós que não podemos nos separar do bem e do mal de nossa pátria... Isso é pacífico e evidente". Não é possível aprovar o tratado de paz, porque é uma ofensa à honra da pátria – prossegue o filósofo –, tira do povo italiano o respeito por si mesmo, é uma "diminuição durável" que as gerações futuras poderão sentir em si mesmas, é uma traição da "herança deixada por nossos pais", ter "deixado vituperar, aviltar e submeter a nossa Mãe comum, recebendo de forma submissa um castigo iníquo". Todos perdemos a guerra, afirma Croce acrobaticamente, mas dessa Mãe comum não faz parte o regime que a declarou: "os parênteses fascistas foram completamente estranhos à sua tradição... imitação dos nacionalismos e totalitarismos de outros", provocados pela Grande Guerra. Croce apega-se aqui a uma nação sem corpo, puramente espiritual, quase um fantasma. Grande parte da história italiana permanece excluída: a entrada em guerra, de 1915 em diante, os desenvolvimentos mais recentes, a nova Constituição, a aceitação do Tratado de paz e a nova situação que se estava criando. Os outros permanecem excluídos: os nacionalistas, os fascistas.5
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Também os outros – os nacionalistas, fascistas e os partidários de Salò – defendiam, todavia, a unidade da nação. Todos é a palavra-chave do artigo "Reconstruir" de Giovanni Gentile, publicado no Corriere della Sera de 28 de dezembro de 1943.
O sentimento da Pátria é hoje vivo, eu diria, exasperado, na alma de todos os italianos, mesmo se nas formas mais variadas e opostas. A guerra, com efeito, atingindo os extremos, impôs a todos, ricos e pobres, homens e mulheres, velhos, jovens e crianças, a sua dura realidade e as suas conseqüências funestas, com uma ameaça eminente, urgente: que é a destruição do País, vencido. E a todos faz sentir que agora tudo está em jogo, a própria vida de cada indivíduo, mesmo se esse pudesse, antes, ter se iludido de que o Estado estava em perigo, e não ele mesmo [...] A Nação está em perigo, e a Pátria se desfez [...]. Partidários da Inglaterra e da Alemanha, antifascistas e fascistas, italianos debandados e italianos orientados e firmes no lugar de combate discutirão de quem foi a culpa e qual será o caminho para voltar à luz.
É uma ilusão, mantém Gentile, separar o destino do Estado do da Nação e de seus componentes singulares: quando "a Pátria se desfez", está em perigo "a própria vida de cada indivíduo". Não há espaço vazio, não há distância entre o indivíduo e "o todo", que é a Nação-Estado. O aniquilamento do país implica a ruína individual. Talvez derive dessa ordem de pensamentos, em última análise, o desaparecimento do filósofo. Por certo, somente um dos gêmeos siameses idea-listas – Croce e Gentile, que o governo fascista separara – consegue representar, com a própria pessoa, a unidade da nação: o outro desaparece, anulado também fisicamente.
Nação e Estado coincidem, para Gentile, em um sentido preciso. Após a queda do fascismo, mas antes do armistício de 8 de setembro de 1943, o filósofo retoma, para publicação, um grupo de conferências romanas de 1942-1943: daí deriva Gênese e estrutura da sociedade, o seu primeiro livro publicado póstumo, impresso em dezembro de 1945.
A nação – lê-se no capítulo VI, § 2: Nação e Estado – não se dá pelo solo, nem pela vida comum e pela conseqüente comunidade de tradições, costumes, linguagem, religião etc. Tudo isso é a matéria da nação. A qual não será tal se não tiver a consciência dessa matéria e não a assumir em sua consciência como o conteúdo constitutivo da própria essência espiritual; e, portanto, não fará disso objeto da própria vontade. Vontade que, em sua atualidade concreta, é o Estado: já constituído ou a se constituir; e verdadeiramente, em todo caso, a ser constituído (conservar é um constituir contínuo, um criar contínuo). Vontade.
Erro da doutrina das nacionalidades, que teriam direito a unidade e autonomia estatal. Não é a nacionalidade que cria o Estado; mas o Estado cria (sela e faz ser) a nacionalidade. Que, conquistando a própria unidade e independência, celebra sua vontade política, realizadora do Estado.
Há, aqui, a idéia, bastante difundida no mundo novo que nasce da Grande Guerra, de que as revoluções conservadoras realizam a nação mais do que qualquer outro sistema político. Somente as revoluções totalitárias ultranacionalistas – como a fascista e a nazista – fazem crescer as nações.
Ora, tal crescimento da nação pode ser uma intensificação da coesão interna – como a que deveria acontecer, segundo Croce e Gentile, no momento da entrada em guerra ou da derrota – mas também uma ampliação das fronteiras.
Giuseppe Bottai, em um escrito de novembro de 1932 que se inspira na "Mostra da revolução fascista", defende que os italianos de raça, católicos romanos e fascistas, diferentemente do alemão, têm "fronteiras morais bem marcadas".
Nada de vago, flutuante, simplesmente sensível ou mesmo supersensível, mágico e hermético. Pode-se dizer de outros povos – como um alemão disse do alemão – que não têm fronteiras, nem corpos, e se debatem em um sonho angustiado e confuso. O italiano tem fronteiras morais bem marcadas e visão clara. Para corresponder ao seu temperamento, o fascismo devia visar a uma ordem de forças reais, de valores reconhecidos, de atividades concretas [...] O fascismo se sente como uma inspiração, como uma intuição, como um ato de fé; e há indivíduos incapazes de senti-lo, negados ao seu fascínio ideal, mesmo se inscritos regularmente. Mas o fascismo, também, como se vê, é substância de realidade, ordem tangível, coisa criada, coisa feita, que está ali, diante de nossos olhos; e nós lhe pertencemos e a possuímos.
Ver o fascismo: eis, passados dez anos da Marcha sobre Roma, o fato que domina a celebração. O fato é que o fascismo se vê [...] É uma coisa, que se demonstra, como uma arquitetura, em todos os seus elementos concretos, bem medidos [...] Por isso o fascismo pode ter uma mostra. Por essa sua realidade, por essa sua "visibilidade". (Pode-se fazer uma mostra do liberalismo, com pequenos ou grandes nadas sob campânulas pneumáticas? Ou uma mostra das intenções democráticas?)
No corpo do fascismo – que se vê: a referência aos elementos medidos lembra-nos tantas paisagens urbanas de "metafísica realizada" – a nação italiana pode, antes, deve crescer.
É de uma crise de crescimento, "profunda", que Walter Maturi fala no verbete Nação (História do princípio de nacionalidade), publicado em 1934 no volume XXIV da Enciclopédia Italiana (e desde então nunca atualizada).
A Guerra Mundial – escreve Maturi – foi o triunfo mais completo do princípio de nacionalidade: os impérios plurinacionais como a Rússia, a Áustria, a Turquia se desmancharam, os Estados nacionais sofreram com uma força moral grandiosa as provas mais duras, Estado e nação hoje coincidem em toda a Europa, e até mesmo a Rússia bolchevique tornou-se muito mais Rússia do que era sob os czares. No direito internacional, a utopia corajosa de Mazzini e Mancini tornou-se um dogma e os juristas se debatem para garantir, com a proteção das minorias, de forma exaustiva, completa, matemática, o princípio de nacionalidade. Mas ideal realizado, diziam os velhos românticos, é ideal destruído: para quem não se contenta com os fatos e observa a paixão e os ideais em formação, a nacionalidade não é mais um ponto de chegada, mas um ponto de partida. O organismo jurídico internacional, que devia garantir eternamente a situação do mundo após a Guerra Mundial, foi substancialmente violado por todos, e assim se formam novos ideais (impérios, federação da Europa, Federation of the World) e todos têm como meta um estado último de felicidade. No século XIX, o princípio de nacionalidade era limitado somente à Europa; não somente os alemães, os ingleses e os franceses, mas também os italianos, os mais puros defensores do princípio, realizam essa limitação: Mazzini divide os países não-europeus em esferas de influência das nações européias e sente, como Herder, uma aversão moral em relação aos asiáticos: chamar a China de Estado é para ele o maior sinal de desprezo (Áustria, China da Europa): os povos não-europeus, com exceção dos americanos, são para ele povos sem história, sem progresso, atividades, e, portanto, sem força moral. Diante da aparição das nacionalidades não-européias, a maior parte dos europeus de hoje sente-se mais européia do que nacionalista integral. Mas, tanto fechando logicamente o conceito de Europa quanto alargando o de nacionalidade, o conceito europeu de nacionalidade, como foi sentido no século XIX, tende a sofrer uma crise profunda.6
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Voltemos ao documento dos serviços de informação e propaganda ingleses, de 20 de abril de 1945, pouco antes da Libertação. A Appendix II, chamada Florentine personalities – The Democrazia del Lavoro, abre-se com uma nota biográfica breve e singular (à qual segue uma outra, provavelmente a ela relacionada, que aqui deixamos de lado):
Carlo MORANDI. Nascido: 6/3/1904 em Pallanza (Novara)
Formou-se em Literatura. Professor de História e Filosofia no Liceu Clássico, tornou-se "Provveditore agli Studi" e é atualmente professor de História Moderna e Contemporânea na Universidade de Florença.
Publicou vários volumes e cerca de 60 ensaios sobre a história política e diplomática da Itália e da Europa durante os últimos três séculos. Efetuou pesquisas históricas no exterior e ministrou uma série de conferências em Paris. Colabora com as principais revistas científicas e culturais italianas, e com aRevue Historique de Paris. Dirigiu um periódico cultural, Popoli, que foi suprimido após um ano (1940-1941) pelo governo fascista. É atualmente encarregado da coleção "História" dos editores florentinos Barbera e colabora com vários quotidianos sobre problemas de política exterior. É membro do Partido Democrático do Trabalho e do Conselho de Direção da seção florentina. Dentro do Partido se ocupa principalmente com problemas culturais, educacionais e internacionais.
À primeira vista, nada a dizer: um perfil breve, de origem provavelmente autobiográfica, de um "técnico", um professor de História. De seu laboratório presumivelmente afastado saíram muitos estudos, aos quais não caberia atribuir uma orientação política precisa. Mencionam-se, porém, de passagem – para um leitor inteligente bastam poucas palavras –, alguns problemas com o governo fascista, que suprime uma revista que ele dirigia (na realidade, junto com Federico Chabod, aqui não citado). Às vésperas da Libertação, ele se compromete, como intelectual competente em política exterior, com o partido da Democracia do Trabalho, e escreve em vários jornais: eis tudo.
Algo, porém, poderia ser dito. A breve nota, imediata, com a qual os serviços ingleses marcam seu interesse potencial pela atividade de Carlo Morandi (e de Filippo Tedeschi, o proprietário da editora Barbera, à qual se deve a outra biografia, menos breve) – essas poucas linhas são o ponto de chegada de um percurso complexo de regeneração. Pois Carlo Morandi foi um dos principais técnicos-ideólogos do regime fascista, estreito colaborador do ministro da Educação Nacional, Bottai, propagandista ativo no campo do revisionismo, entre as duas guerras, e mais recentemente envolvido, como intelectual, no "novo irredentismo mediterrâneo". A partir de uma excelente tese de doutorado, de Mirco Carrattieri, cheia de fatos novos e de próxima publicação, vê-se, por exemplo, que quanto mais se aproxima a guerra, mais os interesses de Morandi se deslocam da história moderna para a história recente das relações internacionais, com um explícito uso político da história. No tempo da mobilização e da propaganda de guerra, Morandi adverte que uma época acabou, a época do princípio nacional, e defende com seus escritos os projetos de uma "nova ordem mediterrânea" de uma "nova Europa".
"A guerra atual" – escreve Morandi em Primato, abril de 1941 – "vai além das nacionalidades e dos nacionalismos, e acrescenta aos motivos imperiais mediterrâneos sugestões revolucionárias em direção a uma nova ordem em escala européia". Essa ordem se baseia em uma "hierarquia das potências que não se pode suprimir", não em uma "igualdade utópica das nações".
Ou seja, o retrato (ou auto-retrato) de Morandi, conservado no documento de 1945, é simbólico, estilizado, reproduz uma figura distante do intelectual que em novembro de 1942, no "Congresso Volta" sobre a idéia de Europa (reservado a poucos ideólogos militantes), propunha uma iniciativa cultural italiana diante da força militar alemã; que julgava o Mediterrâneo "espaço vital" da Itália e sugeria a integração entre a nova ordem européia nazista e a nova ordem mediterrânea fascista.
Essa distância e o percurso que a produz constituem o problema principal. Também aqui, o eclipse da nação é um dos elementos centrais. Morandi julga superado, após a Grande Guerra, o contexto das nações singulares abstratamente iguais (a crise de crescimento de que falava Maturi). É a Europa a "grande nação" que pode agir no cenário do mundo novo. Até as primeiras derrotas militares, Morandi pensa que o aliado nazista deva ser contido, não recusado (o objetivo é reservar o Mediterrâneo para a Itália). Pois, como escreve em 1943, emGuerra para a Europa, é decisivo "estabelecer... se a Europa deverá cada vez mais se restringir, quase se encarquilhar, sob a pressão das forças anglo-saxônicas a ocidente e bolcheviques a oriente, ou se poderá readquirir uma liberdade plena e a independência eliminando os perigos mortais que a ameaçam": nesse quadro, os italianos são os melhores europeus, Mazzini é o símbolo da ligação existente entre "solução do problema nacional e revolução européia", e é preciso esperar vencer a "guerra difícil" dos nazistas.
Em seguida, inicia-se a seqüência que conduzirá ao reaparecimento da nação: derrotas militares, crise e queda do regime fascista, armistício e desaparecimento do Estado, crise moral nacional, ocupação alemã, guerra civil e de libertação, fim da guerra, ocupação aliada, recomposição dos poderes em um quadro nacional, restauração democrática em uma nova ordem internacional.
Não é simples medir o impacto desses acontecimentos na visão de Morandi (que transcorre no campo, em Barga, junto a um colega, o período entre 30 de setembro de 1943 e outubro de 1944). Em particular, precisaria aprofundar a sua reflexão sobre a crise moral "interna" da nação italiana, cujos traços aparecem em uma interessante discussão sucessiva com Salvemini sobre a idéia de nação. Mais clara, talvez, é a sua interpretação do novo quadro internacional. No centro, está sempre a crise do princípio de nacionalidade (a nova afirmação dos Estados Nacionais parece-lhe anacrônica). Mas, no lugar do império mediterrâneo e do euro-fascismo, da "comunidade revolucionária de idéias e de povos", que coroa o "Ressurgimento mediterrâneo" (idéia que se encontra também em Chabod, como observou Massimo Baioni) – em vez do "absorvimento da atividade nacional na dimensão imperial da Itália fascista", há agora uma adesão, por vezes perplexa, ao Movimento federalista europeu, que procura nos primeiros anos após a guerra uma sua colocação entre os dois blocos (Morandi vê com simpatia as forças que procuram subtrair-se ao alinhamento bipolar, como "Europa socialista" de Silone). Não é fácil marcar as etapas desse percurso de regeneração. Pois perspectivas e pesquisas históricas – como sobre aEsquerda no poder, que gostaria de "reencontrar nas raízes da Itália liberal a alternativa à degeneração fascista" – são difícil e ambiguamente reorientadas, como observa Carratieri; por vezes, os mesmos textos são materialmente retomados, corrigidos, revirados em seu significado geral.
Comparem-se, por exemplo, as duas versões, de setembro de 1942 e julho de 1944, de uma observação sobre a unidade européia (desaparecem as "esperanças" para a nova Europa e o discurso torna-se destacado, histórico):
A primeira versão – escreve Carratieri à p.253 – dizia: "O problema da união européia realizou o seu primeiro ciclo; na atmosfera trágica da Segunda Guerra Mundial abriu a sua nova fase, rica de experiências e cheia de esperanças". [Na segunda] lê-se:
O problema da união européia realizou, idealmente, o seu primeiro ciclo; retomá-lo significa dar conta do nexo íntimo que o une a outros problemas político-ideológicos do século XIX, e principalmente ao das nacionalidades, em suas origens puras e nos desenvolvimentos nacionalistas e imperialistas que levaram às grandes crises do século XX.
Observa-se mais claramente a revisão ideológica geral sobre os destinos da guerra, como aparece em uma carta importante de 22 de maio de 1945 a Gioacchino Volpe – o qual, como veremos em seguida, não fará revisões e regenerações.
Caro professor, obrigado pela longa carta que me levou a refletir, mais uma vez, sobre os aspectos da nossa crise moral (quanto à gravidade das perdas morais estamos todos de acordo). Estou de acordo com muitas coisas que o senhor diz (por exemplo, sobre os panfletos vulgares contra os Sabóia), menos com outras. Assim sobre o problema da guerra: uma nossa vitória teria confirmado o "sistema" fascista, e também teria admitido (mas não provado) a capacidade italiana de se libertar de uma ditadura, a Alemanha de Hitler, ou melhor, a Europa toda hitleriana, teria impedido um retorno a formas políticas mais adequadas ao nosso espírito. E depois, quais podiam ser na ordem internacional os resultados de uma vitória? Uma pax alemã, como a que Visconti Venosta indicava desde 75 como a maior calamidade para a Itália. Desde 1938, o ditador defunto era somente um "brilhante (às vezes, nem isso) segundo" em relação ao sócio alemão. Nosso país, há anos, vivia em uma atmosfera de guerra civil latente: essa é a realidade; a solução, infelizmente, veio mais do exterior do que do interior. Mas era inevitável que devêssemos pagar "um custo alto de fratura"; o erro mais grave do fascismo foi ter separado a Itália do Kulturkreis, do círculo de cultura e civilização da Europa ocidental, para levá-la a aderir, mal e sem uma persuasão íntima, a um mito nazista (centro-europeu) que lhe era estranho. Assim aceleramos o fim de uma função política proeminente da Europa. Falta-nos, agora, somente transformar a velha Europa em um "parque nacional" da cultura humanista; a grande vida moderna baterá alhures, mas os "clérigos" manterão viva a chama.7
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A impressão que se tem a partir dessas poucas notas sobre a regeneração de Morandi é a de um naufrágio, não de uma salvação ou redenção. Seu caso – complexo e significativo – é paradigma de uma reorientação impossível, da dificuldade extrema de readaptar idéias e pesquisas projetadas, sentidas, nutridas em um ambiente que dilatava a nação italiana como grande potência imperial de uma região (Europa) dominante no mundo; adaptá-las a um novo contexto, após o "terremoto silencioso" que aquela nação Estado pátria fizera afundar.
Certamente os escritos desses tempos difíceis, durante a guerra e no primeiro pós-guerra, sobre a história da nação italiana, sobre a Europa, a Alemanha, o romantismo, o nazismo, são como que experiências, tentativas ambíguas de superar um profundo incômodo ideológico por meio da invenção de uma nova tradição nacional: isso vale não somente para Morandi. É digna de nota a atenção dos serviços de informação ingleses por esses intelectuais-náufragos ex-fascistas, no quadro da "guerra fria cultural" que se inicia, no plano de um novo possível compromisso público. E também a proximidade de Morandi com Silone, que será um dos generais dessa guerra fria secreta, junto com Nicola Chiaromonte e Carlo Antoni.
Enquadrados nos novos partidos nacionais, de massa e menores, nos movimentos e nas associações transnacionais, apoiados pelos aliados e seus aparelhos, pelos comunistas ou pela Igreja, os náufragos como Morandi, Antoni ou Chabod parecem, em todo caso, capazes de uma readaptação "operativa" no plano do compromisso público: não são sem recursos. O incômodo, de que estamos falando, age num nível mais profundo.
Assim, quando Chabod escreve a Sestan, em fevereiro de 1944, que não quer ter mais a ver com Gentile, com seus institutos e suas atividades editoriais, pode-se observar que talvez essa separação fosse possível somente em parte e superficialmente. Nos escritos de Chabod sobre a nação, permanecem, como observou Pier Giorgio Zumino, os pressupostos teóricos de Gentile; e eu acrescentaria, implícitos e quase ocultos nas conferências do inverno de 1943-1944, sobre nação e Europa.
A organização de seu curso universitário deve ser observada atentamente. Chabod fala da idéia, do sentido, do princípio da nação; fala da "nacionalidade". A primeira parte é uma espécie de comentário-resumo das teses daLuta contra a razão de Carlo Antoni, livro publicado pela editora Sansoni, ligada a Gentile, e não pela Laterza, ligada a Croce (mesmo se Croce o tivesse convidado): "dizer sentido de nacionalidade" – diz Chabod –
significa dizer sentido de individualidade histórica [...] a nação é [...] alma, espírito, e somente em segundo lugar matéria corpórea; é "individualidade" espiritual, antes de ser entidade política, Estado à la Maquiavel, muito mais do que entidade geográfica-climática-etnográfica, segundo as fórmulas dos autores do século XVI.
Alma, espírito, antes do que corpo, Estado: tentativa de inversão da tese de Gentile de que é o Estado que cria a nação. É a dimensão estatal, não a nação, que aqui se eclipsa; permanecem as idéias e os sentimentos, desaparecem as coisas e os homens em carne e osso – que naquele inverno, em que Chabod falava em Milão, já combatiam enquadrados em dois Estados diferentes, divididos posteriormente segundo linhas políticas menos claras, como mostrou Roberto Vivarelli. Talvez o ocultamento dos pressupostos de Gentile esteja nessa inversão vistosa proposta por Chabod. Mas vejamos como prossegue seu discurso. Pouco após fala da "Liberdade: [...] grande palavra que [...] acompanhará, quase sempre, a nação". Para os italianos, tratou-se de uma liberdade a ser criada, nova; não antiga, a ser restaurada, como para os suíços. Em seguida, Chabod deixa Antoni e prossegue sozinho. Com a análise de Rousseau, apresenta-se o problema do Estado, da vontade geral:
da constatação de um fato, criado principalmente do passado, a nação, passa-se à "vontade" de "criar" um novo fato, ou seja, um Estado fundado sobre a soberania popular, e, portanto – a passagem é inevitável – a um "Estado nacional". Novidade de importância extraordinária. Com esta, ao ato cognitivo [...] se une um ato de vontade, antes ausente.
Liberdade política, vontade: a nação é "consciência plena, em um povo, do que quer". Os problemas, prossegue Chabod, colocam-se quando se trata de "transformar a nação cultural em nação territorial", transformação comum à Itália e Alemanha no século XIX. Mas entre os dois movimentos, "há diversidade absoluta, ou mesmo oposição": o italiano é voluntarista, a nação "se manifesta fora" dessa, no respeito quase religioso da "trindade composta com liberdade e humanidade", e no quadro europeu; o movimento alemão é, ao contrário, naturalista, graças à idéia de missão e de primado afastou-se do "sentimento europeu-humanitário".
Torna-se claro, agora, que a parte do curso que diz respeito à nação – definida como liberdade e vontade, como sentimento e idéia, não como fato histórico: Chabod, o historiador do equilíbrio entre as potências, do Estado, dos impérios, que mantém distância das coisas – é somente uma introdução, bastante orientada, à parte sobre a Europa, como nação futura, quintessência da nação: toda vontade, e nada Estado. Trata-se de ver, diz Chabod, como a Europa "de simples aquisição do intelecto" tornou-se um "fator sentimental e volitivo". A esse fim desenha a "história dos pensamentos sobre a Europa". Aqui a Europa é a nação esperada, a nação como deveria ser. O discurso de Chabod afastou-se cada vez mais dos Estados-nação, que naquele momento estavam combatendo de forma sangrenta entre si (e no seu interior). Nas conferências de Chabod transparece algo dessa dura realidade das coisas. Na segunda metade do século XIX e início do XX, ele afirma, "podia parecer [...] que os europeus devessem se sentir sempre mais europeus" – ou seja, progredidos, cristãos, como um "corpo equilibrado" – mas, "na realidade, não foi assim". A realidade foi um afastamento da Europa, a técnica se transferiu além do oceano, o sistema político tornou-se mundial, o nacionalismo dirigiu-se à conquista.
Ou seja, o curso sobre nação e Europa não é somente uma operação científica e cognitiva. É a construção de uma genealogia nacional virtuosa: a Europa é uma nação ideal, sem conteúdos naturalistas e estatais. Chabod deixa de lado a dimensão do Estado nacional que se expande em império em detrimento de outros, o transforma de fato em perigo e em tradição negativa, em antivalor estranho à trindade Itália-Europa-Humanidade. A publicação do curso em duas partes separadas, sobre a nação e sobre a Europa, por Sestan e Saitta, não ajuda na compreensão dessa linha muito clara: no momento mais agudo da crise moral e estatal da nação, Chabod aplica uma dissolução da dimensão política, do poder da nação.
O quanto essa ocultação fosse uma operação de política cultural, porquanto virtuosa, fica claro observando a atividade política de Chabod após o inverno de 1943-1944.
Agora as idéias de Chabod sobre o sentido alemão, naturalista, e o franco-italiano, liberal, de nação eram colocadas à prova, em um contexto concreto, na fronteira da região Vale d’Aosta com a França. Chabod se alinha na Resistência no Vale d’Aosta a partir de 1944 (como se lê no livro de Sergio Soave, Federico Chabod politico, 1989); em 1946, será o primeiro presidente do conselho regional. O sentido de sua atividade – além do projeto político autonomista – é a luta para conservar na Itália a sua região, contra as tentativas de separação do Vale d’Aosta e contra as pretensões francesas de anexação do Vale d’Aosta à França; e isso desde agosto de 1944, ou melhor, desde a declaração de Chivasso de dezembro de 1943. Esse é um ponto crucial. Para o Chabod historiador das idéias, a nação, entendida em sentido liberal (italiano e francês!), é um fato de escolha livre das populações, o plebiscito contínuo de que falava Renan. Para o Chabod político, ao contrário, a nação a que o Vale d’Aosta deve pertencer é a Itália, o plebiscito decisivo – pedido pelos habitantes filo-franceses, que crêem, com ou sem razão, ser maioria e poder vencer, graças aos estragos do mau governo fascista nos vinte anos e ao apoio francês – não deve ser realizado, não se deve nem sequer falar a respeito.
A declaração de 20 de outubro de 1944 dos representantes do Vale d’Aosta contrários à anexação à França, entre os quais Chabod em primeira fila, diz claramente: "em caso de anexação do Vale d’Aosta à França começaremos imediatamente uma agitação irredentista para reconduzir o Vale à Itália. Somos, queremos ser italianos". É certamente legítima a posição de Chabod, que escolhe a Itália, que manifesta a sua vontade livre. Menos de acordo com a concepção liberal da nação é a proibição armada de realizar o plebiscito (e em março de 1946, o presidente Chabod correrá o risco de ser defenestrado pelos manifestantes).
Teria sido, enfim, tão livre o plebiscito, naquele contexto, com o exército francês na fronteira e quase no vale? Não seria esse comportamento de Chabod um caso exemplar? É a demonstração de que dificilmente o plano das idéias se traduz nas coisas, que dificilmente a concepção liberal da nação permanece diante da vontade armada – que se mostra decisiva (também em relação aos fins do resultado do plebiscito, se tivesse acontecido, em Vale d’Aosta).
Chabod pensa na Milão do governo de Salò, a nação como liberdade, mas atua na fronteira italiana, após a libertação, a nação como força (e como Estado) – diante dos franceses que fazem o mesmo (procuram a expansão territorial à antiga maneira).
A recuperação plena de uma dimensão pública acontecia, como se vê, também para Chabod, em um contexto ideológico intimamente contraditório e não resolvido. Não por isso essa recuperação era menor. Em janeiro de 1946, Chabod aceita escrever uma história do CLNAI e da luta de libertação do norte da Itália, encarregado por homens como Pertini, Longo, Parri, Valiani, Merzagora. Bastante interessante é o procedimento, completamente político, que deveria seguir em seu trabalho: "dosagem" das testemunhas a serem entrevistadas, das pessoas que terão acesso aos documentos recolhidos, verificação final colegial do trabalho – a ser entregue até abril de 1946, para ser "usado" nas tratativas para a paz. Um outro exemplo evidente de sua reorientação, também política, na nova situação, é a missão em Paris, em 1948, junto com Carlo Morandi, para tratar da restituição dos documentos diplomáticos italianos retirados dos aliados.
O afã da reorientação diante do eclipse da nação e do desmoronamento do Estado penetra, portanto, as muralhas científicas, no coração das pesquisas históricas desses intelectuais-náufragos. O nexo "político" entre nação e Europa encontra-se nos cursos do Collège de France de Lucien Febvre: em 1943-1944 ele dá aulas sobre Michelet e a história da França; em dezembro de 1944, sobre a Europa; mas anuncia, para os dois anos seguintes, o curso sobre Honra e Pátria, em que estava trabalhando desde fevereiro de 1943 – nesses mesmos dias, seu amigo e colaborador Marc Bloch interrompia o trabalho para seu livro sobre a história, o Métier d’historien, e entrava na clandestinidade em Lyon.
Febvre parte dos acontecimentos relativos aos dois irmãos Psichari, os bisnetos de Ernest Renan, ambos oficiais, alinhados um contra o outro no conflito civil e militar da nação francesa. Seguindo o fio condutor da história dos dois conceitos, honra e pátria – que "colore" o primeiro negativamente e o segundo positivamente –, tenta explicar duas fidelidades, duas "fontes do sentimento nacional", sentimento que se opõe ao Estado, "mecânica indiferente a toda exigência moral". É uma investigação sobre a natureza e a formação das relações sociais, motivada pela angústia em relação ao futuro. O livro que deriva das conferências permanece apenas esboçado (em 1996 serão editadas as notas sobre Honra, por Thérèse Charmasson e Brigitte Mazon, para o editor Perrin). Os prefácios reencontrados indicam uma passagem progressiva para uma apresentação dos conceitos como "história pura". Aquelas conferências eram, ao contrário, gestos políticos de sinal preciso. O desconforto em relação ao que tinha ocorrido, antes e depois da derrota, e que então ocorria, com a libertação, encontra expressão em uma espécie de metafísica da unidade nacional ("cisma: restituir a esse termo uma aura de horror", escreve o historiador). Mas, principalmente, provoca uma remoção do presente e do passado recente: nenhuma menção da derrota, da ocupação, da colaboração, de Vichy, da Resistência, da perseguição dos judeus: nada. Diante da destruição das relações sociais no solo francês, Febvre refugia-se em uma pátria ideal, dando corpo erudito e brilhante a uma tradição nacional republicana inventada, mas não completamente irreal.8
8
Que, silenciosamente, algo substancial tivesse mudado – enquanto a nação se eclipsava e o Estado desmoronava –, que um drama profundo tivesse se desenrolado demonstram não somente testemunhos ainda candentes, como o De profundis de Salvatore Satta (1948), mas também algumas histórias de oscilação mais aparente, de desorientação não-reversível, de intelectuais atingidos pelo naufrágio. Ao contrário de Lucien Febvre, Marc Bloch enfrenta, no difícil período 1940-1943, os problemas da união social e da nação de modo realista. Era diferente a sua percepção do que acontecia nos anos 1930 (ponto decisivo, também para os outros intelectuais-náufragos, que aqui não podemos nem sequer mencionar). Também era diferente, e muito, o itinerário biográfico, pois Bloch, judeu, encontra-se deslocado do centro da nação francesa, onde acreditava estar, antes na fronteira, depois fora – com o estatuto dos judeus de outubro de 1940.
O esboço de uma história da França no quadro da civilização européia (setembro de 1939), o terceiro capítulo do testemunho sobre a derrota, escrito no verão de 1940, o projeto de um volume sobre as origens da nação francesa para a coleção dirigida por Albert Grenier são momentos de uma pesquisa sofrida dos fios rompidos no "mecanismo" da nação francesa, pesquisa necessariamente limitada e somente esboçada como resultados, mas que envolve o problema central, ou seja, os limites reais da unificação nacional francesa.
É certamente difícil dizer em que modo a atividade política de Bloch e suas pesquisas, se tivesse sobrevivido, teriam sido reorientadas. Mas na escolha radical da clandestinidade em Lyon, em março de 1943, penso que se encontre uma mudança radical, em relação ao compromisso patriótico "indireto" do pesquisador de história comparada européia, como Bloch fora nos anos 1930.
Também o historiador das religiões romeno, Mircea Eliade, sofreu uma desorientação não-reversível, na margem política oposta.
Legionário da Guarda de Ferro, e, por isso, preso de julho a novembro de 1938, Eliade transcorre os anos de guerra no exterior, como attaché cultural da embaixada romena, em Londres, até fevereiro de 1941, depois em Lisboa, após a ruptura das relações diplomáticas com a Inglaterra, e até novembro de 1944, quando se refugia em Paris com a ajuda do amigo Georges Dumézil (já estivera na cidade em novembro de 1943, durante a ocupação, achando a cidade "exaltante"). Eliade odeia a democracia e o liberalismo, espera naturalmente que o Eixo vença a guerra, que a Rússia bolchevique seja destruída. Em Lisboa escreve um livro sobre Salazar para oferecer um modelo de ditadura (e revolução espiritual) ao seu país, e para se tornar útil durante a guerra. Aí afirma os valores de um totalitarismo cristão, da pessoa, da família, da terra e do acordo com os ritmos cósmicos.
A pedido do ministro para a propaganda portuguesa, João Ameal, entre setembro e dezembro de 1942, escreve em francês uma história dos romenos, baluarte da Europa cristã contra as invasões turcas, eslavas, bolcheviques: mas quem o lerá, pergunta, se o Eixo perde a guerra? Mais do que uma história, Os romenos, latinos de Oriente – publicado em Lisboa e em Madrid, em 1943 – é o retrato de uma nação imóvel, perpetuamente ameaçada em sua própria existência, consciente de sua precariedade. As origens explicam quase tudo: o elemento étnico-dácio-romano dura e resiste, apesar das repetidas invasões.
Diante do agravamento da situação militar, em dezembro de 1942, Eliade escreve: "Não poderia aceitar a história, sem a Romênia que conheci" (aí estivera, pela última vez, em julho). Em abril de 1944, Bucarest é bombardeada pelos americanos; em agosto, rende-se aos soviéticos. "Nada na história terá mais sentido", escreve Eliade, "se os russos se apoderam da Alemanha, e assim da Europa" (não tanto porque comunistas, mas como russos). Diante da derrota alemã, pensa no suicídio.
Do entrelaçamento de motivos ideológicos e atividade historiográfica, diante do enésimo eclipse da nação romena, origina-se o projeto de Cosmos and History, o grande livro que será publicado em 1949, em Paris, pela Gallimard, com o título Le mythe de l’éternel retour [O mito do eterno retorno]. Nesse, Eliade procura e descreve no pensamento arcaico um horizonte diferente do da história (e da própria modernidade). A história são os acontecimentos que premem e provocam dor, sofrimento. Em relação a esses, o historicismo moderno é ineficaz. Não por nada – sustenta – ele nasceu em nações para as quais a história nunca foi, como para os romenos, um "terror contínuo".
Tomamos a liberdade de enfatizar que "historicismo" foi criado e utilizado principalmente pelos pensadores pertencentes às nações em que a história nunca foi um terror contínuo. Esses pensadores teriam, talvez, adotado uma outra posição se pertencessem a nações marcadas pela "fatalidade da história". Seria interessante, em todo caso, saber se a teoria segundo a qual tudo o que acontece é "bom" simplesmente porque aconteceu, seria aceita sem inquietude pelos pensadores dos países bálticos, balcânicos ou de territórios coloniais.
A desorientação dos anos de guerra produz, portanto, em Eliade uma focalização mais nítida do problema da história, que se traduz em uma tomada de distância cheia de implicações. Ao contrário, pode parecer estranho que Eliade tenha continuado, também após a guerra, a se considerar um historiador das religiões.
É nessas vestes, em todo caso, que ele colaborou em empresas culturais anticomunistas como Encounter, a revista do Congress for Cultural Freedom financiada indiretamente pela CIA. Uma nota do Foreign Office, já nos anos de guerra, tinha entrevisto essa possibilidade: Eliade "é um homem que pode nos ser útil".
Em seu caso, o redirecionamento da atividade pública e das pesquisas não produz má consciência e zonas de sombra, em que é melhor não se aventurar. Produz remoções do passado. Quando Gershom Scholem, na primavera de 1972, lhe escreve para perguntar se é verdade que fora um legionário da Guarda de Ferro romena, Eliade responde que não, não é verdade.9
9
Escreve Gioacchino Volpe a Federico Chabod, em uma carta sem data, mas dos primeiros meses de 1944:
Graças a Deus não perdi o gosto pelo trabalho, apesar do sentimento de ter fracassado em minha obra (as gerações que estão agora entre os trinta e os setenta anos devem se considerar um pouco fracassadas, após esse desmoronamento que não é somente militar!), apesar da quase ausência dos objetivos civis que permanecem sempre no fundo de nosso trabalho e que pressupõem a existência de uma pátria, de uma sociedade nacional, de um estado, coisas que agora desapareceram ou algo evanescentes, vivas somente na lembrança do passado e na esperança do futuro, mais do que no presente concreto.
Perda dos objetivos civis, que são os motivos do trabalho histórico: a diagnose de Volpe define limpidamente a perda autêntica dos intelectuais-náufragos, de que estamos falando nestas notas. Com intuição segura, Volpe tendia a ampliar a área do fracasso que registrava em si mesmo. Ao contrário de seus alunos Chabod e Morandi, ele não conseguirá recuperar uma dimensão pública como intelectual, e o seu caso é, por isso mesmo, exemplar.
Volpe procurara, na época medieval, as origens nacionais, percorrendo para trás o que lhe parecia uma "ordem natural das coisas" – a formação lenta das nações européias. Em seguida, fugira da época medieval, e conferira à historiografia uma função nacional, como educação política da nova Itália, mais ou menos a partir da guerra da Líbia, como mostrou Giovanni Belardelli. Durante a Grande Guerra, e logo depois, usara a história como uma arma de combate ao serviço de propaganda do exército, e com o advento do fascismo conseguira manter uma margem de distância ideológica em relação ao regime-governo totalitário, a que, no entanto, serviu com grande dedicação. Os pressupostos de fundo de seu trabalho científico – em particular, sobre as relações internacionais – eram a identificação da sociedade com a nação, a visão das fronteiras ideais (e territoriais) da nação destinadas a se ampliar, a transformação do Estado-nação em Império.
Todos esses motivos são destruídos pelos acontecimentos de 1943-1945. Julgado "indigno de servir ao Estado" em julho de 1944, dispensado do serviço e aposentado, como um sobrevivente, Volpe conseguirá terminar a Itália moderna, em 1949 ("parece-me", observará, "conduzir um cadáver", o seu e o da Itália, provavelmente). Em certo sentido, procurando, sem muita convicção e mais do que uma vez, recolocar Volpe no circuito do ensino e dos estudos, Chabod e outros velhos alunos da escola romana de história tentavam uma reanimação branda do cadáver de seu próprio passado – que, porém, não é reavaliado e permanece enterrado, onde o destinara uma história extremamente difícil de se aceitar. A nação, à qual Volpe continuava fiel, não podia mais ser encontrada.
Do além, Volpe escrevia a Rosario Romeo, em 17 de janeiro de 1960:
Saitta […] insistia sobre o tema de meu "nacionalismo", que nos últimos tempos teria prejudicado a minha atividade de historiador. Gostaria que alguém dissesse o que é esse meu "nacionalismo". É simplesmente tomar como objeto da história recente da Itália o Estado, a nação italiana; o Estado como atividade geral da nação, tanto política quanto econômica e social, ou mesmo cultural, no que a cultura se ressente da política, e influi sobre a política. E qual deve ser a tarefa de um historiador que tome como objeto um país em seu conjunto, em uma época determinada? É "nacionalismo" ter seguido com simpatia a ascensão da Itália, sua vontade de ser alguém no mundo, a consolidação de sua consciência nacional? Não sei o que querem esses jovens. Eu devia estudar somente as classes e suas lutas e problemas operários? Teria assim mal servido as classes, a Itália e a história.10
10
Em conclusão, poucas observações, como comentário ao dossiê que apresentei. Uma parte não indiferente da incerteza que se relaciona à palavra nação, discutida pelos autores de que vimos experiências e dificuldades, deriva do fato de que esses se concentram na idéia, mantendo-se distantes das coisas, das ligações reais, observáveis, de que a nação é composta. Essa tendência revela uma tensão totalmente política, que diz respeito à nação como coisa desejada, o processo histórico como regido pela individualidade que quer (daqui a relação entre idéia de nação e historicismo, que nascem e afundam juntos), as relações entre política e cultura como campo a ser dirigido e guia que dirige. É nesse âmbito de pensamentos que se produz o vazio, que procurei descrever com essas histórias de intelectuais-náufragos.
Notas
1 Texto revisto e ampliado da palestra apresentada em 18 de outubro de 2006 na Scuola Superiore di Studi Storici da Universidade de San Marino, no quadro do seminário sobre "Nação, Nacionalismo, Internacionalismo". As notas de cada seção foram inseridas para esta edição em Estudos Avançados.
2 "Ciampi e os ‘Fasci littori’". Notícia da agência Ap-Biscom de 26 de junho de 2003. Afirmação sobre o desmoronamento do Estado na resposta a Ernesto Galli della Loggia (1996), publicada no Corriere della Sera de 5 de março 2001. Sobre "Vivarelli e a nação italiana", ver Vivarelli (2000), e sua participação na discussão sobre a história italiana republicana (Vivarelli, 1999, p.230-5; 2006, p.IX-XXVIII), bem como as páginas sobre a nação (Vivarelli, 2005). Para a incerteza sobre a comunidade nacional, Vivarelli (2006, p.XIV) fala de "comunidade nacional dissolvida em 8 de setembro", enquanto na p.XVII existe ainda uma comunidade nacional que possui "responsabilidades efetivas" e um "passado incômodo"; como esclarece Vivarelli, ele escreve sobre história para "fazer as contas com as próprias experiências de vida [a partir da militância na República social italiana], para usá-la para amadurecer a consciência: a própria, individual, e o que mais conta, a consciência da comunidade à qual aquelas experiências continuam sempre a pertencer" (itálico meu; pareceria aqui aludir a uma continuidade da comunidade nacional, apesar de 8 de setembro).
3 "Cemitério dos generais prussianos" (Bayer, 2006, p.378). Para "Memórias de Taviani", ver Taviani (2002). — "Mestres muito mudados e pesquisas de âmbito local". De "laceração" produzida pela guerra fala Ernesto Ragionieri em 1975 em Belfagor, a propósito de Carlo Morandi (cf. Santomassimo, 1995, p.83). Para a citação de Corrado Vivanti (2002, p.13). Para a primeira geração de historiadores italianos, que se forma no pós-guerra – com a exceção notável de Rosario Romeo – a nação é principalmente um problema histórico, um ponto de interrogação (não mais, portanto, um motivo do próprio trabalho de pesquisa). Deve-se pensar nas observações de Ruggiero Romano (1994, p.XVII), para o qual a nação é somente uma idéia, defendida por ambições historiográficas nacionalistas, enquanto o país é um fato, ou de Girolamo Arnaldi (1994) ao comentar a empresa enciclopédica de Pierra Nora para a França (já publicado em Le Débat, 1994, v.1), ou no projeto do livro L’Italia e i suoi invasori(Arnaldi, 2002). — "História universal". Sobre o projeto einaudiano e a carta de Momigliano, ver Tortarolo (2002); para a atribuição a Corrado Vivanti, ver Mangoni (1999, p.941). — Para a lembrança da conferência de Momigliano, ver Settis (2004, p.3).
4 "Ensaio sobre os três historiadores durante o fascismo e a correspondência de 1959", ver Mastrogregori (2006); para o comentário à "correspondência 1959", ver Storiografia (v,8, p.9-101, 2004) com bibliografia.
5 O documento do Psychological Warfare Branch: conservado nos National Archives of the United Kingdom, Foreign office, série 371. — "Croce", ver Maggi (2001, p.175-6: discurso de Bari) (p.180: discurso de Roma) (p.1: carta a Einstein), e Croce (1983, p.179: polêmica com Parri) (p.188: profeto de Constituição) (p.204-15: sobre o tratado de paz); para a citação dos cadernos, ver Croce (1987, p.275).
6 "Estado e nação", ver Gentile (1946, p.57). Sobre o último Gentile, ver as observações de Sasso (2000). — "Ver o fascismo": para a citação de Bottai, ver Schnapp (2003, p.83).
7 "Morandi", ver Carrattieri (2006). — "Imperio mediterrâneo e Ressurgimento italiano", ver Baioni (2006, p.251, 252, 258).
8 "Antoni e as tentativas de superar o incômodo ideológico". Impossível aqui apresentar o caso de Carlo Antoni, do prefácio a La lotta contro la ragione, de abril de 1942, em que relaciona a idéia de nação e as origens do historicismo, à dissolução final do conceito de nação em alguns escritos em Mondo, 1949-1959; o esboço de história de Itália em novembro de 1943 seria uma importante etapa intermediária; ver Ippolito (2003, p.241-54: à p.243 note as "ambivalências nada pequenas" da análise de Antoni quanto às idéias de povo e nação). — "Chabod", ver Soave (1989, p.44 – ruptura com Gentile); para os pressupostos, em Gentile, dos estudos da idéia de nação, ver observações de Zunino (2002, p.107-40, particularmente a p.136). – Para as citações do curso 1943-1944, ver Chabod (1974, p.17 – nacionalidade e individualidade, (p.25-6: alma, antes do que corpo) (p.32: liberdade) (p.55-6: vontade de criar um novo fato) (p.75: o que o povo quer) (p.67: nação cultural e territorial) (p.68: modo naturalista e voluntarista) (p.79ss e 9: movimento alemão e italiano) (p.8: idéia e valor de Europa) (p.163-4: distanciamento da Europa). – A situação que gera as dificuldades do curso sobre a idéia de nação se reflete na nova versão do primeiro volume, as Premissas, da Storia della politica estera italiana: como é mostrado por Traniello (2002). – História do Comitê de libertação nacional do norte da Itália, ver Soave (1989, p.128-9). – "Missão em Paris com Carlo Morandi", ver Carrattieri (2006, p.327).
9 Para Salvatore Satta, o desaparecimento da pátria "é o acontecimento mais grandioso que pode ocorrer na vida de um indivíduo": ver Satta (2003, p.53, melhor edição existente). – "Bloch", ver Mastrogregori (2001, p.38-42), eLezioni 2003-2004, Marc Bloch e il Novecento, lezione XVI (site do Dipartimento di Storia Moderna e Contemporanea dell’Università di Roma "La Sapienza"). – "Eliade". Notícias biográficas sobre Eliade, um longo texto inédito (agradeço a Natale Spineto pela antecipação) do editor dos diários, Mac Linscott Ricketts, que submete a uma forte crítica o volume de Laignel-Lavastine (2002). – Livro sobre os romenos de 1943: tradução italiana de Enrico Montanari (Settimo Sigillo, 1997). – Citação sobre o historicismo, ver Eliade (1971, p.152n).
10 "Volpe e Chabod", ver a edição das cartas por Frangioni (2002). – "Gerações um pouco fracassadas": é muito interessante que Volpe amplie até os nascidos por volta de 1915, na carta a Chabod, o arco das gerações "um pouco fracassadas": considera decisiva, também para as gerações mais jovens do que a sua, até a do próprio Chabod e além, a participação no impulso nacional do pós-guerra e na experiência fascista. Em uma carta de 27 de outubro de 1967, a Rosario Romeo, Volpe confirma a sua avaliação de 1944: "vejo em ti o melhor representante da geração atual de nossos historiadores (conheço três: os meus mestres, entre ‘800 e ‘900; a nossa, de que sou o último sobrevivente; a última, a tua)": ver a edição do epistolário Volte-Romeo, por Pescosolido (2000). – A carta de Volpe a Romeo de 17 de janeiro de 1960 é citada em Di Rienzo (2004, p.317-18).
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Recebido em 22.1.2007 e aceito em 19.2.2007.
Massimo Mastrogregori é professor da Universidade de Roma "La Sapienza", diretor da International Bibliography of Historical Sciences, da revista internacional Storio-grafia e da coleção "Piste" (ambas editadas pelo Istituti Editoriali e Poligrafici Internazionali, Roma-Pisa). Publicou, entre outros, Il manoscritto interrotto di Marc Bloch. Apologia della storia o Mestiere di storico (1996), Introduzione a Marc Bloch (2001). É curador da edição crítica dos escritos de Benedetto Croce Il carattere della filosofia moderna (1990) e autor de inúmeros artigos sobre historiografia e memória, dentre os quais: "Il potere dei ricordi. Studi sulla tradizione come problema di storia" (Storiografia, v.2, 1998); "Origini, splendori e declino della critica storiografica" (Storiografia, v.1, 1997). @ –mastrogregori@yahoo.com
Tradução de Paulo Butti de Lima. O original em italiano – "L’eclissi della nazione (1940-1945)" – encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000100004
RESUMO
Observando alguns documentos e fatos de história cultural dos anos 1940-1945, tem-se a impressão de que nação e termos correlatos (pátria, povo, comunidade nacional, Estado) continuamente desapareçam e reapareçam, em particular nas reconstruções dos fatos finais do segundo conflito mundial. Criou-se então – na convergência de mudanças mundiais e eventos "nacionais" – uma espécie de vazio, que poderia ser chamado de "eclipse da nação". As "histórias de historiadores" aqui apresentadas brevemente indicam que esse vazio envolveu uma série de elementos culturais decisivos na estruturação das relações sociais "nacionais". Desse vazio, logo ocultado e "preenchido" com novos conteúdos, deve-se dar conta para entender como se formaram "novas" comunidades de cidadãos após a Segunda Guerra Mundial.
Palavras-chave: Historiografia (1940-1945), Nação, Estado, História cultural.
1
BERLIM, junho de 2003. Nas hesitações e silêncios revelam-se, às vezes, problemas incômodos. O presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi, dedicou-se intensamente, durante seu governo, a ressuscitar o patriotismo na Itália (por exemplo, dando vida ao frio e desprezado Vittoriano, o altar da pátria gigantesco que conserva, no centro de Roma, o monumento ao soldado morto em combate). Podemos imaginar que também em seu discurso, na Universidade Humboldt de Berlim, em junho de 2003, tivesse feito alguma referência à unidade nacional – que ele representava –, à história italiana, à pátria. Mas quando, no final do discurso, uma estudante lhe perguntou por quê, após as obras de restauração da embaixada italiana em Berlim, tivessem que voltar também os símbolos do fascismo (dois fasci littori) antigamente colocados na residência histórica oferecida pelo Terceiro Reich a Mussolini (e oitenta judeus foram obrigados a trabalhar nessa construção, lembrou) – a tal pergunta, o presidente respondeu aparentemente de forma hesitante: "Não visitei ainda a embaixada, não posso responder com precisão, não é um fato de que me ocupei". Em seguida, porém, explicou que esses símbolos "representam um período histórico vivido; não cancelamos na Itália todos os símbolos da época fascista porque são testemunhos de um período histórico, não para evocá-los".
Não deve ser fácil representar, com a própria pessoa, a unidade de uma nação, especialmente em se tratando da Itália. De algum modo, o presidente conseguiu se salvar, mantendo que a história é constituída de "períodos históricos vividos". Alguns períodos podem ser somente atestados. Outros podem, ou devem, ser evocados e celebrados. Diante da multiplicidade dissonante de períodos e situações, o presidente afirma a unidade, e, portanto, a continuidade, de forma um pouco acrobática. Mas essa é sua função constitucional.
Dois anos antes, Ciampi, em polêmica oficial com a tese da "morte da pátria", tendo "vivido, como jovem oficial, os "acontecimentos dramáticos de 1943", atestava no maior jornal italiano:
Vivi o colapso do Estado; vivi a perturbação da ausência de "ordens" no momento, creio, mais trágico na história de nossa Itália. Como tantos outros em minhas condições, encontramos em nossas consciências a orientação: nessas consciências vibrava, profundo, o sentimento da Pátria. É o que pretendo dizer, em meu testemunho de cidadão.
Afirmava-se, assim, o colapso do Estado italiano, e a continuidade subterrânea, interior, do "sentido da Pátria", também no terrível ano de guerra, 1943. Estado, pátria: nenhum traço da nação nesses raciocínios, tacitamente polêmicos.
Com efeito, somente a presença da palavra nação confere ao discurso limites ainda mais incertos; retomam-se, com facilidade, termos "quase sinônimos", como pátria, povo, Estado nacional, comunidade nacional. Somos conduzidos, como em uma espécie de roda-gigante vertiginosa, a tratar questões decisivas: os destinos da nação, a vida, a morte, o futuro da pátria. Nesse emaranhado, ou nessa trama de fenômenos diversos, é inútil pretender definições precisas. O historiador Roberto Vivarelli, em várias ocasiões recentes, concentrou-se, de forma sofrida e aguda, nas manifestações e implicações do problema da nação italiana, e insistiu sobre as distinções necessárias entre as posições em tempos difíceis, 1943-1945, além das reconstruções sucessivas, convencionais ou políticas. Mas ele também não fugiu de uma incerteza substancial: parece afirmar e negar, ao mesmo tempo, a continuidade da "comunidade" nacional italiana por meio dos acontecimentos trágicos da metade do século passado.
Enfim, a nação e seus sinônimos aproximativos – não somente a italiana – desaparecem e aparecem a cada momento, em particular nas reconstruções dos acontecimentos dramáticos finais da Segunda Guerra Mundial. Neste artigo, gostaria de apresentar uma primeira tentativa de medir o impacto dos acontecimentos que culminaram no período 1943-1945 na obra e na biografia intelectual de alguns intelectuais importantes, não somente italianos, que nesses momentos enfrentaram, direta ou indiretamente, o problema da nação ou de suas relações com essa.2
2
Novamente em Berlim. O escritor argentino Osvaldo Bayer vive em exílio em uma casa a poucos quarteirões do cemitério dos generais prussianos, que ele freqüentemente visita. Pouco além, o aeroporto de Tempelhof, em que se ergue, desde o final da última guerra, a bandeira dos Estados Unidos (toda manhã entra, pela sua janela, o hino norte-americano transmitido pelos alto-falantes). No texto de Bayer que cito a seguir, há a imagem perfeita de um mundo novo, em que a pátria e a nação novamente se esvaeceram, para dar lugar a dois grandes impérios:
Encontro-me diante do túmulo da Família Trüzchler von Falkenstein. Um perfeito monumento para o esquecimento. As paredes descascadas da capela, as coroas de louro em ferro abandonadas. Os trabalhadores do cemitério – italianos, portugueses – com sentido prático a escolheram como depósito de foices, carrinhos e sacos de adubo. Meu general! General Louis Trützchler von Falkenstein, realmente o esqueceram! Sequer um soldado a trazer uma flor ao seu general! Sequer os camponeses de seus antigos latifúndios a leste do Elba lembram-se ainda de seu Junker, seu "Jovem Senhor". Com todo aquele orgulho, todas as ombreiras douradas e as botas de couro, o uniforme de medida impecável e seu monóculo, de modo que o olho pudesse lançar olhares fulminantes de águia! Onde acabou tudo isso? Seus discursos sobre a pátria e ainda sobre a pátria e sobre os inimigos da pátria? General Trützchler von Falkenstein. Já seu nome sozinho amedrontava os recrutas. Enrolavam-se suas línguas ao pronunciá-lo. Seu monumento fúnebre conserva ainda nas paredes as marcas de quarenta anos atrás, quando o Exército Vermelho atacou Berlim do sul para chegar a Tempelhof. Os tiros russos sobre o seu monumento, general, e ali, a poucos metros, há quarenta anos, a bandeira norte-americana.
É a mesma visão, por assim dizer, que domina as memórias, extremamente seletivas, de Paolo Emilio Taviani,partigiano e político italiano: a aliança contra o Pacto Atlântico dos seguidores de Giuseppe Dossetti (da Democracia Cristã), em 1949, inspira-se em uma lógica nacional anacrônica; toda a história republicana italiana deve ser interpretada à luz da política exterior (de uma dupla política exterior das duas forças maiores, da democracia italiana e comunista); o fim da unidade nacional partigiana, em 1947, é também o fim da "escala" nacional para descrever e interpretar o Novo Mundo.
Também os historiadores entram no mundo novo, como veremos, profundamente mudados, até mesmo "dilacerados". A perda momentânea da "escala" nacional produz, em um primeiro momento, duas tendências divergentes: em direção a pesquisas limitadas a âmbitos muito restritos, e em direção a projetos de história universal. Para a primeira tendência, vale a observação de Corrado Vivanti: "Ninguém (nos primeiros anos do após guerra) pensava poder se dedicar a um trabalho de âmbito não só nacional, mas um pouco mais vasto do que uma província ou região". Como exemplo da segunda tendência, é importante o projeto de história universal confiado aos historiadores Chabod e Momigliano pelo editor Einaudi, logo após a guerra. Na base do projeto, como lembrou Edoardo Tortarolo, está a visão elaborada por Chabod já nos anos 1930:
a única história não estritamente nacional que possa ser pensada e escrita, pelo menos até o século XIX, é a história européia, posto que o nosso modo de julgar, a nossa mentalidade histórica, os pontos de vista com que podemos avaliar os fatos [...] estão estreitamente ligados aos valores que a civilização européia se vangloria de ter criado.
Em uma carta de 1949, Momigliano aprofunda a crise da "escala nacional", resolvida em chave européia por Chabod (nos traços da História de Europa de Croce): também os valores europeus põem alguns problemas:
História universal. Estou de acordo contigo que uma história desse tipo deva ser pensada como história dos problemas do passado que possuem ainda um valor atual [...] Interessa-me mais saber como resolves a seguinte questão. Toda história universal, parece-me, inclui uma análise das características essenciais das nações com as quais temos em comum a civilização e uma análise das características exemplares das nações às quais, graças à nossa civilização, reconhecemos umahumanidade comum. Grécia e Roma nos interessam porque nos comunicaram elementos essenciais da nossa civilização; mas China e Japão nos interessam porque, graças à nossa [civilização] reconhecemos aí valores de humanidade. Naturalmente o reconhecimento do valor de humanidade é o princípio de unificação da civilização; mas é o princípio, não a conclusão. Nesse sentido, a história universal é a contribuição à universalização da história. Ora, como pensas em organizar esses dois aspectos de uma história universal/história da nossa civilização? História da nossa humanidade?
O projeto de história universal da editora Einaudi, após várias tentativas de lançamento nos anos 1950, foi confiado em 1964 a Corrado Vivanti, e naufragou definitivamente; para se transformar, porém, em 1966, no embrião da História da Itália (reaparecia, em um contexto profundamente modificado, a "escala" nacional).
Mais ou menos no mesmo período, Momigliano retomava, em uma conferência apresentada em Erice, em 1967, a dúvida, que exprimia tensões não resolvidas, sobre o nosso passado (note-se que agora acrescenta duas referências, aos antigos hebreus e aos primeiros cristãos, ausentes na carta a Chabod de 1949). Lembra Salvatore Settis:
Momigliano começou com uma pergunta: por que se estuda História Antiga? Há dois modos diferentes, ou melhor, opostos, de responder a essa pergunta, disse então: um é dizer que todos os acontecimentos dos homens, em todo tempo e lugar, merecem estudo e atenção; outro, que os traços de nosso passado (por exemplo, na Itália) na cultura, na língua, nos monumentos, nas instituições, na paisagem, são tão imponentes que nos interessam e nos obrigam a estudar o passado para entender uma parte importante de nós mesmos. Se ficarmos com a primeira resposta, é totalmente indiferente para um italiano estudar História ou Arte da China antiga ou de Roma antiga; se ficarmos com a segunda, o estudo da China antiga terá um significado particular para os chineses, o de Roma antiga, para os italianos; um europeu, para entender a si mesmo, deverá considerar não somente os romanos antigos, mas também os gregos antigos, os hebreus e a cultura cristã dos primeiros séculos como partes irrenunciáveis e interconexas das próprias raízes culturais.3
3
Voltemos ao nosso tema. As observações que seguem, sobre alguns estudiosos e o eclipse da nação na metade do século XX, retomam uma reflexão iniciada com um ensaio sobre a "colaboração" com o regime fascista de três historiadores italianos, Carlo Antoni, Federico Chabod e Arnaldo Momigliano. Retomemos em breve seu conteúdo. Em um capítulo da História de um ano, apresentado no Corriere della Sera de julho de 1944, Benito Mussolini perguntava: estamos diante de um eclipse ou do crepúsculo da nação italiana? De um eclipse, respondia: a Itália, como Roma antiga ou a Prússia, não pode morrer. A guerra atual, prosseguia, é uma guerra de religião, não de nações. A honra perdida será readquirida somente com o sangue derramado, em uma luta que é também uma guerra civil: antes de tudo, é preciso cancelar o desprezo do aliado alemão pela traição de 8 de setembro de 1943.
As referências históricas do discurso de Mussolini provinham também de uma relação de um estudioso do Instituto Italiano de Estudos Alemães, Carlo Antoni, seu colaborador, voluntário ou involuntário. O episódio me permitia esclarecer que, no caso de relações entre alta cultura e regimes totalitários, a pergunta justa não é se os estudiosos fossem fascistas, antifascistas ou puros "técnicos" (como pretendia ser o jurista Piero Calamandrei), mas uma outra: qual era o espaço político em que se desenvolvia seu trabalho?
Tal espaço político é atravessado por conflitos de fidelidades públicas (ao Estado, à pátria, à nação, ao governo, à profissão, à escola, à ciência) e privadas (à família, à própria pessoa e carreira). A extensão e configuração desses conflitos (um verdadeiro emaranhado), as soluções que eram apresentadas, eventualmente, cada vez, criam os limites, variáveis, do espaço político em que trabalha o estudioso. O ensaio se fechava na constatação de que, na biografia dos três personagens em questão, um papel decisivo é desempenhado pelo que acontece no período 1943-1945: fim do fascismo, crise da nação italiana, desmoronamento do Estado nacional e desaparecimento da Monarquia, crise moral da pátria, fim de todo um mundo.
Enfim, acontecera um grande naufrágio. O fato de que a vida continuasse, de que as coisas voltassem a seu lugar – pelo menos, assim aparecia – não significa que aquele naufrágio não ocorrera. Houve, em muitos casos, uma reconstrução convencional dos acontecimentos, ex-post. Os nossos autores se inseriram em um espaço político novo, às vezes pagando sacrifícios silenciosos. Eu mencionava, enfim, o fato de que mais tarde, por volta de 1960, os nós não resolvidos da mudança traumática vieram à tona, por exemplo, na dura correspondência entre Chabod e Momigliano, a respeito do necrológio de Antoni.
Trata-se, agora, de tentar uma primeira medição do impacto desse "terremoto silencioso", por meio do estudo de alguns conflitos de fidelidade, ou momentos de biografia intelectual. Veremos como alguns historiadores pensam o Estado-nação, como individualidade histórica, e em que relação estão com esse.4
4
Abramos o Report on conditions in Liberated Italy north of Army control line, n.15, de 20 de abril de 1945, transmitido ao comando aliado pelos serviços de informação e propaganda ingleses (P.W.B.). No primeiro apêndice, Reactions to allied foreign policy, encontramos, em primeira pessoa, as opiniões de Piero Calamandrei, advogado e jurista, reitor da Universidade de Florença, membro influente do Partido de Ação.
Para aqueles que, como eu mesmo, consideraram a luta como uma Guerra não de nações, mas de religião, com os melhores italianos do lado dos combatentes pela liberdade, a chegada dos Aliados não se revelou uma decepção. Sentimos que o exército aliado era nosso exército e observamos a destruição inevitável de nossas cidades e campos com um sentimento de constrição, pois suas vitórias eram nossas vitórias.
Guerra de religião, não de nações. A luta pela liberdade justifica as destruições no território italiano, o exército aliado é o nosso exército. Todavia, prossegue Calamandrei, os ingleses erram quando consideram que os italianos são "all equally responsible for Fascism and the war": deveriam distinguir os fascistas dos não-fascistas, os oportunistas, os antifascistas. Além do mais, os aliados não devem mirar a Monarquia, para restaurar uma ordem conservadora: a Monarquia é a responsável pelo fascismo.
A nação italiana, dividida em seu interior segundo linhas claramente políticas e morais, alinhada em duas frentes em uma guerra pela liberdade, eclipsou-se nesse quadro explicativo, que é o mesmo de Mussolini na História de um ano, mesmo se a religião pela qual se combate desse lado não é a da raça, do sangue e da honra.
Em dois discursos, pronunciados em Bari, em 28 de janeiro de 1944, e em Roma, em 21 de setembro de 1944, Benedetto Croce repetia o mesmo argumento: combate-se no mundo uma guerra de religião, não de nações.
Uma educação civil severa – lê-se no discurso de Bari – tornara axiomático o princípio de que, quando se ouve o primeiro golpe de canhão, um povo deve fazer calar todos os seus contrastes e fundir-se em uma única vontade para a defesa e a vitória da pátria, a qual, acertando ou errando, é a pátria. E relutávamos em obedecer a esse princípio solene, e a relutância não era de uma paixão rebelde, mas de uma voz interior, de um sentido de verdade que nos levava a advertir que a observação da antiga máxima seria, essa vez, um esforço impossível, uma terrível hipocrisia para conosco. Pouco a pouco, iluminamo-nos: começamos a ouvir ao nosso redor o juízo segundo o qual a guerra atual não era uma guerra entre povos, mas uma guerra civil; e mais exatamente ainda, que não era uma simples guerra de interesses políticos e econômicos, mas uma guerra de religião; e para a nossa religião, que tinha o direito de nos comandar, resignamo-nos ao desapego diante do desejo de uma vitória italiana...
Reparando bem, mais do que um desapego irreversível, relativamente ao desejo da pátria, mais do que uma superação em uma esfera superior, religiosa, da fusão em uma única vontade dos contrastes, em que consiste uma nação (vontade e fusão intensificadas no momento da guerra), verifica-se, nos numerosos escritos de Croce desse período – dos quais seria necessária uma análise mais acurada do que posso realizar nesta conferência – uma suspensão, reversível, portanto, do querer nacional. E logo essa suspensão acaba.
Em uma carta de Croce a Einstein, de junho de 1944, é a Itália – desde a queda do Império Romano! – que se identifica com a liberdade, a nação coincide com a religião: "Desde a queda do Império romano, a Itália nunca teve delírios de dominar no mundo; ela realizou, ou procurou realizar, a liberdade e na liberdade se unificou, e seu nacionalismo e fascismo derivaram de conceitos estrangeiros". Pode-se observar, seguindo a análise de Michele Maggi, que esse retorno à dimensão nacional passa pela identificação com a nação italiana do próprio Croce, "o maior dos italianos vivos": a voz que fala no rádio em 8 de novembro de 1944 não é somente a de Croce, mas também a "do povo italiano, do verdadeiro povo italiano". Homem-nação na ausência do Estado espedaçado, o filósofo representa a unidade italiana. Assim, nos Cadernos de Croce, na data de 16 de abril de 1945, lê-se:
Entre tantas palavras gentis que ouço e que recebo com alma pacata porque as tinha previsto há tempo como efeito natural da queda do fascismo, uma, hoje de manhã, me comoveu: afirmação que teria sido proferida por alguém que não conheço: "enquanto Croce viver, nós italianos não nos sentiremos sós". Comoveu-me, pois me senti identificado com a velha Itália, sentimentalmente próxima a mim.
Algumas intervenções sucessivas de Croce demonstram quanto essa identificação fosse sentimental, ligada às contingências, e completamente política. Na polêmica com Ferruccio Parri, no "Conselho" de setembro de 1945, a "velha Itália", que ele amava, é a Itália real, democrática, contraposta à Italiazinha denegrida pelos fascistas. No discurso de março de 1947 sobre o projeto de Constituição, Croce argumenta contra as autonomias locais e as regiões, para a unidade estatal do povo italiano. Enfim, o discurso de 24 de julho de 1947 sobre o tratado de paz é uma defesa da dignidade nacional, da Itália que não morre.
Com uma revisão substancial das teses sobre a guerra de religião, Croce sustenta que "todos perdemos a guerra, porque também nos envolvia, sem exceção, nós que não podemos nos separar do bem e do mal de nossa pátria... Isso é pacífico e evidente". Não é possível aprovar o tratado de paz, porque é uma ofensa à honra da pátria – prossegue o filósofo –, tira do povo italiano o respeito por si mesmo, é uma "diminuição durável" que as gerações futuras poderão sentir em si mesmas, é uma traição da "herança deixada por nossos pais", ter "deixado vituperar, aviltar e submeter a nossa Mãe comum, recebendo de forma submissa um castigo iníquo". Todos perdemos a guerra, afirma Croce acrobaticamente, mas dessa Mãe comum não faz parte o regime que a declarou: "os parênteses fascistas foram completamente estranhos à sua tradição... imitação dos nacionalismos e totalitarismos de outros", provocados pela Grande Guerra. Croce apega-se aqui a uma nação sem corpo, puramente espiritual, quase um fantasma. Grande parte da história italiana permanece excluída: a entrada em guerra, de 1915 em diante, os desenvolvimentos mais recentes, a nova Constituição, a aceitação do Tratado de paz e a nova situação que se estava criando. Os outros permanecem excluídos: os nacionalistas, os fascistas.5
5
Também os outros – os nacionalistas, fascistas e os partidários de Salò – defendiam, todavia, a unidade da nação. Todos é a palavra-chave do artigo "Reconstruir" de Giovanni Gentile, publicado no Corriere della Sera de 28 de dezembro de 1943.
O sentimento da Pátria é hoje vivo, eu diria, exasperado, na alma de todos os italianos, mesmo se nas formas mais variadas e opostas. A guerra, com efeito, atingindo os extremos, impôs a todos, ricos e pobres, homens e mulheres, velhos, jovens e crianças, a sua dura realidade e as suas conseqüências funestas, com uma ameaça eminente, urgente: que é a destruição do País, vencido. E a todos faz sentir que agora tudo está em jogo, a própria vida de cada indivíduo, mesmo se esse pudesse, antes, ter se iludido de que o Estado estava em perigo, e não ele mesmo [...] A Nação está em perigo, e a Pátria se desfez [...]. Partidários da Inglaterra e da Alemanha, antifascistas e fascistas, italianos debandados e italianos orientados e firmes no lugar de combate discutirão de quem foi a culpa e qual será o caminho para voltar à luz.
É uma ilusão, mantém Gentile, separar o destino do Estado do da Nação e de seus componentes singulares: quando "a Pátria se desfez", está em perigo "a própria vida de cada indivíduo". Não há espaço vazio, não há distância entre o indivíduo e "o todo", que é a Nação-Estado. O aniquilamento do país implica a ruína individual. Talvez derive dessa ordem de pensamentos, em última análise, o desaparecimento do filósofo. Por certo, somente um dos gêmeos siameses idea-listas – Croce e Gentile, que o governo fascista separara – consegue representar, com a própria pessoa, a unidade da nação: o outro desaparece, anulado também fisicamente.
Nação e Estado coincidem, para Gentile, em um sentido preciso. Após a queda do fascismo, mas antes do armistício de 8 de setembro de 1943, o filósofo retoma, para publicação, um grupo de conferências romanas de 1942-1943: daí deriva Gênese e estrutura da sociedade, o seu primeiro livro publicado póstumo, impresso em dezembro de 1945.
A nação – lê-se no capítulo VI, § 2: Nação e Estado – não se dá pelo solo, nem pela vida comum e pela conseqüente comunidade de tradições, costumes, linguagem, religião etc. Tudo isso é a matéria da nação. A qual não será tal se não tiver a consciência dessa matéria e não a assumir em sua consciência como o conteúdo constitutivo da própria essência espiritual; e, portanto, não fará disso objeto da própria vontade. Vontade que, em sua atualidade concreta, é o Estado: já constituído ou a se constituir; e verdadeiramente, em todo caso, a ser constituído (conservar é um constituir contínuo, um criar contínuo). Vontade.
Erro da doutrina das nacionalidades, que teriam direito a unidade e autonomia estatal. Não é a nacionalidade que cria o Estado; mas o Estado cria (sela e faz ser) a nacionalidade. Que, conquistando a própria unidade e independência, celebra sua vontade política, realizadora do Estado.
Há, aqui, a idéia, bastante difundida no mundo novo que nasce da Grande Guerra, de que as revoluções conservadoras realizam a nação mais do que qualquer outro sistema político. Somente as revoluções totalitárias ultranacionalistas – como a fascista e a nazista – fazem crescer as nações.
Ora, tal crescimento da nação pode ser uma intensificação da coesão interna – como a que deveria acontecer, segundo Croce e Gentile, no momento da entrada em guerra ou da derrota – mas também uma ampliação das fronteiras.
Giuseppe Bottai, em um escrito de novembro de 1932 que se inspira na "Mostra da revolução fascista", defende que os italianos de raça, católicos romanos e fascistas, diferentemente do alemão, têm "fronteiras morais bem marcadas".
Nada de vago, flutuante, simplesmente sensível ou mesmo supersensível, mágico e hermético. Pode-se dizer de outros povos – como um alemão disse do alemão – que não têm fronteiras, nem corpos, e se debatem em um sonho angustiado e confuso. O italiano tem fronteiras morais bem marcadas e visão clara. Para corresponder ao seu temperamento, o fascismo devia visar a uma ordem de forças reais, de valores reconhecidos, de atividades concretas [...] O fascismo se sente como uma inspiração, como uma intuição, como um ato de fé; e há indivíduos incapazes de senti-lo, negados ao seu fascínio ideal, mesmo se inscritos regularmente. Mas o fascismo, também, como se vê, é substância de realidade, ordem tangível, coisa criada, coisa feita, que está ali, diante de nossos olhos; e nós lhe pertencemos e a possuímos.
Ver o fascismo: eis, passados dez anos da Marcha sobre Roma, o fato que domina a celebração. O fato é que o fascismo se vê [...] É uma coisa, que se demonstra, como uma arquitetura, em todos os seus elementos concretos, bem medidos [...] Por isso o fascismo pode ter uma mostra. Por essa sua realidade, por essa sua "visibilidade". (Pode-se fazer uma mostra do liberalismo, com pequenos ou grandes nadas sob campânulas pneumáticas? Ou uma mostra das intenções democráticas?)
No corpo do fascismo – que se vê: a referência aos elementos medidos lembra-nos tantas paisagens urbanas de "metafísica realizada" – a nação italiana pode, antes, deve crescer.
É de uma crise de crescimento, "profunda", que Walter Maturi fala no verbete Nação (História do princípio de nacionalidade), publicado em 1934 no volume XXIV da Enciclopédia Italiana (e desde então nunca atualizada).
A Guerra Mundial – escreve Maturi – foi o triunfo mais completo do princípio de nacionalidade: os impérios plurinacionais como a Rússia, a Áustria, a Turquia se desmancharam, os Estados nacionais sofreram com uma força moral grandiosa as provas mais duras, Estado e nação hoje coincidem em toda a Europa, e até mesmo a Rússia bolchevique tornou-se muito mais Rússia do que era sob os czares. No direito internacional, a utopia corajosa de Mazzini e Mancini tornou-se um dogma e os juristas se debatem para garantir, com a proteção das minorias, de forma exaustiva, completa, matemática, o princípio de nacionalidade. Mas ideal realizado, diziam os velhos românticos, é ideal destruído: para quem não se contenta com os fatos e observa a paixão e os ideais em formação, a nacionalidade não é mais um ponto de chegada, mas um ponto de partida. O organismo jurídico internacional, que devia garantir eternamente a situação do mundo após a Guerra Mundial, foi substancialmente violado por todos, e assim se formam novos ideais (impérios, federação da Europa, Federation of the World) e todos têm como meta um estado último de felicidade. No século XIX, o princípio de nacionalidade era limitado somente à Europa; não somente os alemães, os ingleses e os franceses, mas também os italianos, os mais puros defensores do princípio, realizam essa limitação: Mazzini divide os países não-europeus em esferas de influência das nações européias e sente, como Herder, uma aversão moral em relação aos asiáticos: chamar a China de Estado é para ele o maior sinal de desprezo (Áustria, China da Europa): os povos não-europeus, com exceção dos americanos, são para ele povos sem história, sem progresso, atividades, e, portanto, sem força moral. Diante da aparição das nacionalidades não-européias, a maior parte dos europeus de hoje sente-se mais européia do que nacionalista integral. Mas, tanto fechando logicamente o conceito de Europa quanto alargando o de nacionalidade, o conceito europeu de nacionalidade, como foi sentido no século XIX, tende a sofrer uma crise profunda.6
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Voltemos ao documento dos serviços de informação e propaganda ingleses, de 20 de abril de 1945, pouco antes da Libertação. A Appendix II, chamada Florentine personalities – The Democrazia del Lavoro, abre-se com uma nota biográfica breve e singular (à qual segue uma outra, provavelmente a ela relacionada, que aqui deixamos de lado):
Carlo MORANDI. Nascido: 6/3/1904 em Pallanza (Novara)
Formou-se em Literatura. Professor de História e Filosofia no Liceu Clássico, tornou-se "Provveditore agli Studi" e é atualmente professor de História Moderna e Contemporânea na Universidade de Florença.
Publicou vários volumes e cerca de 60 ensaios sobre a história política e diplomática da Itália e da Europa durante os últimos três séculos. Efetuou pesquisas históricas no exterior e ministrou uma série de conferências em Paris. Colabora com as principais revistas científicas e culturais italianas, e com aRevue Historique de Paris. Dirigiu um periódico cultural, Popoli, que foi suprimido após um ano (1940-1941) pelo governo fascista. É atualmente encarregado da coleção "História" dos editores florentinos Barbera e colabora com vários quotidianos sobre problemas de política exterior. É membro do Partido Democrático do Trabalho e do Conselho de Direção da seção florentina. Dentro do Partido se ocupa principalmente com problemas culturais, educacionais e internacionais.
À primeira vista, nada a dizer: um perfil breve, de origem provavelmente autobiográfica, de um "técnico", um professor de História. De seu laboratório presumivelmente afastado saíram muitos estudos, aos quais não caberia atribuir uma orientação política precisa. Mencionam-se, porém, de passagem – para um leitor inteligente bastam poucas palavras –, alguns problemas com o governo fascista, que suprime uma revista que ele dirigia (na realidade, junto com Federico Chabod, aqui não citado). Às vésperas da Libertação, ele se compromete, como intelectual competente em política exterior, com o partido da Democracia do Trabalho, e escreve em vários jornais: eis tudo.
Algo, porém, poderia ser dito. A breve nota, imediata, com a qual os serviços ingleses marcam seu interesse potencial pela atividade de Carlo Morandi (e de Filippo Tedeschi, o proprietário da editora Barbera, à qual se deve a outra biografia, menos breve) – essas poucas linhas são o ponto de chegada de um percurso complexo de regeneração. Pois Carlo Morandi foi um dos principais técnicos-ideólogos do regime fascista, estreito colaborador do ministro da Educação Nacional, Bottai, propagandista ativo no campo do revisionismo, entre as duas guerras, e mais recentemente envolvido, como intelectual, no "novo irredentismo mediterrâneo". A partir de uma excelente tese de doutorado, de Mirco Carrattieri, cheia de fatos novos e de próxima publicação, vê-se, por exemplo, que quanto mais se aproxima a guerra, mais os interesses de Morandi se deslocam da história moderna para a história recente das relações internacionais, com um explícito uso político da história. No tempo da mobilização e da propaganda de guerra, Morandi adverte que uma época acabou, a época do princípio nacional, e defende com seus escritos os projetos de uma "nova ordem mediterrânea" de uma "nova Europa".
"A guerra atual" – escreve Morandi em Primato, abril de 1941 – "vai além das nacionalidades e dos nacionalismos, e acrescenta aos motivos imperiais mediterrâneos sugestões revolucionárias em direção a uma nova ordem em escala européia". Essa ordem se baseia em uma "hierarquia das potências que não se pode suprimir", não em uma "igualdade utópica das nações".
Ou seja, o retrato (ou auto-retrato) de Morandi, conservado no documento de 1945, é simbólico, estilizado, reproduz uma figura distante do intelectual que em novembro de 1942, no "Congresso Volta" sobre a idéia de Europa (reservado a poucos ideólogos militantes), propunha uma iniciativa cultural italiana diante da força militar alemã; que julgava o Mediterrâneo "espaço vital" da Itália e sugeria a integração entre a nova ordem européia nazista e a nova ordem mediterrânea fascista.
Essa distância e o percurso que a produz constituem o problema principal. Também aqui, o eclipse da nação é um dos elementos centrais. Morandi julga superado, após a Grande Guerra, o contexto das nações singulares abstratamente iguais (a crise de crescimento de que falava Maturi). É a Europa a "grande nação" que pode agir no cenário do mundo novo. Até as primeiras derrotas militares, Morandi pensa que o aliado nazista deva ser contido, não recusado (o objetivo é reservar o Mediterrâneo para a Itália). Pois, como escreve em 1943, emGuerra para a Europa, é decisivo "estabelecer... se a Europa deverá cada vez mais se restringir, quase se encarquilhar, sob a pressão das forças anglo-saxônicas a ocidente e bolcheviques a oriente, ou se poderá readquirir uma liberdade plena e a independência eliminando os perigos mortais que a ameaçam": nesse quadro, os italianos são os melhores europeus, Mazzini é o símbolo da ligação existente entre "solução do problema nacional e revolução européia", e é preciso esperar vencer a "guerra difícil" dos nazistas.
Em seguida, inicia-se a seqüência que conduzirá ao reaparecimento da nação: derrotas militares, crise e queda do regime fascista, armistício e desaparecimento do Estado, crise moral nacional, ocupação alemã, guerra civil e de libertação, fim da guerra, ocupação aliada, recomposição dos poderes em um quadro nacional, restauração democrática em uma nova ordem internacional.
Não é simples medir o impacto desses acontecimentos na visão de Morandi (que transcorre no campo, em Barga, junto a um colega, o período entre 30 de setembro de 1943 e outubro de 1944). Em particular, precisaria aprofundar a sua reflexão sobre a crise moral "interna" da nação italiana, cujos traços aparecem em uma interessante discussão sucessiva com Salvemini sobre a idéia de nação. Mais clara, talvez, é a sua interpretação do novo quadro internacional. No centro, está sempre a crise do princípio de nacionalidade (a nova afirmação dos Estados Nacionais parece-lhe anacrônica). Mas, no lugar do império mediterrâneo e do euro-fascismo, da "comunidade revolucionária de idéias e de povos", que coroa o "Ressurgimento mediterrâneo" (idéia que se encontra também em Chabod, como observou Massimo Baioni) – em vez do "absorvimento da atividade nacional na dimensão imperial da Itália fascista", há agora uma adesão, por vezes perplexa, ao Movimento federalista europeu, que procura nos primeiros anos após a guerra uma sua colocação entre os dois blocos (Morandi vê com simpatia as forças que procuram subtrair-se ao alinhamento bipolar, como "Europa socialista" de Silone). Não é fácil marcar as etapas desse percurso de regeneração. Pois perspectivas e pesquisas históricas – como sobre aEsquerda no poder, que gostaria de "reencontrar nas raízes da Itália liberal a alternativa à degeneração fascista" – são difícil e ambiguamente reorientadas, como observa Carratieri; por vezes, os mesmos textos são materialmente retomados, corrigidos, revirados em seu significado geral.
Comparem-se, por exemplo, as duas versões, de setembro de 1942 e julho de 1944, de uma observação sobre a unidade européia (desaparecem as "esperanças" para a nova Europa e o discurso torna-se destacado, histórico):
A primeira versão – escreve Carratieri à p.253 – dizia: "O problema da união européia realizou o seu primeiro ciclo; na atmosfera trágica da Segunda Guerra Mundial abriu a sua nova fase, rica de experiências e cheia de esperanças". [Na segunda] lê-se:
O problema da união européia realizou, idealmente, o seu primeiro ciclo; retomá-lo significa dar conta do nexo íntimo que o une a outros problemas político-ideológicos do século XIX, e principalmente ao das nacionalidades, em suas origens puras e nos desenvolvimentos nacionalistas e imperialistas que levaram às grandes crises do século XX.
Observa-se mais claramente a revisão ideológica geral sobre os destinos da guerra, como aparece em uma carta importante de 22 de maio de 1945 a Gioacchino Volpe – o qual, como veremos em seguida, não fará revisões e regenerações.
Caro professor, obrigado pela longa carta que me levou a refletir, mais uma vez, sobre os aspectos da nossa crise moral (quanto à gravidade das perdas morais estamos todos de acordo). Estou de acordo com muitas coisas que o senhor diz (por exemplo, sobre os panfletos vulgares contra os Sabóia), menos com outras. Assim sobre o problema da guerra: uma nossa vitória teria confirmado o "sistema" fascista, e também teria admitido (mas não provado) a capacidade italiana de se libertar de uma ditadura, a Alemanha de Hitler, ou melhor, a Europa toda hitleriana, teria impedido um retorno a formas políticas mais adequadas ao nosso espírito. E depois, quais podiam ser na ordem internacional os resultados de uma vitória? Uma pax alemã, como a que Visconti Venosta indicava desde 75 como a maior calamidade para a Itália. Desde 1938, o ditador defunto era somente um "brilhante (às vezes, nem isso) segundo" em relação ao sócio alemão. Nosso país, há anos, vivia em uma atmosfera de guerra civil latente: essa é a realidade; a solução, infelizmente, veio mais do exterior do que do interior. Mas era inevitável que devêssemos pagar "um custo alto de fratura"; o erro mais grave do fascismo foi ter separado a Itália do Kulturkreis, do círculo de cultura e civilização da Europa ocidental, para levá-la a aderir, mal e sem uma persuasão íntima, a um mito nazista (centro-europeu) que lhe era estranho. Assim aceleramos o fim de uma função política proeminente da Europa. Falta-nos, agora, somente transformar a velha Europa em um "parque nacional" da cultura humanista; a grande vida moderna baterá alhures, mas os "clérigos" manterão viva a chama.7
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A impressão que se tem a partir dessas poucas notas sobre a regeneração de Morandi é a de um naufrágio, não de uma salvação ou redenção. Seu caso – complexo e significativo – é paradigma de uma reorientação impossível, da dificuldade extrema de readaptar idéias e pesquisas projetadas, sentidas, nutridas em um ambiente que dilatava a nação italiana como grande potência imperial de uma região (Europa) dominante no mundo; adaptá-las a um novo contexto, após o "terremoto silencioso" que aquela nação Estado pátria fizera afundar.
Certamente os escritos desses tempos difíceis, durante a guerra e no primeiro pós-guerra, sobre a história da nação italiana, sobre a Europa, a Alemanha, o romantismo, o nazismo, são como que experiências, tentativas ambíguas de superar um profundo incômodo ideológico por meio da invenção de uma nova tradição nacional: isso vale não somente para Morandi. É digna de nota a atenção dos serviços de informação ingleses por esses intelectuais-náufragos ex-fascistas, no quadro da "guerra fria cultural" que se inicia, no plano de um novo possível compromisso público. E também a proximidade de Morandi com Silone, que será um dos generais dessa guerra fria secreta, junto com Nicola Chiaromonte e Carlo Antoni.
Enquadrados nos novos partidos nacionais, de massa e menores, nos movimentos e nas associações transnacionais, apoiados pelos aliados e seus aparelhos, pelos comunistas ou pela Igreja, os náufragos como Morandi, Antoni ou Chabod parecem, em todo caso, capazes de uma readaptação "operativa" no plano do compromisso público: não são sem recursos. O incômodo, de que estamos falando, age num nível mais profundo.
Assim, quando Chabod escreve a Sestan, em fevereiro de 1944, que não quer ter mais a ver com Gentile, com seus institutos e suas atividades editoriais, pode-se observar que talvez essa separação fosse possível somente em parte e superficialmente. Nos escritos de Chabod sobre a nação, permanecem, como observou Pier Giorgio Zumino, os pressupostos teóricos de Gentile; e eu acrescentaria, implícitos e quase ocultos nas conferências do inverno de 1943-1944, sobre nação e Europa.
A organização de seu curso universitário deve ser observada atentamente. Chabod fala da idéia, do sentido, do princípio da nação; fala da "nacionalidade". A primeira parte é uma espécie de comentário-resumo das teses daLuta contra a razão de Carlo Antoni, livro publicado pela editora Sansoni, ligada a Gentile, e não pela Laterza, ligada a Croce (mesmo se Croce o tivesse convidado): "dizer sentido de nacionalidade" – diz Chabod –
significa dizer sentido de individualidade histórica [...] a nação é [...] alma, espírito, e somente em segundo lugar matéria corpórea; é "individualidade" espiritual, antes de ser entidade política, Estado à la Maquiavel, muito mais do que entidade geográfica-climática-etnográfica, segundo as fórmulas dos autores do século XVI.
Alma, espírito, antes do que corpo, Estado: tentativa de inversão da tese de Gentile de que é o Estado que cria a nação. É a dimensão estatal, não a nação, que aqui se eclipsa; permanecem as idéias e os sentimentos, desaparecem as coisas e os homens em carne e osso – que naquele inverno, em que Chabod falava em Milão, já combatiam enquadrados em dois Estados diferentes, divididos posteriormente segundo linhas políticas menos claras, como mostrou Roberto Vivarelli. Talvez o ocultamento dos pressupostos de Gentile esteja nessa inversão vistosa proposta por Chabod. Mas vejamos como prossegue seu discurso. Pouco após fala da "Liberdade: [...] grande palavra que [...] acompanhará, quase sempre, a nação". Para os italianos, tratou-se de uma liberdade a ser criada, nova; não antiga, a ser restaurada, como para os suíços. Em seguida, Chabod deixa Antoni e prossegue sozinho. Com a análise de Rousseau, apresenta-se o problema do Estado, da vontade geral:
da constatação de um fato, criado principalmente do passado, a nação, passa-se à "vontade" de "criar" um novo fato, ou seja, um Estado fundado sobre a soberania popular, e, portanto – a passagem é inevitável – a um "Estado nacional". Novidade de importância extraordinária. Com esta, ao ato cognitivo [...] se une um ato de vontade, antes ausente.
Liberdade política, vontade: a nação é "consciência plena, em um povo, do que quer". Os problemas, prossegue Chabod, colocam-se quando se trata de "transformar a nação cultural em nação territorial", transformação comum à Itália e Alemanha no século XIX. Mas entre os dois movimentos, "há diversidade absoluta, ou mesmo oposição": o italiano é voluntarista, a nação "se manifesta fora" dessa, no respeito quase religioso da "trindade composta com liberdade e humanidade", e no quadro europeu; o movimento alemão é, ao contrário, naturalista, graças à idéia de missão e de primado afastou-se do "sentimento europeu-humanitário".
Torna-se claro, agora, que a parte do curso que diz respeito à nação – definida como liberdade e vontade, como sentimento e idéia, não como fato histórico: Chabod, o historiador do equilíbrio entre as potências, do Estado, dos impérios, que mantém distância das coisas – é somente uma introdução, bastante orientada, à parte sobre a Europa, como nação futura, quintessência da nação: toda vontade, e nada Estado. Trata-se de ver, diz Chabod, como a Europa "de simples aquisição do intelecto" tornou-se um "fator sentimental e volitivo". A esse fim desenha a "história dos pensamentos sobre a Europa". Aqui a Europa é a nação esperada, a nação como deveria ser. O discurso de Chabod afastou-se cada vez mais dos Estados-nação, que naquele momento estavam combatendo de forma sangrenta entre si (e no seu interior). Nas conferências de Chabod transparece algo dessa dura realidade das coisas. Na segunda metade do século XIX e início do XX, ele afirma, "podia parecer [...] que os europeus devessem se sentir sempre mais europeus" – ou seja, progredidos, cristãos, como um "corpo equilibrado" – mas, "na realidade, não foi assim". A realidade foi um afastamento da Europa, a técnica se transferiu além do oceano, o sistema político tornou-se mundial, o nacionalismo dirigiu-se à conquista.
Ou seja, o curso sobre nação e Europa não é somente uma operação científica e cognitiva. É a construção de uma genealogia nacional virtuosa: a Europa é uma nação ideal, sem conteúdos naturalistas e estatais. Chabod deixa de lado a dimensão do Estado nacional que se expande em império em detrimento de outros, o transforma de fato em perigo e em tradição negativa, em antivalor estranho à trindade Itália-Europa-Humanidade. A publicação do curso em duas partes separadas, sobre a nação e sobre a Europa, por Sestan e Saitta, não ajuda na compreensão dessa linha muito clara: no momento mais agudo da crise moral e estatal da nação, Chabod aplica uma dissolução da dimensão política, do poder da nação.
O quanto essa ocultação fosse uma operação de política cultural, porquanto virtuosa, fica claro observando a atividade política de Chabod após o inverno de 1943-1944.
Agora as idéias de Chabod sobre o sentido alemão, naturalista, e o franco-italiano, liberal, de nação eram colocadas à prova, em um contexto concreto, na fronteira da região Vale d’Aosta com a França. Chabod se alinha na Resistência no Vale d’Aosta a partir de 1944 (como se lê no livro de Sergio Soave, Federico Chabod politico, 1989); em 1946, será o primeiro presidente do conselho regional. O sentido de sua atividade – além do projeto político autonomista – é a luta para conservar na Itália a sua região, contra as tentativas de separação do Vale d’Aosta e contra as pretensões francesas de anexação do Vale d’Aosta à França; e isso desde agosto de 1944, ou melhor, desde a declaração de Chivasso de dezembro de 1943. Esse é um ponto crucial. Para o Chabod historiador das idéias, a nação, entendida em sentido liberal (italiano e francês!), é um fato de escolha livre das populações, o plebiscito contínuo de que falava Renan. Para o Chabod político, ao contrário, a nação a que o Vale d’Aosta deve pertencer é a Itália, o plebiscito decisivo – pedido pelos habitantes filo-franceses, que crêem, com ou sem razão, ser maioria e poder vencer, graças aos estragos do mau governo fascista nos vinte anos e ao apoio francês – não deve ser realizado, não se deve nem sequer falar a respeito.
A declaração de 20 de outubro de 1944 dos representantes do Vale d’Aosta contrários à anexação à França, entre os quais Chabod em primeira fila, diz claramente: "em caso de anexação do Vale d’Aosta à França começaremos imediatamente uma agitação irredentista para reconduzir o Vale à Itália. Somos, queremos ser italianos". É certamente legítima a posição de Chabod, que escolhe a Itália, que manifesta a sua vontade livre. Menos de acordo com a concepção liberal da nação é a proibição armada de realizar o plebiscito (e em março de 1946, o presidente Chabod correrá o risco de ser defenestrado pelos manifestantes).
Teria sido, enfim, tão livre o plebiscito, naquele contexto, com o exército francês na fronteira e quase no vale? Não seria esse comportamento de Chabod um caso exemplar? É a demonstração de que dificilmente o plano das idéias se traduz nas coisas, que dificilmente a concepção liberal da nação permanece diante da vontade armada – que se mostra decisiva (também em relação aos fins do resultado do plebiscito, se tivesse acontecido, em Vale d’Aosta).
Chabod pensa na Milão do governo de Salò, a nação como liberdade, mas atua na fronteira italiana, após a libertação, a nação como força (e como Estado) – diante dos franceses que fazem o mesmo (procuram a expansão territorial à antiga maneira).
A recuperação plena de uma dimensão pública acontecia, como se vê, também para Chabod, em um contexto ideológico intimamente contraditório e não resolvido. Não por isso essa recuperação era menor. Em janeiro de 1946, Chabod aceita escrever uma história do CLNAI e da luta de libertação do norte da Itália, encarregado por homens como Pertini, Longo, Parri, Valiani, Merzagora. Bastante interessante é o procedimento, completamente político, que deveria seguir em seu trabalho: "dosagem" das testemunhas a serem entrevistadas, das pessoas que terão acesso aos documentos recolhidos, verificação final colegial do trabalho – a ser entregue até abril de 1946, para ser "usado" nas tratativas para a paz. Um outro exemplo evidente de sua reorientação, também política, na nova situação, é a missão em Paris, em 1948, junto com Carlo Morandi, para tratar da restituição dos documentos diplomáticos italianos retirados dos aliados.
O afã da reorientação diante do eclipse da nação e do desmoronamento do Estado penetra, portanto, as muralhas científicas, no coração das pesquisas históricas desses intelectuais-náufragos. O nexo "político" entre nação e Europa encontra-se nos cursos do Collège de France de Lucien Febvre: em 1943-1944 ele dá aulas sobre Michelet e a história da França; em dezembro de 1944, sobre a Europa; mas anuncia, para os dois anos seguintes, o curso sobre Honra e Pátria, em que estava trabalhando desde fevereiro de 1943 – nesses mesmos dias, seu amigo e colaborador Marc Bloch interrompia o trabalho para seu livro sobre a história, o Métier d’historien, e entrava na clandestinidade em Lyon.
Febvre parte dos acontecimentos relativos aos dois irmãos Psichari, os bisnetos de Ernest Renan, ambos oficiais, alinhados um contra o outro no conflito civil e militar da nação francesa. Seguindo o fio condutor da história dos dois conceitos, honra e pátria – que "colore" o primeiro negativamente e o segundo positivamente –, tenta explicar duas fidelidades, duas "fontes do sentimento nacional", sentimento que se opõe ao Estado, "mecânica indiferente a toda exigência moral". É uma investigação sobre a natureza e a formação das relações sociais, motivada pela angústia em relação ao futuro. O livro que deriva das conferências permanece apenas esboçado (em 1996 serão editadas as notas sobre Honra, por Thérèse Charmasson e Brigitte Mazon, para o editor Perrin). Os prefácios reencontrados indicam uma passagem progressiva para uma apresentação dos conceitos como "história pura". Aquelas conferências eram, ao contrário, gestos políticos de sinal preciso. O desconforto em relação ao que tinha ocorrido, antes e depois da derrota, e que então ocorria, com a libertação, encontra expressão em uma espécie de metafísica da unidade nacional ("cisma: restituir a esse termo uma aura de horror", escreve o historiador). Mas, principalmente, provoca uma remoção do presente e do passado recente: nenhuma menção da derrota, da ocupação, da colaboração, de Vichy, da Resistência, da perseguição dos judeus: nada. Diante da destruição das relações sociais no solo francês, Febvre refugia-se em uma pátria ideal, dando corpo erudito e brilhante a uma tradição nacional republicana inventada, mas não completamente irreal.8
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Que, silenciosamente, algo substancial tivesse mudado – enquanto a nação se eclipsava e o Estado desmoronava –, que um drama profundo tivesse se desenrolado demonstram não somente testemunhos ainda candentes, como o De profundis de Salvatore Satta (1948), mas também algumas histórias de oscilação mais aparente, de desorientação não-reversível, de intelectuais atingidos pelo naufrágio. Ao contrário de Lucien Febvre, Marc Bloch enfrenta, no difícil período 1940-1943, os problemas da união social e da nação de modo realista. Era diferente a sua percepção do que acontecia nos anos 1930 (ponto decisivo, também para os outros intelectuais-náufragos, que aqui não podemos nem sequer mencionar). Também era diferente, e muito, o itinerário biográfico, pois Bloch, judeu, encontra-se deslocado do centro da nação francesa, onde acreditava estar, antes na fronteira, depois fora – com o estatuto dos judeus de outubro de 1940.
O esboço de uma história da França no quadro da civilização européia (setembro de 1939), o terceiro capítulo do testemunho sobre a derrota, escrito no verão de 1940, o projeto de um volume sobre as origens da nação francesa para a coleção dirigida por Albert Grenier são momentos de uma pesquisa sofrida dos fios rompidos no "mecanismo" da nação francesa, pesquisa necessariamente limitada e somente esboçada como resultados, mas que envolve o problema central, ou seja, os limites reais da unificação nacional francesa.
É certamente difícil dizer em que modo a atividade política de Bloch e suas pesquisas, se tivesse sobrevivido, teriam sido reorientadas. Mas na escolha radical da clandestinidade em Lyon, em março de 1943, penso que se encontre uma mudança radical, em relação ao compromisso patriótico "indireto" do pesquisador de história comparada européia, como Bloch fora nos anos 1930.
Também o historiador das religiões romeno, Mircea Eliade, sofreu uma desorientação não-reversível, na margem política oposta.
Legionário da Guarda de Ferro, e, por isso, preso de julho a novembro de 1938, Eliade transcorre os anos de guerra no exterior, como attaché cultural da embaixada romena, em Londres, até fevereiro de 1941, depois em Lisboa, após a ruptura das relações diplomáticas com a Inglaterra, e até novembro de 1944, quando se refugia em Paris com a ajuda do amigo Georges Dumézil (já estivera na cidade em novembro de 1943, durante a ocupação, achando a cidade "exaltante"). Eliade odeia a democracia e o liberalismo, espera naturalmente que o Eixo vença a guerra, que a Rússia bolchevique seja destruída. Em Lisboa escreve um livro sobre Salazar para oferecer um modelo de ditadura (e revolução espiritual) ao seu país, e para se tornar útil durante a guerra. Aí afirma os valores de um totalitarismo cristão, da pessoa, da família, da terra e do acordo com os ritmos cósmicos.
A pedido do ministro para a propaganda portuguesa, João Ameal, entre setembro e dezembro de 1942, escreve em francês uma história dos romenos, baluarte da Europa cristã contra as invasões turcas, eslavas, bolcheviques: mas quem o lerá, pergunta, se o Eixo perde a guerra? Mais do que uma história, Os romenos, latinos de Oriente – publicado em Lisboa e em Madrid, em 1943 – é o retrato de uma nação imóvel, perpetuamente ameaçada em sua própria existência, consciente de sua precariedade. As origens explicam quase tudo: o elemento étnico-dácio-romano dura e resiste, apesar das repetidas invasões.
Diante do agravamento da situação militar, em dezembro de 1942, Eliade escreve: "Não poderia aceitar a história, sem a Romênia que conheci" (aí estivera, pela última vez, em julho). Em abril de 1944, Bucarest é bombardeada pelos americanos; em agosto, rende-se aos soviéticos. "Nada na história terá mais sentido", escreve Eliade, "se os russos se apoderam da Alemanha, e assim da Europa" (não tanto porque comunistas, mas como russos). Diante da derrota alemã, pensa no suicídio.
Do entrelaçamento de motivos ideológicos e atividade historiográfica, diante do enésimo eclipse da nação romena, origina-se o projeto de Cosmos and History, o grande livro que será publicado em 1949, em Paris, pela Gallimard, com o título Le mythe de l’éternel retour [O mito do eterno retorno]. Nesse, Eliade procura e descreve no pensamento arcaico um horizonte diferente do da história (e da própria modernidade). A história são os acontecimentos que premem e provocam dor, sofrimento. Em relação a esses, o historicismo moderno é ineficaz. Não por nada – sustenta – ele nasceu em nações para as quais a história nunca foi, como para os romenos, um "terror contínuo".
Tomamos a liberdade de enfatizar que "historicismo" foi criado e utilizado principalmente pelos pensadores pertencentes às nações em que a história nunca foi um terror contínuo. Esses pensadores teriam, talvez, adotado uma outra posição se pertencessem a nações marcadas pela "fatalidade da história". Seria interessante, em todo caso, saber se a teoria segundo a qual tudo o que acontece é "bom" simplesmente porque aconteceu, seria aceita sem inquietude pelos pensadores dos países bálticos, balcânicos ou de territórios coloniais.
A desorientação dos anos de guerra produz, portanto, em Eliade uma focalização mais nítida do problema da história, que se traduz em uma tomada de distância cheia de implicações. Ao contrário, pode parecer estranho que Eliade tenha continuado, também após a guerra, a se considerar um historiador das religiões.
É nessas vestes, em todo caso, que ele colaborou em empresas culturais anticomunistas como Encounter, a revista do Congress for Cultural Freedom financiada indiretamente pela CIA. Uma nota do Foreign Office, já nos anos de guerra, tinha entrevisto essa possibilidade: Eliade "é um homem que pode nos ser útil".
Em seu caso, o redirecionamento da atividade pública e das pesquisas não produz má consciência e zonas de sombra, em que é melhor não se aventurar. Produz remoções do passado. Quando Gershom Scholem, na primavera de 1972, lhe escreve para perguntar se é verdade que fora um legionário da Guarda de Ferro romena, Eliade responde que não, não é verdade.9
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Escreve Gioacchino Volpe a Federico Chabod, em uma carta sem data, mas dos primeiros meses de 1944:
Graças a Deus não perdi o gosto pelo trabalho, apesar do sentimento de ter fracassado em minha obra (as gerações que estão agora entre os trinta e os setenta anos devem se considerar um pouco fracassadas, após esse desmoronamento que não é somente militar!), apesar da quase ausência dos objetivos civis que permanecem sempre no fundo de nosso trabalho e que pressupõem a existência de uma pátria, de uma sociedade nacional, de um estado, coisas que agora desapareceram ou algo evanescentes, vivas somente na lembrança do passado e na esperança do futuro, mais do que no presente concreto.
Perda dos objetivos civis, que são os motivos do trabalho histórico: a diagnose de Volpe define limpidamente a perda autêntica dos intelectuais-náufragos, de que estamos falando nestas notas. Com intuição segura, Volpe tendia a ampliar a área do fracasso que registrava em si mesmo. Ao contrário de seus alunos Chabod e Morandi, ele não conseguirá recuperar uma dimensão pública como intelectual, e o seu caso é, por isso mesmo, exemplar.
Volpe procurara, na época medieval, as origens nacionais, percorrendo para trás o que lhe parecia uma "ordem natural das coisas" – a formação lenta das nações européias. Em seguida, fugira da época medieval, e conferira à historiografia uma função nacional, como educação política da nova Itália, mais ou menos a partir da guerra da Líbia, como mostrou Giovanni Belardelli. Durante a Grande Guerra, e logo depois, usara a história como uma arma de combate ao serviço de propaganda do exército, e com o advento do fascismo conseguira manter uma margem de distância ideológica em relação ao regime-governo totalitário, a que, no entanto, serviu com grande dedicação. Os pressupostos de fundo de seu trabalho científico – em particular, sobre as relações internacionais – eram a identificação da sociedade com a nação, a visão das fronteiras ideais (e territoriais) da nação destinadas a se ampliar, a transformação do Estado-nação em Império.
Todos esses motivos são destruídos pelos acontecimentos de 1943-1945. Julgado "indigno de servir ao Estado" em julho de 1944, dispensado do serviço e aposentado, como um sobrevivente, Volpe conseguirá terminar a Itália moderna, em 1949 ("parece-me", observará, "conduzir um cadáver", o seu e o da Itália, provavelmente). Em certo sentido, procurando, sem muita convicção e mais do que uma vez, recolocar Volpe no circuito do ensino e dos estudos, Chabod e outros velhos alunos da escola romana de história tentavam uma reanimação branda do cadáver de seu próprio passado – que, porém, não é reavaliado e permanece enterrado, onde o destinara uma história extremamente difícil de se aceitar. A nação, à qual Volpe continuava fiel, não podia mais ser encontrada.
Do além, Volpe escrevia a Rosario Romeo, em 17 de janeiro de 1960:
Saitta […] insistia sobre o tema de meu "nacionalismo", que nos últimos tempos teria prejudicado a minha atividade de historiador. Gostaria que alguém dissesse o que é esse meu "nacionalismo". É simplesmente tomar como objeto da história recente da Itália o Estado, a nação italiana; o Estado como atividade geral da nação, tanto política quanto econômica e social, ou mesmo cultural, no que a cultura se ressente da política, e influi sobre a política. E qual deve ser a tarefa de um historiador que tome como objeto um país em seu conjunto, em uma época determinada? É "nacionalismo" ter seguido com simpatia a ascensão da Itália, sua vontade de ser alguém no mundo, a consolidação de sua consciência nacional? Não sei o que querem esses jovens. Eu devia estudar somente as classes e suas lutas e problemas operários? Teria assim mal servido as classes, a Itália e a história.10
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Em conclusão, poucas observações, como comentário ao dossiê que apresentei. Uma parte não indiferente da incerteza que se relaciona à palavra nação, discutida pelos autores de que vimos experiências e dificuldades, deriva do fato de que esses se concentram na idéia, mantendo-se distantes das coisas, das ligações reais, observáveis, de que a nação é composta. Essa tendência revela uma tensão totalmente política, que diz respeito à nação como coisa desejada, o processo histórico como regido pela individualidade que quer (daqui a relação entre idéia de nação e historicismo, que nascem e afundam juntos), as relações entre política e cultura como campo a ser dirigido e guia que dirige. É nesse âmbito de pensamentos que se produz o vazio, que procurei descrever com essas histórias de intelectuais-náufragos.
Notas
1 Texto revisto e ampliado da palestra apresentada em 18 de outubro de 2006 na Scuola Superiore di Studi Storici da Universidade de San Marino, no quadro do seminário sobre "Nação, Nacionalismo, Internacionalismo". As notas de cada seção foram inseridas para esta edição em Estudos Avançados.
2 "Ciampi e os ‘Fasci littori’". Notícia da agência Ap-Biscom de 26 de junho de 2003. Afirmação sobre o desmoronamento do Estado na resposta a Ernesto Galli della Loggia (1996), publicada no Corriere della Sera de 5 de março 2001. Sobre "Vivarelli e a nação italiana", ver Vivarelli (2000), e sua participação na discussão sobre a história italiana republicana (Vivarelli, 1999, p.230-5; 2006, p.IX-XXVIII), bem como as páginas sobre a nação (Vivarelli, 2005). Para a incerteza sobre a comunidade nacional, Vivarelli (2006, p.XIV) fala de "comunidade nacional dissolvida em 8 de setembro", enquanto na p.XVII existe ainda uma comunidade nacional que possui "responsabilidades efetivas" e um "passado incômodo"; como esclarece Vivarelli, ele escreve sobre história para "fazer as contas com as próprias experiências de vida [a partir da militância na República social italiana], para usá-la para amadurecer a consciência: a própria, individual, e o que mais conta, a consciência da comunidade à qual aquelas experiências continuam sempre a pertencer" (itálico meu; pareceria aqui aludir a uma continuidade da comunidade nacional, apesar de 8 de setembro).
3 "Cemitério dos generais prussianos" (Bayer, 2006, p.378). Para "Memórias de Taviani", ver Taviani (2002). — "Mestres muito mudados e pesquisas de âmbito local". De "laceração" produzida pela guerra fala Ernesto Ragionieri em 1975 em Belfagor, a propósito de Carlo Morandi (cf. Santomassimo, 1995, p.83). Para a citação de Corrado Vivanti (2002, p.13). Para a primeira geração de historiadores italianos, que se forma no pós-guerra – com a exceção notável de Rosario Romeo – a nação é principalmente um problema histórico, um ponto de interrogação (não mais, portanto, um motivo do próprio trabalho de pesquisa). Deve-se pensar nas observações de Ruggiero Romano (1994, p.XVII), para o qual a nação é somente uma idéia, defendida por ambições historiográficas nacionalistas, enquanto o país é um fato, ou de Girolamo Arnaldi (1994) ao comentar a empresa enciclopédica de Pierra Nora para a França (já publicado em Le Débat, 1994, v.1), ou no projeto do livro L’Italia e i suoi invasori(Arnaldi, 2002). — "História universal". Sobre o projeto einaudiano e a carta de Momigliano, ver Tortarolo (2002); para a atribuição a Corrado Vivanti, ver Mangoni (1999, p.941). — Para a lembrança da conferência de Momigliano, ver Settis (2004, p.3).
4 "Ensaio sobre os três historiadores durante o fascismo e a correspondência de 1959", ver Mastrogregori (2006); para o comentário à "correspondência 1959", ver Storiografia (v,8, p.9-101, 2004) com bibliografia.
5 O documento do Psychological Warfare Branch: conservado nos National Archives of the United Kingdom, Foreign office, série 371. — "Croce", ver Maggi (2001, p.175-6: discurso de Bari) (p.180: discurso de Roma) (p.1: carta a Einstein), e Croce (1983, p.179: polêmica com Parri) (p.188: profeto de Constituição) (p.204-15: sobre o tratado de paz); para a citação dos cadernos, ver Croce (1987, p.275).
6 "Estado e nação", ver Gentile (1946, p.57). Sobre o último Gentile, ver as observações de Sasso (2000). — "Ver o fascismo": para a citação de Bottai, ver Schnapp (2003, p.83).
7 "Morandi", ver Carrattieri (2006). — "Imperio mediterrâneo e Ressurgimento italiano", ver Baioni (2006, p.251, 252, 258).
8 "Antoni e as tentativas de superar o incômodo ideológico". Impossível aqui apresentar o caso de Carlo Antoni, do prefácio a La lotta contro la ragione, de abril de 1942, em que relaciona a idéia de nação e as origens do historicismo, à dissolução final do conceito de nação em alguns escritos em Mondo, 1949-1959; o esboço de história de Itália em novembro de 1943 seria uma importante etapa intermediária; ver Ippolito (2003, p.241-54: à p.243 note as "ambivalências nada pequenas" da análise de Antoni quanto às idéias de povo e nação). — "Chabod", ver Soave (1989, p.44 – ruptura com Gentile); para os pressupostos, em Gentile, dos estudos da idéia de nação, ver observações de Zunino (2002, p.107-40, particularmente a p.136). – Para as citações do curso 1943-1944, ver Chabod (1974, p.17 – nacionalidade e individualidade, (p.25-6: alma, antes do que corpo) (p.32: liberdade) (p.55-6: vontade de criar um novo fato) (p.75: o que o povo quer) (p.67: nação cultural e territorial) (p.68: modo naturalista e voluntarista) (p.79ss e 9: movimento alemão e italiano) (p.8: idéia e valor de Europa) (p.163-4: distanciamento da Europa). – A situação que gera as dificuldades do curso sobre a idéia de nação se reflete na nova versão do primeiro volume, as Premissas, da Storia della politica estera italiana: como é mostrado por Traniello (2002). – História do Comitê de libertação nacional do norte da Itália, ver Soave (1989, p.128-9). – "Missão em Paris com Carlo Morandi", ver Carrattieri (2006, p.327).
9 Para Salvatore Satta, o desaparecimento da pátria "é o acontecimento mais grandioso que pode ocorrer na vida de um indivíduo": ver Satta (2003, p.53, melhor edição existente). – "Bloch", ver Mastrogregori (2001, p.38-42), eLezioni 2003-2004, Marc Bloch e il Novecento, lezione XVI (site do Dipartimento di Storia Moderna e Contemporanea dell’Università di Roma "La Sapienza"). – "Eliade". Notícias biográficas sobre Eliade, um longo texto inédito (agradeço a Natale Spineto pela antecipação) do editor dos diários, Mac Linscott Ricketts, que submete a uma forte crítica o volume de Laignel-Lavastine (2002). – Livro sobre os romenos de 1943: tradução italiana de Enrico Montanari (Settimo Sigillo, 1997). – Citação sobre o historicismo, ver Eliade (1971, p.152n).
10 "Volpe e Chabod", ver a edição das cartas por Frangioni (2002). – "Gerações um pouco fracassadas": é muito interessante que Volpe amplie até os nascidos por volta de 1915, na carta a Chabod, o arco das gerações "um pouco fracassadas": considera decisiva, também para as gerações mais jovens do que a sua, até a do próprio Chabod e além, a participação no impulso nacional do pós-guerra e na experiência fascista. Em uma carta de 27 de outubro de 1967, a Rosario Romeo, Volpe confirma a sua avaliação de 1944: "vejo em ti o melhor representante da geração atual de nossos historiadores (conheço três: os meus mestres, entre ‘800 e ‘900; a nossa, de que sou o último sobrevivente; a última, a tua)": ver a edição do epistolário Volte-Romeo, por Pescosolido (2000). – A carta de Volpe a Romeo de 17 de janeiro de 1960 é citada em Di Rienzo (2004, p.317-18).
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Recebido em 22.1.2007 e aceito em 19.2.2007.
Massimo Mastrogregori é professor da Universidade de Roma "La Sapienza", diretor da International Bibliography of Historical Sciences, da revista internacional Storio-grafia e da coleção "Piste" (ambas editadas pelo Istituti Editoriali e Poligrafici Internazionali, Roma-Pisa). Publicou, entre outros, Il manoscritto interrotto di Marc Bloch. Apologia della storia o Mestiere di storico (1996), Introduzione a Marc Bloch (2001). É curador da edição crítica dos escritos de Benedetto Croce Il carattere della filosofia moderna (1990) e autor de inúmeros artigos sobre historiografia e memória, dentre os quais: "Il potere dei ricordi. Studi sulla tradizione come problema di storia" (Storiografia, v.2, 1998); "Origini, splendori e declino della critica storiografica" (Storiografia, v.1, 1997). @ –mastrogregori@yahoo.com
Tradução de Paulo Butti de Lima. O original em italiano – "L’eclissi della nazione (1940-1945)" – encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000100004