A maioria das façanhas do guerreiro foi riada no século V a.C. Até então, ele era um personagem secundário da mitologia grega
por Marlene Suano
Teseu é o grande herói da cidade de Atenas e de toda a Ática, região periférica da Grécia onde fica a atual capital do país. O guerreiro é também o personagem da mitologia grega que mais mescla lenda e realidade histórica.
Assim como a maioria das divindades e heróis, a primeira referência que temos de Teseu está na Iíada de Homero, a epopeia que narra a luta dos aqueus contra os troianos para resgatar a rainha Helena. No primeiro canto do poema, o rei Nestor, da cidade grega de Pilos, diz ao herói Aquiles e ao rei Agamêmnon que já havia aconselhado homens muito mais valorosos do que eles, como Teseu, que podia ser igualado aos imortais.
Outra rápida menção ao herói está na Odisseia: diante das portas do mundo dos mortos, o herói Ulisses diz ter visto Teseu com a princesa Ariadne de Creta.
Acredita-se que Homero tenha escrito seus poemas épicos no final do séc. VIII a.C., reunindo vários contos e tradições orais sobre os feitos dos deuses e guerreiros míticos. Contemporâneo de Homero, Hesíodo também menciona as façanhas do herói grego: no fragmento 76 de sua obra Catálogos, o poeta reproduziu o mito de Teseu e Ariadne, a filha do rei Minos que ajudou o herói a escapar do labirinto do Minotauro na ilha de Creta.
Portanto, a figura de Teseu está presente nos mais antigos textos da mitologia grega, mas sem grande relevância. Somente a partir do século V a.C. ele ganhará destaque como um herói de Atenas, em clara aproximação com Hércules, herói de toda a Grécia. As semelhanças entre os dois guerreiros estão tanto no número de aventuras (12 de Hércules e 14 de Teseu) quanto no conteúdo dessas narrativas: ambos lutam contra as amazonas e, da mesma forma que Hércules precisa dominar o touro de Creta, Teseu é encarregado de capturar o touro de Maratona.
As aventuras do herói
A versão mais aceita do mito é a que apresenta Teseu como filho de Egeu, o rei de Atenas, e Etra, filha do rei Piteu, da cidade de Trezena, no Peloponeso. Há também narrativas mais recentes, como as de Plutarco e Pausânias, escritas nos séculos I e II d.C., que apresentam Teseu como filho de Etra e Poseidon. Esse deus, aliás, sempre foi visto como o protetor do herói grego.
De acordo com a lenda, o rei Egeu deixou Etra grávida em Trezena e retornou para Atenas a fim de defender o trono da cobiça de seus sobrinhos. Ao partir, Egeu disse a Etra que, para proteger o futuro herdeiro, só revelasse a descendência nobre de seu filho quando ele fosse forte o suficiente para se defender.
Criado em Trezena pela mãe e pelo avô, Teseu saiu em busca do pai aos 16 anos, carregando como identidade o par de sandálias e a espada que o rei Egeu lhe deixara antes de partir. Em vez de ir por mar, o herói fez sua viagem pelo caminho mais longo, por terra, e foi justamente no percurso até Atenas que ele começou a viver suas aventuras.
A primeira delas ocorre perto da cidade de Epidauro. O guerreiro é detido por Perifetes, um dos filhos de Hefestos, deus do fogo e da metalurgia. Teseu o derrota e toma para si a clava de ferro que ele usava para atacar os viajantes, fazendo da arma seu símbolo. Mais uma semelhança entre Teseu e Hércules, que também usou uma clava para realizar seus 12 trabalhos.
O desafio seguinte se dá no istmo de Corinto, onde o herói encontra Sínis Pitiocamptes, o dobrador de pinheiros. Filho de Poseidon, Sínis pedia ajuda aos viajantes para entortar um pinheiro; quando a árvore estava quase tocando o chão, Sínis rapidamente amarrava seu ajudante ao tronco e o soltava, lançando-o para a morte. O sagaz Teseu se oferece para ajudar Sínis, mas, no último momento, inverte as posições na armadilha e faz com que o dobrador de pinheiros seja lançado pela árvore.
Ainda perto de Corinto, o guerreio encontra a enorme fêmea de javali que aterrorizava a região de Krommyon. Para alegria dos habitantes do lugar, Teseu derrota o animal e sua dona, uma velha bruxa chamada Faia.
O herói mata Procusto: os adversários enfrentados durante suas peregrinações dão indícios dos perigos reais que os viajantes da Antiguidade encaravam
A seguir, o herói encontra, próximo a Mégara, cidade ao norte de Corinto, um gigante de nome Skyron, que obrigava os viajantes a lavar seus pés e, quando eles se abaixavam para fazê-lo, os chutava em um despenhadeiro, onde eram devorados por uma cobra gigante. Mais uma vez, Teseu se oferece para fazer o que o inimigo lhe pedia, mas desvia do golpe de Skyron e empurra o gigante despenhadeiro abaixo.
Teseu enfrenta ainda o fortíssimo lutador Kerkyon, que obrigava os viajantes a enfrentá-lo em uma batalha, sempre matando seus oponentes. Sabendo quão difícil seria vencer Kerkyon, o herói simplesmente o levanta no ar e, jogando-o por terra com muita força, mata seu adversário.
Já perto de Atenas, Teseu depara com o malévolo Procusto, que atraía os viajantes com sua aparente hospitalidade e os amarrava à sua cama, onde os cortava ou esticava até a morte, para ajustá-los à dimensão do móvel. Novamente Teseu consegue dar ao vilão a mesma morte, amarrando-o à própria cama e cortando-lhe os pés e a cabeça.
Teseu finalmente chega a Atenas, mas não é recebido imediatamente por seu pai. Quem o reconhece primeiro é a mulher do rei Egeu, a feiticeira Medeia. Temendo que o herdeiro do marido pudesse roubar o trono de seus próprios filhos, a rainha sugere que o herói enfrente o touro de Maratona, animal bravio que devastava a região.
Ele volta vitorioso da batalha, e Medeia então o convida para um banquete no palácio com a intenção de envenená-lo. Mas o rei Egeu reconhece as sandálias e a espada que havia deixado como sinais de sua paternidade e, expulsando a rainha, toma Teseu como seu filho e sucessor.
A luta contra o Minotauro no labirinto da ilha de Creta é a passagem mais conhecida do mito
Naquela época, emissários do rei Minos iam todo ano a Atenas buscar sete moças e sete rapazes que, escolhidos em um sorteio, eram levados à ilha de Creta e sacrificados perante o Minotauro, um monstro meio homem, meio touro, filho do próprio Minos, mantido em um labirinto subterrâneo construído pelo artesão Dédalo.
Teseu leu o próprio nome no sorteio, para que pudesse acompanhar e liderar os jovens, com o objetivo de matar o Minotauro. Em Creta, a princesa Ariadne, filha de Minos, ensina Teseu a ir desenrolando um fio, dado por ela, até alcançar o covil do monstro. Depois de tê-lo derrotado, bastava seguir o fio de volta, até a saída. Como recompensa por sua ajuda, Ariadne pede para ser levada de Creta, o que Teseu pretendia cumprir.
A volta do herói a Atenas é contada de diversas maneiras. Em algumas narrativas, tendo parado em Naxos para abastecer-se de água, uma tempestade o afasta da costa e, quando ele volta à ilha, depara com Ariadne morta. Em outras, ele a abandona adormecida na ilha, onde é encontrada pelo deus Dioniso, que por ela se apaixona.
O certo é que o guerreiro volta desacompanhado para Atenas. Mas o retorno que deveria ser alegre, já que Teseu trazia consigo todos os outros jovens vivos, se torna trágico: o herói se esquece de içar a bandeira que indicaria sua vitória, e o rei Egeu, supondo que o filho havia morrido, fica desesperado e se atira de um penhasco, morrendo no mar que, desde então, leva seu nome.
Teseu se torna rei de Atenas, mas as narrativas míticas são reticentes a esse período de sua vida. Não existem detalhes, por exemplo, de como o herói se envolveu em uma guerra com o lendário reino das Amazonas. Só sabemos que os atenienses venceram a guerra e Teseu se casou com Antíope (ou Hipólita), a rainha das mulheres guerreiras, com quem teve um filho, Hipólito.
A partir desse ponto, as narrativas não são organizadas muito linearmente, comportando alguns anacronismos e contradições. Por causa do constante reprocessamento das estórias sobre os deuses e os guerreiros míticos, feitos de diferentes heróis acabavam se relacionando e eram criados encontros entre personagens. Um bom exemplo disso é a peça Édipo em Colona, de Sófocles, na qual Teseu, já nomeado rei de Atenas, acolhe Édipo, o velho rei cego de Tebas.
O mito e a história
Teseu é um herói mitológico do qual, a exemplo de todos os demais, não se tem nenhuma confirmação de existência histórica. No entanto, os atenienses acabaram levando a narrativa mítica tão a sério que, na Batalha de Maratona, travada contra os persas em 490 a.C., muitos soldados afirmaram ter visto Teseu lutando à frente do exército grego.
Foi nesse grave momento de defesa da cidade de Atenas contra a ameaça dos persas que a figura de Teseu assumiu grande relevância e que seus feitos foram elencados, claramente inspirados naqueles do herói mais conhecido da Grécia, Hércules.
O próprio oráculo de Delfos incitou os atenienses a repatriar os restos mortais de Teseu, sepultado na ilha de Scyros. No ano 470 a.C., quando a ilha foi libertada dos piratas que a dominavam, foi encontrado um corpo humano de grandes proporções enterrado com uma lança e uma espada de bronze. A ossada foi levada para Atenas e, tida como o corpo do herói, foi sepultada perto da Acrópole, onde os atenienses ergueram um templo em sua honra, o Thission, cujas ruínas ainda hoje estão de pé.
A figura de Teseu era homenageada em um festival que acontecia no oitavo dia de cada mês. Além disso, o herói era celebrado nas festas da Conideia, em memória de Conidas, guardião de Teseu em Trezena, e da Cibernesia, que lembrava seus feitos durante a viagem de Trezena a Atenas.
O Templo de Hefesto, em Atenas, também chamado de Tesêion: o local supostamente abriga os restos mortais do herói mítico
Os atenienses do período clássico atribuíam a Teseu a união da Ática sob o comando de Atenas, rompendo a antiga estrutura de pequenos reinos e criando novos mecanismos políticos, típicos de uma verdadeira confederação. Para comemorar esse processo foi instaurado um festival chamado Sinoecia, de onde se tirou o termo sinecismo, que significa fusão, base da fundação da pólis grega.
Portanto, Teseu passou de uma figura que, até o século VI a.C., não tinha grande importância para a condição de herói fundador da Atenas que se unia após ter derrotado, com Esparta, os invasores persas. O escritor Plutarco foi um grande divulgador da figura de Teseu como herói fundador de Atenas, comparando, na obra Vidas paralelas, o herói grego a Rômulo, fundador de Roma.
O guerreiro ganhou contornos de um ser verdadeiro. Mas, além da crença dos próprios atenienses do século V a.C. em diante, incluindo o grande historiador grego Tucídides, não temos nenhuma comprovação da real existência de Teseu. Um Teseu real e não apenas mítico não indicaria, também, a existência de uma Guerra de Troia igualmente verdadeira? O fato é que a historicidade da Guerra de Troia, mesmo que não exatamente nos moldes da narrativa homérica, já é aceita por um número crescente de estudiosos.
Atualmente, os historiadores interpretam os mitos antigos para além de seu significado de mentalidade ordenadora do mundo (ou religiosidade): essas narrativas são consideradas fímbrias de luz que registram a memória de feitos narrados de geração a geração, por centenas de anos.
O ator Henry Cavill, vestindo uma versão estilizada de uma armadura antiga, encarna Teseu em cena do filme Imortais
Teseu, por exemplo, migra do Peloponeso para Atenas. Além disso, o herói é filho ou de Poseidon, o deus da Jônia (arquipélago do mar Egeu) por excelência, ou do rei Egeu, cujo nome, Aegeus, claramente se liga a Aegae, um santuário de Poseidon. Portanto, o mito de Teseu sugere a lembrança de movimentos populacionais que ocorreram entre as diversas regiões do território que se convencionou chamar, séculos depois, de Grécia. Os monstros que atacavam e destruíam os viajantes também são indicadores de deslocamentos populacionais e dos perigos das longas travessias.
De maneira geral, contudo, as narrativas míticas do mundo antigo foram sendo repetidas, modificadas, reaproveitadas e entrecruzadas durante os dez séculos em que circularam no Mediterrâneo, do século VIII a.C. ao século II d.C., não raro referindo-se, como no caso de Teseu, a acontecimentos que teriam se dado entre 1400 e 1200 a.C. Pais, filhos, parentescos, versões diferentes e conflitantes, personagens ignorando as centenas de anos entre eles, tudo era possível na imaginação do homem antigo.
Não se deve nunca imaginar mundos estanques e separados. A mistura e a convivência de tantas centenas de personagens é um reflexo da circulação dessas narrativas entre várias sociedades e da repetição de tais lendas ao longo do tempo. E se até mesmo Tucídides acreditava na existência de Teseu como verdadeiro rei de Atenas e unificador da Ática, por que deveríamos desacreditá-lo?
Fonte:
Teseu é o grande herói da cidade de Atenas e de toda a Ática, região periférica da Grécia onde fica a atual capital do país. O guerreiro é também o personagem da mitologia grega que mais mescla lenda e realidade histórica.
Assim como a maioria das divindades e heróis, a primeira referência que temos de Teseu está na Iíada de Homero, a epopeia que narra a luta dos aqueus contra os troianos para resgatar a rainha Helena. No primeiro canto do poema, o rei Nestor, da cidade grega de Pilos, diz ao herói Aquiles e ao rei Agamêmnon que já havia aconselhado homens muito mais valorosos do que eles, como Teseu, que podia ser igualado aos imortais.
Outra rápida menção ao herói está na Odisseia: diante das portas do mundo dos mortos, o herói Ulisses diz ter visto Teseu com a princesa Ariadne de Creta.
Acredita-se que Homero tenha escrito seus poemas épicos no final do séc. VIII a.C., reunindo vários contos e tradições orais sobre os feitos dos deuses e guerreiros míticos. Contemporâneo de Homero, Hesíodo também menciona as façanhas do herói grego: no fragmento 76 de sua obra Catálogos, o poeta reproduziu o mito de Teseu e Ariadne, a filha do rei Minos que ajudou o herói a escapar do labirinto do Minotauro na ilha de Creta.
Portanto, a figura de Teseu está presente nos mais antigos textos da mitologia grega, mas sem grande relevância. Somente a partir do século V a.C. ele ganhará destaque como um herói de Atenas, em clara aproximação com Hércules, herói de toda a Grécia. As semelhanças entre os dois guerreiros estão tanto no número de aventuras (12 de Hércules e 14 de Teseu) quanto no conteúdo dessas narrativas: ambos lutam contra as amazonas e, da mesma forma que Hércules precisa dominar o touro de Creta, Teseu é encarregado de capturar o touro de Maratona.
As aventuras do herói
A versão mais aceita do mito é a que apresenta Teseu como filho de Egeu, o rei de Atenas, e Etra, filha do rei Piteu, da cidade de Trezena, no Peloponeso. Há também narrativas mais recentes, como as de Plutarco e Pausânias, escritas nos séculos I e II d.C., que apresentam Teseu como filho de Etra e Poseidon. Esse deus, aliás, sempre foi visto como o protetor do herói grego.
De acordo com a lenda, o rei Egeu deixou Etra grávida em Trezena e retornou para Atenas a fim de defender o trono da cobiça de seus sobrinhos. Ao partir, Egeu disse a Etra que, para proteger o futuro herdeiro, só revelasse a descendência nobre de seu filho quando ele fosse forte o suficiente para se defender.
Criado em Trezena pela mãe e pelo avô, Teseu saiu em busca do pai aos 16 anos, carregando como identidade o par de sandálias e a espada que o rei Egeu lhe deixara antes de partir. Em vez de ir por mar, o herói fez sua viagem pelo caminho mais longo, por terra, e foi justamente no percurso até Atenas que ele começou a viver suas aventuras.
A primeira delas ocorre perto da cidade de Epidauro. O guerreiro é detido por Perifetes, um dos filhos de Hefestos, deus do fogo e da metalurgia. Teseu o derrota e toma para si a clava de ferro que ele usava para atacar os viajantes, fazendo da arma seu símbolo. Mais uma semelhança entre Teseu e Hércules, que também usou uma clava para realizar seus 12 trabalhos.
O desafio seguinte se dá no istmo de Corinto, onde o herói encontra Sínis Pitiocamptes, o dobrador de pinheiros. Filho de Poseidon, Sínis pedia ajuda aos viajantes para entortar um pinheiro; quando a árvore estava quase tocando o chão, Sínis rapidamente amarrava seu ajudante ao tronco e o soltava, lançando-o para a morte. O sagaz Teseu se oferece para ajudar Sínis, mas, no último momento, inverte as posições na armadilha e faz com que o dobrador de pinheiros seja lançado pela árvore.
Ainda perto de Corinto, o guerreio encontra a enorme fêmea de javali que aterrorizava a região de Krommyon. Para alegria dos habitantes do lugar, Teseu derrota o animal e sua dona, uma velha bruxa chamada Faia.
O herói mata Procusto: os adversários enfrentados durante suas peregrinações dão indícios dos perigos reais que os viajantes da Antiguidade encaravam
A seguir, o herói encontra, próximo a Mégara, cidade ao norte de Corinto, um gigante de nome Skyron, que obrigava os viajantes a lavar seus pés e, quando eles se abaixavam para fazê-lo, os chutava em um despenhadeiro, onde eram devorados por uma cobra gigante. Mais uma vez, Teseu se oferece para fazer o que o inimigo lhe pedia, mas desvia do golpe de Skyron e empurra o gigante despenhadeiro abaixo.
Teseu enfrenta ainda o fortíssimo lutador Kerkyon, que obrigava os viajantes a enfrentá-lo em uma batalha, sempre matando seus oponentes. Sabendo quão difícil seria vencer Kerkyon, o herói simplesmente o levanta no ar e, jogando-o por terra com muita força, mata seu adversário.
Já perto de Atenas, Teseu depara com o malévolo Procusto, que atraía os viajantes com sua aparente hospitalidade e os amarrava à sua cama, onde os cortava ou esticava até a morte, para ajustá-los à dimensão do móvel. Novamente Teseu consegue dar ao vilão a mesma morte, amarrando-o à própria cama e cortando-lhe os pés e a cabeça.
Teseu finalmente chega a Atenas, mas não é recebido imediatamente por seu pai. Quem o reconhece primeiro é a mulher do rei Egeu, a feiticeira Medeia. Temendo que o herdeiro do marido pudesse roubar o trono de seus próprios filhos, a rainha sugere que o herói enfrente o touro de Maratona, animal bravio que devastava a região.
Ele volta vitorioso da batalha, e Medeia então o convida para um banquete no palácio com a intenção de envenená-lo. Mas o rei Egeu reconhece as sandálias e a espada que havia deixado como sinais de sua paternidade e, expulsando a rainha, toma Teseu como seu filho e sucessor.
A luta contra o Minotauro no labirinto da ilha de Creta é a passagem mais conhecida do mito
Naquela época, emissários do rei Minos iam todo ano a Atenas buscar sete moças e sete rapazes que, escolhidos em um sorteio, eram levados à ilha de Creta e sacrificados perante o Minotauro, um monstro meio homem, meio touro, filho do próprio Minos, mantido em um labirinto subterrâneo construído pelo artesão Dédalo.
Teseu leu o próprio nome no sorteio, para que pudesse acompanhar e liderar os jovens, com o objetivo de matar o Minotauro. Em Creta, a princesa Ariadne, filha de Minos, ensina Teseu a ir desenrolando um fio, dado por ela, até alcançar o covil do monstro. Depois de tê-lo derrotado, bastava seguir o fio de volta, até a saída. Como recompensa por sua ajuda, Ariadne pede para ser levada de Creta, o que Teseu pretendia cumprir.
A volta do herói a Atenas é contada de diversas maneiras. Em algumas narrativas, tendo parado em Naxos para abastecer-se de água, uma tempestade o afasta da costa e, quando ele volta à ilha, depara com Ariadne morta. Em outras, ele a abandona adormecida na ilha, onde é encontrada pelo deus Dioniso, que por ela se apaixona.
O certo é que o guerreiro volta desacompanhado para Atenas. Mas o retorno que deveria ser alegre, já que Teseu trazia consigo todos os outros jovens vivos, se torna trágico: o herói se esquece de içar a bandeira que indicaria sua vitória, e o rei Egeu, supondo que o filho havia morrido, fica desesperado e se atira de um penhasco, morrendo no mar que, desde então, leva seu nome.
Teseu se torna rei de Atenas, mas as narrativas míticas são reticentes a esse período de sua vida. Não existem detalhes, por exemplo, de como o herói se envolveu em uma guerra com o lendário reino das Amazonas. Só sabemos que os atenienses venceram a guerra e Teseu se casou com Antíope (ou Hipólita), a rainha das mulheres guerreiras, com quem teve um filho, Hipólito.
A partir desse ponto, as narrativas não são organizadas muito linearmente, comportando alguns anacronismos e contradições. Por causa do constante reprocessamento das estórias sobre os deuses e os guerreiros míticos, feitos de diferentes heróis acabavam se relacionando e eram criados encontros entre personagens. Um bom exemplo disso é a peça Édipo em Colona, de Sófocles, na qual Teseu, já nomeado rei de Atenas, acolhe Édipo, o velho rei cego de Tebas.
O mito e a história
Teseu é um herói mitológico do qual, a exemplo de todos os demais, não se tem nenhuma confirmação de existência histórica. No entanto, os atenienses acabaram levando a narrativa mítica tão a sério que, na Batalha de Maratona, travada contra os persas em 490 a.C., muitos soldados afirmaram ter visto Teseu lutando à frente do exército grego.
Foi nesse grave momento de defesa da cidade de Atenas contra a ameaça dos persas que a figura de Teseu assumiu grande relevância e que seus feitos foram elencados, claramente inspirados naqueles do herói mais conhecido da Grécia, Hércules.
O próprio oráculo de Delfos incitou os atenienses a repatriar os restos mortais de Teseu, sepultado na ilha de Scyros. No ano 470 a.C., quando a ilha foi libertada dos piratas que a dominavam, foi encontrado um corpo humano de grandes proporções enterrado com uma lança e uma espada de bronze. A ossada foi levada para Atenas e, tida como o corpo do herói, foi sepultada perto da Acrópole, onde os atenienses ergueram um templo em sua honra, o Thission, cujas ruínas ainda hoje estão de pé.
A figura de Teseu era homenageada em um festival que acontecia no oitavo dia de cada mês. Além disso, o herói era celebrado nas festas da Conideia, em memória de Conidas, guardião de Teseu em Trezena, e da Cibernesia, que lembrava seus feitos durante a viagem de Trezena a Atenas.
O Templo de Hefesto, em Atenas, também chamado de Tesêion: o local supostamente abriga os restos mortais do herói mítico
Os atenienses do período clássico atribuíam a Teseu a união da Ática sob o comando de Atenas, rompendo a antiga estrutura de pequenos reinos e criando novos mecanismos políticos, típicos de uma verdadeira confederação. Para comemorar esse processo foi instaurado um festival chamado Sinoecia, de onde se tirou o termo sinecismo, que significa fusão, base da fundação da pólis grega.
Portanto, Teseu passou de uma figura que, até o século VI a.C., não tinha grande importância para a condição de herói fundador da Atenas que se unia após ter derrotado, com Esparta, os invasores persas. O escritor Plutarco foi um grande divulgador da figura de Teseu como herói fundador de Atenas, comparando, na obra Vidas paralelas, o herói grego a Rômulo, fundador de Roma.
O guerreiro ganhou contornos de um ser verdadeiro. Mas, além da crença dos próprios atenienses do século V a.C. em diante, incluindo o grande historiador grego Tucídides, não temos nenhuma comprovação da real existência de Teseu. Um Teseu real e não apenas mítico não indicaria, também, a existência de uma Guerra de Troia igualmente verdadeira? O fato é que a historicidade da Guerra de Troia, mesmo que não exatamente nos moldes da narrativa homérica, já é aceita por um número crescente de estudiosos.
Atualmente, os historiadores interpretam os mitos antigos para além de seu significado de mentalidade ordenadora do mundo (ou religiosidade): essas narrativas são consideradas fímbrias de luz que registram a memória de feitos narrados de geração a geração, por centenas de anos.
O ator Henry Cavill, vestindo uma versão estilizada de uma armadura antiga, encarna Teseu em cena do filme Imortais
Teseu, por exemplo, migra do Peloponeso para Atenas. Além disso, o herói é filho ou de Poseidon, o deus da Jônia (arquipélago do mar Egeu) por excelência, ou do rei Egeu, cujo nome, Aegeus, claramente se liga a Aegae, um santuário de Poseidon. Portanto, o mito de Teseu sugere a lembrança de movimentos populacionais que ocorreram entre as diversas regiões do território que se convencionou chamar, séculos depois, de Grécia. Os monstros que atacavam e destruíam os viajantes também são indicadores de deslocamentos populacionais e dos perigos das longas travessias.
De maneira geral, contudo, as narrativas míticas do mundo antigo foram sendo repetidas, modificadas, reaproveitadas e entrecruzadas durante os dez séculos em que circularam no Mediterrâneo, do século VIII a.C. ao século II d.C., não raro referindo-se, como no caso de Teseu, a acontecimentos que teriam se dado entre 1400 e 1200 a.C. Pais, filhos, parentescos, versões diferentes e conflitantes, personagens ignorando as centenas de anos entre eles, tudo era possível na imaginação do homem antigo.
Não se deve nunca imaginar mundos estanques e separados. A mistura e a convivência de tantas centenas de personagens é um reflexo da circulação dessas narrativas entre várias sociedades e da repetição de tais lendas ao longo do tempo. E se até mesmo Tucídides acreditava na existência de Teseu como verdadeiro rei de Atenas e unificador da Ática, por que deveríamos desacreditá-lo?
Fonte: