OS GENERAIS QUE DESAFIARAM O IMPÉRIO - SÉC IV A.C AO V D.C
A Morte de Viriato, de Raimundo de Madrazo. O líder lusitano Viriato inflingiu inúmeras derrotas humilhantes para o Império Romano, que aumentava seu poder sobre a península ibérica. Mantevese invicto em batalhas até ser assassinado em 139 a.C, por um traidor a mando dos romanos.
Todo romance, poesia épica ou mesmo a tradição oral, sempre trabalha com uma idéia comum de dualidade: os grandes heróis têm inimigos igualmente grandiosos, para reforçar a importância e a valentia desse guerreiro perante os demais indivíduos de sua sociedade. Foi assim com Aquiles, personagem da Ilíada, de Homero, que confrontou o troiano Heitor; o mesmo ocorre com Edmond Dantes, da obra de Alexandre Dumas O Conde de Monte Cristo, que passou mais de uma década tramando sua vingança contra o rival Fernand. É essa oposição, no fim, que dá um caráter mítico a esses personagens literários. Contudo, esse mesmo conceito pode ser aplicado às civilizações reais, como Roma, que ao longo dos séculos colecionou uma imensa galeria de algozes vindos de diversos cantos do mundo com o desejo de vencer o grande exército e assumir a soberania da Europa e do Mediterrâneo. De Cartago, na África, surgiu Anibal Barca, que quase derrotou as legiões nas portas da cidade; da Gália, Vercingetórix reuniu tribos bárbaras e por pouco não subjugou Júlio César; da Grécia, Pirro, herdeiro de Alexandre, tentou dar início a um novo império helênico. Todos chegaram perto de derrubar a cidade, mas sempre foram repelidos pelas legiões inspiradas por Júpiter.
De todas as civilizações que chegaram a seu apogeu na Antiguidade, Roma, sem dúvida, foi a mais 'odiada' pelos inimigos. Os vizinhos gregos e macedônios se confrontaram com a Pérsia, mas não tiveram mais atritos graves com outras nações, além das inúmeras guerras internas. No Oriente Médio, persas e babilônios se enfrentaram em diversas batalhas, mas não chegaram a reunir tantos adversários importantes quanto os romanos. Por fim, os egípcios sempre procuraram manter um bom relacionamento com os povos vizinhos - salvo algumas exceções, como os núbios.
Para os romanos, a guerra era uma instituição sagrada e envolta em rituais de legitimação. Por causa da importância para a sociedade, os deuses mais evocados eram Marte e Júpiter Capitolino. No geral, as batalhas tinham funções tanto de proteção quanto de expansão do domínio da cidade
A GUERRA SAGRADA Os romanos, porém, realmente juntaram uma quantidade muito grande de generais opositores com potencial suficiente para pôr a existência da cidade em risco. Isso, segundo o historiador norte-americano Daniel Roberts, professor da University of Richmond (Estados Unidos), pode ser explicado pelas aspirações expansionistas dos governantes da cidade, que sempre olharam para os vizinhos com desejos de conquista. "Até a invasão dos persas, as cidades-Estado gregas eram muito provincianas e, depois de derrotá-los na Batalha de Salamina, na Segunda Guerra Médica, retomaram seus conflitos internos. Mas os romanos da República e do Império eram guiados por imperialismos agressivos. Esta tendência de fazer algumas regiões como alvo de conquista deixou os povos muito nervosos e prontos para resistir aos avanços de Roma", argumenta. "Roma prevaleceu quase sempre porque destruiu inimigos resistentes. Mas algumas regiões, como a Germânia e Grã-Bretanha, provaram ser demasiadamente distantes e difíceis de assimilar o regime romano".
INIMIGOS DE ROMA
Além disso, havia ainda uma característica cultural muito forte que foi determinante para a existência de tantos conflitos envolvendo as legiões de Roma: a guerra, segundo o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), era sagrada. A premissa mais importante para a religião romana era o respeito aos ritos, fundamental para a manutenção da sociedade. Sendo assim, conta Tito Lívio, criou-se um conceito religioso para a própria guerra, da mesma forma como havia práticas religiosas para a instituição da paz. O próprio ato de declarar guerra a uma nação inimiga deveria seguir um rito: o emissário, ao chegar à fronteira inimiga, cobria a cabeça com um véu de lã e fazia preces a Júpiter, antes de expor as reclamações de Roma.
No fim, a 'encenação' religiosa servia apenas para justificar o início das hostilidades contra outras nações com amparo na própria religião. O intuito era fazer com que Júpiter desse um sinal, caso a declaração de guerra fosse injusta. Se nada ocorresse, a batalha era válida. Caso nada ocorresse naturalmente, o conflito estaria autorizado pelos deuses.
De acordo com o historiador David Mattingly, da University of Leicester (Inglaterra), os piores inimigos de Roma podem ser divididos em três categorias. A primeira era formada por generais de grandes potências militares, como Anibal (Cartago) e Pirro (Épiro). No segundo grupo estavam líderes militares de tribos bárbaras. Por fim, ele aponta guerreiros que comandaram revoltas contra os romanos, como Vercingetórix, Armínio e Boudica. "O que caracteriza esse grupo é que muitos desses generais tinham apreciado o status anteriormente fornecido pelo estado romano. A decisão de se rebelar representou uma reversão da atitude inicial desses generais", analisa.
"Desgraça para os vencidos" foi a resposta de Breno quando recebia o resgate dos romanos para terem de volta sua cidade. A frase, em latim Vae Victis, foi usada para explicitar a lei do mais forte. Enquanto os romanos reclamavam do lastro do ouro que haveriam que pagar, o gaulês teria jogado sua espada na balança, mostrando que quem diz o que era justo ou não são os que detêm o poder. Acima, o quadro Breno e seu botimde Paul Jamin
O INÍCIO DOS CONFRONTOS: BRENNO SAQUEIA ROMA
Grandes confrontos começaram a surgir durante as primeiras décadas do século IV a.C, bem antes da cidade de Roma se tornar uma potência militar temível. Naquele período, o povo celta (chamado pelos romanos de gaulês) realizou inúmeras invasões na Europa Central e Ocidental, ocupando um território que ia do Oceano Atlântico ao Rio Danúbio. No século anterior, diversos grupos já haviam cruzado os Alpes e se instalado na planície do Rio Pó, ao norte da Itália, formando a chamada Gália Cisalpina.
Pouco depois, os gauleses começaram a conquistar algumas cidades etruscas. Esse crescimento territorial incomodava cada vez mais os romanos. Com o conflito inevitável, o general Brenno combateu as legiões de Roma e derrotou o grande exército na Batalha de Allia (na região onde hoje fica a Toscana), distante 15 quilômetros de Roma. A perda das legiões permitiu a invasão e o saque da cidade, três dias depois. Isso, segundo a tradição romana, ocorreu em 390 a.C., mas Aristóteles aponta o ano de 387 a.C. como data exata.
Independente disso, boa parte da população romana foi executada durante a pilhagem. Nada ficou de pé, com exceção da cidadela do Capitólio, onde a resistência agüentou um cerco de seis meses. Conta a lenda que Roma foi obrigada a pagar um resgate de 1000 libras de ouro para que os gauleses desocupassem a cidade. Contudo, permaneceu uma antiga rixa entre os dois povos, que culminaria nas Guerras Gálicas séculos depois, quando os romanos conheceram um de seus maiores opositores: Vercingetórix (veja a seguir).
Essa derrota, segundo o historiador Mikhail Rostovtzeff , serviu para que os próprios romanos conhecessem suas limitações militares, ao perceberem que o exército formado basicamente por patrícios era fraco e a cidade, pouco guarnecida. Assim, ordenou-se a construção de grandes muralhas de pedra, criando uma grande fortaleza, e a profissionalização das legiões.
A LUTA CONTRA PIRRO, O NOVO ALEXANDRE
Tempos depois, Roma buscou se expandir, anexando algumas cidades gregas no Sul da Itália. Nápoles e algumas outras decidiram se submeter ao domínio romano. Outras, porém, opuseram-se à aliança forçada. Tarento controlava o sudeste italiano com uma economia baseada no comércio. Era uma comunidade rica formada por mercadores, que tinha boas relações comerciais com os vizinhos helenos, para quem fornecia cereais e grãos. Para defender a expansão de Roma, Tarento declarou guerra aos romanos em 281 a.C. No ano seguinte, a cidade conquistou o apoio de um general importante: Pirro, herdeiro de Alexandre da Macedônia e rei do Épiro, região norte da Grécia, um 'comandante hábil e estadista ambicioso', nas palavras de Rostovtzeff.
O general Pirro, como muitos outros líderes gregos, considerava-se herdeiro e sucessor de Alexandre, O Grande ( mosaico acima ).Mesmo conseguindo uma vitória militar sobre os romanos foi incapaz de deter a capacidade de recuperação de seus inimigos
O interesse de Pirro em defender Tarento era meramente político. "Esperava ele unir os italianos e gregos sicilianos sob sua bandeira e realizar dessa forma, no Ocidente, aquilo que Alexandre fizera no Oriente - criar um poderoso império grego, que pudesse dominar Roma e Cartago, e liderar as forças do Ocidente numa luta pela conquista do Oriente", narra Rostovtzeff , no clássico História de Roma. Para deter os romanos, o monarca do Épiro desembarcou em Tarento com 20 mil homens, além de 20 elefantes indianos. Além disso, ele também recebeu o apoio de samnitas (que já tinham se confrontado com Roma anteriormente), lucânios e brúcios, somando uma força militar com 40 mil lanças.
Pirro travou e venceu duas grandes batalhas contra os romanos, em 280 e 279 a.C., causando centenas de baixas às legiões da República. Porém, os generais de Roma adotaram uma estratégia paciente e esperaram pelo enfraquecimento do próprio inimigo. Como Pirro não conseguiu se estabelecer na Itália, travaram uma nova batalha em 275 a.C., com vitória para o lado de Roma. O rei do Épiro foi obrigado a se retirar do território italiano, abandonando Tarento à fúria dos romanos. A vitória das legiões nessa ocasião, segundo Rostovtzeff , só foi possível por conta do preparo militar que a cidade adotou após o saque dos gauleses.
Além disso, a derrota do herdeiro de Alexandre foi fundamental para a expansão romana na Europa. "A guerra contra Pirro foi essencial para ganhar o controle do Sul da Itália", analisa a historiadora Kathleen Coleman, professora da Harvard University (Estados Unidos).
Abaixo, ilustração representando a Batalha de Zama, vencida por Cipião africano, que deu fim à segunda Guerra Púnica
CARTAGO, A GRANDE RIVAL
Quando a questão é guerra, os historiadores Dan Roberts (University of Richmond) e Daniel Potter (University of Michigan) concordam em um ponto: o cartaginês Anibal Barca (247 -183 a.C), filho do já lendário Amilcar, foi o pior algoz da história de Roma e, sem o confronto com ele, a cidade jamais teria se tornado um grande Império.
A relação entre a grande cidade e a família Barca começou antes mesmo do nascimento de Anibal. O primeiro a desafiar a paciência dos romanos foi seu pai, Amilcar. Os atritos entre as duas cidades começaram por conta do interesse de ambas em assumir o controle do Mar Mediterrâneo e, com isso, ganhar soberania nas relações comerciais. A situação se agravou quando Roma dominou os portos do Sul da Itália e começou a crescer pelo oceano.
Pintura de Willian Turner mostra a inesperada travessia do exército de Aníbal pelos Alpes italianos. No caminho insalubre, foram perdidos inúmeros elefante e milhares de soldados. Mesmo assim, o elementos surpresa forneceu aos cartagineses uma vantagem tática essencial sobre os romanos
O estopim da Primeira Guerra Púnica foi a disputa pelo controle da Sicília, uma ilha estratégica localizada entre Cartago e o Sul da Itália. Amilcar comandou os exércitos cartagineses em terra e em mar, mas foi incapaz de impedir o avanço romano, que conseguiu derrotar a frota cartaginesa e, depois, tomar a Sicília. Para combater a superioridade naval dos inimigos, Roma obteve ajuda de gregos italianos e sicilianos para construir uma frota imensa e vencer. Em 256 a.C., Atílio Régulo invadiu a África, mas não foi capaz de destruir Cartago definitivamente, pois Xantipo, um mercenário espartano, ajudou os africanos nos combates.
De qualquer forma, Roma conquistou quase toda a Sicília e garantiu a soberania sobre o Mediterrâneo. Para evitar um desastre ainda maior, os políticos de Cartago foram obrigados a assinar um acordo de paz. A humilhação, porém, alimentou novos sonhos de atacar Roma em breve: como analisava Carl von Clausewitz, inimigo não destruído sempre carrega um forte sentimento de vingança.
Aníbal Barca (247 a.C - 183 a.C.), um dos mais perigosos e famosos inimigos de Roma. Escultura de Sébastien Slodzt, 1704.
ANÍBAL BARCA
Em 221 a.C., surge militarmente a figura do grande inimigo: Aníbal substituiu o pai e deu início aos preparativos para a nova guerra, que começou em 218. Neste período, Cartago já havia ocupado terras em Portugal e na Espanha, ou seja, estava cercando Roma, geograficamente. Ele era um general mais ousado que o pai, e decidiu empregar uma estratégia corajosa para derrotar as legiões. Ao invés de realizar um ataque direto pelo mar, Aníbal marchou com o exército pela Gália Meridional, cruzando os Alpes em pleno inverno, com cerca de 50 mil soldados e 37 elefantes indianos de cinco toneladas. Mesmo tendo perdido uma parte considerável de seus homens durante os 190 quilômetros de travessia, ele entrou na Itália em 217 a.C., apavorando até mesmo os generais romanos, que jamais esperavam por uma invasão desse tipo.
A fama de Aníbal aumentou mais ainda no ano seguinte, quando, após vencer inúmeras batalhas e causar incontáveis baixas aos inimigos, confrontou as legiões e as venceu. Sua atuação brilhante frente ao exército garantiu uma grande vitória, que representaria a derrota definitiva dos romanos na Segunda Guerra Púnica. Porém, ele não chegou a invadir Roma, permitindo que a cidade se reerguesse. De qualquer forma, tudo parecia caminhar para um pedido de trégua, já que Roma perdeu mais uma batalha, em Canas. Só que a situação começou a mudar em 212, quando o cônsul Marcelo tomou Siracusa após um longo cerco. Assim, os cartagineses foram expulsos da Campânia, e Cápua foi reocupada pelos romanos.
Com essa derrota, o poder de Aníbal foi enfraquecendo, o que o forçou a recuar. Então, o general Públio Cornélio Cipião, conhecido depois como Africano, foi escalado a comandar as legiões em uma nova incursão. Primeiro, ele derrotou os cartagineses na região da Espanha, antes de invadir a África. As lutas em solo cartaginês começaram em 204 a.C. e só terminaram após dois anos de combates, quando os romanos conseguiram derrotar Aníbal na famosa Batalha de Zamma - nem mesmo a infinidade de mercenários e os elefantes foram capazes de conter a virulência dos guerreiros europeus, causando a ruína quase completa de Cartago. A paz, no fim, foi concluída em 201 a.C., quando Cartago foi condenada a pagar altos impostos aos romanos, além de ser forçada a destruir todos os navios.
Romanos comemorando um triunfo com a exibição pública de escravos capturados. O triunfo era concedido ao general em grandes vitórias e trazia glória e honra para o exército. Pintura de Charles Gleyre
Entretanto, a cidade ainda não estava completamente arruinada e começou a se recuperar aos poucos: Cartago voltava a tornar-se um incômodo. Segundo Rostovtzeff , Roma desafiou os cartagineses a uma nova guerra antes mesmo que o inimigo se rearmasse. Os conflitos ocorreram entre 149 e 146 a.C. Para se proteger, os norte-africanos se refugiaram atrás das grandes muralhas. Nesses três anos, eles foram massacrados sem piedade pelas legiões comandadas por Cipião Emiliano, filho adotivo do já lendário Cipião Africano. Após a derrota, Cartago foi anexada e transformada em uma simples província. O solo da cidade foi amaldiçoado e coberto de sal grosso para impedir que nada nascesse novamente por ali. A vitória trouxe a hegemonia no Mediterrâneo e representou o início de uma era de crescimento econômico e territorial para Roma.
NOVAMENTE, A GÁLIA
O saque de Roma por Brenno não representou apenas o surgimento do primeiro inimigo histórico dos romanos, mas também plantou um grande ódio pelo povo celta no coração dos cidadãos de Roma. Entre 58 e 51 a.C., o general Júlio César (100 - 44 a.C.), que anos depois se tornaria ditador, ocupou-se de conquistar os territórios gauleses obtendo uma grande vitória. Porém, isso custou muitos homens, já que, do outro lado, estava Vercingetórix, um gaulês determinado a subjugar Roma definitivamente.
O confronto começou quando o romano descobriu que os helvécios, tribo próxima dos gauleses, preparavam uma migração em massa para a Gália, atravessando Provença. Para impedir a ocupação, César foi obrigado a levar o estandarte das legiões por praticamente todo o território gaulês, em uma guerra sangrenta. Após inúmeras derrotas consecutivas, os celtas foram cercados na cidade de Avaricum, que resistiu à ocupação romana por 27 dias.
Pintura representa a vitória de Julio César sobre os belgas que, segundo os relatos do general romano, eram os mais ferozes entre os gauleses
Na fortificação, havia comida e suprimentos para agüentar a um cerco de meses, mas uma tempestade acobertou uma invasão de romanos, que saltaram as muralhas e assassinaram até mesmo mulheres, crianças e idosos. Apenas 800 pessoas sobreviveram onde antes moravam cerca de 40 mil pessoas.
Porém, o tempo que os romanos perderam na ocupação de Avaricum foi suficiente para o habilidoso Vercingetórix conseguir o apoio de diversas tribos bárbaras da região, agrupando-as em um único exército contra Roma. Essa força conjunta conseguiu repelir os romanos na Gergóvia e, em seguida, partiu para Alésia, onde o líder das tribos acreditava poder derrotar Roma com seus 80 mil gauleses. César, em pouco tempo, conseguiu construir inúmeras trincheiras e muralhas pelo caminho, para se defender de ataques de surpresa. Cerca de 55 mil legionários cercaram os inimigos. Júlio César, então, construiu novas barricadas, do lado oposto, para impedir a chegada de reforços - conta-se que Vercingetórix esperava a chegada de 300 mil gauleses.
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Conheça os antagonistas de Roma
Brenno: o saqueador de Roma (Gália)
Ninguém sabe com certeza se Brenno realmente existiu. Para alguns historiadores, esse nome seria genérico e significaria 'general', na antiga língua celta. De qualquer forma, Roma conheceu seu primeiro algoz entre 390 e 387 AC, quando as legiões não foram capazes de segurar o avanço gaulês na Itália. Os exércitos romanos tombaram na Batalha de Allia, permitindo o avanço das tropas da Gália até o interior da cidade, que foi pilhada. Muitos cidadãos acabaram sendo assassinados por Brenno, que só desocupou Roma após o pagamento de 1000 libras de ouro.
Anibal: batalha nas portas de Roma (Cartago)
Anibal Barca assumiu o controle dos exércitos de Cartago em 221 AC, substituindo seu pai, Amilcar. No entanto, ele foi mais ousado e quase venceu os romanos na Segunda Guerra Púnica: cruzou os Alpes com 50 mil homens e 37 elefantes de batalha, causando inúmeras baixas nas legiões inimigas. Em 216, na Batalha de Canas, conta-se que Anibal tinha apenas 40 mil homens, mas com uma estratégia brilhante venceu 80 mil romanos - 45 mil deles acabaram sendo mortos no próprio local. Derrotado em Zamma por Cipião Africanus, em 202 AC, o cartaginês se refugiou na África, onde cometeu suicidou 19 anos mais tarde, para não ser capturado.
Viriato: a resistência da Lusitânia (Lusitânia)
Anos depois das Guerras Púnicas, Roma encampou uma guerra sangrenta para expandir seus territórios pela Península Ibérica. A idéia era conquistar posições na Lusitânia (onde atualmente fica a Espanha e Portugal) e, com isso, consolidar os domínios romanos Conheça os antagonistas de Roma em um ponto estratégico para evitar invasões africanas à Europa. Porém, os lusitanos contavam com um general determinado a barrar as legiões: Viriato. Entre 147 e 139 AC, ele liderou os exércitos locais em batalhas que culminaram em vitórias sobre Roma, tornando-se um herói lendário para seu povo. O estilo de luta dos nativos, mais afeitos a guerrilhas e emboscadas que a grandes batalhas de campo, era um obstáculo cotidiano para os generais de Roma, que só conseguiram se livrar de Viriato contratando um assassino, traidor dos lusitanos.
Pirro: o herdeiro de Alexandre (Épiro)
Quando Tarento decidiu se opor à expansão romana no Sul da Itália, Pirro, rei do Épiro e herdeiro de Alexandre da Macedônia, resolveu enviar tropas para ajudar os aliados e, com isso, dar início a seu próprio plano de unificar gregos sicilianos e italianos para edificar um grande império. O monarca desembarcou na cidade sitiada com 20 mil homens e 20 elefantes - além de conquistar apoio de outros 20 mil samnitas, lucânios e brúcios. Entre 280 e 279 AC, Pirro venceu Roma em duas grandes batalhas, mas mesmo assim não conseguiu se estabelecer na região. Em 275 AC, foi derrotado pelos generais inimigos e teve de abandonar a Itália.
Espártaco: o escravo rebelde (Trácia)
Espártaco nasceu livre, na Trácia, mas tornou-se escravo após desertar do batalhão no qual servia. Seu destino mudou ao ser vendido a Lentulo Batiato, na Cápua, onde passou a ser treinado em uma escola de gladiadores. Em 73 AC, os gladiadores se rebelaram, tomando armas e armaduras para combater os romanos. Espártaco conduziu o bando para uma cratera no Vesúvio, que aos poucos foi recebendo reforços de escravos fugidos de várias regiões da Itália. A milícia derrotou vários comandantes de Roma, em dois anos de luta. Porém, Marco Licínio Crasso conseguiu derrotá-los em 71 AC, e ordenou que os sobreviventes fossem crucificados na Via Ápia.
Vercingetórix: O último suspiro Gaulês( Gália)
Quando Júlio César foi incumbido de conquistar a Gália (58 a 51 AC), não imaginou que encontraria uma resistência tão maciça, com guerreiros tão determinados a expulsar os romanos da região. O principal líder das tribos celtas era Vercingetórix, que unificou os clãs e reuniu cerca de 80 mil homens em Alésia, para combater os legionários. Porém, o general romano construiu trincheiras em toda a região, cercando os inimigos e impedindo a chegada de reforços. Após muitas batalhas, César pôde finalmenteser proclamado "o pacificador" da Gália e descansar...até a Guerra Civil
Armínio: o Libertador da Germânia (Germânia)
O germano Armínio foi levado a Roma em 8 AC, após sua tribo ser conquistada e seu pai, Segimero, ter aceito uma aliança com os conquistadores: com isso, o jovem recebeu treinamento militar, se tornou tribuno e foi agraciado com cidadania romana. No ano 7 depois de Cristo, ao voltar para sua terra natal, Armínio abandonou os romanos, que castigavam o povo com altos impostos, e comandou os germanos na grande Batalha da Floresta de Teutoburgo - três legiões foram massacradas. Após anos de conflitos, Roma decidiu abandonar a região em em 16 DC, deixando a Germânia imersa em guerras internas. Por fim, Armínio, o "Libertador da Germânia", foi assassinato em 21 DC, provavelmente pelo próprio sogro, Segestes.
Boudica: a vingadora celta (Bretanha)
Boudica se tornou rainha dos Icenis (uma tribo celta) no século I DC, após a morte de seu marido, um antigo aliado de Roma. Porém, após assumir o trono, ela descobriu que os romanos tinham outros planos: Nero queria consolidar seu poder na região. Roma anexou o território celta e capturou Boudica e suas filhas, que foram torturadas e estupradas: mas a rainha guerreira jurou vingança. Ela conduziu icenis e outros celtas em um grande levante contra as legiões, que fez o Império pensar na possibilidade de retirar as tropas da região. Mesmo após sua derrota, Boudica continuou sendo um símbolo de resistência para o povo. Sua fama conquistou a simpatia inclusive da rainha Victoria, no século XVI.
Átila: o Flagelo de Deus
Uma característica sempre foi inerente aos hunos: a predisposição à guerra. Átila não foi diferente. Ele comandou um império que ia do Rio Danúbio ao Mar Báltico. Sua sagacidade fez com que fosse apelidado pelos católicos de "Flagelo de Deus". Após saquear boa parte das cidades balcânicas, Átila voltou sua atenção para a Itália. Em 452 DC, o huno invadiu o País e pilhou inúmeras regiões, o que assustou não só os romanos, mas o próprio papa Leão I. Durante o encontro entre o monarca e o sacerdote, Átila foi convencido a se retirar. Morreu no ano seguinte, sem antes conseguir empreender novo ataque a Constantinopla, que havia deixado de pagar impostos após a morte de Teodósio, em 450.
Por fim, após uma grande seqüência de combates, a fome obrigou Vercingetórix a entregar as armas e pedir rendição - foi levado a Roma para ser exibido como troféu e acabou sendo decapitado anos mais tarde, quando César apresentou-se como ditador perpétuo ao povo. Enfim, o grande gaulês foi morto em um espetáculo público. Como os próprios romanos diziam, era a política do panis et circus.
O TRIUNFO DOS BÁRBAROS
Porém, nem toda a história da antiga Roma foi coberta de grandes vitórias e glória. A cidade também passou por alguns momentos difíceis e, por pouco, não sucumbiu aos ataques de generais invasores, como os germânicos Armínio, o visigodo Alarico e o lendário líder dos hunos, Átila. Considerados bárbaros pelos romanos, esses guerreiros conseguiram causar estragos até mesmo na credibilidade das legiões.
O primeiro deles a desafiar Roma foi Armínio. Porém, sua relação com a cidade começou de outra forma. No ano 8 a.C., os romanos conseguiram conquistar as tribos locais após uma longa e sangrenta guerra por expansão territorial e política.
O pai de Armínio, Segimero, aceitou fechar uma aliança com Roma para encerrar as hostilidades. O acordo possibilitou que o então jovem germânico fosse levado à Itália para receber treinamento militar. Após algum tempo, ele ainda foi contemplado com a cidadania romana, o que permitiu que chegasse a ocupar o cargo de tribuno.
Entretanto, a situação mudou. Em 7 d.C., Armínio voltou à Germânia como um grande guerreiro e decidiu desertar. Ele abandonou os romanos, que cobravam altos tributos para castigar o povo local, e decidiu contra-atacar. O general se tornou um grande herói nacional ao comandar o exército na Batalha da Floresta de Teutoburgo, quando três legiões foram dizimadas no campo de combate. Após anos de guerra, Roma decidiu abandonar a região em 16 d.C. Contudo, a Germânia entrou em um longo período de instabilidade que gerou brigas internas. Armínio acabou assassinado no ano 21.
David Potter
Professor do Departamento de Estudos Clássicos da University of Michigan (Estados Unidos) fala sobre as guerras de Roma
Leituras da História: Parece que Roma reuniu mais inimigos na Antiguidade do que a Grécia. Os gregos lutaram principalmente contra os persas, mas os romanos travaram combates com muitos outros povos, como cartagineses, gauleses e egípcios. Por que os romanos envolveram- se em tantas guerras?
David Potter: A sensação de que Roma teve mais inimigos do que as cidades- Estado gregas não é uma percepção exata. Os gregos também lutaram contra os cartagineses por séculos, na região da Sicília, e contra tribos celtas principalmente na Europa Central, no período pós-Alexandre. Também lutaram contra o Egito (quando os egípcios se aliaram com a Pérsia, nas Guerras Médicas). O que difere romanos de gregos é que Roma tinha uma organização militar melhor que a dos gregos, que mantinha um mínimo de exércitos eficientes (a exceção óbvia a esta regra foi o Estado Macedônio de Filipe II e Alexandre, O Grande, que se igualou aos romanos). Do quarto século AC adiante, quando o romanos desenvolveram um sistema de alianças que os permitiram tirar vantagens dos recursos da força-humana na Itália, podiam ganhar vitórias decisivas sobre inimigos como os cartagineses, e os estados gregos não eram capazes de vencer.
Leituras da História: Em sua opinião, quem foi o pior general que se opôs à Roma na Antiguidade?
David Potter: Eu penso que Anibal Barca é o primeiro grande inimigo na lista dos romanos, por conta de suas vitórias em Trebbia (218 AC), Trasimene (217 AC) e Cannas (216 AC). Os romanos derrotaram-no somente quando mudaram sua própria maneira da lutar - e após estudar atenciosamente suas táticas de guerra.
Leituras da História: Sabemos que Roma teve grandes inimigos, como Anibal e Vercingetórix. Mas os romanos também enfrentaram algozes menos conhecidos, como Viriato, Pirro, Mitríades e Brenno. Por que esses generais se opuseram a Roma? Qual foi a importância da guerra com esses personagens históricos para a história de Roma?
David Potter: Cada um deles teve seu papel fundamental para a história romana. Viriato liderou tribos da Espanha contra Roma no segundo século antes de Cristo. A guerra contra Pirro era um evento principal na história romana - era a primeira vez que um exército romano confrontou um exército altamente profissional, treinado nas táticas que tinham sido aperfeiçoadas por Alexandre, O Grande, e por seus sucessores. A vitória romana revelou a ambos que Roma poderia suportar derrotas que outros estados não poderiam (os romanos perderam as primeiros duas, de suas três batalhas contra Pirro). Ficou provado também que as táticas flexíveis adotadas pelos romanos ao meio mais atrasado do quarto século eram altamente eficazes. Já as guerras de Mitrídades (132-63 a.C) contra Roma começaram quando ele tentou eliminar o poder romano no Egeu oriental. Apesar de algumas vitórias, Mitrídades não pôde sustentar o esforço militar necessário para derrotar Roma. O resultado desta guerra foi que Roma se expandiu na área litoral da Turquia ocidental para abranger outras partes da própria Turquia e da área correspondente à Síria moderna. Brenno é provavelmente legendário, mas este é o nome que o romanos deram ao homem que destruiu seu exército em Allia, em 390 AC, e saqueou Roma.
Por diversos anos Átila (406 - 453) chantageou o indefeso Império Romano do Ocidente. O Huno recebia anualmente uma enorme quantia em ouro, o que apenas fortalecia seu império e enfraquecia os latinos. Em 452 chegou até as portas de Roma, tendo recuado após seu encontro com o papa LeãoI
O IMPÉRIO DE JOELHOS
Com o passar do tempo e com a crise do Império, inúmeras tribos bárbaras, como godos, ostrogodos e francos, começaram a incomodar Roma. Porém, foi um visigodo, Alarico, quem se destacou como o maior algoz no século IV d.C. De origem germânica, ele liderou tropas locais, as chamadas foederati, que lutavam sob ordens dos romanos em campanhas militares. Foi fiel a Teodósio até a morte do imperador em 395.
O Império, então, foi dividido entre Arcádio (que ficou com a parte Oriental) e Honório (que passou a controlar o lado Ocidental). Porém, as mudanças enfureceram Alarico: ele pleiteava há anos a sua promoção a general de um exército regular e não teve o pedido atendido pelos novos imperadores, que o menosprezavam. Com isso, ele se rebelou - assim como Armínio fizera séculos antes - e se auto-proclamou rei dos visigodos.
Para se vingar dos antigos aliados, começou uma campanha na Grécia, em 395. Dois anos depois, atravessou o golfo de Corinto, no Peloponeso, invadiu o Épiro e tomou a Ilíria. Em seguida, deu início à guerra contra Roma, em duas incursões pela Península Itálica (entre 400 e 403, e 407 e 410). Durante o levante, subjugou os exércitos inimigos e saqueou Roma, em 410 - esse acontecimento é considerado um dos grandes marcos do início da queda do Império Romano.
Surge então Átila, o huno, que ganhou dos católicos o simbólico apelido de Flagelo de Deus. Ele é considerado o último e mais poderoso rei dos hunos, que somou um território imenso, do Rio Danúbio ao Mar Báltico. Átila pilhou praticamente todas as grandes cidades bálcãs e, depois das conquistas, resolveu ampliar os domínios até Roma. A campanha do huno começou na metade do século V, quando invadiu o país e saqueou diversas províncias, em 452 d.C. O rei bárbaro chegou a se reunir com o papa Leão I, em uma tentativa de acordo: o monarca, no fim, foi convencido de que sua retirada era a melhor alternativa. Mesmo assim, os romanos já estavam muito enfraquecidos.
O principal feito de Átila foi ter conseguido sitiar Constantinopla, a capital do Império no Oriente. Seu objetivo era forçar a cidade a retomar o pagamento de impostos, que não eram quitados desde a morte de Teodósio. Finalmente, em 476, Odoacro, um general germânico que lutava contratado pelos romanos, revolta-se e depõe o imperador-fantoche Romulo Augustulo. Considerando o título problemático e sem sentido, Odoacro recusa ser nomeado imperador, torna-se o primeiro rei da Itália e acaba com o capenga Império Romano do Ocidente.
RODRIGO GALLO é
jornalista e escreve
para esta revista
REFERÊNCIAS: CÉSAR, Júlio. Comentários Sobre a Guerra Gálica. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. DIAKOV, V. e KOVALEV, S. História da Antiguidade Vol. 3: Roma. Lisboa: Estampa, 1976. FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Roma - Vida Pública e Vida Privada. São Paulo: Atual, 1993. GIBBON, Edward. Declínio e Queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ROSTOVTZEFF, Mikhail. História de Roma. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
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