11.4.12
O Terremoto de Lisboa e a Tirania de Pombal
Cristiano Catarin
UMA FÉ INABALÁVEL
Por Cristiano Catarin
Há pouco mais de duzentos e trinta e três anos Portugal enfrentava seu momento de maior pavor e destruição causado por um grande terremoto que atingira a até então pacata cidade de Lisboa no primeiro dia de novembro de 1755.
Era feriado, dia de Todos os Santos. Lisboa preparava-se para manifestações de fé e festividades. Entretanto, nas primeiras horas da manhã daquele 1º de novembro o feriado religioso seria cenário de um atemorizante terremoto, seguido de grande incêndio e por fim, de um esmagador maremoto com a elevação das águas do rio Tejo em mais de oito metros do seu costumeiro nível.
A tragédia parecia uma união de três forças juntando-se para atingir e destruir a cidade portuguesa. Era muita desgraça para tão pouco tempo: milhares de mortos – casas, igrejas, conventos e palácios destruídos – a fúria estava alocada em Portugal.
Muitas foram às interpretações a respeito de tal tragédia. Numa cidade impregnada de presságios, superstições e misticismo, grande parte do povo estava convicta de que tal tragédia fazia referência a uma espécie de acerto de contas do Todo Poderoso Deus. Os adeptos do sebastianismo (crença desenvolvida na época em que o então rei d. Sebastião desapareceu após dirigir-se para Batalha de Alcácer-Quibir em 1578, muitos aguardam sua volta triunfante como messias) não demoraram em relacionar tal episódio a suas esperanças sobrenaturais.
Por outro lado, muitos defendiam que Lisboa fora vítima de uma fatalidade e que, na verdade, tal tragédia poderia ter ocorrido em qualquer região. E era esta a versão que a as pessoas próximas da Casa Real pretendiam passar.
O fato é que independentemente das justificativas, o saldo desta catástrofe era desolador. Milhares de mortos (embora não existam registros confiáveis do número total de vítimas, alguns falam em, 10, 15 70, 90 ou até 100 mil, o próprio Marquês de Pombal preferiu divulgar um numero mais modesto, algo em entre sete a nove mil mortos), das vinte mil casas existentes na época, cerca de três mil sobreviveram aos estragos; palácios, hospitais, igrejas, nada escapou da terrível força destrutiva que atingiu Lisboa.
Dentre as vítimas, a maioria dos fidalgos e praticamente toda Casa Real não sofreram qualquer dano, visto que não estavam presentes nos eventos comemorativos daquele dia de Todos os Santos. A nobreza tinha sim, o hábito de prestigiar tais eventos, porém marcava sua presença para depois das 11 horas da manhã, horário em que (naquela ocasião) já havia ocorrido toda desgraça. Dos fidalgos, cerca oito perderam suas vidas no desastre de primeiro de novembro. Sendo assim, o povo foi quem mais sofreu baixas com o terremoto, visto que muitos estavam orando e assistindo missas espalhadas pelas diversas igrejas e conventos de Lisboa.
Dos sessenta e cinco conventos da cidade portuguesa, apenas onze permaneceram de pé (em condições precárias, é verdade). A Lisboa de novembro de 1755 era um cenário de desolação, destruição e inconformismo. Todos os hospitais foram destruídos, havia pedaços de corpos humanos espalhados por toda parte.
Numa cidade em que a religiosidade tomava conta de grande parte da população, os milagres atribuídos ao episódio do terremoto não foram poucos: o padre Manoel Portal, sobrevivente no momento do desabamento de sua igreja, estava seguro de que havia previsto em sonho tido naquela noite (da qual se tornaria manhã de 1º de novembro), o fatídico acontecimento. Para ele, o sonho tornou-se realidade, ainda que desastrosa para os portugueses. A sobrevivência de uma jovenzinha aos braços de sua mãe morta e a preservação intacta duma imagem de Nossa Senhora do Carmo num convento tomado pelo fogo acompanham os milagres que se apresentaram da tragédia. São relatos que reforçam a fé e o crédito na estreita relação estabelecida entre a catástrofe e o mundo divino.
Histórias pessoais também passaram a contar com o “amparo da realidade” e ampliaram-se em forma e força de lendas. Uma dessas lendas fica por conta de um certo conde da Ribera que cortejava durante muitos anos uma donzela. Suas investidas eram correspondidas, entretanto, o pai da pretendida não demonstrava disposição em aceitar tal união, até que fora vencido ao perceber que o casal não desistiria de seu propósito amoroso. Logo depois de ouvirem as belas e esperadas palavras do sacerdote, os noivos foram surpreendidos ao ouvirem o terrível estrondo do primeiro abalo que atingira Lisboa. A partir daí tomaram a decisão de fugir do local refugiando-se numa embarcação na esperança de serem poupados do pior. Porém, as águas do rio Tejo, como informado anteriormente, sofreram grandes elevações e tragou muitas embarcações, inclusive a do casal recém casado.
O terremoto que atingiu Lisboa em 1755 não fora o único de sua história, outros dois pelo menos ocorreram em 1531 e 1597 respectivamente. De qualquer forma, a magnitude presente no de 1755 é sem dúvida bem maior em comparação aos demais mencionados. A cidade portuguesa era uma das grandes capitais da Europa dos anos 1750, ultrapassada somente por Londres, Paris, Amsterdã e Nápoles.
O poder da natureza dá lugar ao poder do homem
O ano de 1756 significou profundas mudanças na política interna de Portugal, sob o reinado de d. José I, Sebastião de Carvalho, mais tarde marquês de Pombal (1769), tornou-se secretário de Estado dos Negócios do Reino de Portugal, cargo equivalente atualmente a de um primeiro ministro. Pombal foi presenteado com grande poder de decisões, com ele na liderança do secretariado dos negócios estrangeiros, Portugal registraria um longo período de extrema e rigorosa concentração de poder do Estado, afastando toda e qualquer tentativa dos nobres em manifestarem-se independentes da vontade do rei e do Estado (o marquês utilizou desse poder absoluto por 21 dos 27 anos de governo).
Os jesuítas, constituintes da Companhia de Jesus também tiveram suas atividades destituídas. Para Pombal estas eram medidas inevitáveis para iniciar a reconstrução do país que ainda “sangrava as feridas” do terremoto. O marquês pretendia assim eliminar, o que pare ele eram os obstáculos mais poderosos para dar início a seus planos, tirando de cena os aristocratas e a poderosa ordem religiosa. A confiança oferecida pelo rei a Sebastião Carvalho, segundo alguns escritores, fica por conta da frase que ele, Pombal, teria dito em resposta a d. José I (ainda sob impacto da tragédia e confuso quanto ao que deveria ser feito para recomeçar e reconstruir Lisboa): “é preciso enterrar os mortos e cuidar dos vivos”!
Muitos dizem que depois da hecatombe de ordem natural (terrível terremoto de 1755) Portugal sofrera com o nascimento do poder de Pombal. Para o escritor Charles Boxer, “Pombal não admitia nenhuma tirania além da sua”.
Para saber mais:
SCHWARCZ, Lilia Moritz. (2002) A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. Companhia das Letras, SP.
MAXWELL, Kenneth. (1998) O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Paz e Terra, RJ.
BOXER, Charles. (1969) A Idade de Ouro do Brasil. Nacional, SP.
Referência Iconográfica:
(figura 1)
http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://jofrealves.com.sapo.pt/Terramoto%25201755.jpg&imgrefurl=http://padornelo.blogs.sapo.pt/8523.html&usg=__I8J48eUszhIOfV93nq7ATM-dt7s=&h=308&w=300&sz=52&hl=pt-BR&start=4&tbnid=TbbVG6LzLZIWzM:&tbnh=117&tbnw=114&prev=/images%3Fq%3DTERREMOTO%2BEM%2BLISBOA%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR
(figura 2)
http://3.bp.blogspot.com/_vHfhEO08cCE/SF_yBTmQVgI/AAAAAAAAHmg/ffz7knGix0A/s400/MARQUES+DE+POMBAL+-+PEQUENO.gif
Créditos:
Cristiano Catarin - professor de História da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo, pós-graduando da PUC-SP.