Enquanto o Império Romano do Ocidente tornava-se cada vez mais fragmentado, principalmente por causa das invasões bárbaras e do crescente processo de feudalização da região, o Império Romano do Oriente tornava-se cada vez mais próspero. Sediado na antiga cidade de Bizâncio e controlado segundo a hierarquia herdada do antigo Império Romano – aquele dos césares, sem divisões -, o império oriental durou mais de mil anos e tornou-se um dos principais pontos culturais do período.
O título coloca Constantinopla- a “cidade de Constantino” – como o centro do mundo, apesar do período ter assistido a outras grandes cidades florescerem e tornarem-se tão ou mais importantes, mas o fato é que além da posição geográfica privilegiada, a capital do Império Romano do Oriente merece, mesmo que por um tempo específico, ser tratada desta forma.
Uma cidade que fica na passagem entre dois continentes, impossível não evoluir em vários aspectos sociais e culturais
Herdeira de Roma:
Constantinopla surgiu quando Constantino I resolveu mudar a capital da Nicomédia (região da Anatólia) para Bizâncio no ano de 330. O imperador então mandou que fosse dada a devida importância a uma cidade muito bem localizada geograficamente, passagem obrigatória de várias caravanas comerciais da época, e promoveu diversas melhorias estruturais na cidade. Em importância, Constantinopla passou a rivalizar com Roma, então capital de todo o Império Romano.
No ano de 395, o imperador Teodósio I faleceu e deixou o império nas mãos de seus dois filhos. Assim, Flávio Honório ficou responsável pela parte ocidental – com capital em Roma -, enquanto Arcádio tomou conta da parte oriental, governando em Constantinopla.
A divisão do Império Romano não foi algo parecido com o Grande Cisma da Igreja Católica, quando houve uma ruptura total causada por desavenças internas da igreja. A coisa aconteceu de forma lenta e gradual. As invasões bárbaras também chegaram a incomodar os romanos orientais, mas as defesas e os modos de manter os “bárbaros” longe deste lado do império foram mais eficientes. Teodósio II, por exemplo, construiu uma grande muralha em torno da cidade, o que manteve os ataques dos bárbaros e posteriormente dos persas e islâmicos longe por um bom tempo.
Depois do início das invasões bárbaras, a autoridade romana ocidental caiu, também de forma gradual, até o ano de 476, quando Odoacro depôs o último dos imperadores ocidentais, Rômulo Augusto, e meio que “inaugurou” a Idade Média. Sobrou apenas o Império Romano do Oriente, mais ligado à cultura grega, assim como no início do Império Romano. E devido às suas defesas e à diplomacia de seus imperadores, cada vez mais desenvolvido social, cultural e economicamente, enquanto a antiga Europa ocidental tornava-se cada vez mais ligada à cultura latina e retraída em suas fronteiras.
Mas o principal período de crescimento do Império Romano do Oriente aconteceu sob o reinado de Justiniano I.
Justiniano, “filho” da Revolta de Nika:
Justiniano I
O governo de Justiniano I ocorria sem muitos percalços até que no dia 13 de janeiro de 532 uma corrida de cavalos mudou os rumos e a orientação de seu reinado. Nika era o cavalo preferido da população, mas Justiniano acabou decretando o outro cavalo – que havia perdido por pouco para Nika – vencedor do páreo daquele dia.
A população, enfurecida, aproveitou a insatisfação que já existia com os altos impostos – entre outras – para iniciar uma revolta que durou cerca de uma semana. Vários setores da sociedade, que não concordavam em aspectos diversos da política local, acabaram juntos bradando pelas mesmas reivindicações. Os revoltosos chegaram a matar diversos guardas imperiais e tomaram grande parte da cidade – inclusive nomeando um novo imperador -, mas Justiniano, apoiado moralmente pela sua esposa Teodora e bélicamente por um de seus principais generais, Belisário, conseguiu abafar a revolta. Estima-se que cerca de 30 mil pessoas foram mortas após o fim da revolta. Assim, Justiniano passou a governar definitivamente como um autocrata, mais aos moldes dos antigos imperadores romanos.
Justiniano conseguiu uma grande expansão territorial durante seu governo, reconquistando territórios perdidos pelos outros imperadores e ampliando seus limites na África e na Península Itálica. Belisário, seu principal general, foi tão genial no campo de batalha quanto Júlio César, e foi o principal responsável pela expansão do império.
No campo jurídico, foi durante o reinado de Justiniano que foi elaborado o Corpus Juris Civilis, o conjunto de leis que passou a reger o império. O código continha novas leis, mas a grande maioria era formada por leis antigas e que passaram por uma revisão, atualizando a legislação. Culturalmente, Constantinopla fervilhava na época. Afinal, era rota comercial entre a Ásia e a Europa, e com territórios europeus e africanos do antigo Império do Ocidente subordinados ao oriente, o intercâmbio cultural entre estas regiões foi muito grande. Mesmo assim, já havia uma certa queda das influências greco-romanas nos trabalhos culturais, já que a teologia cristã oriental ganhava força e personalidade própria, já se diferenciando da cristandade ocidental.
Justiniano também incentivou a reconstrução da bela basílica de Santa Sofia – também conhecida como Hagia Sophia, que em grego significa “Sagrada Sabedoria” -, destruída durante a revolta de Nika. Hagia Sofia certamente é uma das maiores obras da arquitetura bizantina, e mesmo transformada em mesquita após a invasão otomana de 1453 e depois “desfigurada” pelos muçulmanos de sua arquitetura e objetos de decoração originais e transformada em museu no século XX – e esquecida posteriormente pelos governantes turcos -, a basílica ainda é um marco arquitetônico.
Interior da basílica, cheia de influências islâmicas e cristãs...
Os séculos posteriores: lutando contra os islãmicos e os cruzados cristãos.
Um império não dura para sempre. Por maior que tenha sido o crescimento geográfico, militar, econômico e cultural de um reino, ele inevitavelmente será suplantado por outro exército maior ou melhor treinado, ou cederá “espaço cultural” para que outros povos ocupem seu espaço. Mas o Império Romano do Oriente sobreviveu por mil anos porque Constantinopla era uma verdadeira fortaleza e seus governantes sabiam usar a diplomacia.
Quando venciam algum inimigo ou perdiam alguma província, os romanos orientais buscavam formalizar um acordo de paz, uma trégua de algumas décadas, e ampliavam as relações comerciais com estes povos. Assim, conseguiam manter sua economia girando enquanto acalmavam a “gana financeira” do povo inimigo. Todos saíam ganhando, mas ninguém conseguia invadir Constantinopla. A capital do império permaneceu intacta por séculos, apenas sofrendo um ou outro levante interno – como o exemplo da Revolta de Nika – mas nunca cedendo à invasões estrangeiras. Sofria ataques? Sim, mas conseguia repelir quase todos com um relativo sucesso.
As constantes incursões cruzadas no Oriente Médio acabaram abalando a estrutura bizantina, que nesta época encontrava-se sob a liderança de generais não tão geniais quanto Belisário, e o império viu-se fragmentado após o saque de Constantinopla, promovido pelos cavaleiros da Quarta Cruzada em 1204. O pouco de território que ainda existia sob o domínio bizantino foi dividido em 4 reinos, e muito enfraquecidos, nunca mais retomaram a unidade dos séculos anteriores.
Constantinopla e a unidade do império também passaram por algumas guerras internas já nos séculos XIV e XV – já que principalmente a região dos Bálcãs havia se tornado uma imensa “colcha de retalhos” de povos, e é assim até hoje – e estas guerras enfraqueceram ainda mais o poder na região.
Já a expansão islãmica, iniciada no século VII, conquistou muitos territórios bizantinos e também abalou os alicerces de Constantinopla. Era mais um inimigo a ser vencido, além dos persas e dos “bárbaros” europeus que por séculos ameaçaram o império. Como os líderes muçulmanos também gostavam de manter acordos de paz sempre que o inimigo apresentava relativa força, a convivência foi se arrastando por séculos, com atritos localizados em algumas regiões, até que em 1453 os Turcos Otomanos tomaram Constantinopla e deram fim ao último resquício do antigo Império Romano.
Vista da atual Istambul, antiga Constantinopla, antiga Bizâncio... e a Basílica de Santa Sofia em primeiro plano.
Hoje Constantinopla se chama Istambul e faz parte da Turquia – e atenção, a capital da Turquia é a cidade de Ancara, ok? -, e ainda é um “entroncamento” entre a Ásia e a Europa, e é considerada uma das cidades mais “interessantes” – culturalmente falando – dos dois continentes.
Fonte: http://www.historiazine.com/2012/04/constantinopla-capital-do-mundo.html