Escrito por Mylton Severiano e Katia Reinisch
Ornamental, cosmética e medicinal, a babosa (Aloe vera) é usada desde a antiguidade. O rei Salomão a louva no Cântico dos Cânticos. Pesquisas sobre a “planta da saúde e da beleza” não exploraram todas as suas propriedades. A humanidade ainda tem muito a se beneficiar dela.
A mãe de santo paulistana Lúcia Helena, que incorpora Zé Pelintra – “Egum-rei” que foi “boêmio e namorador”, mas dizia verdades “na lata” –, não conhecia os poderes da babosa ao receber em sua chácara de Juquitiba mais de vinte fiéis num sábado gelado de junho, para a Noite das Fogueiras. Comparecemos como convidados. Iam “baixar” ciganos e ciganas nas pessoas, vestidas a caráter. E, noite adentro, em volta do fogo, dançariam ouvindo Gipsy Kings e outros sons ciganos. Lúcia ficaria para sempre grata a uma convidada. Tão logo o fogo se firmou, sofreu um acidente: uma “entidade inimiga”, disse ela, desviou uma labareda que lhe atingiu em cheio o lado direito do rosto.
A coautora desta seção viu babosa no jardim. Com uma faca, cortou duas folhas. Decepou os espinhos laterais e retirou a casca da parte côncava, expondo o gel de um verde translúcido. Instruiu Lúcia a aplicar aquele unguento natural sobre a queimadura, já vermelha e dolorida. Preparou a outra folha, para Lúcia ir trocando os “curativos”, pois quem conhece sabe: babosa absorve o calor, com imediato alívio; você retira uma folha, deixa esfriar e põe outra. E assim por diante. Em menos de uma hora, o rosto de Lúcia estava curado e sem marca alguma da queimadura.
Entre a cena acima e a primeira vez em que um ser humano observou o poder de regeneração de tecidos exercido pelaAloe vera, passou-se um tempo imemorial. Chineses usavam babosa como remédio há 6 mil anos. Gregos do século 4 a.C. viajavam cinco mil quilômetros por terras, rios e mares até Socotorá, ilha vulcânica no mar da Arábia. Iam buscar o melhor dos aloés – o mesmo socotorino que Alexandre, o Grande, da Macedônia, mandava trazer para tratar ferimentos de seus soldados. E, há dois mil anos, o médico grego Dioscórides já relacionava usos externos e internos da planta.
A Bíblia menciona a babosa, que no texto sagrado contracena com ouro, pedras preciosas e especiarias. Ela está em episódios eróticos dos Provérbios e do Cântico dos Cânticos, no qual o rei Salomão, um milênio antes de Cristo, canta que no jardim de sua amada há “mirra e aloés”.
Cleópatra, rainha do Egito, das mais sedutoras mulheres da história, era especialmente admirada pela formosura da pele. E o que fazia parte de seu arsenal de beleza? Babosa.
Melhor é a de nome árabe-latino
Originária de regiões desérticas, esta liliácea se propaga sob condições inóspitas – aliás, pouco liga para água e solo adubado. Apresenta-se feito um cacto suculento de folhas longas, carnosas, com espinhos nas bordas, do verde- claro ao verde-escuro. Espécies produzem um talo com flores amarelas ou vermelhas na ponta.
Há duzentas variedades no mundo. A mais recomendada para usos humanos é a Aloe vera. O nome científico combina o árabe alloeh – substância amarga e brilhante – com o latim vera – verdadeira.
Duas passagens do Livro Sagrado
No Cântico dos Cânticos 4, 12-14, Salomão verseja: Minha noiva, meu amor, você é / como um jardim cercado e fechado; / é uma fonte particular. / Nesse jardim as plantas crescem bem. / Nele existe nardo e açafrão, canela e jasmim azul / e todas as espécies de incenso. / Há também mirra e aloés / e outras plantas perfumosas.
Nos Provérbios 7, 10-13 e 16-17, uma mulher “cheia de malícia” abraça e beija um rapaz e o convida: Já forrei a minha cama com lençóis de linho colorido do Egito. Eu a perfumei com mirra, aloé e flor de canela.
Lá estava ela no Santo Sudário
Sabemos que, tirando a vitamina D, ela contém todas as outras, e proteínas, magnésio, cálcio, zinco, carboidratos. No Brasil, falta pesquisa sobre suas possibilidades. Nossas leis não a permitem para uso interno, só para tratamento externo e na indústria cosmética.
Antibacteriana (em grande concentração), analgésica, anti-inflamatória, coagulante, cicatrizante, reidratante e regeneradora de tecidos. Também podemos usar seu gel, que trata ferimentos e queimaduras, em erupções cutâneas, acnes, picadas de inseto. Limpa e fortalece o cabelo, combate a caspa.
Como cosmético, hidrata e suaviza a pele ressecada e flácida. Previne rugas. Por penetrar até a terceira camada da pele, repara tecidos de dentro para fora. Tudo isso bastando aplicar o gel da folha diretamente no local.
Uma das plantas de uso médico mais antigo que se conhece, com seu sumo judeus embebiam o lençol em que envolviam seus mortos para retardar a decomposição e encobrir o cheiro da morte. Assim fizeram com Jesus quando o tiraram da cruz.