15.5.12

O fracasso na Baía dos Porcos





A milícia de Fidel tinha cerca de 200 mil homens para combater os invasores

A tentativa fracassada de um grupo de emigrantes cubanos de invadir Cuba pela Baía dos Porcos, com o apoio do governo dos Estados Unidos, foi quase catastrófica para a presidência de John F. Kennedy. O objetivo da missão era provocar um levante que derrubaria Fidel Castro, o líder de esquerda que havia tomado o poder em uma revolta armada em 1959.

Castro estava em curso de colisão com os Estados Unidos quase desde que tomou o poder. Dwight D. Eisenhower, antecessor imediato de Kennedy na Casa Branca, observava, cada vez mais alarmado, o governo revolucionário cubano desenvolver uma relação mais próxima com a União Soviética. Eisenhower já tinha usado a CIA para derrubar governos “indesejáveis” no Irã e na Guatemala. Em 1960, no último ano de sua presidência, ele apelou novamente para os serviços da agência.

A agência bolou um plano para financiar, equipar e treinar na Guatemala um grupo de cubanos que haviam fugido do país por desprezarem as políticas de Castro. A ideia era ajudá-los em uma invasão anfíbia. Para dar cobertura à operação, haveria bombardeios à força aérea de Castro.

Prosseguir com o plano para derrubar o líder cubano, ou colocá-lo em fogo brando? Esse era o dilema que Kennedy enfrentou quando substituiu Eisenhower na Casa Branca em janeiro de 1961. Após discutir o tema espinhoso em incontáveis reuniões com conselheiros nas primeiras semanas de sua presidência, Kennedy decidiu dar sua bênção à invasão, desde que fosse executada tão discretamente quanto possível – e com o papel americano na operação dissimulado.

Desastre sobre desastre
Kennedy pediu aos agentes da CIA para substituirem o local preferido deles para a invasão – Trinidad, ao sul da costa cubana – por um menos populoso e ostensivo. Eles trouxeram a ideia da Baía dos Porcos, uma enseada na costa sul da ilha, de população mais esparsa, a 145 quilômetros a sudeste da capital, Havana.

Os eventos começaram então a se desdobrar rapidamente. Na metade de março, os mais altos conselheiros militares de Kennedy já haviam abençoado o plano revisado. O ataque estava marcado para abril.

Kennedy esperava que a invasão ajudasse os Estados Unidos a retomar a iniciativa na Guerra Fria. Mas a operação mostrou-se um desastre humilhante. Antes do ataque, um bombardeio aéreo por B-26s nas principais instalações aeronáuticas de Cuba, em 15 de abril, não conseguiu destruir toda a força aérea de Castro. Quando a frota de exilados aproximou-se de Cuba, seus barcos estavam danificados pelos recifes de corais. Castro rapidamente mobilizou sua milícia de 200 mil homens e, no dia a invasão, 17 de abril, despachou forças consideráveis para a praia. Ele também teria aumentado a vigilância sobre opositores à sua liderança – dificultando as pretensões americanas de que o ataque fosse o pavio de um levante anticastrista.

Enquanto isso, JFK deu outro golpe na operação ao cancelar o segundo bombardeio nos campos aéreos de Cuba, temendo que isso revelasse ao mundo o envolvimento dos EUA. Isto permitiu que Castro usasse os aviões que sobreviveram ao ataque inicial, conjuntamente com o fogo da infantaria, para atacar os invasores. Em 19 de abril, a tropa de exilados apoiados pela CIA começou a se render. A invasão da Baía dos Porcos havia fracassado.

Que os EUA estavam por trás da operação foi logo relatado pela imprensa e revelado nas Nações Unidas. Desacostumado a dificuldades no que tinha sido até então uma vida política encantada, Kennedy ficou devastado com o desastre da Baía dos Porcos. Um conselheiro viu JFK chorando nos braços de sua esposa, Jackie, na Casa Branca. O presidente chamava seu pai para dar conselhos a cada hora, mas não recebia o apoio paterno que havia previsto. “Ora, diabos, se é assim que você se sente, dê o emprego a Lyndon (Johnson, vice-presidente)”, disse Joseph Kennedy ao filho.






BBC

O candidato Kennedy discute política externa com o diretor da CIA, Allen Dulles

Por que Kennedy patrocinou um plano que falhou tão miseravelmente? Ele tinha uma boa razão para pensar que a operação poderia ser bem-sucedida? Seria um erro compreensível, já que quase todos os seus conselheiros o haviam encorajado a autorizar a operação?

Kennedy decidiu ir em frente por várias razões. Primeira de todas, o plano refletia sua ideologia de política externa, que era baseada na ideia de que as democracias como os Estados Unidos deveriam desenvolver poder militar considerável e mostrar dureza inflexível quando estivessem lidando com ditaduras agressivas como a de Castro em Cuba e a de Nikita Kruschev na Rússia. Esta convicção vinha da análise de Kennedy como estudante, em Harvard, sobre o apaziguamento dos britânicos com a Alemanha nazista. Para um jovem JFK, as lições dos anos 1930 eram claras: confrontar ditadores totalitários, não mimá-los.

Isto é precisamente o que Kennedy pretendia fazer ao ordenar a invasão da Baía dos Porcos. Ele também acreditava que, se Castro permanecesse no poder, ele promoveria uma série de revoluções comunistas pela América Latina. Na mente do novo presidente, a Cuba de Castro representava uma extensão perigosa e inaceitável da Rússia no próprio quintal dos americanos.

Kennedy, além do mais, tinha assumido posição fortemente contrária a Castro na eleição presidencial de 1960, bradando contra seu rival republicano Richard Nixon por ser parte de uma administração que havia fracassado em prevenir que os revolucionários cubanos assumissem poder. JFK prometeu, se eleito, agir para derrubar Castro. Então, tendo vencido a eleição, ele se sentiu compelido a honrar a promessa e apoiar o plano da CIA.

Outro fator que quase certamente está por trás da decisão de Kennedy de aprovar o plano da Baía dos Porcos: a crença de que funcionaria porque Castro seria assassinado. Em 1975, uma investigação do Senado dos EUA sobre supostas tentativas da CIA de matar líderes estrangeiros comprovou que a agência formulou pelo menos oito planos para assassinar o líder cubano no começo dos anos 1960. A CIA chegou até a recrutar mafiosos como John Rosselli e Sam Giancana para ajudar no serviço.

Em uma destas tentativas, um cubano deveria passar pílulas de veneno para um oficial do governo cubano, que faria com que as pílulas fossem colocadas na bebida de Castro. Outro plano envolvia um exilado que cuidaria de colocar veneno na comida de Castro no restaurante que ele frequentava.

O que não se sabe é se Kennedy sabia das tentativas da CIA de matar Castro e as endossava, ou se o presidente foi deixado no escuro. A prática da CIA de “negatibilidade plausível”, pela qual reuniões presidenciais sobre tentativas de assassinato não são registradas oficialmente para que este conhecimento possa ser plausivelmente negado, torna o assunto ainda mais pantanoso.

Vários assessores de Kennedy desde então têm alegado que o forte código moral do presidente torna impensável que ele tenha apoiado planos da CIA para matar Castro. Olhando de outro ângulo, no entanto, parece muito provável que Kennedy sabia e aprovou as tramas de assassinato da CIA. Logo antes da Baía dos Porcos ele pediu a um senador – que também era um amigo íntimo – para produzir um memorando sobre o assassinato de Castro. Em outra ocasião, contou a um jornalista, pouco depois naquele ano, que ele tinha estado “sob terrível pressão de assessores ... para dar ok ao assassinato de Castro”.

Além do mais, Kennedy achava o mundo da espionagem, com suas manobras ilegais e comprometimento moral, repreensível mas intrigante. Ele adorava os romances de Ian Fleming com James Bond, e até tinha conhecido Fleming e pedido seu conselho sobre como lidar melhor com Castro durante a campanha presidencial de 1960. Quando Kennedy foi informado que a América tinha seu próprio James Bond, William K. Harvey, que tinha construído um túnel sob Berlim Oriental, ficou muito interessado em conhecê-lo. Como um auxiliar de Kennedy se lembra, o “aventureiro de pistola numa mão e martíni na outra foi encontrado e mandado para a Casa Branca”.




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Artilharia antiaérea de Fidel Castro posicionada na Playa De Giron


Em vez de ficar preocupado com a noção de que agentes da CIA estavam tentando assassinar Castro, Kennedy provavelmente viu isso como o tipo de tática secreta e desagradável que um presidente era compelido a usar porque servia ao interesse nacional. Conhecimento das tentativas da CIA de matar Castro certamente tornaram a decisão de Kennedy de ordenar a invasão mais compreensível.

Matematicamente, a Baía dos Porcos nunca fez sentido. Como poderia um exército de 1,4 mil exilados cubanos derrotar as forças de Castro que, reforçadas por sua poderosa milícia, podiam chegar perto de um quarto de milhão? O que JFK provavelmente calculou foi que o assassinato de Castro faria Cuba mergulhar no caos. Neste contexto, a pequena força de exilados cubanos poderia se mostrar eficaz em determinar o futuro político de Cuba.

No entanto, Kennedy deveria ter questionado a CIA e oficiais militares mais profundamente sobre as lacunas do plano. Ele também deveria ter colocado a bordo relatos da inteligência britânica que recebeu no começo de seu governo, sugerindo que, dificilmente, em caso de uma invasão de exilados, os cubanos se levantariam contra Castro. Finalmente, ele poderia ter escutado muito mais atentamente os oficiais dos EUA que se opunham à operação. O fato embaraçoso é que havia numerosos dissidentes dentro da administração dos EUA, o que os aliados de Kennedy geralmente ocultavam. A Baía dos Porcos foi um erro da parte de JFK, mas um erro compreensível, considerando que quase todos os seus conselheiros apoiaram a operação. Mas Chester Bowles, Adlai Stevenson, Dean Rusk, Charles Bohlen, Richard Goodwin e Arthur Schlesinger, entre outros, expressaram suas profundas reservas a respeito do plano de invasão, assim como o senador J. William Fulbright, do Arkansas. O veterano democrata Dean Acheson não se conteve: “Não era preciso chamar a Price Waterhouse para descobrir que 1,5 mil cubanos não era melhor do que 25 mil cubanos. Parecia-me uma ideia desastrosa”. Kennedy podia e devia ter ouvido estas vozes dissonantes.

A invasão da Baía dos Porcos foi o ponto mais baixo do governo Kennedy, o símbolo das políticas excessivamente linha-dura que ele frequentemente empregou antes da crise dos mísseis cubanos, em outubro de 1962. Ele não apenas tentou derrubar Castro através
dos ataques organizados pela CIA como continuou a trabalhar para destituí-lo, lançando outro programa secreto dirigido contra Cuba, a Operação Mongoose. Ele também aprofundou o envolvimento da América com o Vietnã e desnecessariamente aumentou os gastos militares em uma época na qual os EUA tinham uma ampla liderança em armas nucleares sobre a União Soviética.

Despertado pelos perigos da crise dos mísseis cubanos, Kennedy posteriormente adotou uma abordagem conciliadora em assuntos internacionais, assinando o Tratado de Proibição de Testes Nucleares de 1963, e exortou os Estados Unidos a mudarem sua atitude em relação ao povo russo e à Guerra Fria, em seu famoso discurso na Universidade Americana, em Washington. A maturidade demonstrada por Kennedy no ano final de sua presidência, tão ausente na maneira como lidou com a operação da Baía dos Porcos, torna ainda maior a tragédia de seu assassinato, em novembro de 1963


Mark White

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