9.8.12
Minúsculos e Poderosos A transformação de insetos em armas de guerra
por Nelson Aprobato Filho
©Orca Shutterstock (alvo); ©Dietmar Hoepfl Shutterstock (pulga)
No século 5 antes de Cristoum médico grego, Ctésias, ficou intrigado ao conhecer um novo, raro e caríssimo veneno. Quando começou a analisar o produto, nem sequer sabia se era proveniente do reino mineral, vegetal ou animal. O veneno havia entrado na Grécia como um presente, oferecido por um rei indiano. Acreditava-se que a misteriosa poção era produzida por um minúsculo pássaro, de cor alaranjada. E, para aguçar ainda mais as curiosidades, essa ave jamais havia sido vista ou capturada. Havia apenas a certeza de que uma pequena gota do produto poderia, em instantes, matar um homem.
Foi só no século 20 que entomologistas descobriram a procedência da poderosa toxina. Quem produzia o veneno era um besouro, menor do que uma uva e com muitas espécies originárias das florestas úmidas da Índia. O animal recebeu o nome científico de Paederus. Seu veneno foi classificado como mais poderoso do que o produzido pela viúva-negra, 15 vezes mais tóxico que o veneno das serpentes. Mais assustador, para nós humanos, é o fato de que algumas espécies desse inseto, ao contrário de aranhas e cobras, são capazes de voar.
Em estatística feita por Nigel E. Stork, entomologista do British Museum, de 1,82 milhão de espécies de animais e plantas oficialmente nomeadas, 57% são insetos. Há certas grandezas nesse fascinante mundo de minúsculas criaturas, como há, por outro lado, determinadas aproximações entre o ser humano e essa multidão de insetos, que são, ainda hoje, praticamente desconhecidas da maior parte das pessoas.
A história das relações entre o homem e insetos é milenar, rica em detalhes e aterrorizante em muitas de suas ramificações. Do uso desses animais como fonte de alimentação e entretenimento aos milhões investidos anualmente no controle de pragas agrícolas, o homem tem se interessado, por séculos, pelos insetos. Algumas dessas relações são estarrecedoras.
Coreia, 1952. No amanhecer do dia 27 de março um estranho objeto vermelho é lançado de um avião sobre a região de Liaoyang. Um morador que presencia a cena, assustado, sai de sua casa para verificar de que se trata. Nada encontrando nas proximidades da queda, mesmo inquieto desiste da busca e retorna à sua residência. Ao entrar, olha novamente para fora e fica perplexo com o que vê: do lado externo de uma das janelas centenas de insetos movimentam-se em alvoroço. Essa narrativa é absolutamente real, apesar de lembrar os melhores filmes de Alfred Hitchcock. Faz parte de um relatório feito por uma comissão científica internacional organizada com a finalidade de investigar fatos relativos à guerra biológica, durante a Guerra da Coreia (1950-1953).
O uso de insetos como armas de guerra talvez seja uma das mais nefastas e antigas formas de exploração humana sobre os animais. Jeffrey A. Lockwood, premiado entomologista, escritor e professor da Wyoming University, nos Estados Unidos, desvendou em profundidade essa longa e sinistra exploração. No livro Six-legged soldiers. Using insects as weapons of war(Oxford University Press, 2009) ele faz uma brilhante síntese de mais de 100 mil anos de história, do Paleolítico Superior aos dias atuais. A Guerra da Coreia é apenas um pequeno capítulo dessa longa história. O que chama a atenção na elegante análise de Lockwood é a capacidade de transmitir ao leitor o processo de aprimoramento das técnicas desenvolvidas para empregar insetos como poderosas armas de guerra: tanto para matar o inimigo por inoculação natural de venenos quanto para destruir plantações ou infectar reservatórios de água. Ou, ainda, como vetores para propagar doenças. Da pré-história ao Vietnã, passando por inúmeras guerras, Lockwood demonstra que o uso bélico de insetos acompanhou, da forma mais destrutível que se possa imaginar, grandes avanços da ciência e da tecnologia.
Durante a Segunda Guerra, por exemplo, países do Eixo, em suas estratégias para conter o avanço do exército soviético, iniciaram a produção em massa de pulgas infectadas com a peste bubônica. O plano original era criar em laboratório 5 bilhões de pulgas por ano, usando 300 mil ratos e centenas de prisioneiros de guerra como cobaias e fontes de alimento. Depois de contaminados com o sangue dos ratos e dos prisioneiros os insetos seriam lançados contra o inimigo. Em contrapartida, países Aliados, em um único campo para a produção de armas biológicas, utilizaram aproximadamente 700 mil animais como cobaias, entre camundongos, porquinhos-da- índia, ratos, coelhos, hamsters, sapos, macacos, canários, cães, ovelhas, ferrets, gatos, porcos e galos. O número de insetos não foi computado. Com o fim da Segunda Guerra e durante a Guerra Fria as grandes potências assinaram acordos na tentativa de controlar a produção e o uso desse tipo de armamento. A preocupação cada vez mais se voltou para a defesa contra possíveis ataques.
O poder dos insetos continua inegável e o ser humano tem muito a aprender com essas formas de vida. No Brasil e no exterior, entomologistas que trabalham, por exemplo, com formigas e abelhas, têm demonstrado de maneira surpreendente que o respeito pelos insetos pode levar a descobertas inusitadas e, talvez, mais importante que isso, a formas mais harmoniosas de convivência. É algo para pensar, com muita seriedade.
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