5.9.12
A primavera Árabe
Raízes Históricas
“Nós nos rebelamos contra os ingleses; e contra os franceses...
Nós nos rebelamos contra os que colonizaram nossas terras e tentaram nos escravizar...
Nós repelimos a revolução vermelha muitas vezes, e continuamos nossas revoluções brancas por muitos anos...
E para isso suportamos muito sofrimento, aguentamos muitas perdas, sacrificamos tantas vidas...
Mas: Quando finalmente conquistamos nossa liberdade, começamos a santificar as fronteiras que eles instituíram depois de dividir nossas terras...
E nos esquecemos de que essas fronteiras eram as do "confinamento solitário" e as da "prisão domiciliar" que eles nos impuseram!”
Sati‘ al-Husri
Estendo-se do Atlântico ao Oriente Médio o “Mundo Árabe” abriga uma diversidade cultural e histórica extremamente complexa, ao contrário do que essa generalização simplificadora sugere. Porém, essa região tem sofrido com ataques e dominações estrangeiras há muitos séculos, desde o Império Turco Otomano, passando pelo Imperialismo franco-britânico e finalmente sendo submetido pelos interesses econômicos norte-americanos.
O sentido de homogeneidade dessa região está muito atrelado à religião (Islã), mas também essencialmente a essa dinâmica de dominação enfrentada desde o medievo europeu.
No poema acima fica explicita a característica essencial dessa região do planeta, na qual as imposições de potências econômicas e militares determinaram sua configuração geopolítica sem levar em consideração as tradições milenares dos povos que nela habitam, sendo essa uma das razões de muitos dos conflitos que a assolam até hoje.
Não foram os árabes que construíram as fronteiras atuais de seu “mundo”, não foram os Tunisianos que criaram a Tunísia, nem os egípcios que criaram o Egito e assim poderíamos ir citando tantos outros, como Iraque, Síria, Jordânia, Arábia Saudita. A maioria das fronteiras nacionais dessa região foram desenhadas nas pranchetas de técnicos e políticos ocidentais, levando em consideração os interesses econômicos e geopolíticos de seus países e não dos povos então dominados.
Ainda no século XIX essa parte do mundo foi dominada pelas potências européias. Em 1830 a França tomou a Argélia e no ano de 1875 dividiu com a Inglaterra o controle sobre o Canal de Suez. Seja através da força das armas, ou por meio da dominação econômica, o imperialismo ocidental foi presença constante na região até o século XX.
Em maio de 1916, em plena I Guerra Mundial, os europeus firmaram um acordo (Acordo de Sykes-Picot) dividindo entre si os espólios do Império Turco Otomano– vale lembrar que nesse momento o petróleo já havia se tornado essencial para as economias capitalistas. Segundo esse Acordo cabia à França as áreas da Síria, Monte Líbano e à Inglaterra a dominação sobre a Mesopotâmia (atual Iraque) e como protetorado uma vasta região que se estendia do Egito ao Golfo Pérsico.
Mapa do Império Turco-Otomano em seu auge
Ampliando o cenário que abriria espaço para diversos conflitos na região, em 17 de novembro de 1917 os ingleses comprometeram-se a criar um “lar nacional judeu na palestina,” promessa que tornou-se realidade em 1948.
Ao longo do século XX, essencialmente no auge do processo de descolonização que tinha como pano de fundo a Guerra Fria, a maioria dos protetorados e regiões dominadas conquistaram suas independências formais, porém isso não significou o fim da submissão aos interesses econômicos das potências ocidentais. Estabeleceram-se fronteiras artificiais e governos, repúblicas ou monarquias, ligados mais aos interesses estrangeiros e pouca relação tendo com os anseios de suas populações. Costumava-se dizer que um soberano dos novos países árabes davam satisfações primeiro aos acionistas das gigantes petrolíferas e somente depois aos seus cidadãos.
Em 1956 o então presidente do Egito Gamal Adel Nasser nacionalizou o controle sobre o Canal de Suez com um discurso inflamado para um multidão de milhares de pessoas no qual ele disse:
“Tudo o que nos foi roubado por aquela empresa imperialista, por aquele Estado dentro do Estado, enquanto morríamos de fome, nós vamos reaver... O governo decidiu sobre a seguinte lei: um decreto presidencial que nacionaliza a Companhia Internacional do Canal de Suez. Em nome da nação, o presidente da república declara que a Companhia Internacional do Canal de Suez é uma companhia limitada egípcia”.
Com essa medida Nasser iniciou um processo que tentava levar a cabo um nacionalismo árabe, visando fortalecer a região frente aos interesses estrangeiros, porém essa medida acabou sendo limitada e não logrou êxito, essencialmente em função da dinâmica de guerras que assolaram a região durante toda a segunda metade do século XX.
A maioria das guerras tinham em sua raiz as disputas com o Estado de Israel que expandia suas fronteiras às custas de territórios de países árabes, em 1948 – 49 travou-se um conflito no qual os judeus anexaram vastos territórios. Depois em 1967 (A Guerra dos Seis Dias) no qual conseguiu anexar a Península do Sinai e as Colinas de Golã. Outras guerras sacudiram a região, seguindo a proporção de ao menos uma por década, em 1973 ocorreu a do “Yom Kippur” e na década de 1980 a Intifada Palestina. Além disso não faltaram também conflitos entre os próprios povos árabes, como a Guerra Irã – Iraque (1980 e 1988), seguindo-se a invasão do Kuwait pelo mesmo Iraque em 1990 que acabou com a intervenção norte americana dando origem à primeira Guerra do Golfo (1991).
A mistura de dominação direta, ou submissão disfarçada aos interesses das potências estrangeiras, a construção de fronteiras que não respeitaram a tradição dos povos que habitavam a região há séculos e o estabelecimento de governos autoritários, em sua maioria com forte componente religioso muito importante, para garantir uma estabilidade política que não colocasse em risco o fluxo de petróleo para as economias centrais está na raiz das explosões que está se ampliando a cada dia.
A Primavera Árabe, iniciada na Tunísia, é um movimento de populações oprimidas por governos que ao longo de décadas atenderam aos interesses imperialistas e mantiveram um silencio forçado a custa de muita opressão política e da formação de verdadeiros estados policialescos. Estados que nunca abriram espaço para manifestações de descontentamentos sociais e menos ainda canais reais de participação política para seus cidadãos. Ao atear fogo ao próprio corpo, simbolicamente, o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi não protestou apenas contra a apreensão de suas mercadorias ou da falta de perspectivas de vida, que atinge a maioria dos jovens do mundo árabe, mas demonstrou ao mundo que aquela medida extrema era um grito de desespero frente a uma realidade muito mais ampla, de um contexto em que a auto – imolação foi a única forma de se fazer ouvir, mesmo que a custa da própria vida.
Como uma panela de pressão, já sobrecarregada, essa atitude individual fez despertar pessoas em toda a região que identificaram-se com a rebelião solitária de Mohamed Bouazizi, por perceberem que muitos de seus problemas tinham as mesmas raízes.
Nesse ponto, e somente nele, é que as novas mídias de comunicação social foram indispensáveis, pois através delas as informações circularam a despeito do rígido controle exercido pelos Estados e permitiram a formação de um rede de indivíduos saturados da opressão suportada por tanto tempo em seus respectivos Estados.
Em outros momentos históricos movimentos de rebelião concatenados varreram também governos opressores, porém cada um deles deve ser entendido dentro de seu contexto, foi o caso das Independências na América Espanhola (primeira metade do século XIX), a Primavera dos Povos (1848) e o fim do socialismo no leste europeu.
Assim, as rebeliões no mundo árabe receberam o nome de “Primavera Árabe” em função de seu efeito concatenado, ou simplesmente pelo “efeito dominó”, pois elas se espalharam como um rastro de pólvora e obviamente tomaram rumos próprios em cada um dos países atingidos. Mas um grito era (e ainda é) quase uníssono em todos esses movimentos: “Liberdade”, o que significa na prática o fim da opressão promovida por governos atrelados muito mais a interesses de pequenas elites a serviço do capital estrangeiro do que às necessidades e anseios de suas populações.
por Leandro Barbosa Gouveia
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