1.5.13
Francisco de Orellana, o conquistador do Amazonas
A incrível história do espanhol Francisco de Orellana, que, de erro em erro, cruzou o rio mais caudaloso do mundo
Texto Marsília Gombata | Ilustrações Ligia Duque
Quando Francisco de Orellana foi convidado a se unir a uma grande expedição comandada por Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador Francisco Pizarro, que derrotara os incas anos antes, imaginava que sua hora de fazer fortuna havia chegado. Mal poderia imaginar que terminaria a aventura como o primeiro europeu (e possivelmente o primeiro humano) a atravessar todo o Rio Amazonas, dos Andes ao Atlântico. Orellana chegou à América em 1527, aos 16 anos, e estava no grupo que derrotou o imperador Atahualpa em Cusco. Perdeu um olho na batalha. Juntou-se a Gonzalo Pizarro aos 21.
O objetivo da expedição era encontrar El Dorado, o mítico ser que se vestia de ouro em pó e se banhava toda noite na mesma lagoa. Se não fosse possível, havia a chance de encontrarem a Terra da Canela, uma especiaria cara que vinha da Ásia para a Europa. Na América do Sul, canela era o nome dado pelos espanhóis ao ishpingo, uma espécie de pimenta doce, usada com fins medicinais. No começo de 1541, Gonzalo tinha recrutado mais de 200 espanhóis (os números variam de 220 a 280), 4 mil índios, 2 mil porcos e outros tantos cavalos e cachorros. O grupo deixou Quito no fim de fevereiro. Orellana perdeu a partida. Foi seu primeiro equívoco. Percorreu 320 quilômetros de Guaiaquil a Quito e, quando chegou, o grupo de Gonzalo havia partido havia tempo. As expedições atravessaram os Andes até caírem numa floresta fechada. As duas colunas se reuniram em Zumaco, a 180 quilômetros de Quito. Orellana, com apenas 23 soldados, havia sido atacado por índios hostis durante todo o trajeto e ao chegar foi nomeado tenente-general, o segundo em comando. Um chefe local chamado Delicola, talvez para se livrar dos espanhóis, disse que as terras a leste eram ricas e habitadas por grandes tribos.
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Um grupo de reconhecimento de 50 homens voltou dias depois dizendo ter encontrado um grande rio e “índios usando roupas”. Imediatamente, Gonzalo deu ordens para que se construísse um barco. “as dimensões são desconhecidas, mas provavelmente possuía remos cruzados e podia ser impulsionada por mais ou menos 20 homens”, escreveu Anthony Smith em Os Conquistadores do Amazonas.
A comida, porém, começou a escassear durante os trabalhos. Com o barco no rio e parte do grupo a cavalo, na margem, chegaram a cerca de 700 quilômetros de Quito. Haviam se passado dez meses do início da aventura. No Natal de 1541, sem encontrar El Dorado, a Terra da Canela ou tribos ricas, com fome e passando privações, Gonzalo e Orellana decidiram que um pequeno grupo seguiria em frente no barco em busca de comida. Os dois nunca mais se encontraram e passaram o resto de suas curtas existências praguejando um contra o outro. Orellana seguiu em frente e nunca mais voltou – ganhou fama de traidor. Gonzalo jamais o perdoou por isso.
Orellana comandou um grupo de 59 homens. As armas eram três arcabuzes e quatro ou cinco bestas. a correnteza impedia que tentassem voltar – e o que seguiu foi uma viagem espetacular, por uma região nunca antes observada por europeus. Seguiram pelo Rio Coca até o Rio Napo e de lá para o Amazonas (que na época era conhecido pelos espanhóis como Marañón). No fim da primeira semana, o grupo comia “couro de animais, trapos e a sola dos seus sapatos cozida com ervas”, no relato do frade Gaspar de carvajal, cujo diário é o único documento escrito da epopeia. O comandante foi um grande líder. Aprendeu a língua dos índios, travou contato com algumas tribos ribeirinhas e conseguiu comida para sua tripulação. Entre os aparias, estabeleceuse na aldeia e construiu, no meio da selva, um novo barco em 35 dias – uma das tarefas do grupo foi fabricar pregos de ferro no meio da floresta, usando as botas como fole para aquecer lenha. no dia 24 de abril, orellana e seus homens zarparam com o novo barco, a antiga embarcação e algumas canoas.
O grupo encontrou várias tribos amigáveis (constrangidas em ceder sua comida para os que eles fossem logo embora). Até que chegaram ao território do cacique Machiparo. Foram recebidos por guerreiros em canoas. Os espanhóis defenderam as embarcações e um grupo liderado por Alonso de Robles desembarcou na aldeia em busca de comida. Os feridos em combate somavam um terço da expedição. Orellana resolveu bater em retirada.
Primeiro colocou a comida que roubou dos índios nos barcos. Depois, os feridos, envoltos em cobertores para que não fossem notados pelos inimigos. A rotina da expedição era uma busca incessante por comida e conflitos com os locais. No dia 3 de junho, encontraram o Rio Negro (onde hoje está a cidade de Manaus). Foi o único nome dado por integrantes da expedição que se manteve. Em 8 de agosto, saíram finalmente do grande rio. Haviam se passado quase nove meses desde a separação de Orellana e Pizarro.
Ao voltar para a Espanha, Orellana procurou o rei em busca de apoio para se apossar da região Amazônica. “Na capital, a exploração totalmente espanhola de Orellana ao longo do Amazonas foi considerada mais embaraçosa do que um triunfo digno de todas as honras”, diz Anthony Smith. Nove meses depois, Orellana ganhou o direito de explorar a região de “Nova Andaluzia”. Bancando os custos, voltou para a região, mas sua tentativa de colonização foi um fracasso.
Os portugueses chegaram ao Amazonas vindos do Maranhão, um território então disputado com outros reinos europeus, como ainsaciáveis espanhóis, mas que torciam para França e a própria Espanha. Tanto espanhóis quanto portugueses sabiam da existência de outros projetos europeus na América Portuguesa, especialmente no norte do Brasil.
Autoridades da Península Ibérica, lembra Alírio Cardoso, historiador da Universidade do Maranhão (UFMA), conheciam esses “planos” por meio de documentos sobre avanço militar, comércio oceânico e tentativas de implantação de fortalezas, assim como entrepostos comerciais em zonas fronteiriças. Em 1621, 80 anos depois da expedição de Orellana, foi criada a província do Maranhão e Grão-Pará. Cinco anos antes, o capitão português André Pereira fundou o Forte do Presépio, onde hoje está Belém. Foi o primeiro passo para o domínio português de toda a região.
As portas da esperança
Dois grandes rios eram os caminhos para a riqueza
Portugueses e espanhóis disputaram palmo a palmo a América do Sul, o continente dividido pelo Tratado de Tordesilhas. O espanhol Vicente Yáñez Pinzón, capitão da nau Nina na primeira viagem de Colombo, passou pela foz do Amazonas em fevereiro de 1500, portanto antes da descoberta de Pedro Álvares Cabral. Deu ao rio o nome de Mar Dulce (mar doce). Para alguns autores, ninguém menos que Américo Vespúcio visitou o rio que separa Argentina e Uruguai – e em 1501. “Mais do que ser bastante visado na época devido à rota para o comércio da prata do Peru, o Rio da Prata era considerado uma espécie de irmão do Amazonas”, diz Alírio Cardoso, da Universidade Federal do Maranhão. “Cartógrafos do período pensavam se tratar de um mesmo grande rio que dividia o Brasil em dois.”
“Os portugueses efetivamente foram os primeiros europeus a navegar o rio sob a direção de Henrique Froes (ou Flores)”, diz Paulo César Possamai, professor da Universidade Federal de Pelotas no livro A Vida Quotidiana da Colônia do Sacramento. A expedição descobriu o Cabo de Santa Maria (atual Punta del Este) e penetrou no Rio da Prata em 1512. “A viagem de volta, pilotada por João de Lisboa e armada por Nuno Manuel e Cristóvão de Haro, trouxe de presente ao rei um machado de prata, a fim de provar a existência de metais preciosos”, escreveu. A notícia da expedição acabou preocupando o rei da Espanha, que em 1515 mandou para o Atlântico Sul uma missão composta de três navios a serviço da Coroa espanhola.
As guerreiras nunca mais vistas
Nome da região veio de tribo só descrita na expedição de Orellana
Elas eram ferozes, fortemente armadas e atacaram os homens de Francisco Orellana no dia 24 de junho de 1542. Eram doze, e oito foram mortas. Na descrição de frei Gaspar de Carvajal, “eram brancas e altas, tinham longos cabelos trançados e enrolados na cabeça, eram muito robustas e estavam nuas, com as partes íntimas cobertas, lutando tanto quanto dez índios homens”. As amazonas, como foram batizadas pelos integrantes da expedição, emprestaram seu nome da mitologia grega para a maior floresta tropical do mundo. Mas nunca mais, nos quase 500 anos seguintes, foram vistas por qualquer outra pessoa. De acordo com os relatos de Carvajal, tribos pagavam tributos a elas. As amazonas não eram casadas, mas geravam filhos com índios de outras tribos, capturados na vizinhança. Viviam só entre mulheres e os homens não podiam ficar em seu território à noite.
A rainha das amazonas era Coñori, que comia com utensílios de ouro e prata. As casas eram de pedra e as nobres usavam “camelos” – talvez lhamas ou alpacas. A descrição tem identidade com o mito das icamiabas, guerreiras que viviam sozinhas na floresta e eram excelentes arqueiras. Talvez os espanhóis tenham sido realmente atacados por mulheres (ou por índios cabeludos), mas as icamiabas não passam de uma lenda tupi. A força da descrição de Carvajal foi tanta na Europa que o Amazonas, inicialmente chamado de Marañón, em certo trecho de Solimões (ainda hoje), e por pouco tempo de Rio de Orellana, ganhou das guerreiras seu nome.
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/francisco-orellana-conquistador-amazonas-735039.shtml