6.6.13
Botica Real Militar
Criada pelo decreto de 21 de maio de 1808, anexa ao Hospital Militar e da Marinha, a Botica Real Militar tinha por atribuição manipular os remédios de botica “para que a toda e qualquer hora se acuda aos enfermos com os específicos necessários”. Sua criação deve ser compreendida como parte do processo de institucionalização da medicina no Brasil, iniciado com a vinda da família real e a autorização de funcionamento dos primeiros cursos de formação médico-cirúrgica na colônia, ambos em 1808: a Escola de Cirurgia da Bahia e a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro.
Ao longo do período colonial, o cuidado com a saúde foi uma atribuição partilhada por diversos agentes de cura, como cirurgiões, físicos, sangradores, barbeiros, parteiras e seus aprendizes. A prática da medicina ficou também a cargo dos hospitais militares, que durante o período colonial representaram a única possibilidade de assistência médica e fornecimento de medicamentos em diversas regiões. Da mesma forma, as boticas dos jesuítas e os hospitais da misericórdia foram durante o período colonial as únicas a que a população poderia recorrer, sendo as dos colégios da Companhia de Jesus as de maior notoriedade e prestígio. A tradição e a experiência dos jesuítas no preparo dos medicamentos tornou suas boticas célebres, oferecendo drogas provenientes da Europa e fórmulas preparadas a partir de produtos nativos, graças ao conhecimento adquirido a partir do extenso convívio com a cultura indígena. Em geral, estas boticas abasteciam não apenas os colégios da Companhia, mas também regiões próximas, sendo as mais notáveis as do Rio de Janeiro e Bahia. No entanto, São Paulo, Pará, Olinda, Recife e Maranhão também tiveram importantes boticas, sendo esta última flutuante, a Botica do Mar, que abastecia de medicamentos a costa até Belém. A partir de 1759, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, foram instalados hospitais reais militares nas principais vilas da colônia, destinados ao tratamento das tropas. No Rio de Janeiro, o Hospital Real Militar foi estabelecido em 1768, em substituição à enfermaria do Quartel das Naus, localizada no morro de São Bento.
Até o século XVIII, a fiscalização do exercício da medicina e da cirurgia era exercida pelos delegados do físico-mor e do cirurgião-mor, segundo regulamentos expedidos em Portugal para o Reino e seus domínios ultramarinos. Em 1744 foi aprovado o regimento geral dos delegados ou juízes comissários do cirurgião-mor e físico-mor nos estados do Brasil, que determinava que o regulamento de inspeção das boticas portuguesas fosse observado nesta colônia. A partir de 1782, a jurisdição sobre a prática médica e cirúrgica foi exercida pelos delegados da Junta do Protomedicato, órgão que substituiria o físico-mor e o cirurgião-mor do Reino. Aos curadores era necessário obter, junto às instâncias fiscalizadoras, a “carta de examinação”, que lhes concedia o direito ao exercício da arte de curar, sendo necessária a apresentação de habilitação ou a realização de avaliações perante uma junta examinadora.
No caso dos boticários, eram sua atribuições o preparo, o comércio de drogas e o aviamento de receitas. Em Portugal, ocupavam uma posição hierárquica inferior à dos físicos, e poderiam ser licenciados pela Universidade de Coimbra ou ingressar no ofício na condição de aprendiz, seguindo manuais como o Exame de boticários ou a Coletânea farmacêutica. Foi apenas em 1772, com a reforma da Universidade de Coimbra, empreendida pelo marquês de Pombal, que a formação dos boticários recebeu uma nova organização, com aulas no Laboratório Químico e no Dispensário Farmacêutico, ainda que continuasse sendo um ensino fundamentalmente prático.
Criada a Botica Real Militar em 1808, foi nomeado para o cargo de boticário Joaquim José Leite Carvalho, auxiliado por um oficial, um aprendiz e um servente. Pelo decreto de 22 de maio de 1810, o boticário ficava sujeito ao lente da cadeira de medicina clínica, teórica e prática da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, dr. José Maria Bomtempo. Esta cadeira foi estabelecida pelo decreto de 12 de abril de 1809 e tinha como objetivo formar cirurgiões que conhecessem também “os princípios elementares da matéria médica e farmacêutica”, devendo ser ministrada aos ajudantes de cirurgia e outros alunos que frequentassem o hospital. Segundo este decreto, para a instrução dos alunos e lições de prática era necessário ir ao laboratório, o que criava um conflito de jurisdição entre o lente e o boticário. O problema foi contornado com a subordinação do boticário facultativo ao professor da cadeira médica e cirúrgica, conforme sancionado pelos estatutos análogos a este assunto da Universidade de Coimbra.
O decreto de 17 de fevereiro de 1832 extinguiu os hospitais militares, substituindo-os por hospitais regimentais, considerados menos onerosos e mais adequados à organização da tropa. Segundo o art. 22 deste decreto, os medicamentos para os hospitais regimentais seriam fornecidos por uma ou mais boticas particulares, não fazendo qualquer referência à manutenção da Botica ou de um laboratório farmacêutico nas unidades instaladas no Rio de Janeiro. Da mesma forma, a legislação que fixou a despesa do governo nos anos financeiros subsequentes à criação dos hospitais regimentais, fazia referência apenas à “despesa de botica”, sem mencionar diretamente a Botica Real.
Dilma Cabral
Bibliografia
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Referência da imagem
Instrumentos de laboratório químico. OR1896. Encyclopedie, ou, Dictionnaire raisonne des sciences, des arts et metiers, par une Societe de Gens de lettres. Paris: Briasson, 1751-1780, v.2, pr. V
Fonte: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2568