6.8.13
História das palavras: Cair nos braços de Morfeu
Nós repetimos essa famosa frase antes de dormir, mas pouco sabemos sobre a origem dela, que remete à mitologia grega
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Morfeu, Jean-Bernard Restout (1732–1797), óleo sobre tela
por Sonia Darthou
Como sabemos todos, ainda que a maior parte desconheça sua origem, essa metáfora significa “adormecer”, “mergulhar num profundo devaneio”. A chave para a compreensão da sentença se encontra, como frequentemente acontece, nos mitos gregos. Morfeu é o deus alado dos sonhos noturnos – o que deriva de sua filiação, já que ele é o filho de Hipnos (o Sono) e de Nix, a deusa da Noite. Se seu nome quer dizer “forma” (morfo), que se transformaria num elemento de composição de palavras como “morfologia”, é porque ele detém o poder de assumir a aparência humana, de se transformar para se revelar aos mortais adormecidos.
Em Metamorfoses, o poeta Ovídio escreve que ele é “o mais hábil imitador da figura humana”, pois “nenhum outro reproduz com mais arte o modo de andar, a fisionomia, o timbre de voz e até as vestes e os discursos mais familiares de cada pessoa”. Morfeu vai notadamente assumir os traços de Ceix, que pereceu num naufrágio, e aparecer para sua esposa adormecida, Alcíone, para lhe pedir que encontrasse seu corpo e lhe organizasse o funeral. A ilusão é tão perfeita que, quando a esposa acorda, ela exclama: ”Eu o vi, eu o reconheci, eu o toquei (...). Era uma sombra real, a sombra manifesta de meu esposo”. No entanto, se Morfeu traz os sonhos, não é ele originalmente o deus associado ao sono.
A LENDA A expressão ligada a Morfeu, em verdade, deriva de uma confusão entre os poderes dele e os de seu pai, Hipnos, que adormece os mortais antes de sua última viagem. Na Antiguidade, o falecimento era simbolizado pelo rapto: dois irmãos alados, Hipnos e Tânatos (a Morte), erguem os defuntos nos braços para levá-los aos infernos subterrâneos.
Na época moderna, Morfeu foi associado à papoula, uma planta com poderes de sonífero. Na pintura, ele é retratado volitando, enchendo a terra de pétalas de papoula para adormecer os mortais a mando dos deuses. Mas, se nos remetermos à mitologia, veremos que “cair em seus braços” não é apenas adormecer: é mergulhar profundamente num outro mundo para se entregar ao deus das quimeras noturnas e dos sonhos proféticos, pois, com uma batida de asas, Morfeu dá “forma” aos sonhos dos homens. A palavra “morfina” vem também daí. Esse poderoso alcaloide de ópio, extraído da papoula, atenua a dor, mas seus efeitos alucinógenos foram denunciados por pacientes cujo quarto de hospital era invadido por várias formas, algumas delas ameaçadoras, rabugentas e misteriosas. Como se Morfeu escolhesse de novo se manifestar para os homens.
Sonia Darthou
Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/morfeu_historia_palavras_mitologia_grega.html