Exércitos invasores encontram resistência inesperada e
deixam população árabe na Palestina em xeque. Êxodo segue com mais
de 200.000 refugiados, muitos deles vagando pelo deserto
O flagelo dos palestinos: prisioneiros de guerra imploram por água em Ramle (à esq.) e casal de idosos se arrasta pela areia
"Que belo dia, este 14 de maio, quando o mundo árabe prende a respiração na expectativa da entrada dos sete exércitos na Palestina para redimi-la dos sionistas e do Ocidente. Neste dia, as forças árabes invadirão por todos os lados e se colocarão como um só homem, para exigir justiça e para satisfazer a Deus, à consciência e ao senso do dever."
anotação de um oficial da Legião Árabe em seu diário resumia todo o sentimento dos árabes na questão Palestina. As vésperas do final do mandato britânico, com os judeus prometendo fazer cumprir a partilha aprovada pelas Nações Unidas, a Liga Árabe sentiu-se convidada a invadir a Palestina para restaurá-la aos habitantes árabes. Entre seus membros, não havia dúvidas de que o intento seria alcançado sem dificuldades. Azzam Pasha, o secretário-geral da entidade, ainda se dava o direito de anunciar a dilapidação completa do inimigo. "Conduziremos um massacre para rivalizar com aqueles conduzidos pelas hordas mongóis", garantiu, logo no início das hostilidades.
Pasha: o árabe prometia um massacre
Todavia, a confiança e a certeza dos invasores logo soçobraram. Sem um comando unificado, com soldados despreparados e com interesses completamente distintos entre si, os exércitos árabes foram surpreendidos pela resistência vicejante dos judeus. Pouco mais de duas semanas se passaram desde que David Ben-Gurion anunciou a independência de Israel, e os árabes estão muito longe de conquistar seus objetivos, com seus combatentes exauridos pelos prélios. A situação só é mais catastrófica para os palestinos: acredita-se que entre 200.000 e 250.000 deles tenham deixado suas casas, em pânico, rumo aos países árabes vizinhos nas semanas que antecederam o mandato e na primeira quinzena da invasão sem contar as outras tantas vítimas de embates fatais.
Árabes e judeus culpam-se uns aos outros pela expatriação dos palestinos, que causa preocupação na comunidade internacional e já é questão prioritária nos debates das Nações Unidas. Israel afirma que a fuga em massa foi incentivada pelos próprios governos árabes, não só a fim de abrir espaço para a invasão de seus exércitos, mas também visando criar comoção ao redor do globo. Com isso, ganhariam apoio para a causa palestina as imagens de famílias palestinas vagando pelo deserto carregando apenas a roupa do corpo e alguns jarros de água são deveras impactantes. As autoridades judaicas argumentam que, na declaração de independência, garantiram liberdade e cidadania para os árabes palestinos em terras de Israel promessa que, aparentemente, não foi levada a sério.
Fuga da Galiléia: temendo as tropas de Israel, palestinos abandonam seus vilarejos
Carnificina e debandada - No outro front, as nações árabes afirmam que orientaram os palestinos a não deixarem suas residências, estabelecendo inclusive punições para os jovens em idade militar que fugissem de suas cidades e confiscando as propriedades daqueles que fossem embora sem autorização. A culpa pelo desterro, de acordo com seus líderes, seria dos sionistas e não apenas pela expulsão de civis na ponta da baioneta, como também pelo terror a eles infligido. Nesse ponto, a carnificina do vilarejo de Deir Yassin, no início de abril, onde cerca de 200 locais foram dizimados e tiveram seus corpos mutilados e jogados em um poço, é sem dúvida fator importante no imaginário palestino. Ainda que a Haganá tenha repreendido vigorosamente a ação inclusive prendendo os oficiais responsáveis , o temor de uma repetição do mortifício se alastrou pela população local, com conseqüências pouco animadoras.
Independente disso, é fato que a debandada civil tem uma explicação bem mais palpável: o colapso absoluto das instituições árabes na Palestina no crepúsculo do mandato britânico, com a fuga de seus principais líderes. Juízes, mukhtars, cádis e outras autoridades foram os primeiros a abandonar cidades como Haifa, Jaffa e a Cidade Nova de Jerusalém. Sem a elite de sua estrutura social, e encarando o formidável aparelhamento do estado de Israel, muitos decidiram partir para portos mais seguros ou seja, terras seguramente árabes. E, nas entrelinhas, os judeus já indicaram que o retorno dos refugiados às antigas terras da Palestina não será bem-vindo.
Rendição na vila de Ramle: desespero
Para piorar, os membros da Liga Árabe, que na declaração de invasão, datada de 15 de maio, usavam a segurança dos palestinos como justificativa para o início da guerra, pouco ou nada vêm fazendo nesse sentido. Sem uma coordenação de fato (o rei Abdullah da Transjordânia se auto-proclamou, no dia 14, comandante-em-chefe dos exércitos árabes, mesmo não tendo a menor idéia do que se passa nas tropas aliadas), as manobras militares acabam atendendo os interesses pessoais de seus líderes e, para desespero dos palestinos, sempre funcionam na base do cada um por si, Alá por todos. Ademais, ainda reverberam as palavras do cabotino Azzam Pasha e seu massacre anunciado mas não levado a cabo. Com os papéis invertidos, não é de se estranhar que os árabes palestinos esperassem o mesmo tratamento dos judeus. E, nesse caso, realmente não convém pagar para ver.
Fonte: Veja