General Vo Nguyen Giap, ex-professor de história transformado em herói nacionalFoto: Getty Images
Em 7 de maio de 1954, o exército colonial francês sofreu uma derrota histórica no Vietnã. Depois de cercado por mais de cinco meses no vale de Dien Bien Phu pelas forças dos guerrilheiros do Vietminh (precursores dos vietcongs que depois iriam enfrentaram os norte-americanos), o alto comando militar francês decidiu render-se ao general vietnamita Vo Nguyen Giap, que iria se tornar um dos nomes mais famosos das guerras anticolonialistas e um dos maiores capitães de guerra da história do século 20.
A rendição dos colonialistas
Foi o nascimento de um grande orgulho para o mundo em desenvolvimento. Uma pequena nação da Ásia derrotou convincentemente um poder colonial. Isto mudou a históriaAnil MalhotraAgente do Banco Mundial na Índia, sobre a batalha de Dien Bien Phu em maio de 1954
Era uma longa fila de soldados que se rendiam. Magros, enfraquecidos, debilitados pelas febres da floresta, exaustos pelas noites não dormidas, com o uniforme em frangalhos, pareciam sombras do que restava do orgulho colonial francês. No dia 7 de maio de 1954, o coronel Christian de Castries, comandante da guarnição-fortaleza de Dien Bien Phu, depois de cercado pelos vietnamitas por 169 dias, depôs suas armas.
O mais doloroso para a honra nacional dos franceses é que, desta vez, a derrota não se dava para as poderosas e treinadas Divisões Panzer dos generais Rommel e de Guderian, como tinha acontecido em 1940. A capitulação, desta feita, deu-se frente à gente nanica que combatia com sandálias de borracha e comia arroz com as mãos. O comandante deles, o general Vo Nguyen Giap, então com 43 anos de idade, era ainda menor do que seus comandados, pouco ultrapassando um metro e meio.
Ocupando Dien Bien Phu
A ironia foi que a determinação em travar aquela batalha decisiva no meio da selva partira do próprio comandante supremo da Indochina, o general Henri Navarre. Pressionado por Paris para dar logo um fim àquela guerra que se arrastava já há mais de sete anos, ele planejou um ousado lance de xadrez: um xeque-mate contra a guerrilha comunista. Lançou sua principal peça do tabuleiro, 17 mil homens, a maioria deles da Legião Estrangeira, tropa de elite, bem atrás das linhas inimigas.
O local escolhido foi o vale de Dien Bien Phu, uma espécie de esquina geográfica situada no Noroeste da Indochina, a 500 quilômetros de Hanói, na qual se entrecruzavam as fronteiras do Vietnã, do Laos e da China comunista, área por onde passava o apoio logístico às guerrilhas do Vietminh (Liga Revolucionária do Vietnã, controlada pelos comunistas de Ho Chi Minh).
Pôs então em execução um enorme deslocamento de tropas que envolveu o apoio de saltos de paraquedistas com o rápido entrincheiramento e fortificação do terreno. Navarre supôs que os vietnamitas, ao verem os franceses na sua retaguarda, aceitando a provocação, iram expor-se. Sairiam das tocas e viriam de peito aberto atacar o inimigo. Aí a superioridade bélica dos europeus iria se manifestar.
Paraquedistas franceses chegam a Dien Bien Phu, a fortaleza do inimigo no VietnãFoto: Getty Images
Paciente como se fora uma raposa das selvas, contudo, o general Giap montou uma demorada operação de cerco contra os franceses. Milhares de civis – estima-se em 250 mil homens e mulheres – foram mobilizados para, por dentro das picadas da floresta fechada, a pé ou com bicicletas, carregarem em cestas ou à mão todo o equipamento de artilharia necessário a formar um laço de aço ao redor da fortaleza.
O cerco sobre Dien Bien Phu
Não tardou para que aquele povo-formiga, para surpresa dos franceses, colocasse todos os canhões (fornecidos pelos chineses) ao redor dos morros que cercavam Dien Bien Phu. Enquanto uma chuva ininterrupta de obuses infernizava os legionários, milhares de vietnamitas, estimados entre 40 mil e 50 mil homens, obedientes à tática do "ataque constante, avanço constante", cavavam um labirinto de trincheiras que a cada dia mais se aproximavam dos sitiados. Havia "um vulcão sob a neve", concluíram os franceses. Metaforicamente foi como se o exército colonial tivesse voluntariamente colocado o pescoço numa forca que o estrangulava aos poucos.
Cada uma das fortificações (batizadas com os nomes das amantes do coronel Castries: Dominique, Elaine, Claudine e Huguette) que formavam o cinturão defensivo de Dien Bien Phu foi tomada no momento em que os guerrilheiros contavam com absoluta superioridade numérica e o maior poder de fogo. Os sitiados sentiram-se perdidos quando viram que os dois aeroportos da fortaleza começaram a ser destruídos pela artilharia do Vietminh, o que os impedia de receber reforços e munições. Cinco meses depois se viu o resultado: 7 mil franceses estavam mortos e 11 mil deles, totalmente estropiados, sujeitaram-se aos vietnamitas (*).
*
Um pouco antes da capitulação, o general Navarre, em nome da luta anticomunista, tentara desesperadamente envolver os Estados Unidos na batalha. O governo do general Eisenhower, que já financiava 78% da guerra dos franceses, todavia, depois de consultar o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, foi dissuadido de mandar lançar bombas atômicas táticas contra as tropas de Giap que cercavam Dien Bien Phu. O recuo dos americanos devia-se a eles temeram uma nova guerra da Coreia.
O sabor da vitória: a rendição dos franceses
Deve ter sido um momento especial para Giap, um ex-professor de história que se formara no Liceu Thanh, em Hanói, em 1937, para quem a causa da libertação nacional vietnamita empurrara para o meio da selva para ser general de guerrilhas. Um dos maiores do mundo.
Quang Thai, a mulher dele, presa pela Segunda Seção da Sûreté, encarregada de reprimir os revolucionários, fora espancada e morta por seus torturadores em 1943 (consta que fora amarrada pelos polegares). Agora ele via os assassinos dela jogarem suas armas e bandeiras no chão antes de partirem de volta para casa derrotados.
Dien Bien Phu, pelo seu simbolismo, foi uma das maiores vitórias militares do anticolonialismo do mundo contemporâneo: a reprodução exata da bíblica vitória de Davi sobre Golias. Dez anos depois foi a vez dos americanos começarem também a sofrer a lição da raposa das selvas.
Em 7 de maio de 1954, o exército colonial francês sofreu uma derrota histórica no Vietnã. Depois de cercado por mais de cinco meses no vale de Dien Bien Phu pelas forças dos guerrilheiros do Vietminh (precursores dos vietcongs que depois iriam enfrentaram os norte-americanos), o alto comando militar francês decidiu render-se ao general vietnamita Vo Nguyen Giap, que iria se tornar um dos nomes mais famosos das guerras anticolonialistas e um dos maiores capitães de guerra da história do século 20.
A rendição dos colonialistas
Foi o nascimento de um grande orgulho para o mundo em desenvolvimento. Uma pequena nação da Ásia derrotou convincentemente um poder colonial. Isto mudou a históriaAnil MalhotraAgente do Banco Mundial na Índia, sobre a batalha de Dien Bien Phu em maio de 1954
Era uma longa fila de soldados que se rendiam. Magros, enfraquecidos, debilitados pelas febres da floresta, exaustos pelas noites não dormidas, com o uniforme em frangalhos, pareciam sombras do que restava do orgulho colonial francês. No dia 7 de maio de 1954, o coronel Christian de Castries, comandante da guarnição-fortaleza de Dien Bien Phu, depois de cercado pelos vietnamitas por 169 dias, depôs suas armas.
O mais doloroso para a honra nacional dos franceses é que, desta vez, a derrota não se dava para as poderosas e treinadas Divisões Panzer dos generais Rommel e de Guderian, como tinha acontecido em 1940. A capitulação, desta feita, deu-se frente à gente nanica que combatia com sandálias de borracha e comia arroz com as mãos. O comandante deles, o general Vo Nguyen Giap, então com 43 anos de idade, era ainda menor do que seus comandados, pouco ultrapassando um metro e meio.
Ocupando Dien Bien Phu
A ironia foi que a determinação em travar aquela batalha decisiva no meio da selva partira do próprio comandante supremo da Indochina, o general Henri Navarre. Pressionado por Paris para dar logo um fim àquela guerra que se arrastava já há mais de sete anos, ele planejou um ousado lance de xadrez: um xeque-mate contra a guerrilha comunista. Lançou sua principal peça do tabuleiro, 17 mil homens, a maioria deles da Legião Estrangeira, tropa de elite, bem atrás das linhas inimigas.
O local escolhido foi o vale de Dien Bien Phu, uma espécie de esquina geográfica situada no Noroeste da Indochina, a 500 quilômetros de Hanói, na qual se entrecruzavam as fronteiras do Vietnã, do Laos e da China comunista, área por onde passava o apoio logístico às guerrilhas do Vietminh (Liga Revolucionária do Vietnã, controlada pelos comunistas de Ho Chi Minh).
Pôs então em execução um enorme deslocamento de tropas que envolveu o apoio de saltos de paraquedistas com o rápido entrincheiramento e fortificação do terreno. Navarre supôs que os vietnamitas, ao verem os franceses na sua retaguarda, aceitando a provocação, iram expor-se. Sairiam das tocas e viriam de peito aberto atacar o inimigo. Aí a superioridade bélica dos europeus iria se manifestar.
Paraquedistas franceses chegam a Dien Bien Phu, a fortaleza do inimigo no VietnãFoto: Getty Images
Paciente como se fora uma raposa das selvas, contudo, o general Giap montou uma demorada operação de cerco contra os franceses. Milhares de civis – estima-se em 250 mil homens e mulheres – foram mobilizados para, por dentro das picadas da floresta fechada, a pé ou com bicicletas, carregarem em cestas ou à mão todo o equipamento de artilharia necessário a formar um laço de aço ao redor da fortaleza.
O cerco sobre Dien Bien Phu
Não tardou para que aquele povo-formiga, para surpresa dos franceses, colocasse todos os canhões (fornecidos pelos chineses) ao redor dos morros que cercavam Dien Bien Phu. Enquanto uma chuva ininterrupta de obuses infernizava os legionários, milhares de vietnamitas, estimados entre 40 mil e 50 mil homens, obedientes à tática do "ataque constante, avanço constante", cavavam um labirinto de trincheiras que a cada dia mais se aproximavam dos sitiados. Havia "um vulcão sob a neve", concluíram os franceses. Metaforicamente foi como se o exército colonial tivesse voluntariamente colocado o pescoço numa forca que o estrangulava aos poucos.
Cada uma das fortificações (batizadas com os nomes das amantes do coronel Castries: Dominique, Elaine, Claudine e Huguette) que formavam o cinturão defensivo de Dien Bien Phu foi tomada no momento em que os guerrilheiros contavam com absoluta superioridade numérica e o maior poder de fogo. Os sitiados sentiram-se perdidos quando viram que os dois aeroportos da fortaleza começaram a ser destruídos pela artilharia do Vietminh, o que os impedia de receber reforços e munições. Cinco meses depois se viu o resultado: 7 mil franceses estavam mortos e 11 mil deles, totalmente estropiados, sujeitaram-se aos vietnamitas (*).
*
Um pouco antes da capitulação, o general Navarre, em nome da luta anticomunista, tentara desesperadamente envolver os Estados Unidos na batalha. O governo do general Eisenhower, que já financiava 78% da guerra dos franceses, todavia, depois de consultar o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, foi dissuadido de mandar lançar bombas atômicas táticas contra as tropas de Giap que cercavam Dien Bien Phu. O recuo dos americanos devia-se a eles temeram uma nova guerra da Coreia.
O sabor da vitória: a rendição dos franceses
Deve ter sido um momento especial para Giap, um ex-professor de história que se formara no Liceu Thanh, em Hanói, em 1937, para quem a causa da libertação nacional vietnamita empurrara para o meio da selva para ser general de guerrilhas. Um dos maiores do mundo.
Quang Thai, a mulher dele, presa pela Segunda Seção da Sûreté, encarregada de reprimir os revolucionários, fora espancada e morta por seus torturadores em 1943 (consta que fora amarrada pelos polegares). Agora ele via os assassinos dela jogarem suas armas e bandeiras no chão antes de partirem de volta para casa derrotados.
Dien Bien Phu, pelo seu simbolismo, foi uma das maiores vitórias militares do anticolonialismo do mundo contemporâneo: a reprodução exata da bíblica vitória de Davi sobre Golias. Dez anos depois foi a vez dos americanos começarem também a sofrer a lição da raposa das selvas.